História Décalcomanie - Lips and Pens

Os lábios de Eren estavam ressecados e vermelhos. Não vermelhos do tipo sexy, mas um vermelho em um tom que faz as pessoas se perguntarem "Esse garoto não sabe o que é manteiga de cacau, não?". Não que isso fosse afetar ou preocupar Eren, ele sequer se importava com sua aparência física, apesar de naturalmente possuir feições belas, no ponto de vista de qualquer pessoa com um senso comum de beleza.

O garoto estava sentado em um banco no pátio do manicômio. Na mesa em sua frente estava um tabuleiro de xadrez, as peças já postas em seus devidos lugares. Ele jogaria contra Levi, este estaria competindo com as peças brancas. O médico iniciou a partida, como ditam as regras. Se passou um bom tempo desde o início da partida, o jogo estava até que interessante. Independentemente de sua doença, Eren era um oponente forte. Pelo pouco que Levi observou nas jogadas do rapaz, ele parecia já ter familiaridade com o jogo.

Intriga número quatro: O pirralho é muito bom no xadrez.

— Xeque. — o menor anunciou, quando sua rainha ficou a apenas duas casas do rei de Eren. Ele podia ser bom, mas Levi ainda dominava o jogo.

O mais novo moveu seu bispo, formando um tipo de escudo. Não que fosse adiantar muita coisa. Estava encurralado pela rainha e as torres de Levi. Assim que a rainha branca comeu o bispo, os olhos cinzas se encontraram com os verdes.

— Xeque-mate.

Eren apenas sorriu, ficou feliz em jogar contra Levi, apesar de ter perdido.

— Foi um bom jogo. — anunciou.

— Certamente.

Com o movimento de lábios do paciente, o doutor pôde finalmente prestar mais atenção nos lábios alheios. Já havia dado uma olhada neles antes e aquele ressecamento estava lhe incomodando. Com um suspiro, abriu a bolsa que estava apoiada em uma cadeira e tirou de lá um tubo pequeno.

— O que é isso? — Eren perguntou quando viu Levi lhe estender o objeto, de qualquer forma, aceitou.

— Protetor labial. Passe.

O maior deu de ombros, abrindo o tubo e passando suavemente pelos lábios, sem nem perceber o olhar atento do médico sobre si. Este último só pensava: como aquele garoto conseguia transformar uma ação tão simples daquela em um ato tão... convidativo? Se repreendeu mentalmente, Eren era seu paciente, qual é.

— Como ficou? — o mais novo esfregou um lábio no outro, buscando espalhar mais o protetor.

— É um protetor labial, Eren. Não tem cor. — o menor respondeu, guardando novamente o tubo.

— Pelo cheiro eu achei que fosse de melancia.

— Melancia? — franziu o cenho, nunca havia notado esse cheiro no produto.

— É, você não sente? — o de olhos esverdeados se debruçou sobre a mesa, aproximando seu rosto do do médico. O último apenas engoliu em seco por causa da aproximação.

— Bem, o cheiro é de melancia, a cor não. — o mais velho tocou suavemente no ombro do outro, tentando afastá-lo.

— E o gosto? Você acha que é?

Quando Levi ia abrir a boca para responder, sentiu os lábios de Eren se encontrarem com os seus em um gesto suave. Um selar calmo, sem nenhuma malícia. Não durou muito tempo, afinal, apesar de estarem sozinhos naquele lugar, qualquer um poderia entrar ali. Assim que se separaram, o menor passou a língua sobre os lábios, provando os últimos resquícios de Eren e do protetor labial de melancia.

— E aí? — os olhos curiosos lhe encararam.

— Sim. Tem gosto de melancia.

Essa resposta bastou para que Eren abrisse um sorriso e se levantasse, anunciando que iria para seu quarto descansar. O médico suspirou, deitando sua cabeça sobre o tabuleiro. Sua mente estava uma bagunça, talvez quem precise de um psiquiatra agora seja ele. Desde que começou a cuidar de Eren, sentia que havia algo de diferente no moreno. No início, pensou que talvez fosse porque era um caso completamente novo para si, pensou que fosse apenas curiosidade. Mas agora... agora conseguiu perceber que era o próprio Eren que estava lhe bagunçando dessa forma. Suas loucuras, ideias, devaneios, tudo fazia com que Levi quisesse mergulhar nesse mundo junto dele. Por que ele se sentia assim?

Se levantou com calma, bocejando um pouco. Fruto das noites mal dormidas causadas (inconscientemente, é claro) pelo esquizofrênico de olhos verdes. Caminhou pelos longos corredores brancos da clínica até encontrar o quarto de seu paciente. Deu três toques na porta e, assim que recebeu a permissão, entrou no cômodo. Encontrou Eren sentado na cama com uma caneta em mãos. Se desesperou um pouco, nas mãos de um louco até uma caneta vira uma arma mortal. Só se acalmou quando viu que o maior apenas fazia uns truques com a mesma, girando ela ao redor do polegar utilizando os próprios dedos.

— Você sabe fazer Pen Spinning? — o médico perguntou se aproximando.

— Armin me ensinou alguns truques. — respondeu sorrindo, fez mais algumas manobras com a caneta passando por entre seus dedos. Havia se tornado uma pequena mania. — Eu via ele fazendo Thumb Around algumas vezes enquanto escrevia, de cara achei interessante e quis aprender. Claro que no início deixei a caneta cair muitas vezes, mas com muita paciência da parte dele, aprendi.

Levi acenou com a cabeça, levemente, admirado com a habilidade de Eren. Já sabia que o melhor amigo fazia esses truques, afinal já havia presenciado vários momentos de distração do mesmo aonde ele girava habilmente a caneta nos dedos.

— Quer que eu te ensine?

A pergunta feita pelo maior lhe surpreendeu.

— Pode ser.

Eren sorriu, pegando uma outra caneta em sua escrivaninha, entregando-a para o doutor.

— Você coloca seu polegar perto do dedo do meio, no meio da caneta, assim... — fez o gesto, observando o menor lhe imitar. — e estala os dedos, desse jeito.

Obviamente, a caneta do médico caiu diversas vezes, mas não tardou muito para ele já dominar esse movimento. Não era tão difícil quanto parecia e, além do mais, Levi aprendia rápido. Ou talvez Eren fosse um bom professor. Quem sabe os dois?

— Teve alguma alucinação hoje? — perguntou enquanto entregava os costumeiros antipsicóticos para Eren, após uma sessão de manobras.

— Não. — o maior disse em um tom orgulhoso depois de engolir a pílula, e não era para menos, passou um dia inteiro sem ter nenhum ataque.

— Ótimo. — Levi realmente estava satisfeito. Talvez as coisas realmente estivessem se ajustando na mente de Eren. — Boa noite. Vê se dorme direito, okay?

O mais novo riu, se ajeitando por baixo das cobertas, observando a figura esguia perto da porta.

— Boa noite para você também, doc. E pode ficar tranquilo, eu não pretendo causar nenhum tipo de problema.

O médico fechou a porta atrás de si quando saiu do quarto, dizendo em um tom baixo:

— Você já causou mais problemas do que imagina, garoto.