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História De luz e de sombras - Confronto - Primeiro Ato


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


O futuro tem muitos nomes.
Para os fracos é o inalcançável.
Para os temerosos, o desconhecido.
Para os valentes é a oportunidade.
Victor Hugo

Capítulo 36 - Confronto - Primeiro Ato


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Confronto - Primeiro Ato

As botas negras se afundavam na areia a cada passo.

Rey amparava Ben enquanto andavam lentamente, o braço esquerdo dele por cima de seu ombro, o braço dela envolto na cintura dele. Percebia que ele procurava poupá-la de seu peso. De seu rosto escorria linhas de suor pelo esforço, os cabelos negros grudando-se em sua testa e caindo em seus olhos. Os lábios há muito perderam sua cor. A respiração arfante e quente chocava-se com o ar frio.

Toda a energia que Ben exalara antes do chamado de Kylo havia se esvaído. Rey lhe captava a mudança, a reestruturação da postura dele em meio ao seu sofrimento. Ele não emanava angústia pela proximidade de Ren; muito pelo contrário, uma incongruente serenidade o abarcava, como se aqueles acontecimentos não lhe fossem imprevisíveis.

Como se ele os antevisse. Como se... os aguardasse.

A neve avançava lenta mas inexoravelmente entre as dunas, um mar de alabastro sobrepondo-se à cálida areia, violentando sua natureza, transformando o deserto em um imenso ermo gelado. Rey podia sentir o sorriso de Kylo, o ardor de seus olhos verdes escuros. Agoniada, impulsionou Ben com mais determinação a ficar longe daquela onda compacta branca que congelava seu mundo, pressentindo que a neve seria danosa para ele. Era o poder de Kylo Ren a dominar o último recanto de Ben.

Olhou para trás, o céu escuro ondulando no brilho das poucas estrelas, como o manto negro de Kylo Ren a tremular ao fundo do horizonte. Rey se arrepiou, a presença dele em cada recanto, no chão que ela pisava, no ar ela que respirava. Seus dedos gélidos a tocavam através da brisa fria. Todo o deserto parecia ser a extensão do mostro, movimentando-se junto com ele, pulsando com ele, o mundo que era Kylo Ren. O mundo que fora Ben antes. O mundo de Ben que, apesar de escuro, ainda guardara o calor nos grãos de areia, que ainda conservara alguma beleza mesmo na escuridão... o mundo que sucumbia a Kylo Ren.

A luz rubra do sabre de Kylo Ren cortava todo o horizonte, avermelhando a linha divisória entre a terra e o firmamento. A temperatura caíra brutalmente e a respiração dos dois enevoavam o ar.

Avistou, à sua esquerda, o grande buraco entre os escombros do castelo ruído. Sim, à beira daquele precipício seria o lugar para deixar Ben. Perfar-se-ia em uma barreira para a neve. Ela o aumentaria em extensão com o sabre cortando o chão, para que a neve não se infiltrasse pelos cantos, produzindo um refúgio momentâneo para Ben, enquanto ela se voltaria para enfrentar Kylo.

- Aguente firme. – pediu ela, arreganhando os dentes ao lhe sustentar o peso – Estamos quase chegando. Não desista.

- Meu sabre...

- Está comigo. Eu o peguei.

Ele assentiu. Ele piscava e apertava fortemente os lábios, procurando controlar a dor. Seus rostos se achavam muito perto, pois Ben andava curvado. Os cabelos dele caídos no seu rosto não conseguiriam esconder os olhos dele quando Rey, por um instante, o encarou entre as madeixas. O menino que a encantara nas visões por sua coragem e luta contra Snoke e consigo mesmo. O garoto oscilante entre o heroísmo e a crueldade. O adolescente que fora seu amigo... seu amigo que abrigava um monstro dentro de si. O jovem que, entre lágrimas, roubara sua vida e a abandonara. O homem que a fitava agora com todo o seu passado no escuro do verde de seus olhos. Toda a vida dele naquele olhar... para ela.

