Lety
A cena dos dois juntos dentro da sala de reuniões não saía da minha cabeça. Eu sei, foi apenas um beijo no rosto, e provavelmente a iniciativa veio dela, mas ainda assim. Eu já não estava gostando nada daquela história de Carla ter reaparecido, e agora não estava gostando ainda mais do fato de Fernando ter aceitado fazer o serviço. Provavelmente ele se encontraria com ela quase todos os dias durante as obras, e aquilo me preocupava. Até quando Fernando teria raiva? Até quando ele seria frio a ponto de ignorá-la? E se durante esse tempo que ficassem juntos, ele se recordasse do que aconteceu entre eles? E pior: E se ele resolvesse perdoá-la por tudo o que ela fez? Aquelas perguntas martelaram em minha cabeça durante todo o restante da tarde, e mesmo à caminho da escola de Catarina elas ainda me incomodavam. Seria difícil fingir para ela que estava tudo bem, quando na verdade eu queria chorar. Apenas chorar.
No horário da saída, a esperei do lado de fora do carro. As crianças começaram a sair e eu a procurei entre elas. No mesmo instante, percebi alguém se aproximar e vi que era Miguel.
- Oi, Lety. – Ele sorriu ao se aproximar.
- Olá. – Sorri.
Ele continuou me olhando e eu abaixei a cabeça, sem jeito.
- Desculpe. – Disse ele. – É que eu ainda estou abismado com tamanha coincidência. Nossos filhos estudando juntos, e ainda serem amigos. Marcos fala muito da sua filha.
- Catarina também fala muito dele.
- Por que eu não a vi antes?
- Bom... Desde quando colocamos Catarina aqui, era Fernando quem a trazia. Essa semana por questões de trabalho e tudo mais, eu quem estou trazendo. Menos hoje.
- Ah! Eu também não costumava trazer Marcos. Mas, mudei o meu horário no trabalho e agora tenho tempo de trazê-lo e buscá-lo.
- Entendo.
Avistei Catarina andando em minha direção e sorri animada quando ela se aproximou.
- Oi mamãe!
- Oi meu amor! – Me abaixei para cumprimentá-la.
Miguel fez o mesmo com Marcos, até que ele e Catarina se olharam cúmplices.
- O que foi? – Perguntei desconfiada.
- Catarina queria perguntar uma coisa.
- Eu nada!
- Você disse que perguntaria!
- Não! Eu disse que pensaria no caso.
- Oras, pergunte logo!
- Afinal, o que vocês dois querem? – Perguntei interrompendo a discussão.
- É que nós queríamos ir um pouco ao parque da praça. Alguns colegas da nossa sala costumam ir lá no final da aula, menos nós dois. Ah, mamãe... Nós podemos? Por favor!
- Meu amor, você sabe que seu pai está nos esperando e...
- Mas não vamos demorar. Nós juramos! – Marcos implorou.
Achei estranho ele fazer isso comigo e não com seu pai, mas ao ver que ele estava se divertindo com a situação, percebi que era eu a responsável pelas decisões ali.
- Bom... Acho que um tempinho não fará mal.
- Obaaaa! – Os dois comemoraram. – Vamos!
- Catarina, espera!
Mas já era tarde. Ela já havia corrido em direção à praça, acompanhada de Marcos.
- Você vai se acostumar. – Miguel riu. – Vamos?
Nós os seguimos, e quando localizamos os dois no meio dos outros colegas, correndo de um lado para o outro, nos sentamos em um banco próximo onde poderíamos ficar de olho nos dois.
- Sua filha é encantadora. – Miguel disse ao sentarmos.
- Obrigada. Marcos também é.
- Modéstia à parte, ele puxou um pouco mais para o meu lado.
- Que convencido!
Ele riu.
- Mas, tenho que admitir. Ele se parece muito com você sim. Principalmente na época da escola.
- Então, você se lembra de mim na época da escola?
- É claro que sim!
- Achei que eu era o único a me lembrar desse tipo de coisa.
- Foi uma época... Boa.
- Ah, qual é, Lety. Foi ótima!
- Ótima para você que era popular e tinha vários amigos.
- Eles eram seus amigos também.
- Nem todos.
- Ah, vai dizer que às vezes não sente falta? Das festas que sempre acabavam com os pais de alguém ameaçando chamar a polícia...
- É... Era realmente engraçado. – Respondi rindo.
- E além do mais, o nosso ultimo ano foi o melhor de todos.
- Fale por si mesmo, eu fui a única sem par no baile.
Minha intenção era fazer uma brincadeira, mas o sorriso de Miguel diminuiu, e eu me senti culpada por isso.
- Ah, Miguel... Não pense que...
- Eu nunca me perdoei por isso, Lety. – Ele disse com seriedade.
- Mas você fez o possível. Me deixou um bilhete...
- Mas isso não foi suficiente. Eu queria ter dito pessoalmente. Eu não posso imaginar como foi para você ficar parada do lado de fora da festa me esperando.
- Acredite ou não, eu ainda consegui me divertir. Bom... No final. Mas consegui.
- Eu sinto muito por isso. Eu sei o quanto aquele baile era importante para você.
- Miguel, já faz tantos anos... Eu mal me lembro disso. – Menti. – Está tudo bem. De verdade.
- Que bobeira a minha, não é? – Ele sorriu sem jeito. – Você deve estar pensando o pior de mim.
- Claro que não!
- Bom... Imagino que seu marido não faça esse tipo de coisa com você.
Dessa vez fui eu que diminuí o sorriso.
- O que foi?
- Nada.
- Ah, Lety. Você é péssima em mentir.
- Eu sei.
- Olha... Eu sei que não temos tanta intimidade assim. Na verdade, não temos nenhuma. Mas eu considero você uma amiga antiga, e gostaria que me considerasse também. Se precisar desabafar sobre alguma coisa...
Suspirei e olhei para ele. Não era o tipo de coisa que eu costumava fazer, e se Fernando ao menos imaginasse que eu estava desabafando sobre nossos problemas com Miguel, eu nem queria imaginar o que poderia acontecer.
- É que... Estão acontecendo algumas coisas ultimamente.
- Com você e seu marido?
- Sim... Quero dizer, não exatamente. É que... – Suspirei. – Uma ex namorada dele reapareceu ontem.
- Ah! – Miguel sorriu. – Bom... Vocês dois tem algo em comum, não é?
Sorri envergonhada.
