Terceira Pessoa
Lydia caminhou até a calçada, procurando por Mitch ao olhar para os dois lados. Próximo a uma árvore alguns metros dela havia um homem escorado em uma motocicleta.
Ela forçou os olhos, semicerrando-os, identificando o cabelo grande de Rapp. Caminhou até ele, e o efeito causado assim que entrou no campo de visão masculino foi imediato. O jovem se arqueou e os olhos ficaram alertas, observando-a se aproximar com um mero sorriso.
Lydia travou com a beleza enlouquecedora que via. Parada, ela passeou os olhos pela camiseta branca e lisa, descendo para a calça jeans e os tênis surrados, subindo de volta para a jaqueta de couro preta.
Ela mordeu o lábio e suspirou baixinho, sentindo a onda do cheiro que Mitch exalava a atingir a centímetros de distância. Rapp foi discreto em analisar a saia de couro marrom e a blusa branca e pouco decotada de Lydia, não contendo o elogio que dançou em seus lábios, pedindo permissão para escapar em um tom doce e gentil:
– Você está bonita.
Os olhos verdes acenderam ao brilharem, e ela sorriu o mais puro dos sorrisos. A aproximação fez Mitch respirar fundo, encarando por instinto os lábios grossos e tingidos de rosa claro.
A temperatura passou a subir nas veias de Rapp enquanto ele observava os olhos verdes banhados de expectativa o analisarem de perto. Os joelhos de Lydia amoleceram ao ser agarrada pela nuca, fazendo seus lábios penderem sugando ar em rendição e surpresa.
Mitch a segurou firme, arqueando o rosto ansioso. Ao expor o pescoço pálido, se aproximou e a mordeu. Sedutoramente doce e perspicaz. Martin fechou os olhos e grunhiu baixinho, levando as mãos a cintura masculina em busca de equilíbrio e aproximação.
A boca fina subiu pela pele sensível e pairou na orelha, desencadeando ondas de arrepios que se concentraram no quadril de Lydia.
– Porra, o seu cheiro é muito bom...
Ela suspirou com a voz aquecida no pé do ouvido, puxando-o para mais perto. Mesmo com os troncos colados, ainda sentiam-se a milhas de distância um do outro. A mente de Lydia já havia se transformado em um borrão irracional, o que a assustava e também ativava todos os seus alertas possíveis.
Ele afrouxou o aperto no cabelo ruivo e se afastou do pescoço dela, olhando-a nos olhos. A mão escorregou para o maxilar bem desenhado, e mais uma vez Lydia desejou suspirar.
Martin o encarava sem pudor, sabendo que poderia admirá-lo por horas seguidas sem o menor problema. Ela o apertou na cintura, quase frustrada, tentando descarregar o desejo com o ato. Com os olhos queimando e uma pitada de inocência na melodia da voz, Lydia disse:
– Estamos perto do beco...
O sorriso safado tomou conta do rosto de Mitch enquanto as lembranças enchiam sua cabeça com sons e imagens. A insinuação descarada sobre o sexo dos dois vindo dela era satisfatória. Deixava explícito o quanto ela ansiava por mais.
Sentir-se validado por Lydia fez seu ego inflamar, e ele desejou gravar a luxuria nos olhos verdes.
Mitch não tornou a falar e o insistente sorriso em seus lábios aqueceu os hormônios dela. Lydia avançou para beijá-lo mas foi segurada pelo rosto, observando o prazer de Rapp em vê-la naquele estado.
Frustrada, ela segurou um gemido insatisfeito.
– Você está me deixando com fome, Mitch.
Ele encarou a boca grossa com o tempo congelado, preso em cada milímetro dela. Para Lydia, beijá-lo naquele momento seria como acabar com uma maldita coceira. Excitado com a reação que via, Mitch sussurrou:
– Estou sempre com fome se tratando de você, Lydia.
A sedução nas palavras a fez suspirar fechando os olhos, frustrada com a vontade simples e tão fatal de beijar os lábios finos. Rapp ignorou a reação, controlando um novo sorriso. Sério, advertiu:
– Vamos nos atrasar.
Lydia respondeu com um gemido incoerente e imaturo, deixando claro que não se importava o mínimo. Ela estava prestes a responder quando Mitch se pressionou ao corpo feminino, em conjunto a doce guerra que os lábios travaram.
