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História Dandelion - Preço Cruel


Escrita por: KakaLeda

Notas do Autor


OIEIEIEIEIEIEIEIEIEIEIEIEIIE. SEUS DELICIOSOS 🐈🐈

Gente, vou ser breve nessa introdução porque estou postando pelo celular e está travando muito, estou com medo de travar completamente e perder o que fiz até agora...😭
Obrigada novamente por vocês meus leitores divosos nível Madonna❤❤ desculpem-me por não estar respondendo aos comentários, eu realmente os leio com muito amor e carinho e não deixo nenhum passar(queria colocá-los num potinho) mas infelizmente meu tempo na internet é mínimo por causa dos estudos😫 por isso por favor não fiquem chateados e não pensem que me esqueci de vocês, seu comentarios são meus principais pilares para escrever Dandelion❤❤❤

Capítulo 56 - Preço Cruel


Fanfic / Fanfiction Dandelion - Preço Cruel

 

Castiel

Eu soube que alguma coisa estava errada no momento em que Sophie se
remexeu em sua almofada no meio do jantar no cruzeiro e pediu licença
para ir ao banheiro. Por mais que Sophie soubesse esconder bem seus
sentimentos em suas expressões, eu conseguia ver a tensão em seus
olhos.
Assim que ela se retirou, eu acompanhei sua trajetória até perdê-la de
vista, mas foi nesse exato momento que avistei o possível motivo
daquela tensão. Olga passou encarando nossa mesa de soslaio num curto
segundo, mas foi tempo suficiente para eu conseguir captar o seu
rosto; depois disso, analisei o perímetro e me dei conta de que ela
não estava sozinha e muito menos despreparada.
Eu já estava prestes a avisar Viktor, quando meu irmão me passou outro
copo de saquê e me lançou um olhar de censura.
– Eu já sei... – ele falou, fingindo estar conversando sobre algo
banal comigo – Eles estão nos observando, então finja que não viu.
– Quantos são? – eu amenizei a expressão em meu rosto, deixando-a
neutra e indecifrável.
– Acho que estamos cercados. Não olhe agora, mas tem um
franco-atirador com sua cabeça na mira – Viktor murmurou enquanto
saboreava um sushi.
Discretamente virei meus olhos e avistei o cano da arma apontada para
mim no alto do salão.
– Ele deve estar na cabine do capitão – eu falei. Então voltei meus
olhos para a multidão, atrás de Sophie. Engoli em seco quando a vi ao
lado de meu pai – Jean também está aqui.
– Então a coisa é séria... Ele não viria aqui se arriscar para nada –
Viktor concluiu, franzindo as sobrancelhas.
– Sophie está com ele... – eu sussurrei, trincando o maxilar. Pelo o
que eu conseguia ver, Sophie e Jean-Louis pareciam estar tendo uma
conversa. Eu tentei decifrar as expressões no rosto dela até que a
garota olhou para o nosso lado e ficou pálida. “Ela deve ter visto o
atirador mirando em mim”, eu pensei.
Depois de decorridos mais algumas conversas entre eles dois, Sophie
pareceu consentir com algo e seguiu Jean-Louis para fora do salão.
“Ele deve tê-la ameaçado”, eu pensei novamente ao ver que o atirador
não mais estava apontando a arma para mim.
– Não exploda agora, Castiel. Se você perder o controle, nós todos
vamos morrer, inclusive a Sophie – Viktor parecia estar lendo os meus
pensamentos.
– Eu sei, mas não vou esperar sentando sem fazer nada – eu disse, já
prestes a me levantar. Até que meu celular tocou e eu tive que
atendê-lo.
– “Castiel?” – a voz de Nathaniel era inconfundível.
– Sim, onde você está?
– “Estamos numa cidade próxima ao lago Baikal, chegaremos de
helicópteros para ser mais rápido... Como está a situação aí?”.
– Estamos cercados, mas eles ainda não sabem que percebemos isso – eu
falei, virando-me para Viktor. Viktor pediu para que eu passasse o
celular a ele e eu o fiz logo em seguida.
– Eles já estão se mobilizando – disse Viktor com o celular no ouvido
– Vamos começar a nos mover discretamente, pois pegaram a Sophie e
eles devem estar tentando tirar informações dela... Ou usando-a como
refém.
Eu apertei o copo de saquê com raiva ao pensar naquelas
possibilidades. Se Sophie se machucasse... Eu nem sei o que faria.
Assim que a ligação foi finalizada, decidimos enganar quem quer que
estivesse nos olhando ao chamarmos nossos convidados para o meio do
salão, para dançarmos com as dançarinas – os empresários gostaram
imediatamente da ideia, então foi bastante simples levar aqueles
homens roliços para o centro da multidão – já que eles sozinhos
chamavam muita atenção, eu e Viktor aproveitamos aquele burburinho
para organizarmos nossas forças, enviando ordens para nossos homens.
Eles começaram a matar o inimigo aos poucos, discretamente, usando
armas de fogo com silenciadores e armas brancas.
Viktor foi para um lado e eu fui para o outro, nós decidimos que
cuidaríamos da situação separadamente, eu iria atrás de Sophie –
limpando o caminho enquanto isso – e ele daria conta das coisas que
ocorriam dentro do salão.
Enquanto eu seguia o caminho para onde Sophie havia ido, eu e mais
alguns dos meus homens enfrentamos vários inimigos, e o número de
oponentes só aumentava cada vez que eu avançava. Para mim isso era um
bom sinal, pois se haviam tantas defesas, por trás delas era onde
devia se encontrar os meus objetivos. Quando derrubei o último homem
antes de subir as escadas para sair para a popa do navio, escutei o
grito de Sophie, nesse momento eu quase perdi minha mente.
Avancei como um touro e me deparei com aquela situação hedionda.
Sophie estava com vários hematomas, e isso me deixou furioso, se eu
ainda não estivesse são, eu teria caído para cima de Olga sem pensar
duas vezes.
Mas a situação pedia que eu cooperasse, e eu o fiz, mesmo quando me
obrigaram a me livrar de minhas armas, ou quando me puseram naquela
ridícula Roleta Russa – que foi um dos piores momentos daquela noite
para mim – mas, no fim, acabei perdendo a paciência e atirei em Olga.
No entanto, a aparição de minha mãe acabou com qualquer possibilidade
para mim. De início pensei que ela ficaria do nosso lado, que
protegeria Sophie por saber que a garota estava esperando um filho
meu. Eu nunca estive tão errado em toda a minha vida. Valérie era
Valérie, eu conhecia a minha mãe, ela apenas não era tão pior quanto
Jean-Louis.
Quando Valérie mandou que Sophie fosse espancada até a morte, meu
cérebro demorou dois segundos para entender o que aquelas palavras
significavam. Quando compreendi, comecei a me debater, tentando me
livrar das mãos daqueles desgraçados.
– Não toque nem mesmo num único fio de cabelo dela! – eu gritei, mas
ninguém se importou, eu não tinha voz ali – Não faça isso! Não ouse
fazer isso, Valérie!!
Sophie estava assustada, a sua expressão de medo me estilhaçava por
dentro. Eles não podiam fazer aquilo com ela, não podiam... Aquilo
tudo não parecia real, parecia mais um dos meus pesadelos, aqueles que
tive durante os meses em que estivemos separados. Meus nervos se
inflaram de raiva quando o primeiro golpe foi dado, Sophie se agachou
em posição fetal e gemeu de dor.
“Por favor, proteja sua cabeça... Proteja sua cabeça...”, eu implorava
mentalmente, mas ao vê-la concentrando sua defesa em seu ventre, eu
imediatamente soube que Sophie tinha outras prioridades. Para Sophie,
a vida da criança era mais importante do que a própria. Eu mordi o
