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História Depois de Ti - II Temporada - Desconfiança


Escrita por: jaimencanto

Notas do Autor


Então, pessoinhas. Como eu disse no epílogo de "Antes de Ti" e na sinopse, essa segunda temporada é para contar a vida de Fernando e Lety depois de um ano e meio. Então, já preciso lhes avisar que a fic não será longa, mas os capítulos sim, porque pretendo em cada um narrar um acontecimento no relacionamento deles, e também porque o meu intuito não é fazer uma fic enrolando muito haha. Como eu sei que a maioria gosta de capítulos grandes, optei por dividir assim, ao invés de dividir em partes. Espero que gostem ♥

Capítulo 2 - Desconfiança


 

Lety

 

- Como assim ele não veio à Construtora essa semana? – Praticamente gritei enquanto conversava com Márcia.

- Oras, ele não veio! Não tivemos nenhuma reunião essa semana.

               Me joguei na cadeira, encarando a mesa.

- O que foi, Lety? – Márcia perguntou.

- Aquele... Mentiroso! – Exclamei furiosa.

- Do que está falando?

- Daquele insensível chamado Fernando Mendiola! – A olhei. – A semana inteira ele saiu no meio do trabalho dizendo que estava vindo para uma reunião!

- Eu posso garantir que ele não colocou os pés aqui essa semana.

               Suspirei confusa.

- Lety... Isso é muito grave! Ele não pode mentir para você.

- Eu sei disso! Isso não vai ficar assim!

- Espera. Você também não pode acusá-lo de uma coisa que não sabe. Precisamos ter cartas na manga para desarmá-lo.

- Como assim?

               A porta se abriu no momento em que conversávamos, e Carolina entrou animada na sala de Márcia.

- Lety! Soube que você estava aqui, que surpresa! – Carolina me cumprimentou com um animado abraço, que infelizmente eu não fui capaz de retribuir. – O que foi? – Ela nos olhou.

- Fernando está mentindo para a Lety.

               Ouvir aquelas palavras sendo ditas por Márcia piorava ainda mais a situação, e um nó se formou em minha garganta. Explicamos para Carolina o porque de acusarmos Fernando de ser um mentiroso, e assim como eu, ela caiu pesadamente na cadeira, pasma com a notícia.

- Eu não consigo acreditar.

- E nós também não. – Márcia disse escorando-se à sua mesa.

- Mas, Fernando não seria capaz de mentir para algo ruim, não é? Quero dizer... Ele te ama, Lety. Todos sabem disso.

- Eu sei. – A olhei. – Mas precisamos saber por que ele precisou mentir para mim a semana inteira.

- É claro que precisamos! – Márcia disse firme. – E nós vamos descobrir!

- Márcia, não cause problemas para a Lety. Ela e Fernando estão muito bem, não queremos que isso provoque uma discussão.

- E quem disse que ele vai saber de alguma coisa? Vamos investigá-lo!

- Mas como? – Perguntei.

- Nunca viu em filmes? Vamos nos infiltrar, pesquisar, entrevistar! Omar deve saber de alguma coisa!

- Boa idéia! Perguntar ao melhor amigo dele se ele está escondendo alguma coisa. Com certeza ele vai dizer tudo. – Carolina suspirou impaciente.

- Você pode conseguir arrancar isso dele, bobinha. Coloque uma lingerie, pergunte para ele enquanto mordisca sua orelha, eu não sei! Use sua criatividade.

- Márcia!

- O que foi?

- Espera. – Interrompi as duas. – Não seria mais fácil se eu... Tentasse arrancar alguma coisa de Fernando?

- Lety, não quero ser estraga prazeres, mas se ele mentiu para você com certeza não vai lhe dar a verdade de mãos beijadas.

- Eu sei, mas... Eu posso tentar.

               As duas se olharam.

 

 

 

                                                                          •••

 

 

               Cheguei à casa de Fernando primeiro que ele, e isso me deu tempo para tentar entender por que ele teria motivos para mentir para mim. Nesse um ano e meio que estávamos juntos, sempre contávamos tudo um ao outro, e ele jamais mentiu para mim, até esse dia. Pensar nas possibilidades que levaram Fernando a mentir me deixava ainda mais tensa, e não consegui trabalhar desde que me sentei à minha mesa. Depois de alguns minutos que eu havia chegado, ouvi sua voz do lado de fora do escritório, e em pouco tempo a porta se abriu.

