Acordo com mãos quentes passeando por meu rosto, mãos que deduzo ser de minha mãe por serem tão pequenas. Concluo meu pensamento quando abro meus olhos e a vejo ao lado da cama, em pé. Quando ela me percebe acordar, senta-se ao meu lado e segura uma de minhas mãos com uma das suas, sua expressão é séria e assustada ao mesmo tempo. Posso sentir sua aflição mesmo que ela tente não demonstra-la para mim, o que era um costume seu fazer. Mas não desta vez, não agora.
— Mãe. – a chamo, tomando toda sua atenção, visto que não estava totalmente focada em mim — Está preocupada, aconteceu algo? – ela me observa atenta quando se aproxima para mais perto de mim, cobrindo-me com o lençol até o pescoço.
— Você estava deitada no chão, filha. Desmaiada e fria como morta, quem quase morre sou eu. – ela murmura baixo — Sua janela estava aberta, eu já não a pedi que a deixasse fechada?
— Eu não recordo de ter aberto minha janela. – respondo rapidamente — Como assim desmaiada e deitada no chão? – pergunto ao levantar rapidamente, sentindo uma leve pontada na cabeça.
— Elena, o que recorda de ter feito quando entrou em seu quarto ontem á noite? – ela continua com suas perguntas quando eu tento amenizar a dor que se instala em minha cabeça, massageando-a com os dedos.
— Me recordo de ter deixado meus sapatos ao lado de minha porta, como de costume. Da casa parcialmente escura, e...
— E? – ela me incentiva a falar.
— Eu não sei. – digo — Não lembro mais de nada.
— Santo Deus! – minha mãe levanta na mesma rapidez em que me sentei quando disse que tinha me encontrado desmaiada, se aproxima de mim mais uma vez e examina meu colo, pulso e pescoço, procurando por algo. O que me deixa intrigada.
— Pode, por favor, me dizer o que está acontecendo? – volto a perguntar quando também me levanto e fico em sua frente. Eu não me lembro de ter visto minha mãe tão preocupada quanto está agora.
— Eu pensei que, pensei que... – sua voz sai trêmula, baixa. Como se estivesse prestes a chorar — Pensei que a tivesse perdido!
— Me perdido? Mas, apenas foi só um desmaio que eu sequer recordo de como foi. A senhora fala como se tivesse sido algo mais grave.
Eu a vejo fechar os olhos e respirar fundo como se estivesse tentando-se recompor.
— Talvez eu esteja exagerando. – ela responde, mas não me convence — Foi apenas o susto de vê-la deitada no chão e perceber sua janela aberta. Já passou.
— O que tem minha janela aberta que a abala tanto? Fala como se fosse algo anormal abrir uma janela.
— Você sabe, Elena. Eu não gosto, você sabe!
— Mas tudo o que pode acontecer é algum bandido entrar por ela ou algum animal, animal barata, rato. Não é como se um vampiro ou algo imortal fosse entrar por ali. – aponto para a janela ainda aberta.
Minha mãe abre seus olhos em tamanha proporção que acho serem capazes de pularem para fora. De séria, agora ela parece irritada por não acreditar em o que eu tinha acabado de dizer. Desde quando pequena até agora, tanto minha mãe quanto meu pai não deixavam-me dormir com janelas ou porta abertas. No inicio eles sempre alegavam ser pelo frio, mas conforme fui crescendo e entendendo melhor as coisas, descobri ser apenas por medo de algum monstro (não animal) entrar e me atacar. Todos da vizinhança faziam exatamente o mesmo com seus filhos, protegendo-os de algo que não existia. Não existe.
Quando minha mãe sai pela porta, eu começo a tentar entender o que tinha acontecido. Em como eu pude ter desmaiado sem lembrar. Na verdade, eu não me lembro de nada depois de que entrei no quarto e enxergar apenas a escuridão. Mas, ao deitar em minha cama novamente e olhar para a janela aberta, minha cabeça começa a ver imagens que não lembrava ter visto. Como se minha memória estivesse voltando distorcida. Eu havia sonhado com ele novamente, mas um sonho diferente de todos que já tive. Ele estava em minha cama, ele quem tinha aberto minha janela.
