Não passa uma hora sem que eu relembre aqueles olhares em mim, ódio puro, vejo as coisas horríveis que ele fez, que acho ser errado até mesmo falar. Não conseguia relaxar aqui em minha cama, mesmo que eu retivesse meus ouvidos, eu conseguia ouvir os gritos vindos daquelas minas em minha mente, me lembrava de como achei Klyce e de quantos não tiveram essa sorte, mas, felizmente, eu nunca estou sozinho...
— Aryn, acalma-te, iremos dar conforto a todas as almas daqui...
— Você viu o tanto de gente? Nós cortamos os suprimentos, logo vão passar fome, logo haverá caos, e gente inocente vai morrer.
— Queres apressar isso? – me remexo na cama concordando, não sinto calor, mas sei que será uma tarde quente, Huceol sua e me força a levantar logo depois.
Me sento na cama longe da claridade de fora, massageio minhas têmporas apoiando os cotovelos nas pernas, os cabelos dele caíram a minha frente. Sinto um zumbido em minha mente. – Aryn, tenho uma boa notícia... Nossa magia está em ápice, tudo foi restaurado completamente.
— Não vejo a hora de me livrar desse corpo, eu quero sair desse lugar... – reclamei apertando os olhos.
— Então faça o que deve ser feito agora, nada nos impede, nada nos deterá.
Olhei para a minha porta fechada, cruzei os dedos, pensativo, havia tantas formas de matar todos os inimigos, mas, sempre que minha mente ficava agressiva eu notava ignorar as pessoas comuns, mas, junto a Thereza, consegui mesclar as memórias de Huceol e achar uma brecha. Sorri com real alegria, vamos sair daqui... Finalmente...
Abro as portas com vontade, inspirei com um arrepio nos braços, eu não entraria no quarto de Klyce, mas tenho que leva-lo a segurança, felizmente ele é fiel a mim, felizmente tenho os instrumentos para fazer a justiça, bato na porta duas vezes e em questão de segundos o Nanci abre-a com uma expressão feliz no rosto, o olhei de cima a baixo, apesar da coleira de alta qualidade, ele ainda trajava apenas a tanga de antes, não era algo que me importava, digo, que Huceol se importaria, mas tenho que me livrar desse pensamento de que ele é um animal, é meu criado agora.
— Klyce. – ao ser chamado o Nanci fica em prontidão, ergue o peito e pela primeira vez me olha diretamente.
— Sim meu senhor. – os olhos azuis dele me entreteram por alguns segundos, mas o lobo baixa cabeça por estar me encarando. – Perdoe-me.
— Veja bem. – começava a ordená-lo. – Any ficará sob sua posse até que eu volte, você vai para a casa dela, sem pausas, sem segundas rotas, lembra do caminho, certo?
— Sim meu senhor. – responde prontamente assentindo.
— Ótimo, vá até ela e diga: Os quatro dias vão raiar hoje, a meia noite anuncia sua chegada, aqueles com armas chamarão a mim, as sombras serão vivas, o branco se revelará. – meu servo ficou calado. – Entendeu?
— Entendido meu mestre.
— Repita para mim... – tenho que ter certeza...
— “Os quatro dias vão raiar hoje, a meia noite anuncia sua chegada, aqueles com armas chamarão a mim, as sombras serão vivas, o branco se revelará”. – respondi ao meu senhor, vê-lo sorrir me faz muito feliz, como seu servo eu preciso me esforçar ao máximo para tudo que me ordenar, não importa o que seja.
— Muito bem Klyce, agora vamos tratar de algo mais tranquilo... Não sairá usando isso. – ele aponta a minha virilha. – Vou lhe dar algo melhor para usar. Algo que não corra o risco de mostrar suas partes. – eu me olhei um pouco, a primeira vez que recebi algo para vestir foi aos meus quatro anos, a mesma sensação de felicidade me visita agora.
— Fico muito agradecido meu mestre. O que o senhor quiser...
