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História Corte de Luz e Sangue - A Fera Abatida


Escrita por: CeriseBordeaux

Notas do Autor


Voltei mais cedo do que eu planejei porque eu já estou finalizando o capítulo onze, que tava travando muito o fluxo da história, e quis dar uma adiantadinha para vocês.

Nos vemos na próxima quarta-feira!

Até breve!

Capítulo 2 - A Fera Abatida


Fanfic / Fanfiction Corte de Luz e Sangue - A Fera Abatida

Havia se passado três anos desde aquele dia. Três anos desde a última vez que eu vira as terras de meu pai repletas de pessoas, de cor, de vida. Apesar de as outras cortes de Prythian terem sofrido durante e após a guerra, era claro que a Corte Primaveril fora a mais devastada por tudo que ocorrera — tudo por culpa das escolhas impensadas de nosso Grão-Senhor.

Os campos não tinham mais animais, a relva secara e empalidecera, as flores morreram e mesmo as fontes das águas estavam secando. Não havia nada além de escuridão e melancolia em todo lugar por onde se passava. 

E, claro, dor.

Era como ver o que outrora fora um belíssimo jardim se transformar em um amontoado de espinhos, ervas daninhas e fungos — deprimente e desolador.

Três anos não eram nada para feéricos, mas, pela primeira vez, eu pude perceber o quão intensa e rapidamente a vida podia mudar; o que significava ser impotente. Fraca. Incapaz.

A guerra contra Hybern fora brutal de maneiras que eu nunca poderia ter imaginado. Eu mesma já não conseguia mais olhar para uma faca de manteiga da mesma forma que antes; agora, sempre que eu me aproximava de uma, pensamentos sobre como utilizá-la para minha defesa ou um possível ataque surgiam em minha mente. E, às vezes, quando eu ia dormir, eu ainda conseguia ouvir os gritos desesperados ecoando por meus ouvidos. 

    E ainda assim, eu era uma das que estava em melhor estado quando comparada a outras pessoas da Corte Primaveril. Muitos levavam consigo marcas físicas além das mentais, fossem membros decepados, visões turvas ou inteiramente perdidas, ou, até pior, o fruto de uma violência em seu ventre.

    Com o fim da guerra e o passar do tempo, as coisas se acalmaram um pouco… Pelo menos nas outras cortes.

Com um Grão-Senhor ausente e ignorante ao que ocorria com seu povo, não foi de se espantar quando famílias começaram a migrar para as cortes mais próximas, deixando a terra cada vez mais vazia. Cada vez mais cheia de criaturas horrendas e maliciosas.

    Não havia mais salvação para a Corte Primaveril, tampouco para seu Senhor, diziam.

    A família Olaris, apesar de tudo, manteve-se de pé mesmo após tudo isso.

    Eu estava de pé.

    E eu encarava os portões da propriedade de meu pai pela primeira vez em três anos.

    Respirei profundamente, absorvendo o aroma de grama molhada e musgo que pairava no ar. A chuva caía ao meu redor, mas eu não me importei, continuei a estudar a enorme construção que por um curto tempo me serviu de lar.

    As grades de ferro da entrada, um dia cintilantes e belíssimas de se olhar, agora estavam ou retorcidas e oxidadas devido à falta de cuidados, ou simplesmente destroçadas e arrancadas de seus pontos após um dos ataques de Hybern contra nossa terra. As estradinhas de terra haviam sido cobertas com gramíneas disformes, algumas provavelmente alcançariam minha cintura enquanto outras não passariam de minhas canelas. Provavelmente já serviam de morada para alguma criatura rastejante.

    Observei o cenário mais adiante.

    O gazebo já não passava de uma pilha de fragmentos de mármore enlameados, e alguns poucos pedaços de madeiras que estavam largadas no caminho para a mansão, os únicos que haviam sobrado, já estavam em estado de putrefação. O celeiro não estava muito diferente. Mas o que mais me chocou foi a mansão em si.

Seu estado era deplorável.  

Apenas a parede da entrada ainda se mantinha de pé, enegrecida devido ao incêndio e rachada em diversas áreas. Heras cobriam seus limites, camuflando-a tão bem que quem passasse por ali sem saber o que aquela parede um dia fora pensaria se tratar de alguma árvore velha, e não havia resquício das antigas janelas e porta de carvalho maciço pela qual eu tanto adorava correr os dedos sempre que me aproximava. 

