Eu sou uma biblioteca de memórias. Guardo memórias em minha mente e cicatrizes no meu coração. Vago pela rua durante a noite. Pequenas luzes surgem do céu, seguidas de trovões. O barulho dos trovões desperta uma antiga memória.
Eu estava brincando com meu irmão, tínhamos armas nas mãos. Achávamos que as armas não estavam carregadas... Ele atirou. Meu peito se encheu de sangue. Meu irmão me pegou no colo e me levou até o hospital. Até hoje tenho um pedaço de chumbo cravado a poucos centímetros do coração.
Mas esta não é minha única memória. Lembro-me de, alguns anos mais tarde, fugir pela janela, entrar em um carro preto e ir ao encontro do meu namorado, que minha mãe não admitia.
E também consigo viajar pela memória da morte da minha mãe, em que eu me ajoelhei em seu túmulo, enormes gotas de chuva caíam em meus ombros, e eu gritei “me desculpe, mãe, me desculpe”. Mas ela nunca ouviria aquilo.
E alguns anos mais tarde, eu me casei, vestindo seda branca. Fiquei em pé no altar, beijei os lábios do meu marido. E tivemos uma festa, com muita dança e comida. Naquele dia, todos pareciam felizes.
Pouco tempo depois eu tive gêmeos, que corriam pela casa, roubavam meu telefone porque queriam minha atenção. E eu me perguntava se quando ficasse velha eu veria um mundo frio, ou teria filhos que pudessem me esquentar. Eu torcia que eles me visitassem uma ou duas vezes ao mês.
Mas isso tudo foi há muito tempo atrás. Setenta e sete anos atrás. Agora estou velha e finalmente pronta para o fim. Volto a caminhar pelas ruas úmidas, agora não só vagando pela estrada, mas também pela minha biblioteca de memórias.
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