— Como se mostrou valoroso deixarei que escolha, há uma estante em meu quarto, pegue o que quiser...
— Meu senhor eu...
— Não estou pedindo, tem uma hora, quando estiver vestido faça o que mandei e obedeça Any veementemente. – me curvei a suas palavras, é isso que farei.
Descia as escadas com pressa, eu pessoalmente nunca gostei de roupas, elas irritam meu pêlo, por isso escolhi um braie branco como eu, ele seria justo a minha cintura, mas minha cauda não ficava acomodada dentro da vestimenta, não sei se seria ousadia, por isso não peguei um cinto ou algo do tipo, procurei um substituto e só depois de algum tempo vi uma corda fina para prender aquilo a minha cintura, onde deveria por um cinto, apesar de ser justo, deixa um pouco mais apertado, felizmente consegui passar a corda por cima da minha cauda e manter tudo pra cima, resolvi o problema das barras um pouco largas com mais corda para prendê-las acima de meus tornozelos cruzando-a com certa beleza, lugar onde comumente me prendiam a grilhões. Chegava ao final da escada, vi Huceol, estava falando com uma mulher de cabelos escuros que assentia a meu senhor, ela fica alegre ao terminar de falar com meu mestre e ao me ver, me olha e solta um riso, meu dono retornou a suas vestes incríveis, aquele tecido branco me é tão impressionante...
— Klyce, venha aqui. – ele estende a mão a mim, me convidando a ir até ele. Meu mestre me fita de cima a baixo e pinta no rosto um sorriso pequeno de canto. – Humm, você está muito bem... – sua mão esquerda passa pelas minhas costas, a outra que se apoiava na porta toca a argola em minha coleira, sem saber como reagir eu fico paralisado sentindo sua mão bater em meu peito. – Vai. – me incita a andar com a mão atrás de mim, mas por educação me viro a ele e me curvo.
— Espero vê-lo logo meu mestre... – Klyce diz e começa a andar sem hesitação. Eu realmente gosto dele, é útil, em vários sentidos.
— Não se esqueça de nada Klyce... – o lobo se vira e volta a se curvar em respeito.
Já eu sigo um caminho diferente, farei como Huceol para chegar a esse posto, lutando com outro vice-diretor, mas nesse caso eu só terei uma luta com ele por diversão, e digamos que eu vou me divertir mais. Fecho minha porta, é a última vez que vou entrar aqui, que minha justiça comece...
Por meu pedido, todos os mercenários qualificados serão reunidos para isso, uma “festinha” qualquer, mesmo que as coisas por aqui fossem piorar pelo que fiz com Triunta. Só espero que todos vão... Vai ser uma festa e tanto...
Reuni todos eles no salão onde celebramos minha volta, eu quero ver o pavor deles bem de perto, encará-los nos olhos quando perceberem que não há esperança.
— O senhor Sorun infelizmente irá se atrasar, ele volta em alguns instantes. – era a feiticeira que falava a mim, seu quimono arcano azul e branco cintilava com alguma magia de proteção com a menor quantidade de luz.
— Tudo bem... – entro casualmente no salão. Lá dentro, centenas dos melhores guerreiros e mercenários se aglomeravam de pé, o som tumultuado de vozes foi silenciado por mim ao fechar as grandes portas.
Tudo ficou quieto, eu não me virei, só sorria para a porta grande e pesada... Enfim encarei as pessoas ali, Portun se preparava para o embate amistoso, ansiosos, tanto quanto eu, estes futuros inimigos sorriem e bebem de grandes barris alojados no canto inferior esquerdo.
— Até que enfim Huceol, estava quase começando sem você. – ele me diz batendo os punhos, faíscas saem de suas luvas negras, todo seu traje enegrecido exibia linhas rubras que tinham a vivacidade do sangue.