No entanto, continuava de pé, assim como eu.

Voltei a erguer o capuz de minha capa e sequei o excesso de chuva que escorria por meu rosto antes de me curvar em direção à minha égua, acariciando seu longo pescoço delicadamente.

— Já está na hora de seguir em frente, não é? 

    Ela relinchou baixo. 

— Ora, Hortelã, não seja atrevida! — eu a repreendi. — Sabe que um pouco de chuva não faz mal à ninguém. — ela balançou a cabeça de um lado para o outro e eu dei uma risadinha. — Certo, certo, eu prometo te recompensar assim que pararmos para descansar… Ainda tenho algumas maçãs na bolsa, daquelas que você ama — suas orelhas ficaram em pé, atentas ao que eu lhe dizia. —, então se você for uma boa garota e me levar até a cidade principal antes do anoitecer te darei três de uma vez, hm? O que acha?

    Como resposta, Hortelã retesou por completo e eu mal tive tempo de segurar-me às rédeas antes que ela voltasse a galopar pela estrada. 

    Inclinando-me sobre seu dorso, agarrei a correia com ainda mais força, semicerrando meus olhos para poder enxergar (ou pelo menos tentar) apesar das grossas e frias gotas de chuvas que se chocavam contra meu rosto. Era quase como se pequenos fractais de gelo perfurassem-no, mas ignorei ao máximo a sensação e foquei em guiar Hortelã pelo caminho que eu queria seguir.

    Ela corria ligeira como um raio, sem se incomodar com os trovões que retumbavam à distância. Parecia até que era uma com os ventos tempestuosos. 

Não que isso fosse algo negativo; na verdade, fora justamente por esse motivo eu a escolhi para ser minha montaria nessa viagem, por ser ligeira. Eu não poderia me permitir perder muito tempo ou estaria tudo acabado.

Já devia ser por volta do fim da tarde quando chegamos à antiga cidade que costumava ser o centro da Corte Primaveril. Eu estava encharcada por conta da chuva, mas Hortelã estava bem apesar de esbaforida e isso era tudo o que importava.

Desci da sela com cuidado para não escorregar nas pedras cobertas de gramíneas no chão e observei o meu arredor. Tudo se encontrava da forma que eu imaginara: quieto, escuro e vazio. O céu escuro e a chuva pioravam a atmosfera pesada e assustadora do lugar, e me perguntei por um breve instante se teria sido uma boa ideia vir até aqui. Quer dizer, eu nunca estivera fora de Blooming Manor durante os meses que precederam a guerra e desconhecia a Corte Primaveril como um todo, não sabia nada sobre essa cidade sem ser o que eu lera e ouvira falar.

Estava sozinha em uma cidade fantasma com apenas uma adaga para me defender, se alguém me atacasse, eu estaria em desvantagem. Em muita desvantagem. 

Não, você está aqui porque é necessário, nada de desistir agora, Ophelia. Eu disse a mim mesma. Continue andando, você está perto. Você consegue!

Agarrando as rédeas de Hortelã em uma mão e a adaga nas dobras de minha blusa com a outra, pus-me a caminhar pelas vielas que se apresentavam em meu caminho.

Surpreendentemente, a cidade estava em um estado melhor do que eu imaginava. As casas estavam inteiras, assim como algumas pequenas lojas; era pouca coisa, mas mostrava que ainda havia movimento ali. Pessoas. Vida. Só me bastava encontrá-las.

Quando estava quase perdendo as esperanças, meu olhos foram recebidos com uma taverna próxima à praça da cidade. Era pequena, verdade, mas havia luz ali, e sons, e cheiros, e pessoas

Amarrei as rédeas de Hortelã em um poste ao lado de uma casa com telhado grande o suficiente para protegê-la da chuva que ainda caía e quando estava prestes a me afasta, ela relinchou indignada.

Revirei os olhos e retire de dentro da bolsa três maçãs.

— Seu pagamento, Senhorita Hortelã Canela de Blooming Manor. — coloquei-as sobre o parapeito da janela da casa e ela soltou ar pelas narinas, como se satisfeita em ouvir seu título, e abocanhou uma das frutas.

