Estava sentado no banco de pedra, Leona, havia saído para buscar Mospher, nunca achei que veria meu amigo assim, morto... como ele me disse a muito tempo, seu enterro deve ser exatamente como planejou, e eu cumprirei isso até o fim das minas forças, nem que meus ossos quebrem, afinal, é por minha culpa que ele veio até aqui, se não fosse a minha ganância, o meu egoísmo... ele estaria vivo agora, não importa o que eles disserem, não importa o quanto falem que Mospher escolheu também, isso não o trará de volta, muito menos as minhas lágrimas, principalmente elas... Sou fiel a Avony, sei que sua luz hoje ilumina meu amigo com bênçãos e paz, mas, porque ainda assim dói tanto? Ele era meu irmão, meu melhor amigo, talvez por isso doa tanto, talvez, por isso... eu não consiga me conformar com essa perda.
— Mythix... – ela chegou silenciosa, afrente de si, uma urna de cerâmica branca. – Está aqui... – se sentando ao meu lado direito, Leona coloca o objeto entre nós. – Ele era um homem muito bom não é?
— Sim ele era... mas. – levanto-me e enxugo o rosto. – Chega, ele não iria querer isso... – e então, a mulher me acompanha com a urna afrente de si, seus ombros estavam caídos, seu olhar, baixo, como o meu.
— Vamos fazer um enterro digno, como ele queria não é?
Apenas concordo com o que ela diz, eu realmente não posso falar muito nisso, se não desabaria de novo. – Eu nunca perguntei o que ele queria. – sorrio com dor. – Nunca conversei com ele tão bem... eu conheço mais você do que com ele. – minhas roupas retornam aos meus olhos para enxugá-los, sinto um aperto tão forte, um arrependimento que se contorce dentro de mim, ele sempre foi um irmão, sempre do meu lado, mas, nunca tive a curiosidade de sequer saber o que ele era, o que Mospher queria ser... ele nunca falava muito sobre si, ele sempre concordava com o que eu decidia e... achei que era bom assim, achei que ele poderia estar feliz... ele estava?
Nosso luto é quebrado de certa forma, pois, outros entravam pelo corredor de pedra, as luzes mágicas que cintilam pelas paredes trazem uma certa felicidade a esse lugar tenebroso. Por sorte, os homens que juntaram os corpos se dispuseram a cremar o Mospher, coisa que eu não consegui assistir, Leona ficou comigo o tempo todo... e agora, recebo meu antigo professor, o Grão-Mestre e aquele Nanci que se move entre eles, o único que baixa a cabeça assim que adentra este lugar de morte.
Aryn estava com as mãos afrente, unidas enquanto movia-se como se caçasse algo, Cixoam, estava inquieto, queria falar algo que não podia, ou é só impressão minha... – Mythix, Leona. – é o próprio Lich que nos cumprimenta com um tom frio e pesado.
— Aryn, vossa graça... Klyce. – respondo com o máximo de controle que a situação me permite. O olhar azul do Lich vai além de mim, seus ombros pesam, o suspiro que solta parece confirmar alguma coisa para si, suas mãos armaduradas passam no rosto e seguem por cima da cabeça, arrumando o cabelo branco como o teto acima de nós.
— Nós vamos para Ezthel agora, me veio à cabeça se não vão querer ir conosco. – meu olhar vai direto a urna.
— Mospher queria ser enterrado nas Planícies Verdes, ele. – sorrio para o nada simplesmente por me lembrar de sua voz. – Queria descansar em um lugar bonito...
— Vocês vêm? – o lich retorna a perguntar, mas, onde mais ficaria as Planícies Verdes
— O lugar que Mythix citou fica a leste de Ezthel. – com tudo explicado, o homem retorna a soltar um suspiro longo e concorda com algo só seu.
— Vamos fazer isso por ele...
Ter um homem como Aryn e um Grão-Mestre meio dragão para seu enterro deve estar fazendo meu amigo rir de alegria, sempre achou que seria algo menor, mais particular, porém, importantes nomes de Ezthel estarão lá por puro respeito a sua memória, e isso me deixa muito feliz.
— O conde vai nos ajudar com isso, estamos saindo agora mesmo...