A areia se condensava aos pés deles, fria.

Ben tropeçou e perdeu o equilíbrio, forçando-a a segurá-lo com dificuldade, puxando-o mais para si a fim de que ele não desabasse.

- Deixe-me.

- Já lhe disse que não farei isso.

- Não por mim. Entenda...! Entenda que sua presença aqui só está atrapalhando.

- Atrapalhando...? Atrapalhando mais um plano descabido seu? Não é possível que tenha planejado ficar debilitado de propósito.

O silêncio dele acionou um alarme nela. Não podia acreditar!

- Diga-me – insistiu ela, enquanto o repuxava com mais força para andar mais rápido – Diga-me o que você fez. Aquelas arcas. O que tem naquelas arcas que te enfraqueceram?

- Minhas lembranças... as lembranças que ocultei de Kylo. Tudo o que vivi e senti... de bom.

- Que você expôs. Você se expôs todo para o monstro...! E ele está te destruindo.

- Não serei destruído por ele, Rey. Ele não pode me destruir.

Chegaram ao abismo, contornando-o. Os destroços do castelo de areia formavam um pequeno morro denso, um pouco maior do que a altura de Ben. Ele se escorou nesse monte, a mão no peito arfante, cerrando os olhos. Ela tocou na mão dele, preocupada. Pálido, mortalmente pálido.

A luz vermelha engrandecia em sua claridade sobre as dunas lívidas. Ela se sentia queimar pela vermelhidão.

- O que pode impedi-lo de te destruir?

- Se ele me matar, tudo será destruído. Ele não pode viver sem mim.

- Mas Kylo se libertou de você. Ele se tornou outra pessoa.

- E continua ligado a mim... e eu a ele. – ele pousou sua outra mão encima da dela, que se encontrava em seu peito – Tenho que enfrentá-lo. Eu, Rey... eu. Ele veio de mim.  Criá-lo não me tirou o ódio, a crueldade, a força. Existem em mim... abafados pelo treinamento com Luke, por minha escolha quando tive que decidir entre me conter ou ficar à mercê de Snoke... e de mim mesmo, naquela época.

Ela olhou para o horizonte. A vermelhidão infestava a as dunas de gelo. Sangue...

- O treinamento de meu pai era para despertar o melhor de você, Ben.

- Não, minha linda... – alisou-lhe o rosto ternamente – Era para aprisionar-me. Aprisionar o ódio que eu não sabia controlar naqueles dias, mas que faz parte de mim. De mim. Para negar algo que me constitui. Negar a mim mesmo.

- Se não tivesse sido contido, teria ido para as sombras, fosse pelas mãos de Snoke ou por você mesmo.  Eu vi, Ben... eu vi.  O que esperava que meu pai fizesse? Ele desejou lhe dar equilíbrio, afastá-lo das trevas, para que um dia você pudesse ter condições de trilhar seu caminho.

- Equilíbrio? Não. Equilíbrio não é eliminar o que me constitui. Equilíbrio seria saber lidar com as sombras como componentes de meu ser e não como minhas inimigas. Equilíbrio não é cortar meu braço esquerdo em detrimento ao direito.  Compreende o que digo...? Não precisa defender Luke. Não o estou acusando. Ele fez o que acreditava. Eu... amo Luke. Mas tenho que seguir sozinho... e preciso que seja eu a enfrentar Kylo. Ele é parte de mim. Ele é o mal em mim sem nenhum controle, em pura essência, isolado e não fazendo o contraponto à luz.

- Você mesmo o criou... para não ser ele. Você mesmo repudiou as trevas.

 - Sim, é verdade. Passei minha vida fascinado e temeroso diante das sombras em mim. Eu as queria... e as negava, somente porque não sabia entender o lugar delas em mim.  Elas são parte de mim e em mim deveriam permanecer como minhas aliadas, sob o meu controle. A existência de Kylo me demonstrou o que é separar o que deve ser uno. Luzes e sombras não devem ficar isoladas umas das outras.