    Apressei-me para a taverna, abrindo a porta de entrada com um suspiro ao sentir o ar quente me envolver pela primeira vez em dias. 

    Pessoas conversavam tranquilamente e um suave som música ecoava pelo espaço, assim como uma ou outra risada escandalosa de um dos machos que bebia ao fundo. O aroma de carne assada e legumes pareceu me entorpecer, provavelmente por culpa dos longos dias que passara à base de pão e água, e tratei de me sentar na mesa mais próxima.

    Baixei meu capuz e abracei meu corpo, tremendo enquanto meu corpo se aquecia pouco a pouco. Notei que as pessoas na taverna me observavam e engoli em seco, nervosa por estar só em um lugar costumeiramente masculino. Agarrei a adaga com mais força, tentando me acalmar, mas sem muito sucesso.

Me virei em direção a uma fêmea de pele cor de mirtilos e grandes olhos dourados, fendidos como os de um gato, que andava por entre as mesas com uma bandeja cheia de comida. Ela era baixinha, mas corpulenta, e sua vasta cabeleira índigo estava presa em um coque muito bem feito, com apenas alguns cachos se soltando próximos de seu rosto.

— Hã, com licença, eu gostaria de pedir um pouco da carne que a senhorita está servindo… 

    Ela piscou ao notar a minha presença, mas assentiu e se aproximou rapidamente, colocando um dos pratos à minha frente. Não hesitei em atacar a comida, nem mesmo parei para pensar se estava parecendo um animal selvagem ao comer ou não; eu queria, não, precisava comer.

    Morreria se tivesse que comer pão e água por mais uma refeição.

    Por fim, ela deu uma risadinha, o que me despertou do meu transe faminto.

— Você não é daqui... 

— Claro que não é, Marys! Veja como ela está assustada! — um dos machos que bebia ao fundo disse, rindo com os amigos. — Parece uma ratinha comendo um queijo desesperadamente antes que um gato a devore!

    Minhas bochechas se aqueceram no mesmo instante e tentei diminuir a velocidade com a qual comia.

— Cale a boca Zhorer, você estava em um estado ainda pior quando chegou aqui! — ela respondeu impaciente. — Estava todo sujo por ter sido assaltado na estrada!

    O macho ao lado de Zhorer gargalhou.

— Não se esqueça das lágrimas e desespero dele, Marys! 

    Os outros que estavam na taverna riram, e o macho apenas virou o rosto para o lado, resmungando algo baixo.

    A fêmea, Marys, se virou para mim com um sorriso gentil nos lábios e me peguei retribuindo o gesto.

— Não ligue para ele, é só um macho falastrão, mas tem bom coração… — ela apoiou-se sobre minha mesa com uma mão e olhou-me de cima a baixo rapidamente. — Me chamo Marys e sou a dona dessa espelunca, então pode ficar tranquila que nada vai te acontecer enquanto estiver aqui, está bem? 

    Assenti e engoli antes de respondê-la.

— Muito obrigada… Eu me chamo Ophelia.

    Ela inclinou o rosto para o lado.

— Que nome bonito, parece coisa de nobreza… 

— Acredite em mim — disse enquanto secava a água que escorria por minha testa. —, de nobre eu só tenho o nome.

— E o que está fazendo por essas bandas sozinha, Ophelia? Não sabe que aqui é um lugar desolado e esquecido pelas cortes de Prythian?

    Corri meus dedos pelas depressões da mesa, perdendo-me brevemente em meus pensamentos.

— Tenho assuntos com o Grão-Senhor.

    A taverna inteira caiu na risada, me fazendo pular na cadeira devido à súbita mudança de comportamento. 

— Você está perdendo o seu tempo, fêmea. — disse um dos machos próximos a Zhorer, o que carregava um machado em seu cinto.

    Franzi o cenho. — E como você poderia saber?

— Porque já fazem mais de cinco luas desde a última vez que ouvimos falar do paradeiro do maldito e se nós, moradores da cidade mais próxima de Rosehall, não sabemos onde ele possa estar, quem dirá você. — ele me olhou com desdém, o nariz franzido como se sentisse um odor desagradável. 

— Pense o que quiser, mas eu vou encontrar seu Grão-Senhor. — respondi tão dura quanto ele, sem desviar o olhar do seu. — E não vai ser um macho qualquer que vai me convencer do contrário.