- Mas não é bem assim. Carla e ele estavam prestes a ficarem noivos, e então ela o traiu com o melhor amigo. Foi uma grande confusão, os dois brigaram, faz alguns anos que voltaram a conversar, mas os dois ficaram dois anos brigados. Fernando tem muita raiva dela, e até então não pensávamos na hipótese dela reaparecer.
Contei toda a história da volta de Carla e do seu pai querer um serviço da Construtora. Falei que naquele dia Fernando havia aceitado a proposta, e falei inclusive sobre a cena que presenciei na sala de reuniões. Miguel permaneceu em silencio durante toda a explicação, mas com certeza ouvia tudo com atenção.
- E foi isso. – Falei por fim. – Eu sei que não é culpa dele, mas... Não sei explicar.
- Entendo. – Miguel se ajeitou no banco e eu voltei minha atenção para as crianças. – Bom... Acho que a melhor coisa que vocês podem fazer no momento é conversarem sobre isso.
- Mas conversar sobre o que? Não é culpa dele que ela tenha voltado.
- Mas você sente que é.
- Não é bem assim. Eu só... Argh! Não sei o que pensar. – Coloquei as mãos na testa.
- Lety, está bem claro que você confia no seu marido, mas não está totalmente convencida de que ele já a esqueceu. Não é isso?
- É que o relacionamento dos dois acabou tão de repente, que eu tenho medo de que o sentimento que ele tinha por ela apenas... Adormeceu. Entende? O meu medo é que esse tempo que irão passar juntos, ele perceba que realmente gostava dela.
- Esse medo é totalmente normal, mas como eu disse, você precisa conversar com ele. Você não pode ficar criando coisas em sua cabeça e basear sua raiva e decepção nisso. Seja sincera com ele, e peça para ele fazer o mesmo. Pergunte se ele por acaso sente ao menos algo por ela, algo que ele nem mesmo saiba que sinta.
- É... Acho que tem razão. É o único jeito.
- Mas se quer minha opinião, eu acho que isso é coisa da sua cabeça. Ele não teria ficado tantos anos sem procurá-la se ainda sentisse algo por ela.
- Ela é... Muito bonita. – Falei sem pensar direito. – Na verdade, não era o que eu queria dizer. – Sorri sem jeito.
- Lety, depois de tantos anos você ainda tem esse problema?
- Às vezes...
- Mas que besteira! Você é linda! Na verdade... Sempre foi.
- Obrigada. – Sorri.
- E eu juro que demorei te reconhecer por não estar usando suas roupas... Digamos... Diferente.
- Eu ainda as uso, às vezes. Mas no dia a dia preciso ser mais séria, principalmente ao trazer Catarina para a escola.
- Eu achava encantador o seu gosto.
- Ah, fala sério!
- É sério!
Nós dois rimos e voltamos nossa atenção para as crianças.
- Obrigada. – Falei. – Por... Me ouvir.
- Bom, é a minha função.
O olhei divertida.
- Literalmente, é a minha função. Eu sou psicólogo.
- Não diga?!
- É sério! – Ele colocou a mão no bolso da calça. – Aqui, meu cartão.
Olhei para o cartão, escrito o seu nome e o seu telefone.
- Vou guardar, porque imagino que logo irei precisar.
- Não vai nada. Você pelo visto tem uma relação muito aberta com seu marido. Conseguem resolver os problemas apenas conversando.
- É, você tem razão.
- Mas por via das duvidas, guarde.
Coloquei o cartão no bolso do casaco.
- Pronto. Está bem guardado.
- Ótimo. – Ele sorriu.
Me lembrei de quando éramos mais jovens, e Miguel tinha o dom de me dar conselhos e de me animar. Pelo visto ele não perdeu esse dom, e eu me senti feliz por tê-lo reencontrado. Não que eu ainda sentisse algo por ele, como eu sentia antes. Mas era bom ter alguém para conversar. Alguém que me conhece há tanto tempo, mesmo que tenhamos perdido o contato. Tomás estava sempre atarefado com trabalho que mal tínhamos tempo de conversar, e falar sobre meus problemas por telefone não era a mesma coisa.
- O papo está ótimo, mas preciso ir... – Falei me levantando.
- Sim! Eu também. – Ele também se levantou. – Nos vemos amanha?
- Acho que sim.
- Ótimo! Crianças! Vamos embora!
- Ahhh! Já?
- Sim, já! – Respondi rindo.
Catarina e Marcos andaram completamente murchos em nossa direção.
- Mamãe, não podemos ficar mais um pouco?
- Não, meu amor. Precisamos ir.
- Amanhã podemos voltar? – Marcos perguntou ao seu pai.
- Talvez.
- Se despeçam e vamos embora.
- Tchau!
- Até amanhã!
Os dois apertaram as mãos e fizeram o próprio “toque”, como diziam. Miguel e eu nos olhamos rindo e os dois se despediram em fim.
- Até amanhã, então. – Miguel disse.
- Até.
Cada um seguiu para um lado, e Catarina e eu fomos para o carro. Eu já me sentia bem mais leve depois da rápida conversa com Miguel, e pude prestar atenção em tudo que Catarina dizia, sem estar com a cabeça cheia. Quando chegasse em casa, eu pensaria em um melhor momento para conversar com Fernando, e enfim resolveríamos todo aquele problema.
Assim que chegamos em casa, Catarina brincou com Spike por alguns minutos e logo depois correu para dentro de casa. Eu a segui, mas dessa vez desanimada. Sabia que o clima entre Fernando e eu estaria tenso, mas eu estava pronta para resolvermos isso. Assim que entrei em casa, ouvi a voz de Fernando vinda da sala, conversando com Catarina.
- Oi Irminha! – A cumprimentei enquanto ela arrumava a mesa.
- Oi, Lety! Ficamos preocupados. Vocês não costumam se atrasar.
- Sim, mas Catarina quis brincar um pouco no parque.
- Ah, entendi!
- Quer ajuda?
- Não, já estou terminando. Obrigada. – Irminha sorriu. – Ah... Lety.
- Sim?
- Seu Fernando chegou um pouco para baixo hoje. Vocês brigaram de novo?
- Não exatamente...
- Não que isso seja da minha conta, mas... Você sabe. Eu não gosto quando brigam, e ele está realmente desanimado.
- Vou conversar com ele agora. – Sorri. – Obrigada por se preocupar.
- Quer que eu distraia Catarina enquanto isso?
- Por favor!