lábio inferior em frustração, “Se você morrer, ninguém vai viver...
Nem mesmo eu, Sophie. Muito menos eu”.
A cada golpe que eles davam em Sophie, era como se estivessem me
atingindo. Assistir sem conseguir fazer nada era torturante e
dilacerante, por isso, sempre que possível, eu me debatia para
conseguir me libertar.
Outro golpe, outro golpe... Eu entrei em desespero quando ela parou de
gemer de dor e quando me dei conta de que aquele vermelho sobre seu
corpo não era apenas a cor da Yukata, mas era seu sangue. Não demorou
muito para ao redor de Sophie se criar uma pequena poça escarlate.
Ao longe escutei o helicóptero de Nathaniel se aproximando, e em
seguida o tiroteio começando como se fosse uma chuva no meio daquele
deserto de gelo. Eu me desvencilhei de tudo o que acontecia ao meu
redor e aproveitei a distração dos meus carcereiros para tirá-los de
cima de mim e mata-los. Não havia nada em minha cabeça que me
permitisse pensar em ética naquele momento, minha sanidade já tinha
cessado no primeiro machucado que fizeram em Sophie, a partir daquele
momento apenas meus instintos se fizeram presente, de uma forma que
não faziam há muito tempo.
Não sei quantos eu derrubei, imobilizei ou matei, e também não me
recordo de quanto tempo eu usei para atravessar todo aquele turbilhão
sangrento e caótico; tudo que sei é que minha mente e meus olhos
estavam focados nela, em seu corpo quase inerte, em seus olhos
desfocados. Ela parecia tão fraca... Não podia ser tarde demais...
Quando finalmente a alcancei, controlei minha vontade de abraça-la,
pois qualquer movimento errado poderia piorar sua situação. E ela
estava tão mal! Aqueles ferimentos, aquele sangue... Eu devia tê-la
protegido melhor, eu deveria tê-la impedido de vir, eu deveria...
– P-pare com isso... – ela murmurou para mim, sua voz baixa estava cansada.
– Parar com o quê? – eu perguntei, pegando sua mão delicadamente.
Estava fria demais.
– Você não tem culpa... Por favor, não se culpe eu... – Sophie então
começou a tossir sangue, aquilo me deixou ainda mais devastado. Ela
estava fraca demais... – E-eu só queria te dizer q-que...
– Sophie, p-por favor – eu deitei minha cabeça em seu busto, para que,
de alguma forma milagrosa, eu conseguisse transmitir alguma força para
ela – P-por favor, n-não faz isso... Você é tão forte, fica comigo.
Fica comigo, por favor... Esquecer que tínhamos que ser um casal
comum? – eu exibi um sorriso amarelo – Não tem sentido pra mim se você
não estiver comigo...
– O-obrigada, cabelo de menstruação... – ela utilizou do antigo
apelido que me dera. “Não me faça rir num momento como esse, Sophie, é
injusto”. Os olhos de Sophie estavam muito desfocados, ela olhava para
mim, mas não me encarava realmente. Meu corpo começou a tremer quando
ela proferiu as próximas palavras – Você s-sabe que eu te amo, né?
Depois disso, Sophie fechou os olhos e caiu inerte em meus braços, ela
estava fria e sem forças.
– Sophie...? – eu a chamei, minhas mãos moveram seu rosto na tentativa
de reanima-la, mas não estava funcionando. Então eu me desesperei –
Sophie. Sophie! P-por favor! – eu a deitei no chão molhado de sangue e
escutei o pulsar de seu coração. Os batimentos estavam quase cessando
– Você não vai! Eles não vão tirar você de mim! – comecei a fazer uma
reanimação cardiorrespiratória em Sophie, pressionando a região do seu
coração e assoprando na boca dela – Funciona, vamos! Funciona!
Eu pressionei de novo, e respirei de novo. E de novo. E de novo.
Escutei Nathaniel gritar ordens ao longe para que prendessem Jean e
Valérie – ótimo, pois eu iria lidar com eles depois - mas meu foco
sempre se centralizou em Sophie, mesmo quando senti uma grande
movimentação ocorrendo na popa.
“Vamos, Sophie... Vamos...”, eu implorava mentalmente, e, sem mais me
importar em manter meu perfil forte diante dos meus subordinados,
deixei minhas lágrimas caírem.
“Por favor”, eu implorei e pressionei seu busto.
“Volte!”, eu repeti o processo.
“Por favor!”, eu a beijei numa atitude desesperada.
Eu já estava quase sem forças, quase completamente destruído por
dentro por não receber nenhuma resposta do corpo dela, quando a
escutei respirar sozinha. Quando coloquei meu ouvido no busto de
Sophie e escutei seu coração pulsando timidamente, eu soube que ainda
havia chances, e eu tinha que correr para conseguir usufruir delas.
Desviei um pouco minha atenção para ver Irie Yamaguchi-Gumi chegando à
popa do navio.
– Segurem o japonês – eu ordenei, e meus homens o fizeram. Depois
disso, puxei um revolver e coloquei Irie na mira, e então eu disse: –
Você tem menos de cinco minutos para conseguir achar qualquer médico
ou alguém ligado, de alguma forma, à área da saúde entre os seus
convidados ou entre os empregados. Se não conseguir... – eu destravei
o revolver e, só depois de um tempo, o abaixei. Irie entendeu meu
recado e a minha ameaça, e assim que foi solto, ele correu para dentro
do navio atrás do que eu pedi.
– Ela está viva? – Nathaniel perguntou ao se aproximar, pelo seu tom
de voz ele também parecia preocupado.
– Ainda, mas não podemos demorar... – eu disse, em seguida virei o meu
rosto em direção onde Jean e Valérie se encontravam. Meus olhos
queimavam de ódio – Ela precisa ir para um hospital. Eu sei que você
não é mais nenhum subordinado meu, eu sei que não me deve nada fora
das negociações; mas, por favor, você poderia acompanha-la até o
hospital? E protegê-la? – eu pedi a Nathaniel, e completei logo em
seguida, fuzilando Jean e Valérie com os olhos – Preciso cuidar da
situação aqui...
Nathaniel colocou uma mão em meu ombro, numa atitude solidária, e
falou seriamente:
– Vou proteger a vida dessa garota com a minha, então não se preocupe.
Momentos depois, Irie apareceu com uma mulher que se dizia ser uma
neurocirurgiã, eu a fiz acompanhar Nathaniel com Sophie no helicóptero
que seguiria para a unidade hospitalar mais próxima. Assim que eles
foram embora, eu andei até onde meus pais se encontravam, ambos me
observavam com nenhum pingo de culpa ou remorso, apenas com um misto
de desapontamento e desprezo pintado em suas faces.
– Você é um fraco... – Valérie vociferou, recuando cada vez que eu me
aproximava – Está lutando por um objetivo medíocre e...
– Cala a boca... – minha voz saiu baixa e fria – Eu ainda só não te
fiz pagar pelo que você fez porque está grávida do meu irmão, porque
ele é somente um bebê inocente que ainda nem nasceu... Mas você...
Como pôde? – eu também olhei para Jean – Como vocês dois conseguiram
atingir esse ponto hediondo?
– Sem sermões, Castiel, eles não vão escutar você de qualquer forma –
disse Viktor, eu estava tão aturdido com a situação que nem me dei
conta de quando ele chegou à popa do cruzeiro.
– Diga logo o que você quer fazer conosco, criança... – os lábios de
Jean se curvaram num sorriso desafiador – Pretende entrar para a vida
“normal” matando os seus pais? É isso que dirá ao seu filho no futuro?
Que matou os avôs dele?
Eu pressionei o cabo do meu revolver de raiva.
– Não se submeta ao ridículo, Jean... Isso não faz parte de quem você
é. Manipular-me com algo tão baixo é inútil – eu disse, olhando bem
nos olhos dele – Se por acaso eu mata-lo, estarei protegendo o futuro
