Terceira Pessoa
Mitch, sentado na cadeira macia, apoiou as mãos cruzadas na mesa de vidro. Allison ao lado dele se remexeu desconfortável, sem esconder a irritação que marcava suas feições. Foster digitava no notebook, os dedos acelerados no teclado, concentrado em extrair os dados que precisava.
Os agentes formigavam no silêncio redundante.
Rapp calculava, incansavelmente, quais era as chances de Lydia estar morta depois de vinte e oito horas de seu desaparecimento da sede. Começava, inclusive, a cogitar que Argent pudesse estar certa ao pensar que poderiam tê-la sequestrado de alguma forma. Seu estômago virou ao imaginar como ela poderia estar, desde um mero arranhão na pele até talvez, resumida a um corpo gélido dropando sangue em um galpão velho qualquer.
Sophie atravessou a porta de sua sala, dirigindo-se aos agentes que voltaram para ela com atenção. A subchefe parecia exausta com as tranças do cabelo preso em um rabo de cavalo alto e algumas olheiras fundas nos olhos.
Mitch sabia que do grupo, ela era provavelmente a que menos dormia justamente por Irene ter depositado um peso maior nela, considerando que White era a encarregada principal da missão do resgaste de Lydia. Ele se remexeu ansioso, trocando um olhar indiferente com Allison quando a subchefe se aproximou e permaneceu em pé na ponta da mesa.
– Então... – Sophie suspirou, encarando Foster que não a olhou. O cenho do homem estava enrijecido em tensão enquanto encarava a tela repleta de códigos. – Como estamos?
– Cadê a Irene?
White coçou uma sobrancelha com a pergunta de Allison.
– Ocupada com outro caso. – Explicou sem grande interesse. – E então, Foster? Novidades?
O técnico em informática deu um último clique no teclado antes de relaxar na cadeira macia sob os olhos de todos os agentes.
– Consegui fazer a rota de Lydia, o problema é que não a tenha inteira então não vamos conseguir encontrá-la se não fizer alguma transação comercial ou qualquer outra coisa que possamos rastrear.
Mitch se aproximou, ansioso.
– O que você descobriu?
Donnavan ajeitou o notebook, virando-o de frente para os agentes atentos. Ele lambeu a boca bem desenhada e disse:
– Lydia, ao que tudo indica, fugiu sozinha. A vimos saindo pela porta da frente, no hall, quando estávamos distraídos na sala de Irene, brigando. – Rapp sentiu uma pontada de culpa perfurar o peito. – Ela pegou a rodovia daqui da frente, e pelo o que dá pra ver nessa filmagem... – Ele clicou em uma tecla e uma imagem colorida e distante surgiu na tela. Nela, Lydia sacudia a mão no ar, na beira da estrada. Poucos minutos depois, Martin entrou em um carro. – Não precisei rastrear o carro, ela mexeu na conta bancária assim que chegou no centro de Alexandria. O que era esperado, até porque ela saiu daqui sem nenhum centavo no bolso. Pedi para minha equipe verificar todas as câmeras possíveis registradas no sistema da cidade e encontramos ela perto do Potomac Yard. Mandei dois agentes até lá para perguntarem sobre ela, mas não descobrimos nada útil. O porto não tem câmeras então estávamos num limbo. Acontece que descobri com os agentes que eles ouviram alguma conversa sobre a morte de cinco barqueiros. Cinco deles morreram, do nada, do dia para a noite. Os outros relataram estar apavorados com os homicídios em massa. A história não cheirou bem e procurei mais afundo, hackeei necrotérios e a polícia de Potomac mas os casos ainda estão em investigação. O problema nisso é que, um: alguém está apagando os rastros.
Mitch se resetou, o coração subindo a boca junto com bile. Foster, com o semblante nublado, prosseguiu:
– Pesquisei pelas vítimas e só um deles tinha um histórico de glaucoma, o que significa que só um poderia ter morrido de repente. Mas algo me diz que todos foram mortos, se não os corpos já teriam aparecido. – Foster suspirou, nervoso. – Problema número dois: se por um acaso foi a facção, significa que limitaram nossas opções. Mataram porque sabíamos que estávamos no rastro e cada vítima pilotava para uma direção diferente, então agora temos cinco possíveis destinos para onde Lydia pode ter ido. E problema número três: Se estão atrás dela, apagando os rastros para a CIA, vão pegá-la antes que nós.