Irminha me acompanhou até a sala, e quando parei à porta, Catarina estava no colo de Fernando, falando sem parar. Ele fingia prestar atenção no que ela falava, mas eu sabia que sua cabeça estava em outro lugar.
- Foi muito divertido, papai! Se minha mãe deixar, podemos ir todos os dias ao parque!
- Que bom, filha. – Respondeu desanimado.
- Nina! – Irminha parou ao meu lado. – Quer ajudar Marta a terminar de fazer a torta para o jantar?
- Ah! Eu posso? – Ela me olhou com os olhos brilhando.
- Pode sim, meu amor. – Sorri.
- Eba!
Catarina pulou do colo de Fernando e correu para acompanhar Irminha. Quando finalmente ficamos a sós, me aproximei e me sentei ao seu lado no sofá. Ficamos um tempo encarando a televisão, até nos virarmos um para o outro no mesmo instante.
- Não quero ficar brigado com você. – Fernando disse rapidamente.
- Eu também não quero. – Segurei sua mão. – Estamos parecendo dois adolescentes com ciúmes um do outro.
- Eu sei. Não é a minha intenção ficar tão bravo por uma coisa assim. É que... Fui pego de surpresa quando você disse que reencontrou Miguel, e ainda mais por ele ser pai desse amigo de Catarina. Eu tenho ciúmes em dobro, Lety. Preciso me preocupar com você e com Catarina.
- Preocupar? – Perguntei rindo. – Você não precisa se preocupar com nada, meu amor.
- É que você... Consegue cativar tanto as pessoas. Não é difícil alguém gostar de você, principalmente alguém que já a conhece bem.
- Não pense nisso. Miguel é casado, tem quatro filhos e com certeza é apaixonado por sua esposa.
- Vocês... Conversaram?
- Um pouco...
- Falaram muito sobre o passado?
- Na verdade, não. Não tem porque falarmos disso. Como o nome diz, é passado. O meu presente é aqui, com você, e com Catarina.
Ele sorriu e beijou minha mão com ternura.
- Me desculpe. – Disse. – Eu prometo que irei me controlar mais.
- Tudo bem. – Sorri. – E eu... Prometo que vou me segurar durante esse... Serviço que você aceitou.
- Ah... É. Ainda não sei se foi uma boa idéia.
- Você fez o que devia fazer. Não misturou problemas pessoais com profissionais. Tenho certeza que teria se arrependido se tivesse recusado.
- Você acha?
- Claro que sim. Você precisa mostrar à Carla que não se importa mais.
- Tem razão. Eu não me importo mesmo.
Fiquei em silencio por um tempo.
- Precisamos falar sobre o que você viu na sala de reuniões.
- O que eu vi?
- Você viu Carla me pegando de surpresa e beijando meu rosto.
- E por que ela fez isso?
- Eu também não sei. Ela falou que eu merecia ser feliz, falou que você era uma ótima pessoa...
Vaca!
- E então me pegou de surpresa.
- Entendo.
- Mas, as palavras dela não significam nada para mim.
- Você não é feliz?
Ele sorriu.
- É claro que sou, mas eu quis dizer que não me importa o que ela pensa sobre isso.
- Entendi.
Mais uma vez fiquei em silencio.
- Por que não me diz o que está pensando, e assim a conversa será muito mais fácil? – Ele escorou seu rosto em uma das mãos.
- É que... Às vezes me sinto... Insegura quanto à isso.
- Quanto à Carla?
- Quanto à vocês dois juntos. Você nunca quis aprofundar no assunto do relacionamento dos dois. Nunca me disse o que sentiu em relação à ela, de verdade. Talvez se eu soubesse disso, seria mais fácil para eu controlar o meu ciúmes.
- Então você quer que eu conte sobre a minha história com a Carla, porque acha que ainda temos algo pendente para resolver?
- Mais ou menos.
Ele riu.
- Tudo bem.
- Tudo bem? – Perguntei perplexa. – Você... Vai me contar tudo?
- Se é assim que você quer.
- Bom... Tudo bem.
- Por onde começo?
- De como começaram a namorar.
- Está bem... Fazíamos faculdade juntos, Carla era amiga de Márcia e Carolina, e andávamos todos juntos. Eu percebi que ela me olhava diferente, e acabamos nos aproximando muito. Em uma festa da faculdade ela me beijou e...
- Ela o beijou? – O interrompi.
- Sim. – Ele sorriu. – Mas não pense que eu era um frouxo. Ela me pegou de surpresa.
- Ela gosta de fazer isso. – Suspirei irritada e ele riu. – Desculpe, continue.
- Depois que ela me beijou, nós saímos algumas vezes... E sem perceber já estávamos juntos.
- Você nem mesmo a pediu em namoro?
- Não precisei. A partir do nosso quinto encontro ela já falava de nós dois como um “casal”.
- E o que você achava disso?
- Para dizer a verdade, eu não achava nada. É claro, eu gostava dela... Gostava de ficar na companhia dela, ela era uma mulher muito atraente. Eu sou homem. É claro que eu não ficaria irritado por isso.
- Hum...
- Então o tempo foi passando, nosso “relacionamento” foi ficando mais sério.
- Vocês... Transaram muitas vezes?
Ele me olhou divertido.
- Que pergunta é essa?
- Eu só preciso saber.
Ele gargalhou.
- Lety, eu não vou dizer isso à você.
- Por favor, eu só quero saber.
Ele suspirou.
- Algumas...
- Algumas, muitas?
- Lety, foram três anos e meio de relacionamento.
- É. Tem razão.
- Posso continuar?
- Por favor.
- Então de tanto meus pais e Márcia falarem na minha cabeça, acabei tomando a decisão de pedi-la em casamento. E na semana que tomei a decisão, tudo aconteceu. Ao menos eu não cheguei a comprar um anel, não é?
- Ou deu o de sua avó para ela.
Ele sorriu.
- Minha avó nem chegou a conhecê-la.
- Sério?
- Você sabe que eu me afastei dela por muito tempo. Durante esse tempo falei dela algumas vezes, mas Carla nunca fez questão de conhecê-la.
Que tipo de esposa ela seria? A primeira coisa que eu fiz quando comecei a namorar com Fernando foi querer conhecer toda a sua família, inclusive os primos distantes. Como uma pessoa quer passar a vida com alguém, sem ao menos conhecer direito as pessoas à sua volta.
- E foi isso que aconteceu.