Mostrei a espada Relâmpago em minha mão direita, meu sobretudo branco, assim como minhas botas, luvas, calça e camisa, tudo tinha um brilho estranho também. – Não precisamos de pressa... – falo mexendo os dedos no cabo da arma. Eu esperava por este momento a muito tempo, eu desejava trazer vingança, se tivesse a chance de pegar Sorun agora, teria sido perfeito, mas ter aquela maga fora também é muito conveniente. Posso ser ágil, e quem sabe, não precisarei destruir este corpo como planejei.
— Quer começar agora? – me pergunta, mas eu o ignoro, vou a uma das mesas e pego um copo de cerveja de um deles e o bebo, viro ele totalmente ao som de gargalhadas, o dono, uma mulher baixinha fica indignada, mas não esboça tanto.
Respiro fundo pela falta de ar e sorrio, um brinde a Avony... Olho meu inimigo mais perigoso, Portun, aquela maga Onwmay potencialmente me atrapalharia, mesmo porque ela ficaria no lugar de Huceol se não tivesse me recuperado “milagrosamente”. – Faz algum tempo que não divertíamos nossos homens não é Portun?
Falo a ele, o homem sorri e fica em posição, os punhos preparados, um rente a cintura e outro para frente. – Eh, faz um tempo, mas dessa vez não vou me segurar, já deve estar bem, para me desafiar... – seus punhos cerrados incandescem como brasa em um tom vermelho vivo.
Giro a espada em minha mão como Huceol sempre fazia e ao som dos gritos eufóricos, começamos...
Seu punho sobe outra vez, mas desvio com suavidade, isso aumenta a torcida. – Você... Não era tão rápido assim... – ele está cansado, a magia ativa por tanto tempo o custava muito, ao contrário de mim que só fiquei na defensiva pela maior parte do tempo, e minha natural forma, mesmo nesse corpo, me dá benefícios.
A faço cair com a mão direita, apoio o braço no cabo da arma enquanto golpeio isso, as mãos de Portun seguram a lâmina espalmando-a, mas é ai que ativo a magia dela, a eletricidade familiar a Huceol corre, o homem range os dentes, é isso que eu quero. – Está ficando enferrujado! – rio ao som da torcida, num auge de fúria ele se libera, mas por ter feito isso subindo os braços eu aproveito sua lentidão para girar me abaixando, a lâmina passa rasgando seu peito, a surpresa toma o lugar, a lâmina a minha frente está rubra agora. – Mas... O que... – meu inimigo fala indignado. – Você nunca... – por estar de costas a ele faço o movimento reverso.
— Ah... Dessa vez será diferente... – giro meu corpo junto a espada curva, quando paro, a lâmina está no fim de uma fenda que acaba perto de onde fica o coração, seu trajeto vinha da clavícula até ali. O olho nos olhos, a torcida se cala, abro um sorriso, o mais verdadeiro que esboço aqui. – Sinta isso... – torço a Relâmpago e a puxo para mim.
— Ahh! O que você fez! – gritavam ao meu redor, pavor e espanto, torço meu pescoço o estralando, meu sorriso se nega a sair.
— Vocês não sabem o tanto que esperei... – bato a ponta da lâmina no chão causando um ruído alto que ecoa. – Essas lutinhas que fazíamos não tinham graça nenhuma. – encaro um dos homens ali, sua armadura prateada e negra me remete a forca, esse sentimento aflorado me faz ir em sua direção, pelo medo o homem puxa uma espada semi curva.
— Senhor, por favor. – os mercenários naquele rumo se armam em proteção também. – Não quero te atacar... – remexo meu ombro direito e desacelero.
— Ohh... Que pena... – corro numa explosão de velocidade, seguro a espada com as duas mãos, a minha frente, cinco homens armadurados e armados com espadas e lanças, ativo a magia da arma, assim que minha espada os tocam, todos recebem a descarga, mesmo sendo cinco contra um, eles mal me abalam.
Todos os outros se comovem, está na hora, pego um deles com vontade, agarro o colarinho de seu peitoral e o trago direto a ponta na arma, ela brota em suas costas. – O que está fazendo!!! – gritam os homens, alguns queriam correr, mas o caos que instaurei era enorme.