Aquele jovem nobre nos levou pela cidade densa, a ordem do conde Stify viajou muito rápido e fez as pessoas arrumarem a passagem com pressa. Assim como discutimos, vamos levar o Bennely daqui, eu gostaria de levar os feridos e todos mais, porém, os magos e curandeiros daqui fazem e farão um serviço completo, após ver o plano de reconstrução e ajuda ao povo completo, aprovado por Cixoam e Thereza, me senti bem o suficiente com ele. Agora, descemos pelas escadas de pedra na parede do abismo, estávamos na chamada Fenda Norte, uma das duas que não estive aqui. No limite dela, simetricamente posicionado entre o fundo e o topo, uma estrutura de metal, rocha e madeira criava uma plataforma no fim da fenda, justamente na parte menos estreita dela. A quantidade de vapor que tubos amarelados exalavam é imenso, porém, a nuvem branca logo dissipava, antes mesmo de chegar ao topo da fenda. Na rocha havia um buraco grande escavado onde as bordas, reforçadas com um metal prateado, reluziam com os imensos globos de luz engaiolados nos pilares rochosos laterais que se colocavam a cada lado do buraco. Ao lado dos pilares, os tubos projetavam-se, alguns liberava a fumaça branca que julgamos ser vapor, tanto pela cor, quanto por haver plantas crescendo abaixo deles, aproveitando o líquido que escorria devagar. Outros soltavam algo gasoso, negro, vermelho ou verde, tais cores me instigam enquanto descíamos até lá, afinal, qual diabos seria a função destes tantos de tubos. As pessoas deixavam um caminho aberto entre elas mesmo com o movimento intenso. Assim, com passos rápidos, conseguimos chegas a grande plataforma enquanto o jovem não parava de falar nem por um instante, nós ficávamos calados, quando digo nós, refiro-me a mim, Thereza, Klyce, Mythix e Leona, os outros, aqueles que Klyce é amigo, instigavam o rapaz a contar mais de como tudo aqui acontecia, na manufatura acelerada, do intenso comércio de minerais, joias e cristais que certamente movimenta grande parte do comércio do clã, contou também das perdas que Ehiet teve, pois, as importações e acordos para com eles foram cancelados por conta da guerra agora realmente engajada.
O conde Stify, que comanda a cidade desde os vinte anos, foi quem expressou as primeiras ideias de contratos e acordos com mercadores externos a Ezthel e o próprio clã Caalim, disse também, que a Dupla-Fenda é a principal fornecedora de Arcnonita, uma pedra extremamente poderosa, cara e rara que agrega poderes arcanos ao objeto que fora colocada, outro material importante é o metal Pathymenia, é muito comum, porém, segundo o jovem, o mercado para este é muito forte, a demanda vai muito além de toneladas, Norman relata que ele é vendido ao exterior, para o outro continente, Myracroduon... cita ainda que lá é origem de Nancis como o Klyce, por curiosidade.
Falando nele, o puxo para mim, faço o lobo andar ao meu lado, e com um sorrio de canto, ele se acolhe e escora em mim com as orelhas baixas. Abracei-o e segui Cix junto com o meu amigo mais próximo, sinto seu pêlo macio, porém sujo, contra a minha manopla de gelo negro, seu olhar, fixo no caminho, estava baixo, como sempre deixa. Eu simplesmente não gosto de vê-lo assim, este lobo e eu precisamos de um tempo a sós, preciso conversar com ele direito, sei que ele quer falar comigo, é óbvio, mas, a situação ao qual estamos é simplesmente apressada, pois somos o epicentro de uma guerra, somos nós quatro, guerreiros de Avony.
Chegamos a plataforma em poucos instantes, e ali, enxergamos um monstro de metal expelindo fumaça e vapor, rodas imensas e negras ligadas por uma barra, horizontal. – Este é o preferido do senhor Stify, ele que criou, usa o movimento de pistões para mover as rodas, que por sua vez movem a locomotiva e suas cargas. – o rapaz que guia-nos está cada vez mais confortável em nossa presença, as pessoas que trabalham aqui estão experimentando justamente o contrário, vejo nervosismo, quase aflição em seus olhos ligeiros. – Sim Enlay, eles se chamam vagões, tem muitos por ali. – apontando para a traseira da criatura de ferro e aço, vejo adentro a rocha um tipo de galpão iluminado, que comporta grandes estruturas com rodas que se unem a locomotiva. – O primeiro vagão fica com combustível para a fornalha, já os outros são para passageiros, e depois só os últimos vão ser de carga, mas, para os senhores, estamos arrumando apenas um vagão de passageiros fora o de combustível.
— Eh... desculpe a pergunta, mas qual é o combustível dessa coisa? – Enlay, o amigo do Klyce, é o mais curioso de nós, pois, meus antigos alunos, assim como eu e Klyce, estamos de luto, não sei exatamente como Cixoam lida com isso, afinal, antes de eu dar uma surra nele, ele era um Rei Dragão.
— Usamos Pedra-Imã, elas fazem funcionar um sistema de pistões que convertem esse movimento para a roda traseira, aquela maior, e por conta da
É bem simples na verdade. Sem contar que os antigos motores a vapor ficaram para trás, algumas cidades Baraf já conseguiram motores a explosão, são muito fortes, os arcanos nem se fala, são mais fáceis de reabastecer, porém a força é um pouco menor, entretanto, um semi-arcano como esse. – o jovem aponta a enorme estrutura negra a nossa esquerda. - É o primeiro a existir. – o orgulho na voz dele é evidente, me parece ter olhos e ouvidos muito bem apurados.