- Aceitar as sombras em si mesmo...? A doutrina jedi vê o mal como próprio mal  a ser evitado. – ela falou, pensativa, analisando as palavras com cuidado, o peso que elas continham. Franziu o cenho, em dúvida.

- Os jedi ser recusaram a ver as sombras como integrantes de si mesmos. Nós somos sombras e luz...!

- Meu pai se mantém na luz e parece ser inteiro. Ele parece em paz consigo mesmo. Eu sinto isso em mim também. Será tão catastrófico negar as sombras?

- As sombras existem em Luke. Eu já as senti. Ele encontrou um meio, uma forma de acomodá-las dentro dele, imagino... mas elas existem, Rey. E em você também. – sua mão passou para o cabelos dela suavemente – Se vocês estão em paz com isso... mas eu não. Eu lhe disse... não sou como você e Luke. Não consigo negá-las, guardá-las e esquecê-las. Preciso delas para ser eu... totalmente.

Ben não era como ela e Luke. Ele era intenso demais, forte demais. Ele era uma expressão da Força, como aquela árvore que seu pai tinha lhe mostrado. Luz e sombras convivendo para formar o Todo, o desequilíbrio que sustentava o equilíbrio. Noite e dia para que a vida fluísse.

- E, para isso, beirar o Lado Sombrio.

- Sim. Aceitar minhas sombras plenamente... juntamente com a luz. No meio delas... serei eu.

- Você pode não se tornar você mesmo... pode cair nas trevas se seguir por esse caminho. Pode se tornar o próprio Kylo Ren! Não!! Seu caminho... seu caminho te trouxe até aqui. A isto... a este absurdo.

- Meu caminho ainda não terminou. Confie em mim, eu te peço.

- Confiar em você... eu já confiei em você e veja o que aconteceu.

-  Estaria longe disso por toda a sua vida. Teria uma vida!

- Eu já tinha uma vida antes! E, apesar de você nublar minha mente, ela pulsava dentro de mim e eu a queria de volta, com tudo que ela traria. Não importava... não importava o que acontecesse, eu estaria com meu pai... e com você. Minha família.

- Você era uma criança. E Luke não me ouviria, não aceitaria meu plano. O que esperava que eu fizesse, diante do futuro que vislumbrei? Você... você se tornando algo que abomina, você servindo a Snoke! – apertou os olhos – Estaria ao alcance de Kylo.

- Ben – ajeitou a alça de suporte de seu bastão-sabre no ombro e pousou as duas mãos no peito dele – Agora estou ao alcance dele... por escolha própria. É minha a escolha. Minha escolha... estando ao seu lado, tendo meu pai comigo. Pede que confie em você, mas você não confia em mim.

- Você não viu o que eu vi.

- Vi, sim... eu vi a tua visão de criança. Eu vi o sangue em minhas mãos... sangue de inocentes, a galáxia... ao lado de Kylo.

- Era ao meu lado, Rey.

- E não é mais porque você criou aquele monstro. Você se recusou a ser aquilo! Você mudou o seu próprio futuro... de uma forma bizarra, mas mudou. E também mudarei o futuro. Eu estou mudando o futuro agora e aqui contigo. Divida seu fardo comigo! Confie em mim para que possa confiar em você.

Eles se entreolharam profundamente.

 O frio intensificou-se, fazendo-os estremecer. Ben meneou a cabeça, pesaroso. Ela o viu respirar fundo e retornar mais firme.

- Para mim, talvez... mas não para todos. O futuro é o mesmo para todos. Kylo agora assume a posição naquela visão. E  você... você retornou ao fluxo dos acontecimentos, apesar de eu ter feito tudo o que fiz. Essa linha do futuro se quebra aos meus atos e depois retorna ao fio central de outra forma, insistindo no seu rumo. – balançou a cabeça, em negativa – Não fiz o suficiente... não fiz o suficiente para destruir essa linha do futuro... ainda.