da minha família, isso sim.
– “Por acaso”? Então vai recuar novamente, vai ser ético e “humano”, é
isso? – Jean gargalhou.
– Não... Vou recuar porque não serei eu a fazer isso – eu disse, dando
o meu revolver para Viktor e me afastando para que meu irmão fizesse
as honras – Nós tínhamos um acordo, e agora eu estou cumprindo-o.
Jean franziu as sobrancelhas para Viktor e, quando se deu conta da
seriedade da situação, eu vi seu rosto ganhar uma expressão
desesperada. A primeira que vi em sua face em toda a minha vida.
– Isso é por todas as coisas que você nos forçou a fazer... Por tudo o
que fez a mim, por cada segundo que me obrigou a seguir suas ordens...
E pelo futuro da organização – Viktor ergueu o revolver, depois
encostou o cano da arma na testa de Jean e, então, disparou.
Jean revirou os olhos antes de morrer, o disparo foi tão potente que
perfurou a testa e atravessou o crânio do homem. Jean-Louis caiu no
chão da popa com um baque, meu estômago se revirou, mas tive força o
suficiente para conter os meus instintos.
Valérie então gritou e se lançou para cima do corpo de Jean.
– Ele era o pai de vocês! O pai de vocês!!! – Valérie gritava
chorando, como se fosse uma esposa amorosa se lamentando no leito de
morte do marido. Se eu não a conhecesse, teria acreditado em cada
lágrima que saía de seus olhos.
– Jean teria feito o mesmo conosco se a situação fosse oposta... – eu
falei, me lembrando do franco-atirador que mirava em mim.
– S-sim... Ele o teria, porque vocês dois são uma vergonha para os
Mikhailov! – Valérie de repente se levantou e se atirou em mim com um
canivete na mão, mirando em meu coração.
Numa atitude de defesa, ou até mesmo de susto, Viktor disparou o
revolver e acertou o peito de Valérie, fazendo a mulher cair para
trás. Ela se curvou até se apoiar nos próprios joelhos, mas o peso da
barriga e a dor que ela devia estar sentindo pioravam sua situação.
Eu, como filho, não pude deixa-la cair, então acabei segurando-a pelos
braços e a guiei para que sentasse no chão.
– Mesmo depois do que eu fiz, você ainda cuida de mim. Que criança
mais ingênua... – Valérie sussurrou com dificuldade, pois muito sangue
saía de seu peito.
– Eu somente estou fazendo o que um filho de verdade faria, mas você
nem mesmo chegou a me tratar bem durante toda a minha vida... – eu
disse. Por mais que ela tivesse feito coisas horríveis comigo, para
mim, ainda era doloroso demais presenciar minha mãe indo em direção à
morte. Por fora eu aparentava estar bem, mas, por dentro, uma parte de
mim se quebrava.
– A-acha mesmo que as coisas ficarão mais fáceis daqui por diante...?
– Valérie arqueou uma sobrancelha, me encarando com escárnio, mas logo
a dor consumiu essa sua expressão, deixando-a com uma careta de
sofrimento – Eu sei muito bem q-que você não quer o lugar de seu
pai... – Valérie se curvou novamente, sangue saía de sua boca – Mas
você é o primogênito, os russos não vão aceitar Viktor no poder a
menos que... Bem, você já sabe o que tem que acontecer – a mulher
exibiu um sorriso sangrento.
Eu encarei Viktor de soslaio e ele me encarou de volta. Nós dois
sabíamos muito bem o que viria depois que derrotássemos Jean, apenas
nunca quisemos tocar realmente no assunto. Para Viktor ganhar
completamente o apoio dos russos, eu teria que morrer ou, no mínimo,
sumir do mapa para sempre; só assim não haveria mais conflitos
internos.
Eu admito que aquele assunto era o que eu mais temia. Desde o momento
em que decidi unir forças com Viktor, nós dois tínhamos noção da
situação, e, principalmente, eu sabia que, a qualquer momento, Viktor
poderia me trair. Até porque ele sempre fora bastante imprevisível.
Meus pensamentos mudaram de foco quando Valérie caiu completamente no
chão, sem mais forças. Seu busto subindo e descendo era o único
indício de que ela ainda estava viva, mas aquele ferimento de bala e
aquela hemorragia não permitiriam muito mais tempo a ela. Eu fechei os
olhos com força, engoli em seco e me segurei para não começar a xingar
os céus.
“Por que diabos eu estou triste?”, eu perguntei mentalmente, mordendo
o lábio inferior e sentindo um nó na garganta.
E então, para a minha surpresa, Valérie apertou o meu pulso e olhou para mim.
– T-tire o bebê... P-por favor... – ela balbuciou pela última vez,
antes de lacrar os olhos e parar de respirar.
Valérie estava morta, e eu estava chorando.
– Precisamos tirar o bebê agora, não temos mais tempo! – Viktor puxou
o meu ombro para chamar minha atenção, mas tudo que eu conseguia ver
era minha mãe morta na minha frente.
“Eu deveria estar odiando essa mulher, então por quê...?”.
– Castiel! – Viktor novamente tentou chamar minha atenção.
Foi nesse momento que despertei. Peguei meu canivete e abri o vestido
bufante, depois, quando respirei fundo e ignorei completamente a ideia
de estar abrindo a carne de Valérie, cortei a parte mais baixa do
ventre. Abri outra camada e mais outra e mais outra até chegar à
bolsa. E então eu finalmente alcancei a criança.
O bebê, assim que se desligou da mãe, começou a berrar num grito
típico de recém-nascido, a intensidade de sua vozinha indicava sua
força e saúde, o que foi um alívio tanto para mim quanto para Viktor.
Era um menino rechonchudo com olhos idênticos aos meus.
Viktor pegou o casaco de pele de Valérie e cobriu a criança com ele, e
depois colocou o menino nos braços.
– O que vai fazer com ele? – eu perguntei. Viktor sabia que eu me
referia ao futuro do meu novo irmão.
Viktor olhou ao redor, para os homens que observavam toda a situação
tão pasmos quanto nós, e falou:
– Se pessoas erradas descobrirem que esse menino é filho da Valérie,
então vou ter mais outro “inimigo”... Eu particularmente não quero
isso. – Viktor falou com sinceridade – Posso cuidar do silêncio desses
caras e usar a desculpa de que essa criança é fruto de uma das minhas
aventuras – ele falou com um sorriso amarelo no rosto – Só assim ele
pode ao menos tentar ter uma vida segura...
Aquilo me pegou completamente de surpresa, eu nunca tinha conhecido
aquele lado altruísta de Viktor antes, sempre que nos víamos ele era
sempre o assassino da vez... Mas, pensando bem, Viktor sempre teve que
receber às ordens grotescas de Jean-Louis, talvez ele tivesse sofrido
em silêncio por muito mais tempo do que eu por ser o filho bastardo.
– Vamos sair daqui... O bebê precisa de um hospital, e acho que você
também quer ir a um – Viktor obviamente se referia a Sophie, devia
estar bem exposto o meu rosto o quanto eu queria vê-la e saber da
situação de sua saúde.
Viktor se retirou antes, levando a criança consigo – de alguma forma,
que eu poderia chamar até de irresponsável, eu agora conseguia confiar
nele – mas eu permaneci sentando e imóvel ao lado do corpo de Valérie,
observando-a enquanto minha mente entrava num pequeno turbilhão de
emoções. Até que decidi sair dali, pois eu sabia que, se começasse a
pensar demais, eu poderia entrar num estado crítico.
“Foi isso que Sophie sentiu quando o pai dela morreu? Ela também o
odiava...”, esse questionamento adentrou meus pensamentos de repente
enquanto eu cobria o corpo de Valérie e me dirigia ao helicóptero em
que Viktor estava para irmos ao hospital.