Cortava, decepava, esmurrava, matava tudo e todos ao meu redor, um frenesi de fúria e alegria me mantinha acabando com um ou dos por vez, os ataques deles eram bem fáceis de defender ou desviar, a acomodação deixou-os fracos, o que deveria esperar de homens assim... Thereza não se continha, ela gritava furiosa junto comigo, cada soco, cada golpe de magia, cada grito de dor, tudo isso satisfazia essa ânsia de justiça me queima em nós, é tão caloroso, tão simples.
Não sei muito bem o que houve, mas, nada me cortou, apenas magia tinha a chance de acertar-me, e elas mal surtiam efeito com tamanha adrenalina e pela roupa que usava, é bem útil. A centena que havia aqui foi reduzida a dois, pouquíssimos saíram nesse intervalo de uma hora e meia, pelo meu chamado apenas os mais importantes vieram, mas ainda há centenas lá fora, sem falar do Sorun...
Assim que paro me observo, há tanto sangue no chão, tantos corpos... Tantos e tantos corpos sem vida aglomerados em montes, em especial na porta, o medo que tinham de mim os impediram de pensar em conjunto, e quando tentaram fazer isso já era tarde. Minhas mangas e pernas estão cheias de sangue, meu corpo treme, minha respiração é pesada, o cheiro de merda visceral, sangue e bebida inunda meus sentidos, quase largo a espada pela falta de sensibilidade que tenho, o que fiz foi algo imprudente e descontrolado, mas tenho certeza que todos serão julgados com igualdade pelo grande Mingus. – Receba estes filhos desvirtuados... – falei olhando para cima, eu não veria suas almas, nem mesmo vejo magia por esses olhos mortais.
E então, algo me chama a atenção, a porta fica vermelha, ouço o chiar dela e dos corpos fervendo, então, tudo explode, as portas se encarrancam e batem na parede de seus respectivos lados, mas pela força tremenda eles retornam a se fechar com lentidão e rangeres, ali no centro estava a maga, seus punhos e seus olhos emanavam fogo, a fitei e sorri. – Eu sabia, lá no fundo eu sabia, havia algo muito errado com você, Huceol. – ela fala o nome do corpo com falsidade. – In chaos!!! – seu corpo fica mais enrijecido pela magia.
— Você não faz ideia do que eu sou... Do que nós somos... – a maga curva-se em minha direção e avança, deixo a espada de lado esperando-a.
Na distância certa eu faço algo que esperava muito, uso de nosso poder, as sombras saem de meu corpo e me levam para frente, meu punho direito arqueado para trás vem imbuído de escuridão...
As portas se abrem com a passagem dela, seu corpo voa longe junto a uma torrente negra que esmigalha os restos mortais e materiais do chão, ela bate no alto do arco dos portões principais desse forte e cai sem ação, inteligentes, os guardas correm sem pestanejar, não são tolos. Aquela espada curva me é inútil agora, a jogaria fora se não fosse a casualidade. – Quanto sofrimento vocês criaram... Quanta dor vocês causaram, estou sendo gentil em mata-los com rapidez...
Minha voz ecoa no lugar grande, o tapete no chão inunda de sangue junto aos meus passos ignorantes ao fluido, Onwmay se vira tossindo. – V... Você também fez isso... Só não lembra... – cheguei perto dela a passos curtos, o motivo de sua respiração pesada era do fato de eu ter explodido suas costelas, ela até que resistiu bem, a fúria que emergiu ali era para deixa-la em pedaços pequenos.
— Ah não... Huceol está morto a muito tempo querida... – piso em seu abdômen e a faço cuspir sangue. – Quem vai matá-la se chama Aryn, lembre-se bem desse nome... – girei a espada na mão.
— Por fav...
— Piedade?! – falei irritado. – Quantos tiveram essa chance aqui? Ham? – gritei com ela, bufei e levantei a espada.