- Basta! Chega, Ben... chega. Você não fará mais nada. Alguém tem que parar você.

- E será você?

- Se não for eu, será aquele monstro – apontou para o vulto negro andando pelo deserto, já delineado.

Os olhos verdes dele escureceram.

- Ninguém vai me parar... nem mesmo você.

A ameaça brilhava nos olhos ensombreados dele e rapidamente ela soltou a empunhadura da alça e o acionou, colocando uma das lâminas em direção ao pescoço de Ben.

- Pare, Ben. Pare agora!

- Faça, Rey... Faça! – começou a andar na direção dela, os passos vacilantes pela fraqueza contrastantes com a determinação do semblante – Mate-me!

Ela recuava à medida que ele avançava, ciente do abismo atrás de si.

- Pare!

-  Mate-me agora... e verá que o futuro continua lá. Ele continua! Eu vi! Todas as mortes, todo o sofrimento... Acha que não pensei nisso antes? Acha que não faria – bateu no peito – se resolvesse tudo? Você estaria lá, com Snoke, mesmo sem mim. A Galáxia sofreria de qualquer forma, comigo vivo ou não!

- Eu não vou para o Lado Sombrio! Essa visão está errada! Você não conta que eu repulsarei Snoke?

- Não vejo futuro a que você não esteja com ele... a não ser que eu interfira!

Ela levou um susto com a certeza com a qual ele afirmou que ela não resistiria a Snoke. Não. Não, ele estava errado! Não era possível!

- Você pode ser forte na Força, Ben, mas não vê tudo! – baixou a voz e falou entre os dentes, gravando bem as palavras – Eu não vou ceder ao Lado Sombrio.

- Por mais que você e Luke condenem meus atos... mesmo que o que planejei inicialmente não tenha dado certo... eu vou seguir. Sei o que tenho que fazer... e terminar com essa loucura, de uma forma ou outra.

 Num gesto inesperado e rápido, segurou a empunhadura do bastão sabre juntamente com ela, esmagando-lhe a mão, a luz lilás entre seus rostos, o calor da lâmina a fumegar, os dois ofegantes. Eles se fitaram seriamente. Rey respirou fundo. Calma... não podia perder a calma. Perder a calma indicava que ele poderia ter alguma razão no que dissera. Estaria ela fadada ao Lado Sombrio?! Não. Não se deixe contaminar pela obsessão dele.

Seu corpo relaxou conjuntamente com sua mente e ela lhe foi possível enxergar o desespero contido nele, o desespero que reunia as poucas forças que o mantinham em pé para confrontá-la. Ele passara sua vida toda, toda nessa luta... e não conseguia ver mais nada, nem que ela teria chance contra Snoke. Talvez ele nem aviltasse essa possibilidade, pois implicaria também na probabilidade em... perdê-la.

Desde criança, lutando consigo mesmo... sempre lutando sozinho. Sozinho. Aquilo nunca fora uma vida. Ela, pelo menos, havia usufruído uma existência tranquila durante dez anos, rodeada de amor dele e de seu pai, desconhecedora do conflito que ele carregava consigo, embora o sentisse de alguma forma. Ben e seu pai construíram um oásis de paz e carinho para ela... para depois ela viver na solidão do deserto por outros tantos anos. E, mesmo sem suas recordações, o sentimento de ter sido amada se encontrava entranhado nela durante seu período em Jakku... como agora, quando era gritante, por detrás das sombras do olhar dele. Seu amor por ela... o mesmo amor desde que era uma criança, agora tonalizado de forma diferente... mas amor. Sempre amor.

A mão enluvada dele sobre a sua na empunhadura a apertando fortemente. Ela ignorou a dor e movimentou os dedos, desligando o sabre, as duas lâminas se recolhendo.