Foi beijada com impaciência e ao mesmo tempo doçura, o rosto dominado pela mão masculina enquanto se deliciava com a língua de Mitch. Com o coração ameaçar dançar no peito, ele os separou com ternura, sabendo que ainda ansiava por mais.
Lydia ofegou baixo, buscando ansiosa por oxigênio. Observou com atenção os olhos castanhos, encantada com o quanto ele era bonito. Mitch suspirou quase decepcionado, dizendo:
– Você já arruinou o meu primeiro plano da noite que era não te beijar antes do jantar.
Lydia riu baixo, presa na expressão séria e ao mesmo tempo divertida no rosto dele. Curiosa, ela questionou:
– E qual é o segundo plano?
Mitch sorriu malicioso, sustentando os olhos atentos. Natural e ligeiramente rouco, respondeu:
– Não foder com você antes de chegarmos.
Os lábios grossos abriram em um choque momentâneo e por alguma razão desconhecida as bochechas perderam a palidez, ficando rosadas, beirando ao vermelho. Mitch controlou um novo sorriso, satisfeito por deixá-la tímida.
Lydia estava tão concentrada na vergonha súbita que queimava-lhe as bochechas que quase esqueceu de reagir quando foi chamada para subir na motocicleta. Por ora, ela esqueceu o quanto ser intimidada por ele a deixava intrigada.
A ruiva pegou o capacete que Mitch estendeu para ela e colocou, vendo-o equipado e já sentado no veículo a aguardando. Ela bufou baixinho e reclamou para si mesma:
– Estou de saia.
Rapp a lançou um olhar debochado através da abertura do capacete, arqueando uma sobrancelha. Lydia enxergou a diversão nos olhos castanhos, o que a intrigou por segundos. Ela subiu na moto e sentou atrás dele, colada nas costas largas. Com as coxas se tocando e as mãos na cintura masculina, ela o ouviu dizer provocativo e bem-humorado:
– Que azar o meu.
A ruiva desferiu um tapa nas costas dele, fingindo irritabilidade com o comentário. Mitch riu e acelerou a motocicleta.
**
Lydia observou o restaurante, confortável com o estabelecimento e as pessoas que enxergava nas mesas ao redor. O local era pequeno e com baixa iluminação mas ainda assim, as taças nas mesas e os abajures amarelos distribuídos traziam a luz ideal. Tudo era naturalmente refinado e o ar ameno entre ela e Rapp tornava-a ainda mais relaxada.
Ele olhava para ela, apreciando o prestígio que preenchia os olhos verdes. Ainda presa nos pequenos detalhes em volta, Lydia disse:
– Esse lugar é...
Martin deixou a frase na morrer na busca pela palavra certa e Mitch tentou ajudá-la ao sugerir:
– Leve?
Ela mordeu o lábio inferior e os olhos buscaram a parede. Com o cabelo jogado para um lado do pescoço, trouxe uma das mãos ao pescoço e se coçou próxima a nuca como uma mania, avaliando a proposta. Mitch a encarou sem discrição, cerrando os cílios por instantes. Se ele pudesse gravaria a expressão atraente no rosto dela em sua cabeça.
A inocência parcelada nos olhos verdes confrontava a sensualidade física que Mitch enxergava, o que o provocava mesmo que indiretamente. O contraste era perfeito.
– Leve... – Os lábios grossos testaram a palavra. – Sim. É isso.
Mitch deu um pequeno e cúmplice sorriso.
– Espere até provar a comida, você provavelmente irá querer morar aqui.
Lydia riu, trazendo a taça de vinho até a boca. Ela ingeriu o líquido roxo, amparando os olhos castanhos que não a abandonavam. Mitch estava viciado em olhar para ela.
Com os olhos quentes e a expressão séria, Martin o julgava mortalmente irresistível do outro lado da pequena mesa. Torcia para que o vinho esfriasse a temperatura de seu quadril. Ela deixou a taça sobre a mesa e passou a alisar o dedo indicador na borda de vidro, ligeiramente nervosa e pensativa.
Lydia queria sorrir pela satisfação que sentia em perceber como Mitch estava de certa forma a desafiando, olhando-a sem parar. Ele demonstrava conforto em admirá-la e embora ora ou outra observasse outra coisa, sempre acabava voltando sua atenção para o rosto delicado de Lydia.