- Ah... Ainda está aí?

- E onde é que eu deveria estar?

               Ele me olhou assustado, e só então me lembrei que não deveria demonstrar que eu sabia sobre as mentiras. Fiquei em silencio enquanto ele caminhou para sua mesa, parecendo menos animado do que quando saiu. Será que minha presença o chateava tanto assim? Me lembrei dos conselhos de Márcia, e decidi colocá-los em prática. Se eu não conseguiria arrancar a verdade de Fernando com uma discussão, ao menos agradando-o eu tinha uma chance. Me levantei e segui para sua mesa, tentando usar todo o charme que eu acreditava que tinha.

- O que foi? – Ele me olhou.

- Nada... – Passei por sua mesa e parei atrás de sua cadeira, repousando minhas mãos em seus ombros carinhosamente, massageando-os. – Só senti sua falta hoje. Na verdade, a semana inteira.

- Desculpe. Estamos com muito trabalho.

               Mentiroso!

- É mesmo? – Aproximei meus lábios de seu rosto, beijando-o. – Posso te ajudar em alguma coisa? Como... Relaxar?

               Continuei massageando seus ombros e percebi que estava funcionando quando o vi fechar os olhos e tombar a cabeça para trás, como ele costumava fazer. Nunca tínhamos dado o “passo principal” em nossa relação, por um pedido meu de que gostaria de me guardar até o casamento. Fernando como um verdadeiro cavalheiro entendeu, mas isso não significava que não pudéssemos nos provocar de vez em quando, como acontecia em seu escritório algumas vezes. Normalmente, Fernando se animava com aqueles momentos.

- Eu gostaria muito, mas tenho muito trabalho à fazer. – Ele abriu os olhos, tirando minhas mãos de seu ombro antes de beijá-las carinhosamente.

               O que? Como assim ele não está aceitando minhas provocações? Fernando é homem, e eu sabia que embora respeitasse a minha decisão de me guardar para o casamento, ele saía um pouco do controle algumas vezes, tendo que se esforçar para conseguir se controlar. Jamais em todas as vezes que o clima “esquentou” em seu escritório ele negou minhas provocações daquela maneira. Mas, eu não me dava por vencida. Precisava continuar com o plano.

- Eu só pensei que talvez você precise relaxar um pouco. – Me escorei à sua mesa, virada para ele, com as pernas próximas à sua cadeira. Aproveitei que o vestido não era tão longo e cruzei minhas pernas. Percebi que seus olhos baixaram para elas, e estava quase comemorando minha vitória, quando ele se levantou e me deu um rápido beijo.

- Preciso resolver um problema da Construtora agora. Talvez mais tarde.

               Mas que (*&(*(¨*& é essa? Continuei parada no mesmo lugar, desacreditada que tinha sido rejeitada daquela maneira pelo meu próprio namorado. Quando ouvi a porta batendo, me virei incrédula, me certificando de que ele realmente havia me deixado sozinha na sala, sem ao menos dar alguma explicação de onde estava indo.

- Mas que... Filho da mãe! – Exclamei irritada.

 

 

 

                                                                          •••

 

Fernando

 

- Eu estou dizendo, Eduardo! Eu não consigo mentir para ela! Ela vai acabar descobrindo tudo e eu estarei perdido! – Falei impaciente, andando de um lado para o outro.

- Fernando, calma. Quando você tomou essa decisão sabia que seria difícil. Agora arque com as conseqüências.

- Eu sei, mas não sabia que seria tanto. – Suspirei. – E se eu não conseguir esconder mais e estragar tudo?

- Você não pode fazer isso! Fernando, me escute... Você sabe como a Lety é. Se ela descobrir alguma coisa, eu não sei nem o que pode acontecer. Vai tudo por água abaixo! Você só precisa agüentar firme e continuar com isso. Não é isso que você quer?

- É claro que é!

- Então continue firme.

- Você sabe o que acabei de fazer? Tive que sair correndo do meu escritório porque ela estava me provocando! Acredita nisso, Eduardo? Eu fugindo das provocações dela?

               Eduardo gargalhou.

- Não é caso de rir! – Falei impaciente.

- Desculpe, mas é engraçado imaginar você fugindo de coisas assim.

- Eu não vou agüentar, Eduardo. Eu vou enlouquecer!

