1. Spirit Fanfics >
  2. Crônicas do Ego: Raízes >
  3. Capítulo Um

História Crônicas do Ego: Raízes - Capítulo Um


Escrita por: DyingPumpkin

Notas do Autor


Jasmean é o primeiro mês do ano e também o primeiro mês da primavera.

Capítulo 1 - Capítulo Um


14 de Jasmean de 2101.

Às três da manhã, quando o palácio estava em chamas e a madeira estalava, os lençóis eram como correntes presas aos meus pés, escorreguei no curto caminho até a porta. A chave estava folgada na fechadura, quebrada, assim como a maçaneta, que saiu quando tentei puxar a porta emperrada.

Ouviu uma voz do outro lado, me afastei, reconheceria aquela voz à metros de distância, e então a porta foi aberta com um estrondo. O príncipe estava ofegante, o cabelo ruivo, que costumava estar sempre arrumado, estava um verdadeiro caos. Aquela era a primeira vez que o vi em uma armadura, mesmo que não estivesse completa. Ele me estendeu sua mão, ela estava gelada, como as vidraças durante o inverno.

Os corredores se misturavam como um labirinto e por um momento aquele não era mais o mesmo palácio. Sempre me gabei por conhecê-lo melhor que a própria família real, pelos anos que vivi indo e vindo com bandejas pesadas. Mas minha mente estava indo a pique e minha memória estava terrivelmente confusa.

Sempre que penso naquela madrugada, uma lacuna entre os corredores para a torre leste a chegar na floresta surge, como um piscar de olhos. Mas é impossível esquecer quando as árvores se ergueram e a lua brilhava por trás delas. Os galhos retorcidos ainda estampam meus pesadelos.

Eles rasgaram o vestido já surrado, os cortes ardiam, porém meus pés não pararam de correr ou Eliã me soltou até que estivessemos no topo da colina. A relva estava molhada e nos sentamos na lama, o descanso que durou muito pouco, pois ainda entrariam na floresta. O general ainda me caçaria até os seus últimos momentos.

Eliã tremia ao meu lado, como um menino assustado, apesar de ser maior e mais velho, com todo o peso da coroa que crescera para usar, ele não era um homem, mesmo com a idade de um. O escutei soluçar por um bom tempo, o que dissipou meu sono. Minhas mãos doeram por um bom tempo, ele as apertou com muita força, passei a pensar que ele fazia isso com a mãe, mas ela não estava mais ali.

A nossa maior semelhança. Maryon também não estava ali, sua sorte, para mim trágica, foi ter levado tudo que tinha no dia anterior, antes que as chamas consumissem nossas vidas. Maryon sempre foi covarde, o contraste entre ela e Noni Di Vessa, o homem que sempre me orgulhei em chamar de pai.

Sua nobreza sempre foi além, sua voz nunca vacilou e nunca o vi voltar atrás com sua palavra, não houve uma promessa que ele não cumprira. Mas ele adoeceu, me lembro como o choro surgiu naquela manhã, quando a nobreza havia deixado Maryon as sós. Ele me deu uma carta, que foi para a minha coleção.

O fogo consumiu as minhas cartas e também a caixa de metal, senti a dor por antecipação, pois ainda me lembrava de cada palavra, mas um dia me esqueceria. Esqueceria como a tinta foi manchada pelas lágrimas, tanto dele, como minhas, e as de Berion estavam lá também.

E a semelhança entre nossas mães é como uma árvore de raíz apodrecida que caiu entre nós, uma muralha. O mesmo homem que trouxe a destruição para nossas famílias, a minha suja de lama em um vilarejo, a dele vestida em seda e cetim no palácio.

—Você acha que ele vai vencer?

—Talvez.

—Tenho medo do que ele fará com meu pai.

—Rhala e Thomasi estão lá, eles darão a vida pela coroa.

—Eles não podem vencer um exército.

Crescemos juntos, quando éramos crianças não havia diferença no sangue, o futuro não importava quando tudo que pensávamos era correr e brincar. Eliã conhece Rhala e Thomasi, as espadas eram para eles, enquanto para mim e para as outras meninas restava a torre e o lenço, a lealdade forjada no ventre não some de uma hora para outra.

Se eles saíssem das ruínas vivos, seria uma vitória. Se o fogo não tivesse consumido os que se importavam comigo, seria minha vitória, e todo o resto podia desaparecer. Mas aquele não era o desejo de Eliã, o admiro por se importar com o futuro do reino, nas primeiras horas daquele dia, o príncipe era uma criança, com uma armadura pesada e grande demais.

—As coisas mudaram rápido demais. — Escuto seu maxilar estalar. — Eu queria que isso fosse apenas um pesadelo, que eu acordasse e tudo estivesse normal.

—Você não é o único.

—Mas você não parece preocupada com isso.

—Gastei minha cota de desespero em uma tarde, há quatorze anos.

—Você fala demais sobre isso. Não parou para pensar que você também acabou com a vida dele?

—Ele me deixou cega.

—Você sempre o provocou.

O encarei, mas seu rosto era um borrão. Eu realmente não senti mais o mesmo desespero daquela tarde, nem mesmo quando eu descobri que minha vida era uma mentira.

Um silêncio se instalou entre nós, pesado que durou mais tempo do que eu desejei. Pois eu queria continuar discutindo, eu queria ter motivo para gritar o mais alto que eu pudesse, dizer algo que esteve entalado na garganta por anos. Porém eu não disse mais nada, apenas

—O que faria se ele vencesse?

Um brilho surgiu nos seus olhos, nunca vi algo como aquilo. Não era uma simples curiosidade, já o vi curioso muitas vezes, mas não como naquele momento. Ele estava furioso, antecipando minhas respostas porque seu tio era um traidor.

—Eu não sei. Ainda não descobri como é do outro lado da fronteira.

—Ele se uniu com os ratos, você poderia ter controle do condado que quisesse.

Nunca tive medo dos lobos, não quando os boatos beiravam à fantasia. E não podia ter medo quando a corte tentava sair por cima, os chamando de ratos. Mas eles de fato eram assustadores, influentes em toda a região sul e central. Então eu entendi que Eliã queria me acusar, os lobos poderiam vencer as muralhas de qualquer castelo.

Eliã, como qualquer nobre, não gostava de ficar por baixo, vencer não é uma opção para monarcas. Uma das mais valiosas lições que aprendi, eu tinha onze anos e a condessa Lucinda estava ao meu lado, com sua voz gentil, porém firme

—O que você faria?

—Eu não sou a outra traidora na família. — Eliã me olha

—Quem mais está unido ao meu tio?

Foi ali que eu percebi, Eliã não sabia sobre a rainha Dagmar, sobre a conspiração borbulhar no seu sangue. Então eu tive medo de quebrar seu coração, mesmo que fosse inevitável.

—Eu não tenho certeza.

Menti. Não tive coragem de falar a verdade para ele, no fundo nunca coube a mim resolver problemas na família, se não o fiz com meus irmãos, não o faria com a família real.

—Então é inútil dizer que tem mais traidores.

E a postura de menino havia partido, a culpa era minha, pois eu cuspi tudo que pensava na sua face. E nenhum de nós falaria sobre aquilo por muitos anos.

Então ouvimos um brado no palácio. As vozes estavam misturadas e estávamos longe, mas pude entender. Viva a Valencia!



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...