- E se fosse eu, Ben?  - a voz agora suave, muito suave - Se fosse eu a morrer, acabaria com tudo isso? Deteria Snoke? Isso... pararia você?

As sombras se diluíram da expressão dele e uma tristeza profunda lhe tomou o lugar, embora continuasse a pressionar a mão dela com a sua, envoltas na empunhadura.

- Isso não pararia Snoke. Ele não faria o que deseja agora... mas dominaria a galáxia de uma outra forma.

- Pararia você? - insistiu ela, tocando no queixo dele para que ele sustentasse o olhar para ela.

- Não. – o rosto dele se contorceu -  Nem por você... nem por você.

Ela piscou, ainda presa ao verde escuro dos olhos dele, surpresa.

A neve chegou a eles, tocando em suas botas. O reflexo rubro oriundo do horizonte cintilou sobre o rosto de Ben.

Subitamente, o semblante dele se contraiu e suas mãos pularam para os braços dela em uma força inesperada e empurrou-a para o abismo, o sabre dele voando do cinto dela para suas mãos. Rey ainda tentou se agarrar a ele, ao seu manto escuro, este se rasgando ao seu repuxão.

Ela gritou enquanto caía no vazio do abismo, tal qual aquela outra vez, quando Ben a jogou ali para expulsá-la do mundo mental e retornar à realidade.

 O céu, com o brilho tímido de poucas estrelas, se afastava de sua vista à medida que ela mergulhava no precipício, o corpo curvo para baixo pela gravidade, braços e pernas arqueadas para cima, os cabelos esvoaçantes cortando o breu. Em breve, toda a escuridão na qual se achava em plena queda seria reduzida à tela negra de seus olhos cerrados, a pressão das mãos de seu pai nas suas cada vez mais real, a brisa marítima da ilha, o cheiro da relva úmida, a consciência de seu corpo sentado em meditação em Achto -to. Ela abriria seus olhos e estaria ali, com seu pai, no mundo real.

Não. Não dessa vez!

Em queda livre, deu uma cambalhota em si mesma, ganhando impulso para se lançar à frente, para o paredão de rocha, agarrando-se nas pedras protuberantes com dificuldade, o impacto a lhe sangrarem as mãos. Ela ficou pendurada, as pernas se alternando em pleno ar, buscando se aproximarem das rochas verticais, arranhando as pedras. Suas botas encontraram pedras salientes, que lhe serviram de anteparo e ela pôde ter um momento para se recuperar, a respiração em descompasso. Olhou para baixo, para as trevas que lhe dariam saída para o mundo físico, seu bastão-sabre despencando e engolido pela escuridão, o pedaço do manto de Ben a flutuar para o vazio. Ergueu a cabeça para o alto, o firmamento escuro. E para Ben.

Vislumbrou o vulto negro dele à beira do abismo. A lâmina púrpura do sabre o iluminou lá encima, parecendo que olhava para ela. Pareceu hesitar e finalmente deu as costas para o precipício e sumiu das vistas dela.

 

**************************

Quando Ben se foi, a única luz que servia de referência a Rey eram as estrelas tímidas no manto da noite, enquadradas no formato da saída do precipício.

Tudo estava escuro, muito escuro. Sua fisionomia se torceu, frustrada consigo mesma por ter-se permitido enganar por ele. Era óbvio que Ben tinha a intenção que ela saísse de seu mundo mental... Porém acreditou que a fraqueza dele era o suficiente para impedi-lo de realizar seu intento. Além do mais, desarmou-se  diante dele.  A compaixão que nutria por ele era tão grande, tão profunda que a distraíram quanto ao que ele poderia fazer. No entanto, só agora lhe era visível que aproveitara o tempo no qual conversaram para reunir forças e ser capaz de empurrá-la para o abismo e tentar tirá-la do embate com Kylo Ren.