Sophie trocou um olhar alarmado e discreto com Mitch que suspirou, se encostou na cadeira e cruzou os braços. Sua cabeça novamente vislumbrou a imagem de Lydia morta, e um calafrio aterrorizantemente frio cruzou sua coluna.
Donnavan clicou novamente no teclado, materializando outra imagem. Lydia estava em um banco pouco movimentado, sacando dinheiro de uma das máquinas automáticas. O cabelo ruivo estava para um lado do pescoço, trançado, enquanto o boné preto cobria o topo de sua cabeça.
– É o último registro que temos dela. – Explicou ele.
– E quanto a furtos de carros ou motos sobre a rota? – Rapp perguntou, frio. – Vai me dizer que ela está passeando de a pé por onde quer que seja?
– Depois da carona não tem nada, e ela seria tola se furtasse algo para dirigir até o Pomotac Yard quando poderia pagar por um táxi.
– Ela pode ter roubado um depois. – Allison sugeriu. – Não consegue limitar o rastro pelos cinco destinos?
– Vai levar dias, e não temos tudo isso.
– Mas podemos tentar. – Mitch afirmou. – Se ela está fugindo e se virando sozinha, pode ser que consiga ficar livre de problemas nesse meio tempo. Enquanto isso a gente procura.
– Não temos garantias, Rapp. – Sophie interferiu, chateada.
Mitch travou, imaginando a doce e delicada Lydia que havia conhecido meses atrás, quando montaram a missão dela junto com caso do Ninho, roubando algo por pura sobrevivência, e seu corpo minou energia. O balançou a cabeça com chateação.
– Não temos garantia de merda nenhuma desde que descobrimos sobre a facção. O que nós sabemos é que Lydia está sozinha lá fora, fazendo todos nós de idiotas enquanto toma distância.
– Ou talvez, esteja sequestrada pelo ex-namorado.
– Allison, sério...
– E quanto a isso, Foster? – Sophie ergueu uma mão interceptadora para o tom incrédulo e amargurado de Mitch, fazendo-o se calar. A mulher encarou o técnico com voracidade. – Conseguiu algo sobre o Ninho? Sobre Theo?
Donnavan negou com a cabeça.
– Parece que estão diminuindo as transações, mas não deve demorar para Irene nos mandar interceptar outra carga das substâncias. Isso se a gente conseguir pegar uma dessa vez.
Mitch bufou irritado, remexendo o colo na cadeira enquanto gemia baixinho:
– Porra...
Ele trouxe as mãos aos olhos, cobrindo-os enquanto os neurônios fritavam de estresse. Sophie desabou com um suspiro derrotado e Allison permaneceu com o semblante impaciente e irritado, pensando sozinha.
– Dispersei agentes para as cinco possíveis direções com o auxílio de Irene, mas ninguém viu nada até agora. Faz pouco mais de um dia então era esperado.
– Precisamos atraí-la. – Mitch disse, firme sob os olhos dos três agentes. – Precisamos fazê-la vir até nós. Se não a trouxermos de volta vão pegá-la e ainda não sabemos o que querem com ela. Podem a matar.
Os olhos de Foster pararam na mesa, pensativos.
– Talvez... – Sophie interrompeu, com a voz chateada. Deu de ombros sutilmente. – Theo a defenda, no final das contas.
Mitch se enrijeceu.
– O quê? O que está dizendo?
– Só estou pensando que talvez ele não a queira morta. – Explicou, vendo o lampejo de indignação passar pelos olhos castanhos do agente. – Escutei muita coisa desse cara durante a missão e talvez ele gostasse dela.
– Ele é um criminoso, a porra de um assassino!
– Eu sei disso.
– Aliás – Retomou Mitch, se esforçando para ser cauteloso e conter o estresse explosivo da garganta. – Lydia estava envolvida com a CIA que os investiga, sabe quem matou a mãe e a irmã, não a deixariam escapar com isso.