- Mas, ainda não entendi o que você sentia sobre ela.
- Acho que a palavra certa é... Costume. Eu me costumei a ficar com ela. Talvez nos primeiros meses eu tenha gostado muito dela, tenha gostado da idéia de termos um relacionamento, mas chegou um momento que eu só estava acostumado. Tínhamos o mesmo ciclo de amizade, ela já conhecia meus pais, fazíamos as mesmas coisas sempre. Para dizer a verdade, passamos o ultimo ano do nosso namoro apenas discutindo. Ela não é uma pessoa fácil de lidar, e não é nem um pouco compreensível. Eu estava atarefado com as coisas da faculdade e da Construtora, e ela só queria sair para jantar. Todo santo dia! E nos fins de semana, eu não tinha um tempo para sair com meus amigos, porque tinha que ficar com ela.
- Isso parece sufocante.
- E foi. Na verdade, não sei como agüentei tanto tempo. Mas, como eu disse, estava acostumado. As pessoas que nos conheciam faziam com que eu pensasse que isso era apenas uma fase, e que nós formávamos um bonito casal. Mas, eu sempre tinha aquela sensação de que... Não era para ser assim. Eu tinha a sensação de que não estava certo, de que estava faltando algo... A mais.
- E o que estava faltando?
- Amor. – Ele respondeu rapidamente. – Eu nunca cheguei a amá-la. E você sabe... Eu nunca tinha sentido isso por ninguém até você aparecer. Tanto que eu não soube lidar muito bem com esse sentimento no início. Acho que eu teria percebido se eu amasse. Mas, não senti absolutamente nada.
- E se você a tivesse amado, teria perdoado ela e ido atrás?
- Não sei... É difícil dizer. Eu nunca gostei de traição. Nunca achei isso certo. Não sei dizer se eu teria coragem de perdoá-la mesmo que a amasse.
- Mas ainda sentiria algo por ela...
- Lety... – Ele apertou minha mão. – Eu sei que você está curiosa para saber, mas você está usando isso para criar coisas em sua cabeça.
- Não estou não.
- É claro que está! Se eu digo que não, você diz “e se...”. Está parecendo arrumar uma maneira de descobrir que eu sinto algo por ela. Mas, eu não sinto. Não sinto absolutamente nada. Se quer saber, nem mesmo raiva eu sinto mais.
- Não?
- Não, porque eu não me importo. A única pessoa que me importa é você. Eu já contei toda a minha história com Carla, fui totalmente sincero com você, mas não posso obrigá-la a acreditar em mim se você não quiser fazer isso.
- Eu acredito. – Suspirei. – Eu acredito, é só que... Você sabe, eu sou uma boba. Ela é uma mulher muito bonita e... Vocês terminaram de repente. Eu só me senti insegura.
- Não adianta beleza se não tem conteúdo. – Ele beijou minha mão. – Você é uma mulher completa. É linda, tem um grande coração, um humor contagiante... Acho que quem deveria estar inseguro era eu.
- E por quê?
- Porque o seu relacionamento com Miguel não terminou de uma forma ruim. Você ainda continuou esperando por ele por um tempo. Ele viu em você o mesmo que eu tenho o privilégio de ver todos os dias. E se ele se reaproximar de você e esse sentimento voltar...
- Não vai voltar. – Garanti. – Não vai voltar porque faz muito tempo. Nós seguimos caminhos diferentes, e por Deus! Se ele amar tanto a esposa dele como eu amo você, não vamos ter problema nenhum com isso. E como você disse, talvez pensávamos que sentíamos amor um pelo o outro, mas quando realmente nos apaixonamos, vemos que os outros não chegaram nem perto. Foi o que aconteceu. Miguel foi a única pessoa que eu pensei amar até te conhecer. Mas, quando me apaixonei por você, percebi que o que eu sentia por ele não chegou nem perto do que senti e ainda sinto por você.
Fernando apertou minha mão e sorriu.
- Eu te amo tanto que chega a doer, Fernando.
- Não, Lety... Não vai chorar... – Ele disse manhoso assim que meus olhos encheram-se de lágrimas. – Nós já resolvemos isso. Fomos bobos, só isso. Ambos inseguros, precisávamos ter essa conversa para sabermos que nosso amor é maior do que qualquer coisa.
- Tem razão... – Funguei, passando a mão no rosto. – Acho que todo casamento tem algumas provas, não é?
- Acho que sim. – Ele sorriu, tocando em meu rosto. – E nós passaremos por todas elas, porque o que sentimos um pelo outro é forte o suficiente para isso.
- Eu sei. – Sorri.
- Eu te amo, Lety. Você e Catarina são as coisas mais importantes na minha vida. Nunca cogite a idéia de que serão substituídas, porque isso é impossível.
- Também não quero que pense isso.
- Então estamos combinados. Nada de insegurança a partir de hoje.
- Combinado. – O olhei rindo.
- Ótimo. – Ele sorriu e me puxou para um abraço. – Você é e sempre será o amor da minha vida.
- E você também.
Para todo o sempre.
•••
Acordei com o celular vibrando sobre a cômoda. Me levantei sonolenta e Fernando resmungou à cama, virando-se. Depois de uma bela noite de reconciliação, passamos da hora de acordar, e isso não tinha o costume de acontecer. Peguei o meu celular e haviam quatro mensagens de Márcia. Pensei que talvez estivéssemos esquecido de alguma reunião, mas quando li o conteúdo, tive que prender o riso para não acordar Fernando.
Mensagem 1: “Lety, está acordada?”
Mensagem 2: “Pelo visto não. Precisamos combinar sobre a despedida de solteira de Carolina.”
Mensagem 3: “Que droga, Lety! Está dormindo até agora? São nove da manhã de uma quinta feira! Você tem uma filha para criar!”
Mensagem 4: “Já sei. Fizeram as pazes? Bom, sendo assim está perdoada. Só espero que não tenham quebrado a cama. Quando puder, me ligue. Beijos.”
Balancei a cabeça sorrindo para o celular e o coloquei sobre a cômoda novamente. Fernando se mexeu na cama e espreguiçou-se, abrindo os olhos logo depois.
- Que horas são? – Perguntou bocejando.
- Nove e meia.
- Já?
- Sim! Acho que extrapolamos ontem a noite..
- Nós merecíamos. – Ele sorriu.
- É melhor se levantar. Tem uma obra para Presidenciar.
- Ah... Não posso continuar aqui? – Perguntou manhoso abraçando ao travesseiro.