Sophie

Sabe aquele momento em que despertamos e sentimos que tivemos um longo
e imaculado sono? E ainda sem sonhos? Foi exatamente assim que me
senti quando abri meus olhos pela primeira vez. Eu sabia que tinha
sonhado, meu inconsciente tinha quase certeza, mas nada me vinha à
mente quando eu tentava lembrar; e, além disso, também era estranho o
fato do meu corpo estar tão molenga, mesmo quando eu me sentia
totalmente revigorada internamente.
Quando a minha visão conseguiu focalizar, eu analisei aquele ambiente
estranho, com paredes brancas e máquinas que eu já havia visto antes
em séries de medicina. Das máquinas saíam fios que se conectavam aos
meus braços, me fazendo concluir que eu estava num hospital, e as
rosas, eu pude supor, eram presentes de Castiel – ao menos a maioria
devia ser, pois somente ele sabia que essa era a minha flor favorita –
além daquilo tudo, ainda havia uma máscara de oxigênio preso em minha
face, cobrindo minha boca e nariz, o que incomodava bastante.
Porém, em meio aos meus devaneios sobre como era estar internada num
hospital, me dei conta, de súbito, do que havia acontecido para eu
estar naquela situação. Minha cabeça começou a latejar quando me
lembrei dos chutes e socos que recebi, mas consegui amenizar o
incômodo quando a imagem de Castiel salvando-me me veio à mente. No
entanto ainda havia outra coisa que me preocupava bastante, e eu
comecei a chorar ao pensar na possibilidade do pior ter acontecido.
– Sophie? Sophie! – a voz de Kim surgiu de repente, ela entrou no
quarto e, ao me ver encharcada de lágrimas, correu até mim – Você mal
acordou e já está chorando? O que aconteceu...? Consegue falar?
Não, eu não conseguia, aqueles tubos e a sonolência me impediam de
movimentar minha boca, mas consegui mover a ponta do dedo e apontei
para minha barriga. “Por favor, me diga que está tudo bem...”.
Kim franziu a testa sem entender, de início, o que eu estava tentando
dizer, mas assim que a compreensão a atingiu, ela me lançou um
sorriso.
– Está tudo bem, vocês três estão muito bem, não se preocupe – Kim
tirou o maior dos pesos de cima de mim, eu quase voltei a chorar de
tanto alívio.
Mas com três ela se referia a mim, ao bebê e a Castiel...?
Kim deve ter visto a confusão em meu rosto, por isso voltou a sorrir e
acariciou minha mão.
– Pois é, dentro de você tem dois mini-Castieis. Descobrimos quando o
médico fez o ultrassom semana passada – Kim explicou, aquilo me fez
arregalar os olhos. Gêmeos?! Eu teria gêmeos?! Eu estava em êxtase.
Com todas as minhas forças, consegui erguer o braço e alcancei a
máscara de oxigênio para tirá-la. Quando consegui, senti uma maior
facilidade para falar.
– M-mas como...? No primeiro exame... – eu me recordei daquela noite
da festa de Melissa e Kentin.
– Ah é, mas já que estava ainda no início, aquele ultrassom não
conseguiu captar dois fetos se formando. – Kim explicou – Bem, de
qualquer forma, parabéns!! – Kim se lançou em cima de mim e me abraçou
com cuidado – Você não sabe o quanto nos deixou preocupados, sua
maluca! Onde estava com a cabeça quando decidiu acompanhar o Jean
sozinha?
– E-ele estava ameaçando o Castiel... A propósito, onde está o
Castiel? – eu murmurei com menos dificuldade, minha boca estava
voltando ao normal.
– Ele deve estar dormindo no banco de espera, o garoto não deixou esse
hospital um dia sequer... – Kim passou a mão nos cabelos e cruzou os
braços.
– Há quanto tempo estou aqui? – eu tinha receio em perguntar. O tempo
não parecia ter se passado tanto, mas a forma como Kim falava me
levava a crer que eu estava deitada naquela maca há eras.
– Você ficou em coma durante duas semanas e meia... Aliás! – Kim, de
repente, apertou um botão na parede próximo a mim – Eu preciso avisar
que você acordou!
Kim já estava prestes a sair do quarto, quando eu a chamei para uma
última pergunta. A pergunta mais necessária.
– O conflito... Acabou?
Kim me observou em silêncio e hesitou algumas vezes. Algo em sua
expressão me dizia que ela estava numa luta interna entre me contar a
verdade ou me contar o que eu queria ouvir. Mas eu queria ouvir a
verdade!
– Não se preocupe com isso, Sô, se ainda tiver qualquer problema, não
é grande coisa. O pior com certeza já passou. – foi o que ela disse, e
logo depois saiu em disparada para fora do quarto.
Assim que fiquei sozinha, eu respirei fundo e tentei encarar aquilo
como uma noticia boa – “Sim, o pior já deve ter passado, não deve
existir maiores riscos para ninguém...” – depois disso desejei mudar o
rumo dos meus pensamentos para algo mais agradável.
“Gêmeos. Eu teria dois bebês ao mesmo tempo! Nossa, como eu deveria
encarar aquilo? Era bom eu estar me sentindo tão feliz e ansiosa?
Sempre achei lindo pessoas gêmeas... E quanto aos nomes? Eu deveria
deixar tudo combinando? Que ideia...”.
Virei meus olhos para os vasos com rosas e me peguei sorrindo de forma
abestalhada. “Será que Castiel já sabia disso? Qual terá sido a reação
dele? Eu queria tanto saber...”. De súbito senti uma grande vontade de
pegar uma daquelas rosas para cheirar seu aroma, e já que o sedativo
não estava mais tão forte, eu me estirei para tentar alcançar a rosa
mais próxima. A distância até a rosa ainda era grande, mesmo com meus
dois braços erguidos, então tentei me arrastar até ela, porém minhas
pernas não se moviam – “Será que metade do meu corpo ainda está
sedado?” – eu coloquei mais força, mas nem mesmo os dedos dos meus pés
se moviam. Era como se eles estivessem ultra dormentes. No entanto eu
não desisti, continuei tentando me aproximar, mas acabei perdendo o
equilíbrio e indo rumo ao chão.
E nem mesmo durante a queda eu não consegui mover os meus pés para
diminuir o impacto. Estranho.
– Ai... – minha bunda ficou dolorida depois da queda.
Ainda sentada no chão, eu olhei para minhas pernas e franzi as
sobrancelhas, depois toquei minha cocha e meu joelho. Nada. Eu não
conseguia sentir nada. Comecei a suar frio, aquilo não podia estar
acontecendo... Novamente tentei mexer alguma coisa, mas nada, nem
perna, nem joelho, nem dedos respondiam ao chamado do meu cérebro, era
como se metade de mim estivesse dormindo profundamente.
Quando o médico entrou em meu quarto, ele me viu ainda estirada no
chão. Antes que ele pudesse perguntar qualquer coisa, eu falei antes:
– Eu não sinto minhas pernas.
O médico me encarou de uma maneira estranha, como se ele suspeitasse
que aquilo fosse acontecer.
– Me diga que é o sedativo, por favor – eu implorei, quase chorando.
– O efeito do sedativo já deve ter passado... Eu sinto muito senhorita
Sophie, um golpe conseguiu atingir uma região de grande importância da
sua medula espinhal, suspeitei quando vi seus exames, mas nem mesmo eu
pude ter total certeza sobre o que aconteceria com o seu corpo quando
a senhorita acordasse... – o médico explicou calmamente, seu olhar era
solidário.
– E-então eu... Q-quer dizer que eu não vou mais... – era difícil
demais tentar assimilar aquilo – A-andar?
– Talvez possa em alguns anos depois de passar por terapias, existe
sim essa possibilidade...
– Mas e dançar? E-eu faço dança contemporânea, talvez um dia eu... –
ao olhar para a expressão no rosto do médico, obtive imediatamente
minha resposta. Nunca mais eu dançaria. Nunca mais.
Então aquele era o preço para que meus filhos e eu pudéssemos sair
vivos de toda aquela confusão?
–Isso não é cruel demais...? – eu sussurrei baixinho.
– Senhorita Sophie...? – o médico chamou.
– Por favor, não conte a ninguém, eu mesma farei isso... Por favor – eu pedi.
O médico acabou concordando com o meu pedido com um movimento de
cabeça. Logo depois disso, a porta do quarto foi aberta e por ela
entrou Castiel, seus olhos se prenderam em mim como se nossa conexão
fosse quase instintiva.
– Por que você está no chão? – ele perguntou.
– Ah, é... – eu tentei disfarçar a minha angústia, pois não queria dar
aquela notícia tão trágica naquele nosso reencontro – Eu ainda estou
parcialmente sedada... Queria pegar uma rosa, mas minhas pernas não
acordaram totalmente.
Castiel segurou uma risada – Você sempre foi assim tão desastrada? –
ele ironizou e se aproximou de mim, depois me pegou em seus braços e
me colocou na maca com delicadeza – Você tem que tomar mais cuidado a
partir de agora... Bem mais – Castiel baixou os olhos para a minha
barriga e sorriu.
Apenas aquela expressão em seu rosto conseguiu tirar a minha sensação
de estar no fundo do poço, trazendo-me de volta à refrescante luz de
uma manhã de primavera.
– Vou tomar... – eu sussurrei, agradecendo internamente pelo alívio
interno que aquela conversa estava me proporcionando. Depois eu iria
contar... Só depois...
Esperamos o médico fazer uma ultima análise em meu corpo, verificando
meus sentidos e observando meu comportamento, sem nunca mencionar o