— Quem te ensinou isso Roman? – agora a curiosidade veio a mim.
— Minha mãe me ensinou a ler desde pequeno e eu simplesmente amo engenharia mecânica, principalmente associada a magia, na chamada arcomecânica. – ele para ao lado de um dos pilares de pedra. – Por aqui. – seguimos agora dentro da terra, aqui, o teto é tomado por caibros expeços de metal escuro, nos encontros entre eles, as luzes brancas de magia eram dependuradas em gaiolas pequenas suspensas em correntes um pouco longas.
Claro, o teto está a mais de cinco metros de altura... falando em altura, os vagões são imensos, o metal ao qual são feitos tem uma pintura bonita e sinuosa sobre eles, números próximos a portas parecidas com a de carruagens eram destacados com a cor branca, adentramos o primeiro. Era um lugar confortável, a cada lado, assentos de couro vermelho eram iluminados por uma linha de luz do centro do teto, colocados em um semicírculo, tinham todos no centro uma mesinha redonda e branca. O brilho branco clareia o corredor médio e longo, a madeira do qual é feito tem um tom vermelho escuro intenso como sangue, e brilha pela lustrosidade incrível, como primeiro a entrar, escoro-me num dos bancos luxuosos sentido a textura contra minhas roupas rasgadas e puídas, ao contrário de mim, Cixoam está elegante com seu traje negro, seguindo-o, Klyce, que usava um simples braie com algumas manchas de sangue, em seguida, All’ma, Enlay, Mallf e Akryn adentravam com o barulho de suas armaduras rangendo sutilmente. O jovem permanecia ao lado da porta esperando Mythix e Leona, eles seguem até o fundo do vagão e lá ficam mais a sós, creio que é o ideal...
Os soldados de All’ma ficam juntos num dos bancos a direita, sentados ali, forma um grupo que poucos teriam coragem de se meter, Cixoam, senta-se do outro lado, no outro assento, solitário, pois, deita-se folgadamente, e por fim, Klyce ficava de pé, seu olhar confuso era para definir onde ficaria e... onde mais? – Vem cá. – meu chamado é gentil e traz um sorriso ao lobo que abana o rabo de um lado a outro.
Klyce senta-se do outro lado do assento ao qual estou, e com um gesto simples, o peço para ficar na região mais alongada, porém, ainda assim de seu lado, motivo? Sem perguntar nada me deito em seu colo, não há vergonha ou receios em mim, ele é meu Nanci para quem perguntar, e meu amigo para os que realmente merecerem saber. – Obrigado mestre... – a voz baixa dele mal soa para os outros, e sem me pedir, sinto sua mão em minha cabeça em um gesto de carinho agradável.
— Pelo quê?
— Pela minha vida... – o olho um pouco acima e atrás de mim, Thereza derrete como sempre enquanto sorrio meio sem saber o motivo.
— Eu só te levantei, quem caminha pela luz é você. – toco seu rosto com minha mão de carne enquanto retiro o gelo negro, sinto seu pêlo macio, seu deleita ao meu toque que o faz apertar-se contra ela.
— Não poderia pedir um mestre melhor... pois não existe. – volto a me deixar totalmente deitado no assento, o tempo que descansei antes foi apenas para conseguir andar, Thereza vem trabalhando para nos fortalecer de novo, para que recuperemos nosso poder bruto caso haja outro embate, falando neles, eu e ela prometemos que, a partir de hoje, faremos tudo o mais rápido e excelente possível, sem diminuir a prudência, claro.
— E eu não poderia pedir um amigo melhor. – sinto ele tremendo, sei que o Klyce é frágil nesse sentido, e é bom, assim que estamos desacorrentando ele...
— É muito gentil, mestre...
— Ehh... Klyce, onde está aquela sua cimitarra?
A inusitariedade da pergunta é recheada de quase pavor. Olhei para os cantos e vi All’ma sentado de costas para nós, logo ao meu lado esquerdo, ele se vira com um sorriso e ouço o som metálico e agudo que soa faz as minhas orelhas virarem na direção, minha, digo, a cimitarra que o senhor All’ma gentilmente me deu é manuseada pelo mesmo, ele segura pela ponta e deixa o cabo em minha direção. Minha barriga esfria, hesitação percorre o meu corpo todo enquanto espero alguém me permitir fazer o que desejo agora, e se eu não puder?