- Infelizmente não. Nossa filha está perdida pela casa, precisamos achá-la.
- Deve estar brincando com Spike.
- Ou subindo na árvore dos fundos.
- É. Melhor procurarmos.
Enquanto Fernando se arrumava, saí procurando Catarina pela casa. A encontrei na sala de jantar, desenhando sobre a mesa. Irminha estava lhe fazendo companhia enquanto ajeitava a casa.
- Bom dia! – Disse me aproximando.
- Bom dia, Lety!
- Bom dia, mamãe. Perderam a hora?
- Acho que sim. – Sorri envergonhada.
- Estava pensando em levar o café da manhã para vocês, mas Irminha disse que era melhor esperarmos.
Irminha com certeza achava que não seria uma boa idéia Catarina entrar em nosso quarto enquanto estávamos dormindo. Não éramos o tipo de casal que adormecia da maneira que viemos ao mundo depois de algumas horas gastando energia na cama, mas Irminha não sabia disso.
- Lety... Ligaram da escola de Catarina hoje.
As duas se olharam cúmplices, e Catarina baixou a cabeça.
- Por quê? – Perguntei desconfiada.
- A diretora pediu para você e Seu Fernando comparecerem à escola hoje, precisa conversar com você.
- O que aprontou? – Perguntei rapidamente.
Catarina era uma criança dócil e tranqüila. Mas, apesar disso, eu sabia que ela tinha uma imaginação muito fértil e uma curiosidade fora do normal, e isso sempre fazia com que ela aprontasse alguma coisa, mesmo que não fosse sua intenção.
- Nada, mamãe.
- Catarina...
- Eu não fiz nada, eu juro!
- O que foi? – Fernando se aproximou, ajeitando sua camisa.
- Precisamos ir à escola de Catarina hoje.
- Por quê? O que ela fez?
- Isso que eu quero saber. – Coloquei as mãos na cintura, autoritária.
- Mas eu não fiz nada, eu juro juradinho!
- Catarina, já disse para não jurar em vão!
- Mas não é em vão, mamãe! É verdade!
Respirei fundo.
- Tudo bem. Você não pode se atrasar um pouco hoje? – Olhei para Fernando.
- Não dá, amor. Preciso estar lá para ajudar a organizar tudo.
- Tudo bem. Então eu vou sozinha.
- Prometo que se eu conseguir dar uma escapada, eu vou.
- Está bem. – Olhei para Catarina. – E a Senhorita, vá já para o banho! Enquanto não me disser o que aconteceu, não vai brincar hoje.
- Ah... Mamãe!
- Até eu saber se você merece sair do castigo, vai ficar sentada no sofá e pode ler um pouco.
Não era bem um castigo, já que Catarina gostava de ler. Mas, como eu não sabia se ela tinha exatamente culpa no cartório, não quis pegar pesado.
- Papai... – Ela olhou manhosa para Fernando.
Ele abriu a boca para dizer algo, mas eu o interrompi.
- Seu pai não vai defende-la hoje, mocinha. Agora suba e vá tomar seu banho.
- Sim Senhora. – Catarina pulou da cadeira e passou por nós dois de cabeça baixa. Irminha abaixou a cabeça rindo e Fernando me olhou.
- Não me olhe assim. – Falei rapidamente.
- Mas você não sabe se ela tem culpa de alguma coisa.
- Ela não quis me dizer, e isso já é suficiente.
- Mas não precisa pegar tão pesado.
- Pesado? Eu deixei que ela lesse. Eu poderia tê-la deixado no quarto estudando.
Fernando suspirou, fazendo exatamente o que Catarina fez.
- Vocês dois são iguaizinhos! – Falei fingindo estar irritada. – Se não quiser ficar de castigo também, vá tomar o seu café e ir logo para o trabalho.
- Sim Senhora. – Ele sorriu divertido e eu bati em seu ombro.
Depois que Catarina tomou o seu banho, senti o coração pesado ao vê-la na sala de televisão, lendo um livro. Embora soubesse do seu gosto por leitura, eu sabia que o que era mais queria era brincar. Aproveitei que Fernando já havia saído para trabalhar, e me sentei ao lado dela enquanto ela voltava sua atenção para o livro.
- Você ainda tem uma chance... – Falei olhando-a. – Tem certeza que não quer me dizer?
- É que eu não posso. – Respondeu sem me olhar.
- E por que não?
- Porque irei encrencar outra pessoa no meu lugar.
- Essa outra pessoa é o Marcos?
- Como a Senhora sabe? – Ela fechou o livro, me olhando.
- Apenas... Chutei.
- É que os garotos continuam implicando, e depois que o papai foi à escola, eles pioraram ainda mais. E então o Marcos tentou bater em um dele, e eles acabaram brigando.
- E o que a diretora pensa sobre isso?
- Nós falamos que não foi nossa culpa e que eles implicavam com a gente, mas eu não sei se ela acreditou.
Respirei fundo e sorri para ela.
- Tudo bem. Só queria que fosse sincera comigo e me contasse o que aconteceu.
- Não diga ao pai do Marcos, tudo bem?
- Eu prometo. – Ergui minha mão. – E não se preocupe, eu irei falar com a diretora hoje e contar o que está acontecendo.
- Obrigada mamãe. – Catarina sorriu e me abraçou carinhosamente.
Beijei o topo de sua cabeça e sorri orgulhosa. Na maioria das vezes eu fazia coisas sem pensar direito, tomava decisões precipitadas e acabava fazendo algo errado, mas se havia uma coisa que me orgulhava era a maneira como eu conseguia dialogar com Catarina, deixando nossa relação ainda mais próxima.
•••
Cheguei à escola de Catarina e a deixei em sua sala para que eu pudesse ir à sala da direção. Quando cheguei, Miguel já me esperava juntamente com a diretora, uma mulher bastante educada e talvez paciente até demais. Os cumprimentei e me sentei ao lado de Miguel, esperando que ela dissesse o motivo de termos aquela reunião.
- Bom... Primeiramente quero me desculpar por ter que fazer os Senhores virem até aqui. Sei que tem outros compromissos, e imagino que seja por isso que o pai de Catarina e a mãe de Marcos não tenham comparecido à essa reunião também, correto?
- Sim. – Respondemos em uníssono.
- Na verdade, não precisam ficar nervosos. O que aconteceu não foi tão grave, mas quis deixá-los cientes do que aconteceu ontem durante o intervalo.