- Ei, fique firme, amigo! Não pense assim.

               Suspirei colocando a mão à testa.

- Tudo bem. Eu vou desligar agora. Preciso... Terminar o que comecei.

- É assim que se fala.

- Nos falamos depois.

- Até, amigo!

               Desliguei o telefone e abri a porta do lugar. Ao entrar, Miranda já estava à minha espera, como sempre. Ela sorriu ao me ver, e tentei não demonstrar os meus problemas pessoais à ela. Até porque ela não tinha culpa nisso. Ao menos, não totalmente.

- Olá, Fernando!

 

 

                                                                                         •••

 

Lety

 

 

               Andei de um lado para o outro com o celular na mão. Sabia exatamente o que tinha que fazer, mas estava com medo de qual seria a resposta. Eu não queria ter que admitir o que minha paranóia estava criando em minha cabeça, mas pelo visto seria impossível pensar em outra explicação. Peguei o celular e disquei rapidamente o numero que eu já sabia de cor, e esperei ansiosa enquanto escutava o barulho da chamada.

- Alô?

- Márcia.

- Lety!

- Precisamos conversar.

- Como você sabe?

- O que?

- O que?

- Como eu sei o que?

               Fez-se silencio por um instante, até eu ouvir a voz de Carolina ao fundo dizendo “não conte à ela assim!”.

- Márcia?

- Desculpe, pode falar primeiro, Lety.

- Eu preciso conversar com vocês duas.

- O Fernando está em casa?

- Não. Acabou de sair. Por quê?

- Nós... Vamos até a casa dele agora mesmo.

- Vir aqui? E por quê?

- Prefiro falar pessoalmente.

               Ótimo! Eu já estava nervosa, depois daquela ligação fiquei ainda mais.

- Tudo bem.

- Chegamos aí em alguns minutos.

- Até logo.

- Até.

               A voz desanimada de Márcia fez piorar os meus pensamentos, e piorar a minha imaginação. Nunca os minutos passaram tão devagar, e eu preferi esperá-las no escritório, para que Irminha não tentasse arrancar alguma coisa de mim. Com certeza ela diria que eu estava sendo louca, e que não era nada do que eu imaginava. De fato ela poderia ter razão, mas o fato de Irminha ser muito mais sábia que eu não apagava a possibilidade dela estar errada ao menos uma vez na vida.

               Finalmente ouvi o barulho do interfone e saí às pressas do escritório, tropeçando em tudo que havia em minha frente. Irminha tinha acabado de abrir o portão quando parei à porta, esperando por elas.

- Eu não sabia que elas viriam hoje. Devo preparar um lanche, alguma coisa? – Irminha perguntou, mas eu estava nervosa demais para prestar atenção. – Lety?

- Hum? Ah... Deve ser, Irminha.

               Ela me olhou com estranheza, mas como já deveria estar acostumada com meu jeito aéreo, não voltou a perguntar. Márcia e Carolina desceram do carro e eu já notei que não pareciam nada contentes, o que apenas piorou a situação.

- Viemos o mais rápido que conseguimos. – Márcia disse entrando em casa. – Ele não chegou, não é?

- Ainda não.

- Que bom!

- Vocês estão me deixando preocupadas! O que foi que aconteceu?

- Podemos conversar na sala? – Carolina perguntou.

- Claro!

- Olá, Irminha! – Carolina sorriu.

- Como vai, Dona Carolina? Dona Márcia?

- Oi, Irminha!

- Desejam alguma coisa? Água? Suco?

- No momento apenas água com açúcar. – Márcia disse e Carolina a cutucou.

- Vou levar para a sala nesse instante.

               Assim que Irminha se afastou, seguimos para a sala e as duas sentaram-se no sofá. Me sentei à poltrona, ficando de frente para elas.

- Por que você precisa de água com açúcar? – Perguntei à Márcia.

- Não é para mim. É para você.

 

 

                                                                          •••

 

 

- Pode dizer logo? Já estou nervosa demais para isso. – Falei balançando as pernas, tensa.

- Está bem. Mas você precisa prometer que não vai surtar.

- Márcia, como eu não vou surtar? Eu já estou surtando!

- Tem razão!

- Lety, me escute... – Carolina me olhou. – Quero deixar claro que o que tenho para dizer não significa que seja... Você sabe... Verdade!