Mas, como pode ser? A janela continuava aberta!
— Eu vou acabar enlouquecendo com tudo isto. – resmungo ao fechar minha janela, numa tentativa de que meus pensamentos fechassem como ela havia se fechado.
Eu balanço a cabeça de um lado para o outro numa tentativa falha de espantar tais pensamentos quando decido tomar um banho e me preparar para o longo dia que teria novamente. Desta vez certifico-me fechar bem minha janela para não correr o risco de encontra-la aberta depois. E o pior, não lembrar-me de ter a aberto. Procuro por meu celular em minha cama e não o encontro, por instinto meu olhar vai para o chão e encontro não só o celular, mas a bolsa que uso para ir á faculdade também. Vejo mensagens de Pietro e Vivian, uma amiga que sempre fica conosco também. Não sou tão próxima a ela quanto sou de Pietro, mas a considero uma amiga também.
Ao trocar de roupa e colocar uma mais leve pelo dia de sol que faz do lado de fora, eu observo atenta a grande mancha que tenho no seio esquerdo. Mamãe diz que é de nascença, mas eu estranho por ela nem meu pai também terem uma. É uma mancha bem acima do coração, sempre ouço piadinhas quando vou para consultas médicas em que é preciso ouvir meu batimento cardíaco. Eu sempre achei estranha, diferente, mas com o tempo aprendi conviver e aceitar que era apenas uma parte minha. Uma parte que, por sorte, poderia ser escondida por um sutiã ou biquíni. Termino de me vestir, pego minha bolsa e desço as escadas rumo à cozinha. Mas, paro ao ver meus pais sentados a mesa conversando.
Eu não deveria fazer o que estava prestes a fazer.
— Você não me entende, Demetrio. Ela estava desfalecida no chão, fria, praticamente morta. – ela fala para meu pai que a escuta com atenção e receio — E quando acordou não se lembrava do que tinha acontecido. Você sabe que isso não pode significar outra coisa! Não quando a janela estava aberta e ela sequer lembrar tê-la aberto.
— Isabel, o que você diz é extremamente preocupante. Mas a menina pode ter desmaiado por qualquer outra coisa, faça como eu e tente não achar que eles voltaram, em que ela desmaiou porque foi atacada!
Eu dou um passo para trás ao ouvir meu pai terminar de falar. Eles voltaram, mas eles quem? Minha mente se inunda com ‘vampiro, vampiro, vampiro’ e eu mais uma vez balanço a cabeça numa tentativa de que elas sumissem. Meus pais param no mesmo instante quando percebem minha presença na cozinha, assustados. Eles me olham como se não acreditassem me ver, mas também me olhavam como se estivessem com medo de algo. De mim.
— Você está atrasada, meu bem? – mamãe desconversa ao se levantar da mesa — Fiz seu prato favorito para o almoço, não irá comer?
— Estou atrasada. – respondo-a — Fica para quando eu voltar da faculdade, sim? Preciso ir.
Despeço-me de minha mãe com um beijo em sua testa e de meu pai em sua mão, pedindo por sua benção ainda intrigada com tudo que acabo de ouvir. Eu sentia que me escondiam algo, sentia que precisava descobrir do que se tratava. Mas ao mesmo tempo tinha medo por não ter certeza de que realmente quero saber. Minha relação com meus pais sempre fora a mais simples e amorosa possível, eles sempre trataram-me como se fosse especial. Mamãe sempre diz que fui um milagre, uma gravidez não acreditada, que meu nascimento foi um marco importantíssimo para meus pais.
Nunca tive motivo nenhum para duvidar dos dois ou achar que estariam mentindo para mim. Meus pais nunca mentiriam, aliás. Ou será que sim? Quanto mais tentava achar uma justificativa para isso tudo, mas confusa e curiosa ficava. Por que todos tratavam-me com cautela? Por que todos pareciam pisar em ovos quando viam falar comigo? Eu estava prestes a entrar em sala de aula quando começo a ter aquela famosa sensação de estar sendo observada, seguida. Mas incrivelmente eu era a única alma viva que estava no corredor da faculdade, visto que todos já estavam dentro de suas salas.