- E o que aconteceu? – Perguntei apreensiva.
- Imagino que já saibam que alguns garotos mais velhos vêm perturbando Catarina, Marcos e seus colegas.
- Sim. Já sabia disso. – Falei.
- Eu também. – Miguel disse. – Inclusive gostaria de aproveitar a oportunidade para falar sobre isso. Não tem algo que a escola pode fazer quanto à isso?
- Já tomamos providencias, mas infelizmente achamos que poderíamos esperar até semana que vem para colocá-las em prática. Os alunos ainda tem o intervalo compartilhado, e foi por isso que aconteceu a confusão ontem. Um dos garotos mais velhos estava perturbando Catarina, e Marcos o empurrou.
Miguel abriu a boca algumas vezes para dizer algo, mas não soube o que dizer.
- Ele se defendeu dizendo que estava protegendo Catarina, mas como sabem... Não podemos deixar passar esse episódio em branco. É claro que ele não terá nenhuma advertência, mas quis deixar vocês cientes disso.
- Mas a culpa não foi dos dois, não é? Quero dizer... Foram os garotos mais velhos que estavam perturbando.
- Sim, é claro. Mas, como eu disse, não posso deixar que isso vire freqüência na escola.
- Oras, então comecem a separar as turmas nos intervalos! – Falei um pouco irritada, fazendo Miguel olhar para mim e prender o riso.
- Nós tomaremos essa providencia, Senhora Mendiola.
Na verdade, o que eu queria dizer era “Por que nos chamaram até aqui para dizer que a culpa não é dos nossos filhos, e sim dos outros garotos?”
- De qualquer maneira eu gostaria que conversassem com os dois. Violência não é uma postura que aprovamos aqui nessa escola, seja para se defender ou não.
Suspirei impaciente, segurando a vontade de falar algumas verdades para aquela mulher. Decidimos colocar Catarina naquele colégio por ser um dos melhores da cidade, e por ela ter inteligência o suficiente para se adaptar. Mas, estava começando a pensar se havia sido uma boa idéia. A diretora falou mais algumas coisas, mas em menos de vinte minutos já havia encerrado a reunião. Saí da sala furiosa e seguimos em direção à saída da escola.
- Mas que mulher louca! – Exclamei assim que saímos. – Ela acha que estamos com tempo de ficarmos vindo até aqui para ela dizer essas coisas?
Miguel riu.
- Eu tinha me esquecido como você fica engraçada quando está nervosa.
Sorri.
- Desculpe. É que você não acha um absurdo esses garotos mais velhos perturbando os dois e a escola não faz absolutamente nada? Ficam esperando que algo assim aconteça para tomarem providencias.
- Sim, eu também acho um absurdo.
- Você vai castigar Marcos por isso?
- O que? É claro que não! Se eu estivesse em seu lugar, teria feito o mesmo!
O olhei rindo.
- É claro... Vou conversar com ele, de pai para filho, e ele não precisa saber que eu aprovo esse tipo de atitude. Sabe do que eu me lembrei?
- Do que?
- Da minha época na escola, que eu te defendia dos outros.
- É mesmo. – Sorri. – Você costumava fazer muito isso.
- Marcos é mais parecido comigo do que eu pensava.
- Com certeza!
Estávamos os dois rindo, quando de repente alguém se aproximou. Para a minha surpresa, era Fernando.
- Amor! – O olhei surpresa. – O que está fazendo aqui?
- Vim para a reunião. – Respondeu com certa frieza, olhando para Miguel. – Mas pelo visto já terminou.
- Na verdade não demorou muito. Se eu soubesse que viria teria te ligado e dito que não precisava...
Fez-se um silencio perturbador, e eu só queria enfiar a minha cara dentro de um buraco.
- Ahm... Miguel, você se lembra do Fernando? Já foram apresentados no litoral...
- Sim. – Miguel sorriu, esticando sua mão. – Como vai, Fernando?
Fernando encarou sua mão por um tempo, e eu logo pensei que ele se recusaria a apertá-la. Mas, para o meu alívio, ele a apertou sem fazer muito caso, soltando-a rapidamente logo depois.
- Bem. – Respondeu simplesmente. – E onde está sua esposa?
Olhei abismada para Fernando.
- Ela está trabalhando. É professora do primário e não pôde sair para vir à reunião. – Miguel respondeu sem parecer ofendido.
- Entendo. – Fernando parecia realmente nervoso. – Bom... Pelo visto não tinha necessidade da minha presença. Parecem ter... Resolvido tudo.
- Na verdade sim. Não era nada de mais. Eram só alguns garotos que estavam perturbando Catarina.
Fernando não respondeu. Continuou encarando Miguel e à mim. Eu não sabia o que fazer para aliviar o clima pesado que estava ali, mas não precisei fazer nada.
- Bom... Eu preciso ir. – Miguel disse, quebrando o silencio. – Foi um prazer revê-lo, Fernando.
Fernando apenas balançou a cabeça.
- Até mais, Lety.
- Até.
Miguel se afastou e seguiu em direção ao seu carro. Olhei para Fernando esperando que ele desabafasse seu ciúmes naquele momento, mas ele não disse absolutamente nada.
- Vai voltar a trabalhar?
- Não. Vou para a Construtora.
- Por quê?
- Porque sim.
Respirei fundo, tentando ter calma.
- Eu vou trabalhar em casa. – Falei, na esperança que ele dissesse que se juntaria a mim.
- Ok. – Respondeu apenas. – Então, a reunião já está encerrada oficialmente? Você e seu amigo resolveram tudo?
- Fernando...
- Acho que posso voltar para os meus afazeres então. Nos vemos mais tarde.
- Fernando!
Ele não me deu ouvidos. Já havia se afastado entrando em seu carro. Continuei parada na calçada, esperando que ele esfriasse a cabeça e voltasse para conversarmos, mas ele rapidamente arrancou o carro e saiu disparado pela rua, me deixando completamente sozinha e com cara de boba.
•••
A idéia era trabalhar em casa, já que eu havia ido a Construtora praticamente a semana inteira. Mas, a preocupação com Fernando estava me incomodando e me impedindo de trabalhar, me fazendo ir para lá o mais rápido possível. Assim que cheguei, dei de cara com Márcia conversando com Sara no balcão do hall. Me aproximei das duas na esperança que ela me dissesse que Fernando estava mais calmo, mas aconteceu exatamente o contrário.