- Pode, por favor, me dizer logo?

- Está bem... – Ela suspirou e olhou para Márcia, como se precisasse de sua aprovação. Márcia balançou a cabeça assentindo, e Carolina me olhou com pesar. – Lety... Fernando pode ter uma amante.

               Sem reação alguma, eu continuei com meus olhos vidrados em Carolina, esperando que a qualquer momento ela dissesse que era uma brincadeira, e que combinaram tudo com Fernando, para descontar de todas as vezes que me atrasei para um compromisso. Mas, os segundos se passavam e Carolina não desmentiu, e muito menos riu da situação. Ela estava mesmo falando sério.

- Como assim uma amante? – Perguntei com a voz rouca.

- Como eu disse, não é certeza. Mas... Hoje tentei arrancar algo de Omar, como Márcia pediu. É claro que não precisei apelar para a provocação sensual, e consegui ouvir uma conversa dele ao telefone.

- Estava espionando. – Márcia disse.

- Não estava! – Ela a olhou indignada.

- Continue, Carolina. Por favor. – Implorei.

- Então... – Ela me olhou. – Percebi que Omar estava falando com Fernando. Tentei escutar a conversa inteira, mas alguém passou no corredor na hora, e eu não poderia ter continuado ouvindo a conversa dele pela porta, não é?

- E o que ele estava dizendo?

- Ele disse que Fernando precisava tomar cuidado, ou você descobriria tudo. E...

- E o que?

               As duas se olharam novamente.

- Ai, Márcia! Eu não consigo! Diga você!

- A pior parte sempre sobra para mim. – Ela suspirou. – Ele disse que Fernando teria que combinar com uma tal de Miranda para se encontrarem em outro lugar, ou você logo iria descobrir tudo.

               Era inacreditável o que eu ouvia. Jamais, em todo esse tempo que conhecia Fernando, imaginei que ele seria capaz de fazer algo assim. Principalmente por saber que ele detestava traição de qualquer tipo, mais do que qualquer pessoa do mundo. Eu não tinha reação e nem resposta, e muito menos cabeça para lidar com esse problema.

- Lety, diga alguma coisa... – Carolina me olhou.

- Eu... Não sei o que dizer.

- Eu sei que parece horrível, mas como eu disse, não é certeza de nada. Só podemos ter certeza se confirmarmos com nossos próprios olhos.

- E desde quando Lety precisa ver esse tipo de coisa? Já imaginou como ela ficaria se visse o amor da vida dela com outra?

- Márcia, não seja boba! Estou dizendo que enquanto ela não tiver provas suficientes para isso, ela não pode considerar que ele realmente tenha uma amante.

- Por favor, não digam essa palavra. – Supliquei.

- Está bem... Desculpe. Uma... Amiga nova.

- Ele não tem reagido estranhamente essa semana, Lety? – Márcia perguntou.

- Como assim?

- Por exemplo, ter atitudes que ele não costuma ser? Parecer mais distante...

- Ah, meu Deus! – Coloquei a mão em meu rosto.

- O que foi?

- Hoje... Ele... Ele fez algo que jamais fez.

- O que?

- Eu... Não posso dizer.

- Lety, nós precisamos saber de tudo para conseguirmos te ajudar! – Carolina disse.

- Mas é... Vergonhoso.

- Por favor, Lety! Somos amigas! Nada é vergonhoso entre amigas.

               Suspirei tirando as mãos do meu rosto.

- Hoje eu... Tentei fazer o que você aconselhou e... Tentei seduzi-lo no escritório para que ele deixasse escapar algo.

- Você o seduziu? – Márcia perguntou abismada.

- Lety, eu pensei que você estivesse se guardando para o casamento! – Carolina falou.

- Eu estou! Eu só... Ah... Vocês sabem... Às vezes nós temos momentos um pouco mais íntimos, e ele costuma gostar... Ao menos parece gostar.

- E o que aconteceu?

- Nada. Absolutamente nada. Ele se desfez totalmente de mim de um modo “carinhoso”. – Suspirei irritada me lembrando da cena. – Não funcionou.

- Oh não... – Márcia suspirou.

- O que?

- Esse é um dos estágios da... Traição. – Ela pareceu querer censurar aquela palavra.

- Eu não sabia que havia estágios para isso.