meu trágico problema – o que me fez agradecer a ele silenciosamente –
e então, quando tudo foi terminado, o médico nos deixou a sós.
– Você demorou. Pra ser bem sincero, eu estava começando a ficar medo
de que você não fosse acordar mais... – Castiel murmurou, seus olhos
estavam fixos em nossas mãos entrelaçadas. Era muito bom sentir o
calor dele irradiando pelo meu corpo.
– Mas agora acordei, e estou muito bem – eu queria deixar aquilo bem
claro, principalmente para mim. Sim, eu não dançaria mais, mas eu
estava viva e saudável... Eu tinha que aceitar isso para que tudo
ficasse mais fácil – E os outros? O que aconteceu depois que eu...
– Acabou, ou pelo menos a maior parte do problema já foi resolvida –
disse Castiel, mudando o tom de voz, aparentando mais seriedade –
Viktor agora está tentando lidar com as famílias, retomando alianças e
apaziguando intrigas desnecessárias. Ele é quase um chefe agora.
– E Jean e Valérie? – eu perguntei, engolindo em seco logo em seguida.
Apenas mencionar o nome daqueles dois monstros me causava tonturas.
Castiel, ao perceber meu incômodo, segurou minhas duas mãos e
acariciou minha bochecha, tirando uma mecha de cabelo de meus olhos.
Em seu olhar, eu percebi, havia um pouco de tristeza, mas mesmo assim
ele curvou os lábios num pequeno sorriso.
– Eles não vão mais incomodar nossas vidas... – ele murmurou.
– Como assim? O que aconteceu com... Ah... – eu compreendi tudo, eles
estavam mortos, isso explicava a tristeza no fundo dos olhos de
Castiel. Eram os pais dele, de qualquer forma.
Mas saber disso fez me dar conta de uma coisa.
– M-mas Valérie estava grávida... – eu comecei a me sentir horrivelmente mal.
– O bebê está vivo, ele nasceu e está sendo cuidado por Viktor –
Castiel explicou, essa informação tirou um peso gigantesco de cima de
mim. Castiel depois sorriu um sorriso maroto e acrescentou – Viktor
disse que vai adotar a criança como seu filho para que ela não vire um
inimigo. Ele disse que não quer ser obrigado a se livrar de um bebê
inocente por causa de um motivo como esse, eu particularmente fiquei
um pouco orgulhoso dessa mentalidade dele.
– Nossa, isso é realmente surpreendente – eu não consegui deixar de
sorrir, era muito bom saber que Viktor não era aquele cara mau que
conheci na Alemanha – Imagina só, Viktor pai... Quantos anos ele tem
mesmo?
– Ele é mais novo do que eu dois anos e alguns meses.
– O quê?! – eu comecei a tossir, engasgada com minha própria saliva.
Castiel nem tinha vinte anos ainda, então até eu era mais velha que
Viktor? Aquele garoto tinha cara e corpo de vinte e três anos, no
mínimo! – I-isso é muito chocante... – eu disse quando consegui me
recompor.
– Nem me fale... Às vezes as pessoas pensam que eu que sou o mais novo
– Castiel mordeu a parte interior da bochecha, aparentando estar
desapontado. Eu segurei uma risada.
Então, de súbito, minha mente voltou ao que Castiel havia dito de
início, e aquilo me gerou uma dúvida.
– Você disse que Viktor era quase um chefe... Pensei que, já que agora
Jean está morto, Viktor iria tomar o lugar dele imediatamente. O que
falta para isso acontecer? – eu perguntei. Meu questionamento pegou
Castiel desprevenido, ele ficou visivelmente hesitante, parecia estar
procurando as palavras certas para me responder de forma incompleta.
– Vai demorar um pouco... – Castiel queria mesmo mudar de assunto, mas
a sua reação e a conversa que tive mais cedo com Kim só me levavam a
crer, com mais intensidade, que algo estava muito errado. Por que
ninguém queria me dizer a verdade.
– Castiel, por favor, pare de esconder coisas de mim... – eu pedi,
alcançando seu rosto com as mãos e o impedindo de desviar os olhos dos
meus.
– Então por que você também está escondendo coisas de mim? – a voz de
Castiel foi fria e cortante. Ele estava ao mesmo tempo na defensiva e
na ofensiva. Eu o soltei de repente.
– D-do que está falando? – eu perguntei, sem conseguir manter contato
visual com ele, pois eu sabia a resposta.
– Eu escutei você pedindo para o médico não dizer alguma coisa, pois
você mesma falaria... O que é? – Castiel perguntou.
Eu engoli o ar e apertei o lençol da maca entre meus dedos trêmulos.
Como eu daria aquela notícia? Seria pedir demais poder vê-lo
despreocupado e feliz só mais um pouco?
– Não fuja do assunto, Castiel, me diga de uma vez o que está
acontecendo com você e Viktor. – eu disparei, encarando um ponto entre
os seus olhos.
– Não é algo que você precise saber, nós estamos cuidando disso...
Você já se envolveu demais! Envolveu-se mais do que o necessário e
agora está aqui! Então, uma vez na sua vida, acredite quando digo que
eu vou cuidar das coisas e não se intrometa mais... – Castiel elevou
um pouco a voz, ele parecia frustrado e com raiva, o que me deixou
bastante magoada. Ele segurou meus ombros e, dessa vez, foi ele quem
me obrigou a encará-lo de verdade – Agora me diga o que é!
Eu mordi o lábio inferior e tirei suas mãos de cima de mim.
– Por causa dos...Chutes, uma parte da minha coluna vertebral foi
fraturada – quando eu falei, Castiel franziu o cenho e virou o rosto,
uma sombra tomou de conta do seu olhar – E-eu não consigo mais mover
minhas pernas.
Assim que eu terminei de dizer, foi como se tudo dentro de Castiel
desmoronasse, como se um terremoto tivesse vindo e derrubado todas as
estruturas dele sem piedade. Ele estava desolado, provavelmente se
sentindo culpado do que me havia acontecido.
– O-o quê...? – a voz dele quase não conseguiu sair. Eu também não
tinha mais palavras, por isso tudo que consegui fazer foi abaixar a
cabeça e deixar as lágrimas escorrerem.
Castiel ficou paralisado, em choque, ainda sem acreditar – ou não
querendo acreditar – em minhas palavras. Sua face, ocultada por uma
sombra de dor, estava pálida e destacava os olhos vermelhos marejados.
– Castiel... – eu ergui uma mão para alcança-lo, mas ele parecia ter
formado uma muralha transparente ao seu redor.
– Por quanto tempo você pretendia esconder isso de mim? – a voz dele
era pura tristeza e frustração.
– E-eu... Eu não iria esconder por muito tempo...
– Ah é, eu iria deduzir isso sozinho uma hora ou outra, porque você
sempre decide por conta própria – Castiel pressionou as mãos em punhos
nas laterais do corpo.
– Eu apenas queria mais tempo, para que você não ficasse exatamente
assim como está agora – eu disse, desviando o olhar para o chão e
enxugando algumas lágrimas.
– Assim como? Com raiva? Acha que estou com raiva de você? – Castiel
exibiu um sorriso amarelo, cheio de angústia – Como acha que é para
mim saber que você, a garota que eu amo, por causa das suas tentativas
para me tirar daquele inferno, acabou machucando a si mesma e agora...
Agora não vai mais andar? É isso? Como acha que me sinto sabendo que,
por causa da minha fraqueza, você nunca mais vai poder dançar? –
Castiel recuou até bater de costas na parede, ele teve que se apoiar
nela para não cair – Queria adiar isso? Deixar-me na ignorância
enquanto você sofre sozinha? Por que você ainda pensa que ocultando as
coisas de mim vai ser a melhor saída? Ein, Sophie...?
– Pare de se culpar, por favor! Não foi por causa da sua fraqueza, mas
sim por um conjunto de coisas... Não tinha como você me salvar
daquelas pessoas, simplesmente não tinha! Se quer culpar alguém, culpe
a mim que decidi ir até aquela popa sozinha... Mas pare de fazer isso
consigo mesmo, pra mim isso dói mais do que saber que não vou mais
dançar – eu disse, abraçando a mim mesma.
– E como você quer que eu aja? Dizendo que está tudo bem e depois
sorrindo? Não dá... Sempre foi assim, você sempre se machucou, e agora
isso... Eu não posso continuar aceitando...
– Castiel, por favor – eu tentei alcança-lo novamente, mas ele desviou
de minha mão. Castiel não queria ser tocado por mim, como se ele fosse
monstruoso demais para poder receber algo de mim.
– Castiel! – eu insisti, mas ele se afastava cada vez mais – C-Castiel
– minha voz falhou porque minha respiração falhou. Eu comecei a me
sentir tonta e cansada, e meus pulmões começaram a ter dificuldade em
acumular oxigênio. Eu tentei manter o controle, mas ficava cada vez
mais difícil conseguir inspirar o ar. O barulho da máquina ao lado da
minha cama indicava que meus batimentos cardíacos estavam acelerados,
Castiel permaneceu paralisado como uma estatua, me assistindo em
completo choque; pouco tempo depois enfermeiros entraram e tomaram o
controle da situação, me fazendo inalar oxigênio através de uma
máscara e me dando sedativos e remédios, o que me permitiu voltar ao
normal aos poucos.
Castiel continuou em silêncio, no canto do quarto, a expressão em seu
rosto era indecifrável. Eu o observei até fechar os olhos por causa do
poder dos sedativos, que me induziam a um sono profundo. A última
coisa que me lembro de ter visto foi uma lágrima caindo dos olhos
dele.

