Praticamente não dormi durante a noite. A ansiedade e a felicidade de saber que veria Alexia no dia seguinte faziam minha mente não descansar e meu estômago dar um nó.
Pulei cedo da cama, vesti uma camisa clara um pouco mais formal, das que Alexia sempre insistia para que eu usasse mais e fui voando para o hospital.
Cumprimentei a recepcionista com um aceno e ela correspondeu liberando minha passagem. Espiei o interior do quarto pelo vidro da porta e tive uma desagradável visão.
Gregg estava no quarto, ao lado da cama, observando Alexia dormir com a maior cara de bobo apaixonado. Entrei no quarto segurando meus impulsos mais obscuros que queriam tirá-lo de perto dela com um soco. Entretido ele nem reparou minha aproximação. Teria sido fácil pegá-lo de surpresa e acabar com a raça engomadinha dele. Pigarreei muito alto e só então ele despertou do transe e me encarou.
– Ei! – Se virou para mim um pouco sem graça. – Bom dia. É Zabdiel, certo? – Apenas assenti ainda refreando a fera ciumenta dentro de mim. Me coloquei do outro lado da cama. Só Alexia seria capaz de me separar da vontade de bater em Gregg. – Chegou cedo... Ela ainda pode demorar um pouco para acordar.
– Eu nem dormi direito, então, para que esperar mais? – Respondi olhando para o rosto sereno de Alexia. Até depois de quase morta ela continuava linda. Impressionante como a luz dela consegue me atingir em qualquer momento. – Não era para seu turno já ter terminado? Acho que você já devia ter ido embora, não? – Cuspi a pergunta para médico metido a bonitão com minha melhor cara de poucos amigos.
Ficamos nos encarando de forma estranha. Eu não seria o primeiro a desviar o olhar ou mudar a postura.
– Já terminou, é verdade. – Respondeu enfim com um sorriso sarcástico. – Porém eu não poderia ir embora sem antes ter certeza que minha paciente favorita está realmente bem. E achei que seria bom para ela ter um rosto familiar quando acordasse.
– Bom, eu já estou aqui. Acho que ela vai preferir me ver. Afinal, sou ex-namorado dela. Não é só meu rosto que é familiar...
– Ex-namorado? – Ele ficou surpreso, mas logo se recompôs. – Acho que se ela gostasse tanto de você não seria ex, mas enfim, é só um palpite. – Devolveu minha acidez com ironia.
– Antes ex-namorado do que alguém sem a mínima chance. Ficar na friendzone deve doer mais, certo?
– Quer saber? Talvez seja realmente melhor que Alexia só veja o médico dela quando acordar. Sem aborrecimentos. Como médico eu tenho total autonomia aqui. – Me ameaçou.
– Será que como responsável mais próximo dela no momento eu não teria autonomia para decidir quem deve ou não ser o médico dela? Talvez eu deva ter uma conversa com o diretor desse hospital. – Não me amedrontei e revidei.
– Calem a boca! Por favor... – A voz de Alexia penetrou nos meus ouvidos, choramingando. A encaramos e ela nos olhava de volta totalmente confusa, mas perfeitamente bem.
POV ALEXIA
Senti minha consciência sendo puxada para cima aos poucos. Tentei abrir meus olhos, mas pareciam grudados e pesados. Vozes abafadas e o barulho irritante de um beep penetraram meus ouvidos. Não consegui identificar o que as vozes falavam. Pareciam longe demais. Forcei minhas pálpebras novamente e se abriram um pouco. Uma imensidão de luzes brancas quase me cegou. Eu estava no céu?
Consegui abrir mais os olhos, e concentrei em ajustar minha visão além de toda aquela luz. Duas figuras masculinas acima de mim, uma de cada lado. Uma das silhuetas embaçadas parecia um deus grego e a outra um deus ébano. Definitivamente poderiam ser anjos enviados para me receber. Eu não sei se mereço tanto, mas obviamente, aceitarei de bom grado.
À medida que meus olhos conseguiram focar, as figuras se tornaram mais nítidas e então minha ficha caiu. Eu não estava no céu, muito menos cercada por anjos. Estava na boa e velha Terra, rodeada por homens de posturas nada angelicais, e sim duras e ameaçadoras. Zabdiel e Gregg, cunhado de Sophia e médico, se encaravam como dois leões disputando uma presa na selva. Eu nem precisava entender o que diziam para concluir que não era palavras doces e amigáveis. Minhas aulas sobre comportamento humano na academia serviam para isso, ler pessoas, e eu era boa nisso.
Abri minha boca para tentar dizer algo e percebi que estava com a garganta extremamente seca, era como se não bebesse nada há dias. Ignorei a queimação e senti que meus ouvidos se desbloquearam, só então realmente escutei o que eles falavam.
Estavam numa disputa, se ameaçando, e tentando marcar o território, que no caso era eu. Só faltava arriarem as calças e fazerem xixi na cama, como dois cachorros bravos.
– Calem a boca! Por favor. – Minha voz saiu fraca, mas tinha a autoridade de sempre.
– Alexia! – Os dois idiotas exclamaram ao mesmo tempo.