Ainda mexia o dedo na borda da taça enquanto pensava, sabendo que os olhos castanhos continuavam em cima dela. Com a voz baixa e vagamente bem-humorada, disse:
– Você parece hipnotizado, Rapp.
Ela olhou-o nos olhos, propensa a sorrir com o ego inflando em seu íntimo. Mitch estava inclinado sobre a mesa, com um dos braços no colo e outro estirado, segurando a taça embora estivesse apoiada na mesa.
Ele analisou a pergunta escutando o palpitar do coração aumentar, se concentrando diretamente nos ouvidos.
– E isso te incomoda?
Lydia sorriu, e os olhos queimaram pela vaidade nítida. O fato de Mitch não ter sequer negado a acusação indireta a agradou ainda mais. Ele permaneceu relaxado, interessado no comportamento que via. Por segundos um canto dos lábios finos curvou para cima, sedutor e satisfeito.
Em quase um sussurro, ela respondeu:
– Nenhum pouco.
Fascinado com o convencimento natural, Mitch sorriu maléfico. Ele bebericou o vinho, se distraindo dela. Controlando a respiração, Rapp inalava o ar sexualmente sobrecarregado.
– Você já decidiu para onde vai no estágio?
Lydia foi surpreendida com a pergunta, e a decepção passou por seu rosto em um flash.
– Não. – Ela soltou um suspiro chateado. – Tenho medo de não me adaptar, estou pensando com calma.
– Você não me parece o tipo de pessoa que tem medo de adaptação, Lydia.
A ruiva arqueou uma sobrancelha, desafiando a certeza cravada nos olhos castanhos ao duvidar do que ouvia.
– E porque não?
Mitch deu de ombros, dizendo:
– Você se adaptou a mim.
Lydia franziu a testa, surpresa com a frase. Bastou segundos para se questionar sobre qual contexto os dois estavam conversando.
Ela desviou a atenção para a borda da taça que havia se tornado um brinquedo para seu dedo indicador.
– Você está falando sobre gravatas ou seu temperamento?
Mitch lambeu o lábio inferior, denunciando nervosismo. Ele ameaçou corar, e com um leve rosado nas bochechas, respondeu olhando-a nos olhos:
– O que você considerou mais difícil?
Lydia juntou o cenho, pensativa. Um bico imaturo e concentrado surgiu na boca grossa.
– Não sei... – Ela deu uma breve risada nervosa. – Você inteiro foi difícil.
Mitch acolheu o olhar fascinado em sua direção. Sabia que por mais complicado que ele pudesse ser, Lydia adorava o caos que havia entrado.
– Ou talvez... – Rapp trouxe a taça até a boca e deu um gole generoso, confuso com o rumo que o diálogo estava tomando. – As coisas sempre tenham sido muito fáceis para você. – Ele piscou para ela, bem-humorado.
Lydia riu.
– Provavelmente foi isso.
Ele concordou assentindo com uma expressão óbvia no rosto. Quando o humor dizimou, Mitch captou a preocupação nos olhos verdes. Ao ver a mão de Lydia que antes pairava na taça de vidro pousar na mesa, ele não resistiu em tocá-la.
Ele pegou a mão dela, apertando-a firme. Lydia engoliu seco, surpresa e ao mesmo tempo realizada. Encarou a segurança nos olhos castanhos, ouvindo a voz grave dizer:
– Você está pensando demais nisso, relaxe um pouco e saberá o que fazer quando for a hora.
Ela assentiu com gratidão e Mitch respondeu com um leve sorriso terno. O garçom surgiu na mesa, trazendo a travessa de salmão com batatas assadas. Sozinhos em seguida, eles se serviram e jantaram em silêncio.
Ora ou outra cruzavam olhares, mas não conversavam. Mitch terminava de beber o resto de vinho em sua taça quando Lydia engoliu o último pedaço de salmão do prato.
– Isso é divino. – Elogiou. – Você tinha razão, eu moraria aqui se pudesse.
Ele riu dela, colocando a taça vazia na mesa. Observou-a por instantes, e perguntou:
– Podemos ir? Quero levá-la em um lugar.
– Claro.
**
Mitch pilotava por uma avenida pouco movimentada em Beacon Hills, nos arredores da cidade. Seguiram até Rapp fazer uma curva e entrar em uma trilha de terra, saindo do asfalto. Eles entraram em mata aberta e coberta de folhas secas.