- Bom, não são exatamente estágios, mas são características. Por exemplo, o fato dele ter negado fogo à você hoje pode significar que alguém esteja fazendo isso por você.

- Márcia! – Carolina a olhou indignada, e eu senti meu peito queimar.

               Como assim alguém estava fazendo isso por mim?

- Carolina, ela precisa ouvir esse tipo de coisa! Ela não sabe sobre relacionamentos!

- Mas não precisa falar assim! Como eu disse, não temos certeza de nada!

- Para dizer a verdade eu... Eu sempre admirei ele aceitar a minha decisão de me guardar para o casamento. – Disse triste. – Talvez não tenha sido bem assim.

- Ah, Lety... – Carol se levantou e me deu um abraço. – Não fique assim. Vamos desejar que tudo isso seja um mal entendido.

- E descobrirmos quem é essa safada da Miranda que está se envolvendo com homem comprometido!

- Não fale assim, Márcia! Fernando tem mais culpa nisso do que ela. Afinal, ele sabe que é comprometido.

- Tudo bem. Como quiser. Eu só quero tirar essa história a limpo porque vou fazer questão de estar presente quando você quiser matar o Fernando, porque quero ajudar você a segurar a arma!

- Que horror, Márcia!

- E como vamos descobrir se ele realmente tem uma... Uma... – Não consegui dizer a palavra.

- Precisamos continuar investigando. Você precisa fingir que não sabe de nada e continuar tratando ele da mesma maneira.

- Eu não sei se consigo.

- Precisa tentar, Lety. Até descobrirmos toda a verdade e jogarmos tudo na cara dele.

- Até quando isso?

- Tentaremos descobrir o mais rápido possível. – Márcia também se levantou e segurou minha mão. – Esperamos que isso seja um engano. Mas, se infelizmente não for, não se preocupe com isso. Fernando vai pagar por tudo.

               Márcia era a mais vingativa das três, mas eu jamais iria querer que ele “pagasse” por alguma coisa. Eu só queria que tudo fosse mentira, e que estivéssemos enganadas quanto àquilo. Era difícil acreditar que o Fernando que eu pensava conhecer dos pés à cabeça, estava me enganando.

               Enquanto as duas me amparavam, ouvimos um barulho do lado de fora de casa misturando-se com os latidos de Spike. As duas se olharam assustadas e eu me levantei.

- É o Fernando? – Márcia perguntou.

- Sim! – Falei de imediato.

- E agora? O que diremos à ele? – Carolina perguntou tensa.

- Calma. É só agirmos com naturalidade, como se estivéssemos em uma visita normal.

               Ouvimos a voz de Fernando conversando com Spike à medida que ele se aproximava da casa. Nos olhamos tensas quando ele entrou em casa e passou pela porta da sala onde estávamos, voltando imediatamente ao nos ver.

- Ah... Oi! – Ele sorriu, seguindo em nossa direção. – Não sabia que estariam aqui.

- Não viu o meu carro do lado de fora? – Márcia riu.

- Na verdade, não. Estou meio aéreo. – Ele cumprimentou as duas.

- Não vai cumprimentar a Lety? – Carolina perguntou e eu me senti envergonhada.

- É claro. – Ele sorriu, me dando um rápido beijo. – Não quero atrapalhar a conversa. Vou para o escritório.

- Na verdade, já estávamos de saída.

- Sim! Só viemos para fazer uma visita à Lety. Tem um tempo que ela não vai à Construtora.

- É, é verdade. – Fernando pareceu tenso.

- Então... Já estamos indo. Obrigada pela conversa, Lety. – Márcia me abraçou.

- Nos vemos depois. – Carolina fez o mesmo. – Até logo, Fernando.

- Até.

               Sem dizer nada, observei as duas se afastarem. Pela primeira vez senti a tensão tomar conta de mim quando me peguei sozinha à sala com Fernando. E se eu estragasse tudo? E se eu perdesse o controle e jogasse tudo em sua cara em um momento de raiva? Eu estava muito magoada para conseguir fingir que estava tudo bem, mas... Precisava ser forte.

- O que foi? – Perguntou.

- Nada. Por quê?

- Está meio... Calada.

- Não, impressão sua. – Forcei um sorriso.

- Sei...

- Eu... Posso te pedir uma coisa?

- Sim.

- Posso sair mais cedo hoje? Fiquei de ajudar minha mãe com algumas coisas.