– Que bom te ver acordada. – Zabdiel completou levando a mão ao meu rosto, acariciando-me com urgência.
– Como se sente minha paciente favorita? – Gregg tocou minha mão esquerda.
– Estranha. Meu corpo está meio duro e minha mente aérea... Parece que um caminhão passou por cima de mim. – Divaguei. – Devo estar um lixo...
– Normal. – Gregg deu um largo sorriso provavelmente acostumado com o exagero dos pacientes. – Você levou um tiro, lembra?
Só então flashs do que havia acontecido invadiram minha cabeça rapidamente. A dor, a sensação de estar morrendo, a escuridão.
Minhas preocupações voltaram com tudo, como um soco em meu peito. Eu precisava saber como a operação tinha terminado, se tinham prendido Sr. Rodriguez, como Zabdiel e os amigos estavam, se minha parceira estava bem... Uma chuva de perguntas.
– Ai! – Reclamei fechando meus olhos. De repente, tudo doía. Desde meu dedo mindinho até o ultimo fio de cabelo.
– Está tudo bem Alexia. – Zabdiel me confortou, como se pudesse ouvir meus pensamentos conturbados e uma imediata paz tomou conta de mim. – Você está bem agora. E eu estou aqui.
Prendi meus olhos nele. Respirei fundo fazendo meu coração se acalmar. Era bom ver Zabdiel ali, ao meu lado. Sentir seu toque familiar e quente. Pensei que nunca mais teria isso. E era bom estar errada. Meus olhos marejaram, mas controlei o choro de felicidade, e apenas sorri para ele.
– Preciso checar os sinais vitais e reflexos. – Anunciou o médico nos tirando do momento. – Nos dá licença um instante, Zabdiel? – O garoto o fitou contrariado. Voltando a tensão anterior.
– Eu peço para te chamarem assim que terminar. – Falei virando minha cabeça mais para ele. Seus olhos me encararam derretidos e ele apenas assentiu antes de sair do quarto.
Meu médico e amigo me contou sobre o tiro que levei, como os paramédicos me ressuscitaram ainda no local, meu estado crítico dentro do helicóptero, a operação delicada qual ele tinha feito parte e alguns detalhes técnicos que eu não conseguia me concentrar. Nisso fiquei sabendo que minha parceira estava bem.
Ao final do turbilhão de informações apenas murmurei fingindo que tinha entendido tudo.
– Ex-namorado hum? – Gregg puxou assunto enquanto checava meus curativos na barriga. Fiz cara feia com o toque e com o papo, mas me segurei para não choramingar mais. – Vocês terminaram, mas continuam próximos...
– É complicado Gregg. – Minha relação com Zabdiel não era clara nem para mim. Impossível explicá-la para alguém, principalmente depois de voltar de uma quase morte. – A vida nos aproximou de novo. Circunstancias...
– O jeito que você olhou para ele... – Pausou hesitando. – Acho que tenho inveja dele. – Confessou passando uma lanterna pelos meus olhos. Sempre soube do interesse dele por mim, mas nunca dei bola. Não havia como corresponder. Não respondi a fala dele. Deixei que ele concluísse o pensamento se quisesse. Gregg subiu minha cama automática, elevando meu tronco, me fazendo sentar. E também se sentou na beirada do colchão, bem próximo de mim. – Eu sempre quis que você me desse uma chance... acho que agora entendo o porquê de você nunca fazer isso. O problema não sou eu. Dá pra ver.
– Gregg... claro que não é você! – Senti certa pena. – Você é o sonho de qualquer garota...
– Mas você não é qualquer garota, – Me interrompeu com um sorriso reto. – não é, Alexia? Para meu azar...
– É, eu acho que não. Sou uma das ferradas.
– Eu gosto de um bom desafio... Você sabe. E sei esperar a minha vez.
– Pelo que te conheço, nada que eu diga aqui vai mudar isso...
– Não mesmo.
– Então é isso Gregg. – Me dei por vencida, cansada demais para aquela conversa sentimental e cheia de joguinhos. – Já terminou de me avaliar? Chame Zabdiel, por favor.
– Ok... Vou ligar para Sophia e avisar que você já acordou. Ela está preocupada.
Gregg claramente estava desgostoso com o final do nosso diálogo, entretanto, ele conhecia bem minha teimosia e que era melhor não me contrariar.
Fechei os olhos tentando colocar minhas muitas perguntas em ordem. Zabdiel estar ali naquele hospital podia significar que ele tinha revelado tudo num momento de desespero. Minha carreira podia ter ido por água abaixo. A vida que tanto lutei para construir estava por um fio. Assim que ele entrou nos encaramos por longos minutos. Eu queria saber tudo e ao mesmo tempo não queria saber nada. Os olhos de Zabdiel me mostravam que ele tinha muito para dizer, mas eu nem sabia se estava preparada para ouvir.
A felicidade de tê-lo e o medo de que isso fosse minha ruína corroíam cada osso do meu corpo. Eu já não sabia mais se o preço a ser pago valia a pena. Era como se fosse lançada do céu direto para o inferno, tendo que enfrentar meus demônios mais uma vez.
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