 Difícil, teimoso, autoritário, autossuficiente!!  Junto com a compaixão, uma exasperação povoava sua mente em relação a ele. Essa proteção dele para com ela começava a irritá-la, esse isolamento dele para com ela quanto às dificuldades. Eles estavam juntos nessa trama, afinal! Não era por ego ou vaidade dela e sim porque Ben não se permitia dividir o fardo dos Skywalkers.

O fardo dos Skywalkers.

Essas palavras se acenderam em sua mente e se entranharam nela, um presságio, uma antecâmara de um fato esfumaçado, uma verdade sob um véu opaco. O quê... o quê? Sua têmpora pulsava dolorosamente. Era importante, pressentia. O conhecimento a rondava e ela quase o aprisionava para compreendê-lo, a sensação não codificada em palavras e que, como areia, escorria por entre suas mãos, deixando apenas a sensação da aridez de algo que os marcava, a seu pai, à Leia, a Ben e a ela.

Balançou a cabeça, impaciente, afastando tais pensamentos. Agora, não. O agora já era muito denso e reclamava sua presença.

Ben insistia em um estratagema que ela não compreendia ainda. Era-lhe claro agora que se colocara propositadamente vulnerável a Kylo quando permitiu que as arcas das lembranças ficassem expostas ao domínio de Ren. E óbvio que ele não tinha chance contra Kylo naquele estado. O que ele pretendia...?!

Respirou fundo, enquanto escalava o paredão, encontrando as entranhas e saliências pelo tato, guiadas pela Força, já que praticamente não tinha iluminação, subindo o mais rápido que era capaz. Os anos passados galgando os destroieres abandonados em Jakku a auxiliaram a se adaptar rapidamente à situação e ela avançava destemidamente acima. As mãos feridas e úmidas de sangue pela escalada tendiam a escorregar na superfície irregular de cada pedra e o suor nascente deslizava pela sua testa, encontrando abrigo provisório nas sobrancelhas e caindo como gotículas de chuva em seus cílios, turvando-lhe ardentemente a visão.

Tudo muito quieto... quieto demais. Apurou mais sua atenção através da Força, enquanto vencia mais metros em sua subida quase que automaticamente agora. O zunido longínquo da lâmina do sabre de Ben... sim. Passos... de Ben? O som seco da neve pisada... o ritmo constante... não, não era Ben. O farfalhar do tecido cortando o ar... um manto. O chirriado de outro sabre...  um estalar contínuo, um crepitar...

 Apesar da luminosidade quase inexistente naquele buraco, foi visível as brumas invadirem a grande fenda e precipitarem-se em sua direção. A cortina enevoada e visguenta escorreu pelo abismo como se sugasse a vida inanimada das rochas e quisesse adentrar em seu corpo para também tirar-lhe a essência. Frio... muito frio. Frio como a morte. O mal.

Kylo Ren.

 Fechou decididamente seu semblante e expulsou aquele mal que a circundava, vibrando suas células como um escudo luminoso para afastar a escuridão.

Ao tocar mais outra pedra acima de si para continuar a escalar, percebeu que ela se congelara, queimando-lhe a mão. Inclinou a cabeça no antebraço esquerdo e, com os dentes, repuxou a braçadeira de lã para cobrir sua mão, improvisando uma luva, a qual logo se umedeceu com o sangue de seus ferimentos. Repetiu o mesmo procedimento com a outra mão e reiniciou sua escalada na escuridão com ainda mais determinação.

 O ar gélido trazia consigo o som de vozes. Vozes iguais... e tão diferentes a travar um diálogo. Não era possível distinguir as palavras.

Uma urgência agora a impelia com mais afinco em sua subida. Ben... Ben!. Avistou a saída do abismo.

O som de lasers cortando o ar.

Estou chegando... estou chegando!

O choque dos sabres nos entre golpes.

Espere!