Por precaução continuo meus passos adiante e sigo para o banheiro feminino, sempre olhando para os lados e para trás. Toda esta história de vampiros e seres sobrenaturais com certeza está tornando-me uma paranoica. Aumento meus passos quando a presença se faz mais viva, mesmo que tendo certeza de que estava sozinha. Ando, ando e ando olhando apenas para o chão que não percebo esbarrar com alguém.
— Atrasada de novo, Elena Green? – Viviam diz, sorridente — Já estamos em aula.
— Eu, eu me atrasei no caminho. – minto — Quando cheguei senti uma imensa vontade de usar o banheiro, sabe? Estou naqueles dias. – continuo minha mentira.
— Sim, sim. Por favor, não se demore que logo entraremos com seu assunto predileto, os vampiros! – minha amiga desdenha e eu apenas rolo meus olhos para cima.
— Você sabe se Pietro já chegou? – pergunto enquanto a vejo se afastar cada vez mais, ela para e olha em minha direção.
— Oh, sim. Pietro já está em sala de aula, como sempre guardando seu lugar. – responde, vira de costas e volta a andar.
Eu precisava contar meu sonho para Pietro, ouvir seus sermões e quem sabe, tentar entender o que se passava em minha cabeça. Precisava também espairecer, esquecer que vivo numa cidade lendária repletas destas histórias criadas para atrair turistas. Queria sentir um sol mais quente, a areia quentinha de uma praia com águas cristalinas. Eu precisava ir embora deste lugar. Sim, apenas deste modo deixaria de pensar em baboseiras. Fico alguns minutos a mais dentro do banheiro apenas olhando meu reflexo no espelho, procurando por algo que estivesse fora do lugar e lavo meu rosto ao sair.
Quando consigo entrar na sala, todos os olhares são direcionados para mim. Inclusive o do professor, que me olha não muito alegre com meu atraso. Pietro no fundo da sala me observa calado, mas seu olhar também está repleto de perguntas e por querer saber do motivo que me fez chegar atrasada, o que raramente acontece. Como Vivian tinha dito, nossa primeira aula trata-se de Literatura e, como estávamos dando sobre Vampirismo, passamos praticamente a aula toda falando sobre Drácula. Enquanto falavam, eu lia sobre o mesmo no livro que nos foi dado para estudos. O grande conde, que antes de um vampiro era um homem gentil, de alta nobreza.
Quando somos liberados, todos vão direto para o refeitório enquanto eu continuo sentada em meu lugar. Todos saem, menos eu, Pietro e Viviam. Mas quando ela percebe que o assunto é apenas com ele, também ruma direto a porta.
— Não me dei ao trabalho de ligar para o seu celular, você nunca o atende. – ele diz — Se atrasou por qual motivo agora? Ontem foi porque havia um homem em sua cama e não do jeito que você queria.
— Eu tive um sonho esquisito, Pietro. – respondo e ele ri, desacreditado — Um sonho diferente de todos que já tive.
— Você sempre diz a mesma coisa quando tem um desses seus sonhos. Que, alias, eu pensava terem parado.
— Hoje pela manhã minha mãe encontrou-me deitada no chão. Segunda ela, eu estava desmaiada e fria. Fria como morta. – digo — Minha janela estava aberta, mas esta não é a parte intrigante.
— Oh, é sim. – ele diz rindo ao levar uma de suas mãos para seu rosto, aproximando-se mais de mim — Você dormir com uma janela aberta é bastante intrigante.
— Pi, eu sonhei com ele. Sonhei com o mesmo homem que tem estado em meus sonhos, com o mesmo homem que encontramos. – mudo meu pensamento ao ver sua expressão — Que eu encontrei no cemitério. E, com esse sonho um nome ficou gravado em minha cabeça.
— Um nome? – Pietro se mostra interessado, ficando em minha frente.
— Sim, um nome. Yoongi, diferente, não é? – Pietro assente — Pelo menos nunca vi ninguém com um nome assim por aqui.