- Lety! – Márcia exclamou ao me ver. – Eu acabei de perguntar de você. Onde esteve?
- Eu ia trabalhar em casa, mas acabei resolvendo vir para cá. Por que?
- Fernando está com um mau humor insuportável! O que aconteceu? Brigaram de novo?
Olhei para Sara e Lola, que já estavam debruçadas sobre o balcão esperando que eu contasse. Embora que gostasse das duas, não me sentia bem de falar sobre minha vida pessoal com Fernando com alguém que não fosse Márcia ou Carolina.
- Te explico depois. – Falei. – Onde ele está?
- Na sala de reuniões. Com um cliente...
No mesmo instante dois homens bem vestidos passaram por nós e seguiram em direção ao elevador. Pareciam extremamente irritados e contrariados, e não soubemos dizer o que aconteceu até que Omar e Fernando saíram da sala, completamente eufóricos.
- Você não deveria ter dito isso! – Omar dizia à Fernando.
- Omar, não me irrite você também! – Falou rapidamente.
- O que aconteceu? – Márcia perguntou, e só então os dois notaram que estávamos ali.
- Perdemos um negócio importante graças ao mal humorado aqui. – Omar disse.
- O que foi que você fez?
- Eu não fiz nada! Ele que reclamou do orçamento da obra e eu falei que se ele quisesse algo mais barato para procurar outra Construtora.
Márcia e eu nos olhamos.
- Não foi você que disse que não deveria misturar problemas pessoais com trabalho? – Perguntei, sem conseguir me conter.
- Acontece que se você não tivesse me tirado do sério hoje, isso não teria acontecido!
- Como assim agora a culpa é minha? – Perguntei perplexa.
- Tem razão, não é sua. É do seu amiguinho Miguel.
- Fernando, não seja infantil.
- Ah, então o meu ciúmes é infantil e o seu é super maduro, não é?
- É diferente!
- Não tem nada diferente!
- QUEREM PARAR? – Márcia praticamente gritou, se colocando entre nós dois. – Eu não sei o que está acontecendo aqui, mas você, fique calma. – Ela apontou para mim. – E você, fique ainda mais calmo. Pare com todo esse mau humor! – Ela apontou para Fernando.
Ele apenas suspirou, me olhando com raiva. Eu o olhava da mesma maneira.
- Onde está seu colar? – Ele perguntou.
Coloquei as mãos ao pescoço, e me espantei ao perceber que ele não estava ali. O colar que Fernando havia me dado de presente de casamento e que eu sempre usava, sem nunca tê-lo tirado. Eu havia perdido.
- Eu... Não sei.
- Não sabe?
- Acho que perdi.
- Perdeu ou não quis mais usar para não irritar o seu amigo?
- Fernando, não seja idiota! – Falei irritada. – Eu não faria isso!
- Como não percebeu que perdeu?
- É por isso que se chama perder! Se eu tivesse percebido não teria perdido!
- Ah, faça-me o favor, Letícia! Você pode ser mais distraída?
Voltamos a discutir, e dessa vez nem com a ajuda de Omar Márcia conseguiu nos acalmar. Fernando estava passando dos limites e já estava me irritando todo aquele ciúmes e desconfiança. Mas, a briga foi interrompida pelo barulho do elevador, e o clima piorou ainda mais quando vimos quem saiu de dentro dele.
- O que ele está fazendo aqui? – Fernando perguntou soltando faíscas pelos olhos.
Mas, eu também não sabia responder. O que Miguel estava fazendo lá?
- Miguel?
Só então ele viu que estávamos ali, e seguiu em nossa direção.
- Olá! – Sorriu, mas ninguém respondeu. – Me desculpe, a recepcionista falou que eu podia subir.
- O que está fazendo aqui? – Fernando perguntou, sem rodeios.
- Precisa de alguma coisa? – Perguntei educadamente.
- Na verdade, eu vim te entregar isso. – Ele tirou algo do bolso e me mostrou um colar. O meu colar que Fernando havia me dado.
O clima piorou ainda mais, se é que era possível. Ninguém conseguiria explicar o que Miguel estava fazendo com meu colar, nem mesmo eu.
- Ops. – Márcia comentou ao meu lado.
- Mas que merda você está fazendo com o colar dela? – Fernando perguntou furioso.
- Fernando! – Chamei sua atenção.
- Quer saber? Eu não quero saber! – Ele ergueu as mãos. – Não estou nem um pouco interessado em saber como esse colar foi parar nas mãos dele. Eu vou para casa!
- Irmão... – Omar tocou em seu ombro, mas Fernando se afastou, seguindo para o elevador. Não tivemos tempo de chamá-lo, e ele já havia entrado e desaparecido quando as portas se fecharam.
Todos olharam para Miguel e ele pareceu completamente envergonhado. E não era para menos.
- Me desculpe, Miguel. – Falei envergonhada. – Ele está em um mal dia.
- Entendo. – Miguel sorriu sem jeito. – Bom... Ele se irritou e não me deixou explicar. Depois da reunião eu voltei na escola porque Marcos tinha esquecido o dinheiro do lanche, e eu encontrei seu colar na porta da escola. Deve ter perdido. Achei que era importante para você já que está sempre com ele, e achei que deveria trazer aqui.
- É muita bondade sua, Miguel. – Sorri pegando o colar. – Muito obrigada. É realmente importante para mim.
- Então que sorte que eu encontrei. – Ele sorriu. – Bom, preciso ir. Desculpe se causei alguma confusão.
- De maneira alguma! Eu quem peço desculpas.
- Está tudo bem. Então, até logo. Foi um prazer. – Ele disse olhando para Márcia e Omar.
- Igualmente. – Os dois responderam.
Miguel pelo visto estava tão sem graça com o que aconteceu que nem mesmo esperou o elevador, e foi direto para as escadas.
- Fernando é um ogro. – Márcia comentou cruzando os braços. – O rapaz só estava fazendo uma boa ação. E quer saber? Eu o achei muito educado! Fernando deveria aprender com ele.
- Márcia...
- Quer que eu vá até sua casa conversar com ele? – Omar perguntou. – Ele deve precisar. Aproveito e explico o que aconteceu.
- Por favor, Omar. Não acho que seria uma boa idéia eu ir para lá agora. Vamos discutir de novo, provavelmente.
- Sem problemas. Nos vemos depois.
- Ok.
Omar se afastou, deixando Márcia e eu a sós.