Mais rápido, mais rápido! Forçou ainda mais a subida, galgando de forma mais célere, embora imprudente, o paredão rochoso. Sua bota falhou em uma pedra vacilante e ela quase caiu, pendurada pelas mãos nas entranhas da rocha, cascalhos despencando no escuro vazio.

O zunido do encontro das lâminas, o crepitar das fagulhas.

Resista!

O suor congelava-se na sua testa, em todo o seu corpo. Aprumou-se novamente nas rochas e seguiu sua caminhada para o alto. Calma, calma. Quase lá... quase lá!

O som de um baque na areia. Um corpo caído. O ruído áspero da neve amassada, o chirrio do sabre no gelo. Um arfar. Um levantar. Um urro de guerra.

Ben!

A lã das luvas se esgaçava e os fios se partiam diante da rapidez e força no atrito com as rochas na subida. A mãos desnudas se ferindo no gelo das pedras. Mais rápido. Não chegaria a tempo! Ainda mais rápido, mais rápido!

A saída... a saída se aproximando... chegando!! Poucos metros, apenas poucos metros...

De repente, um grito. Não foi tão alto ou estridente. Um grito. Um grito que reverberou pelo deserto gelado. Um grito que ressoou dentro dela, que lhe cingiu o coração, apertando-o, envolvendo-o com um punho  de ferro. Ela agarrou com tal intensidade as pedras que a sustentavam que as mesmas racharam tal a dor que a acometeu. A dor dele.

 Um outro berro, mais baixo e grave. Passos irregulares, trôpegos. A aspereza do gelo riscada por botas.

 E o silêncio... aterrorizador silêncio que paralisou Rey na sua escalada. Paralisou todo o deserto, toda a névoa, todo o mundo. Mirou o céu tenebroso. As estrelas não mais piscavam. Estáticas... seu brilho emaciado. A negridão do firmamento mais sólida, sua textura lisa se enrugando, trincando-se.

Um estrondo!

Um estrondo que partiu de cada molécula mental daquele mundo incognoscível. Uma vibração pelas dunas de gelo. Uma vibração pelo firmamento. Uma vibração que desceu pelo paredão de pedra, tencionando-o. O barulho de rachaduras rompeu o ar como trovões e as fendas cortaram as pedras, serpenteando as rochas, dividindo-as. Ela se agarrava nas pedras vacilantes, o terremoto no abismo profetizando que ele se fecharia em si mesmo. Escalou velozmente entre os degraus verticais que se abriam nas rachaduras, as pedras soltando-se logo que as pisava, o paredão se desmoronando.

A pouquíssimos metros de sua liberdade, Rey inspirou profundamente e buscou a Força dentro de si, um contato maior. As midi-chlorians ressoaram como sinos e se abriram como flores na primavera, proporcionando um fluxo mais intenso de poder e dando-lhe a capacidade de um impulso grandioso em uma rocha ainda presa à parede. Saltou para as margens do precipício em um vôo vertical, perdendo a força logo que alcançou as beiradas do abismo com as mãos. Agarrou-se nas margens geladas e trepidantes, seus braços esticados na neve escorregadia, alternando-se no solo gelado rapidamente à frente para encontrar um apoio. Conseguiu, por fim, erguer seu tronco e deitou-se na neve por um instante, a respiração aos arrancos. A friagem penetrou o tecido de suas roupas e umedeceu-as de forma congelante e dolorosa.

A terra parou de tremer. O céu encapsulou as fendas e readquiriu sua fluidez escura. As estrelas solitárias cintilaram intermitentemente.