— Obviamente. – ele responde — Se Yoongi for o nome do homem em que você tirou do cemitério, ele não é daqui. O homem tem os olhos puxadinhos, com toda certeza não nasceu na Inglaterra.
— Foi um sonho tão real... Eu pude sentir suas mãos sobre mim, seu toque quente e frio ao mesmo tempo. Como se eu não possuísse força de meu próprio corpo, eu própria deixei-me a sua mercê.
— O que exatamente você andou sonhando, Elena? – ele diz com malícia nos olhos — Você deixando-se a mercê de um homem para mim é total novidade.
— Não seja ridículo, eu disse que foi apenas um sonho. Mas, e se não foi?
— Como assim?
— E se... E se ele esteve mesmo em meu quarto e tudo que sonhei realmente aconteceu?
— Elena, você está mesmo me dizendo que acha que este homem entrou em seu quarto pela sua janela? Que, pelo o que posso ter entendido estava fechada?
— É loucura, eu sei. – indago baixo — Mas ultimamente tem me acontecido tanta coisa estranha que não me espantaria que tudo isso não tenha passado de apenas um sonho e que ele é...
— O que, um vampiro? – ele pergunta — Pelos céus, Elena. Sua cabecinha desmiolada já está passando dos limites. Eu mal a reconheço, não é você mesma que diz não acreditar em vampiros?
Pietro diz e ri alto, tão alto que acaba chamando a atenção do zelador que falta nos expulsar da sala. Era proibido que alunos continuassem em sala quando um professor não está presente, uma proibição um tanto ridícula. Eu sempre preferi estudar em sala quando ninguém estava, assim tinha mais paz e sossego. Fomos caminhados para onde o resto todos os alunos se encontravam, no refeitório, quando apenas nos restava poucos minutos do pequeno intervalo que nos era permitido. E, quando voltamos praticamente não vejo o dia passar, logo somos liberados.
Eu queria imensamente ir para casa, mas lembrar da conversa que peguei meus pais tendo a vontade diminui umas porcentagens. Digo, eu não saberia como encara-lo sem que a dúvida se fizesse presente. Sem que minha vontade de perguntar do que falavam, de quem. “Isso não pode significar outra coisa” minha mãe disse. “Eles voltaram” eu tinha ouvido meu pai complementar. Poderia ser qualquer outra coisa, mas como conheço meus pais e a cidade em que vivo, sei que não estão falando de outra coisa a não serem os seres que eles tanto evidenciam com medo.
Eu precisava ir para casa, precisava tomar coragem se quisesse realmente entender o que se passava dentro de minha própria casa. Pietro me oferece uma carona, o que era costume seus. Por nossas casas serem próximas uma da outra não era sacrifício algum para os dois, ele me deixa em minha porta e dá partida em seu carro. Viro-me em direção da casa e a vejo iluminada, diferente de como estava na noite anterior. Ouço vozes, também. Vozes que conheço ser de meus pais, mas uma me deixa confusa. Por mais que eu me lembre de já tê-la ouvida em algum lugar.
Em passos lentos e cautelosos eu caminho em direção da grande porta feita de madeira, mas quando estou prestes e colocar a chave e a virar ela é aberta. Minha mãe está por trás dela, mas posso ver meu pai sentado em sua cadeira e... Ele. Yoongi, se esse for mesmo seu nome. Fico parada ainda na porta como se não acreditasse no que via, como se minha cabeça mais uma vez estivesse pregando-me peças e fazendo-me ver coisas. Vejo meu pai sorridente ao lado dele como se fossem amigos íntimos, de longa data. Minha mãe também estava radiante perante a situação e a mim, que mantinha a expressão mais assustada possível.
— Boa noite, querida. Como foi seu dia? – minha mãe pergunta puxando-me para dentro da casa e tomando minha bolsa de minhas mãos — Teremos uma visita no jantar de hoje, espero que não se incomode.
O homem me olha como se pudesse enxergar através de minha alma, pudesse desvendar qualquer mistério que eu pudesse guardar.
— Este é Yoongi, Elena. Nosso novo vizinho.
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