    Ele sorriu com frieza.

— Faça o que bem entender, mas não venha nos implorar por ajuda quando uma daquelas criaturas nefastas estiver em seu encalço.

— Pode ficar tranquilo — levei o último pedaço de carne e cenoura à boca. —, não irei.

    Marys suspirou.

— Seja lá o que precise falar com o Grão-Senhor, não acho que vá ter o resultado que espera… Temos nos virado por conta própria por tempo o suficiente para perceber que ele simplesmente não se importa mais. — contou-me, uma expressão de tristeza em seu rosto. — Não depois de sua noiva partir.

    Engoli a comida com calma antes de falar:

— Eu ouvi que as coisas estavam ruins, mas não imaginei que fosse tanto… — massageei a região entre minhas sobrancelhas, sentindo a pontada de dor de cabeça que se formava. — As estradas, as florestas, tudo está… 

— Refletindo o estado de espírito dele. — explicou conforme se sentava na cadeira à minha frente, o corpo ligeiramente jogado de lado. — Nunca vi essas terras sofrerem tanto, nem mesmo durante o período que Amarantha—

— Que arda no inferno! — interrompeu Zhorer, sendo prontamente imitado pelos outros feéricos. 

— ...Estava no poder. — concluiu Marys.

— A terra está seca. — o macho de longos cabelos negros continuou: — Não se consegue mais plantar, e quando por um milagre da Mãe o fazemos, é pouco o que cresce. — ele me encarou com sobriedade, olhos verdes tão opacos que quase me pareceu morto por um instante. — Mesmo após tanto tempo ter se passado, o Grão-Senhor continua sem se importar conosco, com o fato de que por culpa dele — ele apontou para a janela, na direção que provavelmente se localizava Rosehall, a expressão tornando-se cada vez mais enraivecida. — nossas famílias foram mortas, porque ele permitiu que Hybern entrasse em nossas terras e destruísse tudo em troca daquela maldita fêmea!

    Apenas continuei encarando-o enquanto absorvia aquelas palavras. 

— Vocês são quantos, no total?

— Em torno de trinta. — o macho respondeu, reclinando-se em sua cadeira.

— Disse que estão tendo problemas para plantar, não? Onde estão conseguindo mantimentos?

— Dos poucos que crescem e das cortes mais próximas. 

    Assenti e fechei os olhos.

    Trinta pessoas. De milhares, a população do coração da Corte Primaveril havia sido reduzida a apenas trinta pessoas. E ainda assim estavam tendo problemas para se alimentarem.

    As estradas que ligavam as cortes Estival e Outonal à Primaveril diretamente haviam sido bloqueadas desde que as criaturas que aqui estavam começaram a se espalhar, então agora só caminhos longos e tortuosos eram a conexão entre essas pessoas e a comida. Estavam isolados. Isso sem contar que as criaturas também poderiam atacar quem transportasse as cargas, tornando a obtenção de alimento ainda mais difícil.

    Eu vira o quão complicado havia sido vir da Corte Estival para cá, havia sentido na pele o medo de ser atacada e a sensação constante de estar sendo observada; imaginar que alguém se voluntariaria para passar por esses caminhos em uma tentativa desesperada de salvar os amigo e a si próprio era inacreditável.

    E com a terra e fontes de água secando, certamente não durariam muito mais tempo…

    Suspirei.

    Abrindo os olhos novamente, levantei da cadeira, decidida a seguir adiante.

— Bem, foi um prazer conhecer a todos, mas preciso ir. Rosehall fica para lá, certo?

— Não acho que seja o momento certo para estar desabrigada, pequena fêmea. 

— Não acho que seja o momento certo para me dizer o que fazer, macho. 

    Ele deu uma risada baixa.

— Pois bem, fique à vontade para ser devorada.

Enfiei uma mão na bolsa ao redor de meu corpo e tirei uma pequena sacola de moedas de dentro, colocando-a sobre a mesa. — Acredito que isso seja suficiente para pagar minha conta…

    Marys empurrou-a para mim. — De jeito nenhum irei aceitar… — abri a boca, mas ela ergueu a mão para me parar. — Só… Fale com o Grão-Senhor, faça com que se lembre de nós, por favor.