— Huceol! – me chamaram, pela voz rouca, é o diretor Sorun.
— Meu senhor ele. – antes que falasse demais eu baixo a espada com força, aquilo vara seu peito entre as clavículas e por minha ira chega a enterrar a ponta no chão duro.
Olho o homem pelo ombro, volto a sorrir. – Você está louco! – ele grita, furioso, confuso e com aflição. – VOCÊ ENLOUQUECEU!!! – eu sei bem como é a magia dele, Sorun é um mago psiônico, então provavelmente isto é alguma ilusão, mas isso diz que ele está perto.
— Sou o mais são daqui, a loucura é tua por achar ser correto o que fez... – volto a olhar a maga, resistia ainda, mas estava condenada, como as centenas de inocentes que morreram nessas minas... Aperto meus dentes e chuto a cara dela com força, não sei se morreu agora, mas ficou quieta. – Espero que esteja pronto... Você não verá o raiar do dia...
Subi as escadas circulares, minhas pernas forma imbuídas de sombras e pairei rente a parede cinza, minha memória junto a de Huceol estava se deteriorando, seu corpo estava deteriorando-se rápido, eu sentia, cheguei a um corredor, meu objetivo é achar a fonte daquela barreira que cobre a vila, pelo que sei ela fica numa sala mais acima. O corredor longo tem nenhuma janela, pois a montanha está a minha direita, um tapete longo e vermelho se estendia até o final, a esquerda, uma escadaria levava a quartos e salas menores, e é nela que subo, ao final dela vejo uma grande quantidade de janelas, a cada lado meu, corredores, mas antes de tudo eu vejo homens vindo, armados e furiosos, fico entre os corredores e aponto uma mão a cada um deles.
— Pobres tolos... – da palma de minhas mãos sai uma torrente de sombras, eu as deixei grandes o suficiente para preencherem todo o corredor, sem chances de desviar, eles são fracos demais para mim, imprudentes, mal treinados, os superestimei muito. – Sorun... – falo após terminar o ataque, os homens estavam caídos no final de seus corredores, sem vida agora. – Estou indo te pegar... – meus ouvidos me dão vantagem, ouço passos no teto, com ira arqueio as pernas, o punho direito arqueia junto e salto com o auxílio das trevas, minhas pernas me levam alto, meu golpe me faz arrepiar, o teto de pedra explode, estou agora em um salão com runas nas paredes, se virando a mim com espanto está o diretor, trajava uma túnica negra que realçava seus olhos esmeralda.
— Com você fez isso?! – espanto inunda o ambiente, atrás dele, uma pedra branca irradiava uma energia estranha a mim.
— É aquilo Aryn, destrua os dois, use as sombras! – assenti começando a irradiá-las como fumaça saindo de minhas costas.
— Espera! – ele está realmente assustado. – Pode levar quanto ouro quiser, por favor! – isso era estranho, não me parece ser um homem que implora.
— Thereza, vamos ver através dele... – intensifiquei nossa magia nos olhos, senti um ardor no começo, mas logo voltamos a visão de sempre, apesar de já sentir, fiquei impressionado com tanta magia que era irradiada pela pedra, parecia a luz de uma estrela, o mais interessante era que, este homem que falava comigo era disforme, transparente, algo assim. Apesar de grande, a sala de paredes avermelhadas parecia pequena para tanta luz arcana.
— O que te faz pensar que estou aqui pelo ouro? – respondo a aquilo, por meio de Thereza consegui notar outro dele quase fora da minha visão periférica, este era mais “sólido”, e mesmo que se aproximasse com cautela eu ouvi seus passos, a adaga negra em sua mão exibia runas quase tão escuras quanto.
— V... Você pode levar o que quiser! – aquele clone implora perdidamente, mas o original vinha na surdina. – Só não me mate, leve o que quiser!