– Mas e se Theo a mantivesse por perto?
Ele relutou, negando com a cabeça.
– É óbvio que não fariam isso, esqueceu de quem estamos falando?
– Certo. – Foster ronronou, exausto. Os agentes voltaram-se para ele. – As buscas não vão cessar, eu garanto. Mas seria bom se ela facilitasse.
– Ela não quer voltar. – Mitch, culpado e compreensivo, sentiu a garganta arder. – Se está fugindo e planeja prolongar isso por quanto tempo for possível, então vamos precisar de muita dedicação nisso tudo.
Allison bufou, enterrando as costas na cadeira com um respirar fundo e exausto. Sophie batucou os dedos na mesa de vidro, encarando a tela do computador. Depois de um instante de silêncio, questionou:
– E quanto a família? Nenhum tio, primo... ninguém que ela possa querer recorrer?
– Por perto? Não. – Os olhos castanhos de Foster se apagaram. – Lydia tem a família pequena, mas se ela pegar um avião para visitar alguém nós saberemos. Ela não pode ficar muito tempo fora de nossas vistas, vai acabar entrando ora ou outra na mira de alguma câmera de segurança se...
– Não a pegarem primeiro.
Donnavan encarou os olhos tristes e selvagens e determinados de Mitch. O agente estava condensado em dedicação e raiva. Daria tudo para ter Lydia de volta na sede, só para garantir que estivesse segura.
Por um único momento, se questionou se ela ofertasse pedir que ele a acobertasse, o quanto ele estaria disposto a contribuir para vê-la feliz e liberta de alguma forma, mesmo que isso comprometesse seu trabalho.
**
Lydia se remexeu no amontado da coberta, respirando fundo enquanto o corpo recém – e pouco – descansado, despertava. Ela murmurou baixinho, virando de barriga para baixo na cama dura. Espiou o relógio na parede, vendo que o dia lá fora já estava formado com um sol radiante e ardente que batia na janela do quarto do motel.
O cômodo parecia reduzido a um calor escaldante. Lydia gemeu com o corpo pesado e dolorido, tomando coragem para sair da cama. Sentou na beirada do colchão, encarando a janela que dava para o pátio do motel, e sua cabeça pareceu girar com tantas memórias insanas da noite anterior.
Esperou por lágrimas que fossem surgir, mas seus olhos não drenaram nada. Depois de tanto tempo, Martin acreditou que sua fonte – apesar de repleta de tristeza – estivesse secado. Ela se arrastou para a fora da cama, pegando escova e pasta de dente, indo ao banheiro.
Encarou seu reflexo no espelho, e paralisou ao recordar-se do cabelo cortado ao vê-lo. Os fios ruivos, agora secos, estavam retos um pouco acima do ombro. Apesar de lisos, tinham poucas curvas que dando voltas nas pontas mal cuidadas. Lydia penteou o cabelo com os dedos e na falta de um creme, o jogou para um lado da cabeça, se convencendo de o visual poderia ser considerado natural.
Embora soubesse que aquilo não tinha a menor das importâncias. A barriga roncou quando o relógio marcou meio dia e Martin temeu deixar o quarto mesmo que tão brevemente. Espiou pela janela, procurando por possíveis pessoas no pátio de cascalho do motel.
Existiam algumas pessoas conversando do lado de fora de um quarto, fumando e trocando risadas grogues. Lydia abriu a porta, espiou o seguimento de quartos de um lado para o outro e seguiu para uma máquina de venda automática de alimentos.
Comprou alguns salgadinhos e retornou para o quarto. Comeu, pensando no que fazer, considerando quando tempo poderia ficar ali sem que alguém a encontrasse. Perdida e exausta, retornou para a cama. As lágrimas que Lydia acreditou terem secado drenaram nos olhos com grosseria, fazendo-a chorar nos lençóis.
Martin não sabia o que fazer. Quando o ritmo das lágrimas diminuiu ela pescou o mapa que tinha comprado e seus olhos correram pelas rotas, pensando no que podia fazer, no que sua cabeça inquieta conseguia raciocinar para se distanciar da CIA e da facção.
Pensando no quanto ainda podia sobreviver naquela realidade.
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