Eu sei que Aryn deixaria, sei que está tudo bem, mas, e se não puder aqui dentro? Mas... Aryn está aqui, ninguém é mais importante que ele... para mim, claro. Se ele disser eu deixo essa arma com outro, se ele disser, eu nunca mais toco em uma arma na minha vida. Porém, como ele não fala nada, presumo que não seja um silêncio de impedimento, por tal, tenho o prazer de recuperar minha amarada cimitarra, eu simplesmente fico encantado com sua lâmina, entretanto, me limito a coloca-la de lado, deitada como meu mestre. – Obrigado. – All’ma apenas vira-se e tira o elmo de si, todos os meus amigos fazem isso na verdade, aqui é um lugar seguro, e eu simplesmente estou muito feliz de ter todos comigo.
Bom, quase todos... ainda sinto muito por Mospher, mas... toco o meu focinho lembrando do que Aryn fez, ele me puniu, ele me deixou em paz e muito feliz pela sua bondade. Dessa forma pude me livrar daquele peso que quebrava as minhas pernas, que apertava o meu coração e destruía qualquer alegria em mim.
Minha atenção é subitamente atraída ao meu senhor que, apenas se coloca de lado sobre o banco, seu braço esquerdo ergue acima de si para apoiar sua cabeça melhor, e assim ele toca minhas duas pernas, não... não consigo parar de olhar sua mão ali, ele perdeu o braço por mim, em contrapartida eu poderia dizer que perdi minhas patas, mas, só de apertar os meus dedos contra o chão sinto o amargor da realidade. Balanço a cabeça tentando sair dessa coisa ruim que cerca-me, Aryn não me quer assim, ele quer que eu seja um bom Nanci, e a medida boa para ele, é que eu perca esse vício que meus outros mestres marcaram em mim, eu agradeço muito por estar com ele, meu mestre amado...
— Meus senhores, o trem parte em dois minutos, peço que não coloquem nada para fora dos vidros até o túnel acabar, ou poder perde-lo, mantenham-se dentro do vagão, a viajem será tranquila e suave, garanto, porém, este transporte é veloz, logo, cair dele não é uma opção agradável. – aquele rapaz que nos guiava passou pela porta apenas para informar e logo em seguida, veio um homem maior, sua barriga era enorme, sob ela, vestes que um dia foram brancas, ele não me parece ser de conversar, e nem o faz, apenas coça a careca brilhante e segue em frente. – Onde... onde está o senhor Aryn? – a pergunta do rapaz é respondida com um braço dele erguido e acenante.
O jovem sorri e abaixa-se para conseguir vê-lo por baixo da mesa que o ocultava. – Um sexto do caminho é subterrâneo, mas assim que passarem das cascatas de fogo, estarão livres desse clima quente e seguirão pela floresta de Al’druog, quando chegarem as planícies de Drarein, poderão ver a cidade a esquerda. – apontando a onde estava, situa em qual esquerda falava. – Nossos trilhos passam pelo Cálice de Pedra... – Akryn levanta a cabeça na hora, seus olhos castanhos arregalam pela surpresa e logo Enlay comenta coisas pessoais com ele. – e assim estarão no fim do trajeto, infelizmente este projeto é recente e por isso não temos trilhos até Ezthel, todavia, espero que tenham uma excelente viajem e que os deuses projetam-nos... – curvando-se a todos, o rapaz se afasta e fecha a porta de metal.
O som dela é tão familiar para mim, tão familiar que olho os meus pulsos automaticamente, não havia algemas, nem grilhões, apenas a minha coleira, e meu mestre, só isso, afinal, é o que importa agora.
Um som alto ecoa como um rugido de uma criatura monstruosa, Cixoam fica em alerta, assim como o meu senhor, senta-se nos bancos e me fazem sentir uma vibração intensa, essa pressão me arrepia, meu pêlo eriça enquanto os oficiais da Academia de Guerra se colocam de pé. Porém, com um movimento sutil, sinto-nos mover, metal range contra metal lá fora e outra vez a criatura grita desesperada, meu mestre olha pelas janelas grandes por alguns instantes. – Seja o que for está na locomotiva... – retornando ao assento, ele me faz arrumar a postura com um simples olhar. – Logo vamos entrar no túnel, e o rapaz estava certo. – esticando os braços afrente de si, mostra-os firmes, não tremiam de forma alguma. – Bem estável, gostei...
Outra vez sem falar nada a mim, Aryn deita sobre o meu colo apoiando a cabeça sobre a coxa, e outra vez me esqueço de tudo... me deixo levar pelo amor que tenho por ele... queria conversar, mas, tenho uma rasa idéia do cansaço que meu senhor deve ter depois da magnífica batalha que travou, travamos, juntos.
Dizer isso me faz sorrir muito, eu lutei junto com o meu mestre... lutei ao lado dele sem medo algum haaah... como é bom estar vivo...
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