Baixei a cabeça com a cena, neguei que ele tentava algo tão estúpido assim. – A única coisa que eu quero... – o deixei chegar perto o suficiente para criar coragem e tentar um ataque pelas costas, covarde. – É tua cabeça... – levo a mão direita ao lado esquerdo do meu quadril, pela primeira vez em muito tempo tenho o prazer que chamá-la, Ehras.
Com um golpe circular enterro a foice em sua barriga, eu nem mesmo dou ao trabalho de olhar para ele, só sorrio e largo a arma, o ouço cair de joelhos, e agora o observo, pelo comprimento, Ehras deixou pouca carne para segurar a parte de cima de seu tronco, vísceras e muito sangue jorrava para fora, mas eu vou ao seu lado, pego o cabo de minha arma e a tiro com voracidade, pego sua nuca e o faço me olhar. – Todos que você matou vão julgá-lo, que os deuses tenham piedade de tua alma podre. – seguro seu cabelo ruivo e médio em tamanho.
— Eu vou te amald. – ignorando o que ele fosse falar eu puxo seu cabelo com a mão esquerda expondo o pescoço. – Ehhhrg. – ele geme cuspindo sangue.
Levo a lâmina até sua garganta e piso entre suas omoplatas, eu o deixaria sofrer mais, mas é errado. – Rhah... – suspiro quase saindo um rosnado, puxo a foice ao momento que pressiono a mão e o pé esquerdo, o som molhado anuncia meu prêmio. – Eu ainda desejo justiça e piedade a você. – falo olhando sua cabeça, era nojento, mas necessário, caminhei rumo a pedra brilhosa sem problemas já que o clone desapareceu assim que matei Sorun.
Ergui a foice, um golpe e eu a destruiria. – Espere! – diz Threza me parando. – Isto, isto é uma pedra de proteção, Aryn, destruir isto causaria um colapso muito forte, uma... Explosão, tu deves destruí-la corretamente, drenando a magia volátil e só depois destruindo a pedra em si...
— O que faremos então? – pergunto batendo a cabeça decapitada na perna, indignado como uma criança.
— Estive pensando aqui, mesmo que oculta nas sombras, Ehras pesa para nós, correto?
— Sim...
— Então vamos ocultar a pedra na bolsa encantada por Ana, se ela for realmente boa, as duas magias podem existir juntas...
Dei os ombros e com o cotovelo afastei o sobretudo branco, a calça não se modifica apesar de querer, o corpo dele não me permite, tiro o sobretudo com casualidade, ele, junto a tudo mais que vestia, estava sujo de sangue, eu realmente gostei desta vestimenta, poderia ser a mente de Huceol me influenciando também... Em falar nela, paro tudo que ia fazer...
— Quero sair Thereza... – pedi a ela, e então a deliciosa sensação de empuxo me faz ser jogado para frente, o som molhado e visceral me faz respirar, meus cabelos brancos caem a minha frente, respiro fundo com um sorriso feliz, me viro e vejo o corpo que foi minha casa por tanto tempo, finalmente estava livre daquela mente corrompida, me aproximo do segundo corpo, pego o sobretudo do chão vendo o sangue nas costas dele vindo da barra inferior, visto-o pela familiaridade.
— Agora, Aryn vai regressar, vamos livrar Quartunta... – giro a foice na mão direita, sua lâmina fica para o chão com a ponta voltada atrás de mim, afaço cair, outra cabeça para minha coleção...
Chego ao pedestal onde estava a pedra luminosa, a janela afrente me mostrava toda a vila, e o raio de ação da barreira tem a pedra como epicentro. Dentro da bolsa branca que me deram naquela montanha, eu tiro o livro dado a mim pelo sacerdote de Avony, não me é tão importante agora, mas pelo apreço eu os deixo sobre o altar onde estava a pedra do tamanho de um filhote de ovelha, deixo as cabeças encostadas na estrutura de pedra branca enquanto isso, ela pesava muito, podia sentir e ai vi uma runa azul abaixo dela, sincronizado a sua retirada a barreira desaparece como uma bolha sendo estourada, deixo o livro lá, coloco a pedra na bolsa em minha cintura, volto a segurar as cabeças pelos cabelos com a mão esquerda já que a outra tinha Ehras.