A única iluminação possível era o farol amarelo da motocicleta. Seguiram até o final da trilha que terminava se expandindo horizontalmente em dois novos caminhos, desviando do penhasco que existia na estrada em que antes eles avançavam.
Mitch freou e apoiou a perna no chão, desligando a motocicleta. Lydia desceu primeiro, retirando o capacete e avançando alguns passos enquanto Rapp ainda saia do veículo.
Ela observou o pouco que conseguia ver das copas das árvores, se atentou a infinita camada de folhas que cobria o chão da floresta e por fim, encarou a visão de Beacon Hills vista de cima.
Os postes amarelos pareciam diversas estrelas caídas, formando um clarão em volta de toda a paisagem urbana. No céu, nuvens cinzas e espessas escondiam as estrelas verdadeiramente brilhantes.
Ela olhou mais uma vez em volta, se distraindo com um pé de flor destacado no meio da floresta escura. Lydia caminhou até a planta e não resistiu em arrancar uma das flores bonitas. Eram lírios pequenos.
– Você gosta de plantas?
Lydia quase riu com a discriminação enrustida na pergunta de Mitch. Ela se virou de frente para ele e lançou um novo olhar para a flor, girando o talo entre os dedos.
– Gosto de lírios.
Ele assentiu em silêncio com o cenho juntado, sem esconder como o fato lhe aparentava estranheza de alguma forma. Lydia caminhou até ele que estava de frente para o penhasco, parando ao lado de Rapp. Um vento gélido cortou a noite, balançando as árvores acima deles.
– Tinha esquecido como aqui em cima é frio. – Mitch comentou. Ele retirou a jaqueta do próprio corpo e colocou nos ombros da ruiva, ajeitando nela.
Ela agradeceu internamente, mas questionou:
– Você não está com frio?
Ele negou com a cabeça, voltando para a frente. Ela o acompanhou, admirando a paisagem em frente aos dois. Ela suspirou fascinada, confortável com a presença dele e a visão.
– É lindo aqui. – A ruiva disse.
Mitch buscou a mão dela e entrelaçou os dedos. As peles quentes se completaram com aconchego. Lydia olhou para ele, admirando como os olhos castanhos estavam mais claros com a fraca luz amarela atingindo-os.
Ele parecia ainda mais bonito daquele ângulo. Rapp estava pensativo, a mente vagando em todas as lembranças que tinha daquele lugar. Calmo, começou a dizer:
– Eu vinha muito aqui com o Scott. – Martin absorveu a emoção genuína na voz dele. – A gente bebia e conversava a noite inteira.
– Típico.
Mitch riu dela, relaxado com a pitada de deboche que escutou. Ele captou o humor nos olhos verdes embora Lydia não o olhasse, e ela controlava a vontade de curvar os lábios em um sorriso.
Ela se colocou em frente a ele, de costas para a paisagem, privilegiando Mitch com as duas visões que ele considerava as mais belas da cidade em um único ângulo.
Os olhos verdes brilharam com sinceridade.
– Eu tenho passado um tempo ótimo com você. – A confissão inesperada fez o coração de Mitch palpitar forte.
Martin ficou em silêncio, sendo bombardeada pela dúvida da própria consciência. Agiu por puro impulso ao dizer a frase e mesmo que estivesse se sentindo mais leve ainda estava confusa sobre ter feito o certo, não sabia o quanto Mitch estava preparado para ouvir algo daquele tipo.
Mitch não reagiu de forma brusca. Ele piscou algumas vezes e respirou fundo, tentando ordenar os pensamentos e as vozes em sua cabeça. Ainda que ela transmitisse tranquilidade, em algum lugar dos olhos verdes ele enxergou uma cobrança indireta.
Rapp sabia que no fundo, bem no fundo, Lydia queria saber qual era a sua resposta quanto a simples declaração. Sem saber ao certo como iniciar o assunto ele abaixou a cabeça e apertou a mão dela, se apegando ao conforto que sentiu ao ser correspondido.
Incoerente, chamou:
– Lydia.
Ela o olhou com atenção e receio. Percebeu um fio de desconforto na voz dele ao chamá-la, o que a preocupou. Os lábios grossos abriram para alertá-lo sobre não dizer o que no fundo não desejava, mas Mitch a impediu de prosseguir ao tocá-la no rosto.
Ele pairou o dedão na boca grossa, segurando-a. Lydia se esqueceu de falar, suspirando baixinho enquanto olhava-o entre olhos e boca tentada a qualquer segundo avançar e beijá-lo como se sua vida estivesse em risco caso não o fizesse.