    A maneira com a qual ela disse aquilo me atingiu com mais força do que um soco no estômago e eu assenti, agradecendo-a brevemente antes de sair da taverna, mas não sem antes dar uma última olhada ao macho de longos cabelos negros que continuava a me olhar.

    Não estava mais chovendo quando pisei do lado de fora, então eu caminhei com calma até Hortelã. Ela cochilava quando me aproximei, por isso tomei cuidado ao acordá-la e desamarrá-la, obtendo um relincho irritado em resposta.

— Desculpe, Horty, mas ainda temos que viajar mais um pouquinho. Assim que chegarmos lá você poderá dormir o quanto quiser, juro! — a contragosto, Hortelã manteve-se parada para eu poder montá-la, e eu dei um beijinho em seu pescoço molhado. — Boa garota.

    Por mais de meia hora, nossa única companhia foi o ocasional barulho da brisa correndo ao nosso redor e, claro, o corredor de árvores espessas que ligava a cidade à propriedade do Grão-Senhor.

    Olhei para cima. Já não havia nuvens de tempestade, apenas o céu noturno, escuro como a crina de Hortelã, salpicado por estrelas. Era a primeira coisa bela que eu via desde que voltei à Corte Primaveril.

    Seguimos no corredor por mais algum tempo tendo cuidado para não ficar nem muito devagar, nem muito rápido e alertar as criaturas.

    E então um ponto esbranquiçado surgiu no fim do túnel. Estreitei meus olhos e constatei que, de fato, se tratava de uma construção. Meu coração acelerou e eu aticei Hortelã, que começou a correr em direção ao pequeno ponto branco que crescia conforme a distância diminuía.

    Rosehall.

    Eu havia chegado a Rosehall.

    Após uma viagem extenuante, cá estava eu, em frente aos portões da propriedade.

    Desci de Hortelã em um pulo, tateando minha bolsa para pegar a chave que o antigo Grão-Senhor dera ao meu pai e abrindo os portões dourados. Foi espaço suficiente para eu puxar minha égua comigo sem deixar aberturas para alguém tentar entrar conosco, caso estivessem nos observando. E então fechei-os novamente.

    De alguma forma, o único lugar intocado pela guerra havia sido esse. A grama aqui ainda se encontrava esverdeada, ainda que minimamente, e botões de flores esperavam o momento certo para florescer. Inspirei profundamente, sentindo o aroma de eucaliptos e rosas que pairava no ar.

    Rosas?

    Olhei para os lados, meio que na expectativa de vê-las, mas não havia nada ali além de tulipas e margaridas. Estranhei o fato, mas me mantive calada enquanto seguia pela estrada de terra junto de Hortelã.

    A enorme mansão se erguia um pouco a frente e eu tive que parar por um breve instante para observá-la.

    Era ainda maior do que nos livros, facilmente o dobro ou triplo de Blooming Manor, mas a beleza estonteante que eu tanto ouvira falar já não existia ali. Não havia aquele brilho vívido que eu costumava ver nos edifícios antes da guerra; era bem arquitetada e bonita, claro, mas não passava disso. Uma construção. 

    Não havia o barulho de risadas ou pássaros cantando como Ianthe costumava afirmar quando eu era pequena. Não haviam frutas dos mais diversos tipos nas árvores, tampouco a variedade de cores e aromas que ela dizia ter. Talvez se eu tivesse vindo aqui antes, enquanto a guerra ainda não era uma possibilidade, eu pudesse ter visto tudo da forma que minha família um dia vira.

    Agora, entretanto, só havia silêncio e solidão.

    Deixei Hortelã deitada na grama quase morta e andei até as portas de madeira à minha frente. Grandes e pesadas, e, para minha surpresa, entreabertas.

    Agarrei a adaga nas dobras de minha blusa. Será que tinham aproveitado a ausência do Grão-Senhor para invadir a casa e roubar o que ele ainda tinha?

    Colocando um pé na frente do outro com cautela, empurrei a porta mais um pouco e entrei na mansão, analisando o corredor brevemente com meus olhos à procura dos ladrões. Meus olhos repousaram sobre as manchas de sangue que se estendiam pelo papel de parede e eu segui a trilha até chegar ao salão de visitas.

    A adaga caiu de minha mão e eu não consegui segurar o grito que escapou de meus lábios.

    Desmaiado no chão, encontrava-se o moribundo Grão-Senhor da Corte Primaveril.



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