Olho a janela e sorrio. – Como disse a Klyce, a meia noite anuncia minha chegada... – vejo a barreira desaparecendo por completo, a única porta atrás de mim parece muito fortificada, mas não preciso voltar por ali...
Corro e salto esmigalhando a janela, estou muito, muito alto, mas dessa vez tenho minhas botas negras... Caio com força no chão, meus joelhos dobram, levanto os braços para não deixar as coisas que segurava tocarem o solo duro, mas, que mesmo assim afunda e racha com minha chegada, em falar nisso...
Saia do forte com quatro cabeças na mão, a de Sorun, Portun, de Onwmay e de Huceol, meus prêmios eu diria... Vejo que a cidade não está tão caótica quanto achei, os mercenários restantes devem estar ou fugindo, ou desesperados demais para fazer algo, eu fico na frente dos portões e inspiro o ar fresco. – É hora de conhecer ainda mais as sombras minha Thereza...
Ao suspirar faço dezenas de clones meus, todas aquelas silhuetas negras armadas com foices se reúnem a minha volta, as dezenas se multiplicam duas vezes até não conseguir ver além delas e só ai comando-as. – Matem todos os mercenários, sem piedade... – olho para um grupo. - Vocês vão até as minas, matem todos que estiverem armados, o resto vai para os outros lugares...
Numa debandada negra as silhuetas sombrias disparam em seus cantos, o “exército” que fiz se mistura a escuridão da noite, alguns sobem em telhados, outros invadem casas, outros apenas correm em alta velocidade, todos espalhavam-se numa velocidade incrível, eu, por minha vez, caminho lentamente, hora de encontrar Ellody...
Aqueles monstros negros passam pela janela, a senhora Any tem uma reação reversa a minha, ela ri, eu por minha vez fico encolhido no canto sentado no sofá dela, aquelas coisas matam gente, ouço os gritos, ouço o sangue sendo derramado, minha cauda fica entre minhas pernas, eu não sei o que houve, e meu mestre? O que aconteceu com ele? – Klyce... – minha senhora me chama, abro os olhos e tento controlar meu medo, mas ao abri-los vejo ela destrancando a porta.
— Senhora! – me apresso para impedi-la, deve estar louca. – Não!
Tarde demais, assim que ela abre um daqueles monstros chega a porta, em sua mão, uma foice tão negra quanto seu corpo aparece, meu me afasto tremendo, que criatura maligna é essa? Any parece não se importar, ela levanta as mãos a criatura e a oferece passagem, aquilo olha a mim, me encolho ao pé de um dos sofás, coloco-me o mais afastado possível, mas o monstro consegue me pegar, sinto seu toque frio em meu pulso direito, me levanta do chão com violência, eu aperto os olhos pelo pavor. E sem falar, ou ter algum som, a criatura me solta, caio sentado no chão e volto a me encolher ao máximo, meus joelhos tocam meu peito e eu tampo o rosto com meus braços. Any saia sorrindo, posso ouvir seus passos, que espécie de magia é essa que eles têm? – Venha Nanci, seu mestre está chegando...
Um arrepio de felicidade sobe por minha espinha, me prontifico a ir perdendo o medo, meu mestre vai me proteger, nos proteger... Eu vou até a porta, a senhora me segura pelo pulso e me leva, a rua está com alguns corpos jogados sobre ela e ainda vejo aquelas criaturas correndo, saltando, matando por ai. Mas, chamando minha atenção, Any estala o dedo esquerdo e aponta para o mesmo lado, de lá, vinha um homem alto, com a pele e cabelo tão brancos quanto meu pêlo, ele, usava o sobretudo do meu senhor!
— Ahh... Não... Não! – mal podia acreditar... Em posse daquele homem... Estava a cabeça de meu mestre.
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