- Você sabe que não precisa me pedir permissão para isso. Pode sair quando precisar.

- Eu sei, mas talvez você precise de mim para alguma coisa.

- Não, tudo bem. Vou descansar um pouco o restante da tarde.

               Então quer dizer que está se desfazendo de mim?

- Tudo bem. Vou pegar minhas coisas.

- Certo.

               Abaixei a cabeça e segui o mais rápido possível para o escritório, suspirando aliviada por ter conseguido fazer o meu melhor. Ele provavelmente estava desconfiado, mas jamais pensaria que tínhamos descoberto suas mentiras. Mentiras...

               Peguei minha bolsa no escritório e voltei à sala, para ao menos me despedir. Ele já não estava mais ali, e quando perguntei à Irminha se ele havia saído novamente, ela apenas disse que ele subiu para o seu quarto dizendo que iria descansar um pouco.

- Descansar? – Perguntei desconfiada. – Desde quando ele descansa no meio da tarde?

- Eu não sei, Lety. Mas ele tem acordado bem cedo ultimamente, mais do que o normal.

- Por quê?

- Também não sei dizer.

               Suspirei triste.

- Está acontecendo alguma coisa, Lety?

- Nós conversamos amanhã, está bem?

- Ok.

               Há muito tempo eu não me sentia tão desmotivada e desanimada. A imagem de Fernando com outra mulher não saía da minha cabeça, mesmo que eu não soubesse como ela era nem mesmo quem era. Mas, depois de receber a bomba de que ele provavelmente estaria me traindo me fez perder totalmente a noção de tudo. Quando cheguei em casa, menti dizendo que estava com dor de cabeça e subi diretamente para o meu quarto, sem jantar. Não estava com cabeça e muito menos com apetite para um jantar em família. Quando entrei em meu quarto, desabafei tudo o que estava segurando quase o dia inteiro, e chorei com o rosto abafado em meu travesseiro. Chorei tanto que acabei adormecendo, sem notar a mensagem que chegou ao meu celular no meio da noite.

 

 

                                                                          •••

 

 

               “Me desculpe por estar ausente essa semana. Prometo recompensá-la com um jantar amanhã. Espero que aceite. Eu te amo. Fernando V.”

- Filha, larga esse celular e toma esse café direito. Você não jantou ontem a noite, não pode ficar sem comer. – Minha mãe ralhou, mas eu não conseguia parar de ler aquela mensagem. De certa forma, fez com que todas as minhas paranóias terminassem, e fez com que meu dia começasse extremamente bem.

- Essas tecnologias de hoje em dia estão cada vez mais assustadoras. – Reclamou meu pai. – Desde que acordou a menina está com o celular na mão sorrindo para ele.

               Balancei a cabeça rindo e coloquei o celular de lado.

- O que vai querer no jantar hoje, Lety? – Minha mãe perguntou enquanto me servia mais suco.

- Hoje eu não vou jantar em casa. – Disse orgulhosa. – Vou jantar com o meu namorado.

- Mas de novo? – Meu pai colocou o jornal sobre a mesa. – Quantas vezes vocês jantam fora no mês? Haja dinheiro!

- Erasmo, você sabe que isso não é problema para o Fernando. – Depois de muito custo minha mãe finalmente conseguia tratá-lo de maneira informal, sem o “Seu” antes do seu nome. – E eu acho muito romântico que eles jantem juntos toda semana.

- Obrigada, mamãe. – Sorri.

- E o seu namorado não se importa se você se atrasar para o trabalho? – Meu pai olhou em seu relógio. – Já são quase oito e meia.

- Ai meu Deus! – Me levantei rapidamente, pegando minha bolsa no sofá. – Eu amo vocês! Até mais tarde!

- Vá com Deus, meu amor!

- Dirija com cuidado!

               Estava tão apressada que não me lembrei de pegar o celular sobre a mesa. Para a minha sorte, o transito não estava tão ruim naquele dia, e mesmo com a minha velocidade abaixo do normal, consegui chegar rapidamente à casa de Fernando. Como de praxe, cumprimentei Celso, brinquei um pouco com Spike e fui até a cozinha cumprimentar Marta e Irminha.

- Você parece animada hoje, Lety. – Irminha disse.

- E estou. – Falei sorrindo. – Vamos jantar fora hoje.

- É mesmo? Isso é ótimo!