- Ah, Lety... – Ela me abraçou, provavelmente por me ver tão desanimada. – Fernando é um insensível, não fique assim. Vamos convocar uma reunião com Carolina agora mesmo! Você precisa desabafar.
Desabafar... Pelo visto a história de “não quero que outras pessoas saibam da minha vida pessoal com Fernando” não serviu de nada, já que Lola e Sara estavam praticamente em cima do balcão assistindo toda a confusão.
•••
- E foi isso que aconteceu. Ele apenas ficou com ciúmes por me ver conversando com ele, sendo que ontem tínhamos combinado que nos controlaríamos.
Márcia e Carolina estavam sentadas ao sofá na sala de Fernando, ouvindo o meu desabafo.
- Eu estou me controlando. Por que ele não pode?
- Você não tem mais ciúmes? – Carolina perguntou.
- É claro que tenho! Mas depois da conversa que tivemos ontem eu estou mais segura, e posso controlá-lo. Por que ele não faz isso?
- Lety, ciúmes é uma coisa “nova” para Fernando. – Márcia disse. – Não o estou defendendo, que fique claro. Mas, sinceramente... Até eu fiquei com ciúmes daquele cara. Ele é muito bonzinho para ser real, e principalmente por sabermos da história de quando vocês namoraram. O cara é um cavalheiro!
- Nós nem chegamos a namorar! – Suspirei, sentando-me pesadamente o lado delas. – Não sei por que todo esse ciúmes. Eu não posso ter amigos? Ele não tem ciúmes do Tomás.
- Mas por que ele teria? Tomás é como seu irmão. – Carolina disse.
- Fernando jamais gostou da Carla, Lety. – Falou Márcia. – E nós garantimos isso. Então, talvez o seu ciúmes seja mais fácil de controlar do que o dele.
- Mais fácil? Os dois ficaram noivos!
- Mas ele nunca a amou.
- E eu também nunca cheguei a amar Miguel. Foi apenas uma paixãozinha de escola.
- E ele sabe disso?
- É claro que sabe!
- Então isso só pode ser resolvido no tapa. Chega em casa e jogue uma mesa na cabeça dele para ele aprender a ser compreensível. – Márcia sugeriu e Carolina a olhou.
- O que Márcia quer dizer, Lety, é que você precisa deixá-lo seguro.
- Mais? Depois da conversa de ontem?
- Ele não é bobo, Carolina. Consegue entender que Lety jamais trairia ele. – Márcia disse.
- Não é questão de traição, Márcia. Eu também tenho ciúmes de Carla pelo que aconteceu. Afinal, Omar também se envolveu com ela. Acha que eu também não fico apreensiva por saber que ele está ao lado dela assim como Fernando?
Márcia não respondeu. É claro que não teria como ela entender sobre ciúmes, já que ela não tinha um namorado fixo há anos.
- Quer saber? Precisa se animar! – Ela se levantou. – Vamos passar a tarde fazendo compras no shopping, e depois buscamos Catarina para tomarmos um sorvete. O que acha?
- Tentador. – Sorri. – Mas tenho muito trabalho e...
- Cruzes, Lety! Nem parece que é esposa do próprio chefe! Você pode fazer o que quiser, querida!
- Eu que não aprovo esse tipo de coisa acho que Márcia tem razão. – Carolina também se levantou. – Você precisa relaxar, e nada melhor do que uma tarde com as amigas.
Balancei a cabeça rindo e elas esticaram as mãos para mim. Segurei as duas e elas me levantaram. Realmente, eu estava precisando de um descanso.
•••
Fernando
Omar me encarava há alguns minutos, mas eu ainda não sabia se queria falar sobre aquele assunto. Ainda estava domado pelo meu ciúme, mas também bastante arrependido por ter descontado tudo em Lety. Já havíamos conversado na noite anterior e estávamos muito bem, e eu simplesmente estraguei tudo.
- Então aquele é o Miguel... – Omar comentou.
- É. – Respondi apenas. – O próprio.
- E você está com ciúmes dele.
- Morrendo. – Disse sincero.
- Bom, isso é normal, não é? Ter ciúmes da esposa. Você só... Parou para pensar que Lety também está com ciúmes de Carla, desse mesmo jeito?
- Sim. – Suspirei. – E me sinto mais idiota por isso.
- O fato de você ter aceitado a proposta do pai dela pode ter deixado ela dessa mesma maneira, ela só não demonstrou como você. E devo lembrar que você disse para Carla hoje pela manhã que pensaria se iria à festa da empresa do pai dela hoje.
- Falei porque ela estava me perturbando.
- E você vai?
- É claro que não!
Me escorei ao sofá.
- Eu fiquei furioso quando vi aquele homem na Construtora, entregando o colar para ela.
- Sinceramente, o que pensou?
- Eu não sei! Ela nunca tirou aquele colar desde quando o ganhou, e de repente coincide com tudo o que está acontecendo.
- Mas, já expliquei que ele só encontrou o colar e foi devolver para ela.
- É, agora eu sei. – Respondi desanimado. – Acha que eu ligo para ela?
- Seria o melhor. Ela precisa saber que está arrependido e que você quer conversar quando ela chegar.
- Tem razão. – Me levantei. – Onde é que eu coloquei o meu celular? – Perguntei tocando nos bolsos da calça e camisa.
- Não está no seu paletó?
- Deve estar!
Peguei o paletó que estava jogado sobre a poltrona, e sem querer quando o puxei joguei o casaco de Lety no chão. Quando o peguei, algo caiu do bolso, e eu vi que era um cartão. O peguei do chão e olhei curioso, e novamente o meu sangue ferveu.
- O que é isso? – Omar perguntou se aproximando.
- Um cartão. Dele. – Falei furioso. – Com o telefone dele!
- Calma, Fernando...
- Como calma, Omar? O que a Letícia faz com o telefone dele?
- Eu não sei! Pode ter guardado para alguma coisa.
- É claro! Guardou para alguma coisa! Para ligar para ele depois! – Falei jogando-o sobre a mesa. – E eu me sentindo tão idiota!
- Fernando, precisa se acalmar.
- Não vou me acalmar, Omar! Se ela quer tanto que eu acredite que não sente mais nada por ele, por que ela guarda um cartão com o telefone dele no casaco?
- Deve ter uma explicação para isso.
- Explicação... – Bufei.
- Maninho, precisa se acalmar.
Me acalmar era a ultima coisa que eu conseguiria naquele momento.
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