Mitch a conhecia o suficiente para saber que estava apreensiva por ele e o que iria dizer. Ele lambeu o começo do lábio inferior e tomou fôlego, dizendo:
– Não se preocupe, estou sendo sincero com você.
Lydia travou com a doçura nas palavras. A angústia marcou os olhos escuros, mas Mitch não se permitiu parar.
– Eu voltei para a terapia e a tomar remédios. – Por alguma razão Mitch ruborizou, mas prosseguiu. Lydia não teve tempo de dizer o quanto estava feliz por ele.: – Tem me feito muito bem e você faz parte desse processo. Desde o dia em que fechei a porta na sua cara porque estava chorando pela minha ex-noiva eu tomei a decisão de tentar tudo de novo. – Os olhos de Lydia se apagaram em desesperança e choque.
Mitch corou ao ponto de sentir as bochechas ardendo. Ele encarou a feição abalada de Lydia enquanto em seu íntimo os demônios batiam enlouquecidamente no armário em que costumavam ficar esquecidos.
Diversas coisas acumularam na cabeça de Lydia, e ela não sabia ao certo o que sentir. Estava confusa, assustada, e com o sentimento de insuficiência subindo-lhe nos olhos.
Rapp não suportou a fragilidade que viu. Embora soubesse qual reação teria, vê-la materializada doeu mais do que a ideia. Envergonhado e exposto, ele prosseguiu:
– Estou preocupado com tudo sobre nós.
Lydia permaneceu congelada, sem saber o que responder. Sentia-se chateada e pequena, como se uma faca tivesse cortado o peito. Podia enxergar a chateação dele e mesmo assim não era reconfortante em nenhum grau.
O silêncio entre os dois era mais frio do que a noite. Mitch ouvia tiros em uma praia e batidas em um armário, enquanto Lydia escutava a consciência murmurar acusando-a de burrice por ter se apaixonado por ele.
Ela queria chorar, mas lutou contra as lágrimas. Aborrecida, ela abaixou a cabeça e engoliu seco. Tardiamente, respondeu com o olhar vacilante:
– Preocupações sempre existiram.
– Mas agora é diferente.
– Por quê? – Ela questionou com impaciência.
– Porque você está me mudando.
Mitch sentiu-se mais leve com a frase. Entretanto, suas incertezas corrosivas percorrendo as veias o irritava. Ele abaixou os olhos, nervoso, procurando organizar os pensamentos.
Com a voz vacilante e os olhos frios, ele foi direto em dizer:
– Mas você não pode mudar o meu passado, Lydia. Ninguém pode.
A desesperança que enxergava doeu nela. Martin lutou contra aos sentimentos otimistas e novas lágrimas subiam aos olhos, balbuciando ao dizer:
– Eu não quero mudar nada em você.
– Não minta. – Ele negou com a cabeça, chateado.
O toque das mãos perdeu força e eles se soltaram, ainda que sentissem imãs as puxando para se unirem novamente. Lydia pressionou um lábio um no outro e abaixou mais uma vez a cabeça, sentindo-se vazia.
A amargura no pouco que conseguia enxergar no rosto da ruiva fez a onda de ódio por si mesma crescer no íntimo de Mitch. Ele andou alguns passos, se afastando. Passou uma mão pelo cabelo com o maxilar enrijecido e os músculos transformados em pedras.
Bastou um milésimo de segundos distante poucos metros de Lydia para Mitch passar de irritado para sufocado. A gola frouxa da camiseta branca parecia enforcar lhe como uma corda grossa e o oxigênio estava acabando aos poucos.
Ele remexeu os dedos nas mãos, confuso com os diversos sons e imagem que invadiam a cabeça. Se sentiu tentado a esmurrar o tronco de árvore a sua frente, mas a presença de Lydia o impediu.
A ruiva ergueu a cabeça e concentrou o máximo de descaso que conseguiu na voz.
– Você quer falar sobre mentiras? – Mesmo com a voz agressiva, Lydia considerou a tentativa um fracasso. Para ela, ser gélida com Mitch era impossível naquele momento. – A verdade é que você está com medo e sabe disso melhor do que ninguém.