- É sim!

               Mais do que ótimo, Irminha! É maravilhoso!

- Ontem senti você um pouco... Distante.

- Falamos sobre isso depois, tudo bem? Agora preciso ir antes que ele chame minha atenção por uma hora de atraso.

               Elas riram e eu corri em direção ao escritório. Bati na porta, e antes que ele pudesse dizer “entre” eu a abri. Sentado à sua mesa, ele ergueu a cabeça para me olhar, e me preparei para ouvir pela segunda vez naquela semana “está atrasada.”. Mas, para a minha surpresa, ele sorriu e se levantou, vindo ao meu encontro.

- Achei que não chegaria mais. – Disse me cumprimentando com um beijo de tirar o fôlego. – Recebeu minha mensagem?

- Sim. – Respondi ainda tonta depois daquele beijo.

- E então? O que me diz?

- É claro que aceito. – Disse animada.

- Ótimo! Eu preciso fazer uma coisa antes, pode me encontrar no restaurante? Mas, pegue um táxi. Eu te deixo em casa depois.

- É claro!

               Estava tão abobada com o convite e por ele estar me tratando tão bem, que mal notei que ele havia falado que tinha algo para fazer antes. Afinal, não me importava realmente o que fosse. Eu já estava convencida de que tudo não passou de uma confusão e que ele jamais me trairia.

- Podemos... Trabalhar? – Ele sorriu.

- Sim! Podemos! – Balancei minha cabeça, saindo do transe. Segui para minha mesa e me sentei, tentando me concentrar no trabalho. Mas, foi praticamente impossível. Fernando tirava toda a minha concentração. – Tão lindinho...

               Passamos o dia trabalhando e tudo parecia ter voltado ao normal, para o meu alívio. Continuávamos conversando enquanto trabalhávamos em nossas mesas, e por algumas vezes Fernando fazia alguma piada ou me provocava de alguma maneira. Senti que realmente tudo não havia passado de uma terrível confusão, e que nossa rotina estava voltando ao normal.

- Vou ver com Irminha se o almoço está pronto. Tudo bem? – Ele se levantou.

- Tudo bem! – Sorri.

- Volto logo. – Antes de fechar a porta, ele piscou para mim, me arrancando outro sorriso.

               Assim que Fernando saiu da sala, o telefone do escritório tocou.

- Presidência Mendiola, bom dia. – Falei formalmente.

- Lety, sou eu!

- Márcia? Por que está ligando para o telefone do escritório?

- Eu estou ligando há tempos para o seu celular, mas ninguém atende.

- Ah! Eu o esqueci em casa!

- Achei melhor ligar para o escritório porque tinha certeza que você atenderia. E então? Como estão as coisas? Está conseguindo segurar a barra?

- Na verdade, foi bom você ter ligado. Não precisamos mais continuar com as investigações.

- O que? Como assim? Você descobriu alguma coisa?

- Não. Eu apenas... Sei que ele não tem outra mulher.

- E como sabe?

- Ele me convidou para um jantar hoje a noite. E me mandou uma mensagem logo depois que fui embora ontem. E no final ele ainda disse “eu te amo”. Acho que ele não diria isso e muito menos me convidaria para um jantar se tivesse outra, não é?

- Ah, Lety...

- O que foi?

- É claro que ele vai tratá-la desse jeito. Ele pode achar que você desconfia de alguma coisa, e simplesmente queira agradá-la para você pensar exatamente que ele não tem uma amante.

- Ele não tem. – Falei rapidamente. – Eu sei disso.

- Eu também quero acreditar que não tenha, mas... Olha... Eu acho melhor não cancelarmos as investigações. Carolina vai tentar conversar com Omar hoje, e vai tentar arrancar alguma coisa dele. Se soubermos ao menos onde ele encontra essa tal Miranda, podemos ir atrás e pegarmos ele no flagra.

               Eu estava começando a ficar irritada com a certeza que Márcia dizia que Fernando tinha uma amante. Por mais que no dia anterior eu acreditasse naquelas hipóteses, eu estava totalmente certa de que ele não estava me traindo, e que Márcia havia se enganado. Mas, ela e Carolina eram minhas melhores amigas, e eu não poderia brigar com elas por causa de uma confusão.

- Está bem. Então nos falamos depois, tudo bem? – Suspirei.

- Certo. Continue agüentando por mais um tempo.