Isso a pôs de pé rapidamente e voltou-se para todos os lados, procurando entre os horizontes gelados sem fim... E então o viu, ali, caído ao longo das dunas mais longe, o braço direito estirado e o sabre desligado fora do alcance dele, como se tivesse rolado para longe de seu dono após esse desabar no solo. Mais a leste, enxergou Kylo Ren de pé, recuando, cambaleante, o sabre de lâmina vermelho fumegante em sua mão, como uma estrela vermelha a sangrar a noite. Ele parecia desnorteado, zonzo e afastava-se de Ben. Ferido...? Passava essa impressão. Ele deu mais passos hesitantes para trás e caiu de joelhos, soltando o sabre na neve. Uma fumaça nasceu do encontro da lâmina com o gelo e enevoou o cavaleiro negro.

 Correu sobre as dunas pálidas em passos largos, pequenos saltos, quase voando. Seu olhar alternava entre Ben e Kylo, certificando que o cavaleiro permanecia ferido e parado, sem mostrar ameaça naquele instante.

Alcançou Ben, por fim. Ajoelhou-se na neve e puxou-o para si, a respiração dele se fazendo presente em um leve filete de névoa intermitente. Vivo. Ainda vivo... Oh, Ben... Uma tristeza e uma compaixão profundas a tomaram, mescladas à irritação que lhe voltara. Louco... imprudente! Pôs-se em perigo! Não disse a Kylo que estavam interligados! Sabia que seria atingido pelo monstro!

Afastou-lhe os cabelos negros da testa suada e gelada, consternada.  Cingiu-o carinhosamente junto ao seu peito, enquanto sua mão deslizava objetivamente pelo dorso dele à procura do ferimento. Encontrou-o no abdômen, um furo grande e cauterizado em seu traje negro. Não o transpassara... havia alguma profundidade, porém. Vivo, sim. Um golpe que não chegara ao seu fim, pois Kylo sentira na carne que a morte de seu criador também o destruiria.

Ben se encontrava inconsciente enquanto, pelo canto do olho, Rey percebeu que Kylo já se recompunha à distância. O monstro se levantava, já se firmando, a mão no abdômen. Viu-o balançar a cabeça para jogar os cabelos escuros para trás em um gesto de desprezo pela dor que deveria sentir. Sua vestimenta, porém, encontrava-se incólume, sem um rasgo sequer. E, muito embora sua postura aparentasse frieza e controle, a raiva emanava dele como onda opressora, irascível e violenta.

O sabre voou para a mão de Ren.

Ele se voltou para ela, seus olhos brilhantes em ira e satisfação.

- Catadora de lixo.

Rey apoiou cuidadosamente a cabeça de Ben no chão gelado enquanto se punha de pé, sem desviar o olhar de Kylo. O sabre de Ben voou para a mão direita dela, a lâmina púrpura surgindo.

- Monstro.

Rey andou decididamente na direção de Kylo Ren. E ela só conseguia ver-lhe o sorriso sinistro a esperá-la.

 

***********************************


Notas Finais


Olá!
Hoje faz um ano que comecei a escrever esta história e isso me chocou, face a passagem do tempo!
Quis publicar um capítulo nesta data. Este capítulo originalmente teria mais duas cenas, além do diálogo de Rey com Ben: o enfrentamento de Rey com Kylo Ren e o diálogo de Ben e Kylo, criador e criatura.
Propositadamente não quis colocar a luta de Ben e Kylo literalmente, pois desejo que haja apenas uma e apoteótica, a qual será no fim da história. Haverá o diálogo entre criador e criatura, com toda a violência e vingança de Kylo (a fúria da criatura) e a derrota de Ben (com todo o peso do criador frente à criatura).
Também deixei a luta de Rey com Kylo para o próximo capítulo para dar mais esmero a essa cena.
Pretendia que o capítulo fosse com todas as três cenas; porém ficaria o capítulo muito grande e demoraria mais ainda a ser publicado.

Capa: https://br.pinterest.com/pin/209347082662369372/
(imagem editada)

Em tempo!!!: esqueci de colocar a música que encontrei para Ben nesta fase e que fiquei ouvindo par escrever o capítulo
https://www.youtube.com/watch?v=n_Klu8YTub8


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