Passei várias horas deitada na maca, meio dormindo e meio acordada,
tanto que às vezes eu conseguia escutar algumas conversas que rolavam
entre os enfermeiros e o médico, foi assim que eu soube o motivo de eu
ter tido uma crise asmática. Era outra sequela do espancamento, assim
como minha impossibilidade de andar. Ótimo.
        Mas além desses laudos médicos, eu também consegui assistir em
silêncio as pessoas que vinham me visitar, como Kim, Lorenna e
Nathaniel. Mas, no final da noite, quando o sedativo já não estava
mais tão forte, eu abri meus cansados olhos e visualizei uma figura no
canto mais escuro do quarto.
        “Mas o horário de visita já deve ter acabado...”, eu pensei um pouco,
“Deve ser algum enfermeiro”.
        Mas não era. Com o passar do tempo, os meus olhos foram se
acostumando à escuridão, até o formato daquela pessoa ficar bastante
nítida. Era Viktor, e seus olhos cinzentos pareciam ainda mais
brilhantes que a lâmina de uma adaga amolada.
        – Boa noite, Sophie, eu não queria acordá-la essa hora, mas esse é o
único momento possível para que pudéssemos conversar sem a intervenção
de ninguém... – Viktor se aproximou da minha maca e se sentou numa
poltrona a alguns metros de mim. No meu íntimo eu estava bastante
assustada, mas parte de mim queria confiar nele, então decidi
escutá-lo sem receios.
        Viktor apoiou o pé numa das pernas da maca e encostou-se à poltrona
como se estivesse na própria casa, essa sua atitude despreocupada
poderia enganar qualquer um, mas eu conseguia ver a tensão em seu
olhar. Alguma coisa estava errada, e algo me dizia que o problema
tinha relação com Castiel. Eu pude ter certeza disso quando ele
começou a proferir as próximas palavras.
– Algumas famílias continuam se recusando a assinar os acordos, não
confiam nas palavras do filho casula de Jean-Louis, a maioria ainda
crê veemente que estou dando um golpe em Castiel, mesmo meu irmão
tendo me ajudado e me apoiado nessa luta... Se continuar assim, vamos
ter que enfrentar novas disputas em breve, pois os patriarcas e as
matriarcas dessas famílias querem aproveitar a discórdia para tomar o
poder para si – Viktor suspirou fundo e encarou a parede a minha
direita, ele poderia muito bem fazer um buraco nela com a intensidade
de seu olhar – Se isso acontecer muita gente vai morrer, e nem mesmo
Castiel vai conseguir manter você segura. Ainda mais agora que a
notícia sobre sua gravidez se espalhou. Um herdeiro novo é perigoso
tanto para eles quanto... Para mim.
Eu arregalei os olhos e engoli em seco. Não, Viktor não faria isso
comigo... Não aqui, onde provavelmente devem ter pessoas por todos os
cantos, onde Castiel deve estar dormindo numa das cadeiras lá fora.
Viktor não faria nada comigo e nem com meus filhos... Ele não podia
nos trair assim.
– Não quero mexer com você, Sophie, então não precisa me encarar como
se eu fosse um monstro prestes a engoli-la – disse Viktor, se
remexendo em sua poltrona – O bom é que as notícias não especificam
suas informações, como nome, idade ou nacionalidade; elas apenas dizem
que você está entre nós. Isso é bom, mas não vai durar muito, pois
logo espiões tentarão encontrar você, e aí será o fim...
Eu mordi o lábio inferior sentindo a angústia atravessar o meu peito.
– Por esse motivo eu vou cuidar de ocultar sua identidade sem precisar
de derramamento de sangue, mas em relação a Castiel... – Viktor
desviou o rosto para a porta e suspirou fundo – O nome dele me ameaça,
não chegaremos a lugar algum se isso continuar. Eu precisarei tomar
outro tipo de medida com o meu irmão.
Agarrei a colcha da maca com a pouca força que eu tinha e tentei me
levantar de algum modo, para talvez conseguir alcançar o pescoço de
Viktor. “O que você pretende fazer com Castiel?!”, era o que eu queria
gritar em seus ouvidos.
Viktor não continuou seu discurso, nem explicou o que queria dizer com
essas suas ultimas palavras, ele apenas se virou e me encarou nos
olhos.
– Sinto muito – Viktor murmurou, mas não parecia se sentir realmente
assim. O seu olhar confirmou meus maiores medos, Viktor iria se livrar
do nome de Castiel, ou mais especificamente, ele iria matá-lo. Aquela
ideia me cortou por dentro, eu comecei a chorar, desesperada.
“Não. Não. Não. Por favor, não faça isso!”, eu gritava mentalmente,
enquanto Viktor se retirava do quarto sem olhar para trás.