Ele a olhou por cima do ombro, engolindo em seco com o misto de raiva e tristeza nos olhos verdes. Algo nela fez Mitch sentir-se eletrocutado. Talvez as oscilações de temperatura nos olhos verdes que alternavam entre quente e frio, todas ocasionadas pelo mesmo sentimento: mágoa.
Com cada carga luminosa queimando os poros ele caminhou de volta a ela em passos duros, lidando com a briga dos sentimentos bons e ruins dentro de si.
As lágrimas estavam paradas nos olhos de Lydia, esperando o momento certo para descerem abaixo. Mitch se aproximou dela e a troca de olhares suavizou seu rosto e adormeceu seus sentimentos ruins quase como um veneno.
Sentiu-se mil vezes pior por perceber como ela ainda tinha sensibilidade por ele mesmo com raiva. Desmanchado e arrependido, com toda a raiva por si mesmo agitando os nervos, ele a segurou pelo rosto com as duas mãos.
O toque foi gentil, e Rapp esperou uma possível negação. Mas Lydia não o afastou, ela simplesmente não conseguia negá-lo. Ela quase sentiu-se mal por apreciar o conforto que lhe foi proporcionado ainda que todas as emoções ruins em seu corpo fossem originadas do mesmo homem que estava a fazendo bem naquele breve momento.
Ele olhou no fundo dos olhos verdes e aguados, buscando toda a coragem que existia adormecida em si. A voz grave arrepiou Lydia dos pés à cabeça, e fez seu coração acelerar:
– Eu estou com medo de não ficar com você. E eu não posso ter medo de nada. – Os joelhos femininos viraram gelatina, e a carícia que os dedões realizaram nas bochechas quase a distraíram. – Eu quero você, Lydia.
Pingos grossos de chuva se desprenderam do céu e atingiram as copas das árvores, caindo esbugalhados em milhões de partículas no chão repleto de folhas mortas. O chuvisco se intensificou e mesmo com os cabelos e roupas ligeiramente molhados, Mitch e Lydia não cogitaram a ideia de se mover.
Martin encarou-o em silêncio, absorvendo toda a sinceridade que via. O cabelo molhado começando a pingar água, a camiseta branca começando a ficar transparente e o brilho persistente nos olhos castanhos. Mesmo com todo o turbilhão de sentimentos, o que seus lábios sussurraram era a mais pura das verdades:
– Você me tem, Mitch.
Foi o suficiente para as faíscas que corroíam Mitch desde o início da conversa tomassem conta de seu corpo. Ele avançou, beijando-a de corpo e alma, saboreando cada movimento correspondido por ela.
Lydia nunca tinha sido beijada daquela forma. As emoções distintas permitiram que as lágrimas escorressem de seus olhos, molhando as bochechas, se misturando aos pingos de chuvas que desciam pela raiz de seu cabelo e molhavam o rosto.
As mãos que a seguravam eram firmes e ainda assim, não deixavam de serem gentis. A chuva engrossou, envolvendo os dois em um cobertor gelado. Ela segurou-o com força na cintura, amassando a camiseta branca e encharcada.
Suspirou forte e a voz se enrolou em um gemido baixinho quando recebeu uma mordida, tendo o lábio inferior esticado por ele. Ela queria tornar a beijá-lo mas Mitch a impediu, concentrado demais em admirá-la
Encarava a razão de suas insônias, seus desejos, suas decisões e mudanças. Admirá-la era incansável. Todas as energias ruins em seu interior tinham minado e já não existiam mais, o que tornava-o imensamente grato.
Lydia estava extasiada pela coragem súbita que preencheu os olhos castanhos. De alguma forma, era fascinante ver Mitch passar de um homem magoado para o que ela enxergava naquele momento. Era uma mistura mortalmente apaixonante de doçura e confiança.
Molhados pela chuva fria e em silêncio, os únicos sons que escutavam eram os pingos de chuva alcançando as folhas secas do chão. Mitch lambeu os lábios finos e sussurrou:
– Durma comigo essa noite.
Ela mordeu o lábio inferior e encarou a boca fina. Tentou considerar a ideia embora soubesse que jamais mudaria a resposta já concreta na cabeça. Lydia fechou os olhos, apreciando a sensação apaixonante de ter o rosto segurado por ele.
Martin assentiu com a cabeça, apertando-o na cintura com ansiedade. Foi o suficiente para os lábios cederem aos desejos e se unirem novamente, dissolvendo todos os últimos minutos desgastantes em pura paixão.
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