As luzes do quarto se acenderam de súbito, o barulho da porta me
despertou do pesadelo que eu estava tendo – ou aquilo era apenas a
realidade? – várias pessoas adentraram o quarto com violência, sem
deixar espaço para as máquinas que me rondeavam. Visualizei Kim entre
os rostos, ela estava com os olhos vermelhos, como se quisesse chorar,
mas a expressão séria e calculada na frente daqueles homens mostrava
que manter o foco era o mais importante naquele momento. Mas que
momento era aquele?
De repente a conversa de Viktor estraçalhou minha mente, e eu soube
imediatamente o que estava acontecendo, ou o que devia ter acontecido.
Lágrimas começaram a cair pelo meu rosto, inundando a colcha e me
fazendo soluçar. “Isso não pode ter acontecido...”.
Não demorou muito para os homens e enfermeiros começarem a me
desconectar das máquinas, tirando todos os tubos de mim e me deixando
apenas com a máscara de oxigênio e o soro na veia. Kim me colocou nos
braços com uma facilidade que, em outros momentos, eu teria ficado
muito surpresa – ela era mais forte do que eu pensava – e depois,
acompanhada de seus subordinados e comigo nos braços, disparou para
fora do hospital. Ou mais precisamente, para o terraço dele, onde um
helicóptero nos aguardava.
Num último fio de esperança, tirei a máscara de gás do meu rosto para
fazer uma pergunta à Kim.
– O-onde ele está? Onde Castiel está? – eu balbuciei.
Kim engoliu em seco e fechou a cara. A sombra que se concentrou em seu
olhar verde me deu todas as respostas que eu precisava. Acabou.
– Sinto muito, Sophie... E-eu não estava lá, t-talvez se eu tivesse...
– a voz dela falhou, mas o barulho do motor do helicóptero conseguiu
ocultar esse detalhe.
– Foi Viktor – meu sussurro foi mais uma afirmação do que uma
pergunta. Seu olhar novamente me deu as respostas.
– Sophie... Tem outra coisa – Kim encarou o chão do helicóptero – Eu
soube que Castiel estava ciente do que Viktor ia fazer.
Eu não conseguia acreditar, aquele foi o maior dos choques. Então
Castiel se entregou para morrer? Pela nossa segurança... Não, isso não
poderia estar certo, eu não tinha forças para suportar essa ideia pelo
resto da minha vida. Por que ele teve que tomar uma atitude assim
sozinho? Por quê? Ele acreditou mesmo que eu conseguiria viver em paz
e segurança depois disso? Em segurança talvez, mas eu jamais terei paz
em minha vida novamente.
Estou destruída por dentro, e cada lágrima que caía de meus olhos era
uma parte da minha alma que se desfazia.
Durante aqueles três meses eu senti uma saudade que me corroía a cada
dia. E agora? No que exatamente vou me tornar daqui por diante?
– P-para onde estão me levando? – eu perguntei num murmúrio, puxando a
camisa de Kim como se fosse algum tipo de apoio, mesmo eu estando
sentada na cadeira do helicóptero.
– Para uma clínica médica particular francesa, que é da confiança de
Nathaniel. Alguns dos melhores médicos europeus trabalham lá, você vai
estar em mãos seguras, eu prometo com a minha vida – Kim falou com uma
voz suave e relaxante, provavelmente tentando amenizar minha dor.
– Sua vida não... Não sacrifique coisas preciosas como essa por mim,
já basta disso... – eu disse entre lágrimas. Kim pareceu ficar ainda
mais triste.
– Durma, Sophie, a viagem vai ser longa. Você precisa descansar um
pouco – ela sussurrou em meu ouvido, para que eu escutasse sua voz
sobre os motores do helicóptero. Kim deve ter sugerido isso por causa
da moleza em meu corpo, e da vagareza de meus movimentos. Mas também,
o sedativo ainda me consumia, era ele que excluía as dores de meus
hematomas em processo de cura.
Eu queria que existisse um sedativo para amenizar dores na alma.


O helicóptero nos levou para um aeroporto na capital da Rússia, e lá
entramos em um jato particular dos Bertrand, provavelmente oferecido
por Nathaniel. O sedativo só começou a desaparecer da minha corrente
sanguínea algumas horas depois em que levantamos voo, pois foi quando
minhas forças pareceram ter retornado. Em compensação as dores dos
machucados também voltaram, e o incômodo de não conseguir sentir
minhas pernas era ainda mais sufocante. Quase tão sufocante quanto o
sentimento de perda instaurado em mim. “Castiel... Castiel...”, eu
ainda não conseguia acreditar. Eu não conseguia aceitar.
Passei a mão sobre minha barriga e chorei novamente. Ela já estava bem
grandinha, formando um arco bem definido que não podia mais ser
escondido.
– Me desculpem, eu não vou poder trazê-lo de volta dessa vez... –
sussurrei para meu ventre, para as duas vidas que estavam sendo
geradas ali. Logo em seguida, como se fosse uma resposta, senti um
chute no lado esquerdo da barriga, o que me fez cair num choro
incessante.
– Sophie, calma... Sophie... – Kim me abraçou, me oferecendo suporte
naquele momento de fragilidade. Estava tudo tão péssimo! Era muito bom
tê-la ao meu lado, se eu estivesse tendo que aguentar essa situação
sozinha, nem sei o que seria de mim.
Kim me colocou para dormir novamente, com alguns calmantes em pílulas.
Eu chorei até fechar os olhos, e não tive um sonho sequer, o que era
bom, pois eu desconfiava de que, na minha cabeça, provavelmente só
tinha espaço para pesadelos.
Porém, quando eu acordei, não estava mais no avião, mas sim em outro
quarto de hospital, bem maior do que o que eu estava na Rússia. As
paredes eram de um amarelo-claro e tinha detalhes em gesso nos cantos
perpendiculares, a colcha da minha cama era feita de um tecido mais
fino por causa da temperatura menos fria da França, com bordados
clássicos que teria chamado a minha atenção por sua incrível beleza se
eu estivesse sozinha naquele espaço.
Arregalei os olhos e sorri pela primeira vez em tempos quando as
avistei olhando para mim. Rosalya, Rafaela e Melissa estavam sentadas
em poltronas ao redor da minha cama, a ruiva segurava minha mão e seu
calor serviu de calmante para mim.
– Ela acordou! – Rosalya exibiu um sorriso tão magnífico quanto ela própria.
As três praticamente saltaram em cima de mim e me abraçaram, quase me
sufocando, mas foi bom, por que eu tive a certeza de que aquilo não
era um sonho.
Um sonho depois de uma era de pesadelos.



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