- Até mais.

- Até.

               Desliguei o telefone com certa ignorância, justo quando Fernando voltou para o escritório.

- Quem era?

- Quem era o que?

- Oras... No telefone.

- Ah... Ninguém.

- Ninguém?

- Era engano.

- Ah...

- O almoço já está servido?

- Sim! Podemos ir?

- Claro! – Sorri e me levantei, acompanhando-o.

               Márcia não conseguiria me desanimar. Eu colocaria minha mão no fogo para defender Fernando e afirmar que ele não estava me enganando. E minhas certezas apenas aumentaram durante o almoço. Fernando estava carinhoso e romântico, e a todo tempo se mostrava animado e ansioso com o jantar, talvez um pouco demais. Costumávamos jantar fora quase toda a semana, mas julgando pela empolgação de Fernando para àquela noite, deveria ser um jantar um tanto quanto especial. Depois do almoço, fui à cozinha ajudar Irminha com a louça enquanto Fernando voltava para o escritório. Contei brevemente a divertida história da provável “traição” de Fernando, e Irminha caiu na gargalhada.

- Só você mesmo para pensar isso, Lety. – Ela disse enquanto ria. – Seu Fernando jamais faria isso, e você deveria saber.

- Agora eu sei. Acontece que fiquei tão neurótica com esse assunto que acabei me deixando levar pela idéia de Márcia e Carolina.

- Eu gosto muito das duas, mas... Você precisa entender que ninguém sabe da sua relação com o Seu Fernando exceto vocês dois. Quem está de fora pode ter uma idéia totalmente diferente.

- Você disse uma coisa sábia, Irminha. Como sempre. – Sorri. – Bom, melhor eu voltar pra o escritório. Não quero ter que fazer hora extra e me atrasar para o jantar.

               Ela riu e eu me despedi, seguindo para o escritório. Ao me aproximar da porta pude ouvir a voz de Fernando do outro lado, parecendo falar ao telefone. Aproximei da porta para ouvir melhor, e mesmo com a voz um pouco abafada, consegui ouvir claramente o que ele dizia.

- Então estamos combinados, nos encontramos antes do meu jantar com a Lety. Ela não pode desconfiar de nada antes desse jantar, Miranda.

               Senti o meu coração disparar.

- Eu não vejo a hora de tudo isso acabar. Está sendo difícil ter que mentir para ela e esconder tudo.

               Droga! Márcia tinha razão!

- Então nos vemos mais tarde. Até logo.

               Eu não conseguia acreditar no que ouvi. Márcia tinha razão? Todo o seu jeito carinhoso e o convite para o jantar era uma fachada para que eu não desconfiasse de nada, e pensasse que estava tudo bem entre nós dois? Eu não queria acreditar. Não conseguia colocar na cabeça que o Fernando que eu tanto amava na verdade estava me enganando e mentindo para mim. Mas... Por quê?

               Respirei fundo e abri a porta do escritório, tentando parecer o mais normal possível. Fernando olhou para mim e sorriu, e tive que me esforçar ao máximo para retribuir o sorriso.

- O almoço estava delicioso, não é? – Ele puxou assunto quando me sentei.

- Sim. Muito.

- Eu preciso dizer que adoro quando jantamos fora, mas nada se iguala à comida de Marta. – Ele riu.

- É, é verdade. – Forcei um sorriso.

               Pelo visto ele nem ao menos desconfiou da minha estranha atitude. Talvez estivesse com os pensamentos em outra pessoa que nem sequer notou que eu estava praticamente me segurando para não chorar e desabafar ali mesmo. Mas, eu tiraria tudo aquilo a limpo. Nem que para isso fosse preciso que eu fizesse um escândalo.

 

 

                                                                          •••

 

 

- Lety, você precisa pensar com calma... – Márcia disse enquanto falávamos ao telefone. Fernando precisou sair para resolver um problema de ferramentas da Construtora, e dessa vez ao menos era verdade. – Sabe que Fernando odeia escândalos, e isso pode colocar tudo a perder.

- Sinceramente eu estou pouco me importando com o que ele odeia ou não. Eu não admito que ele me faça de boba, Márcia!

- Eu te entendo, mas precisamos pensar em uma maneira de desmascará-lo completamente.

- Ele parece estranho? Você o viu?

- Ele chegou aqui à alguns minutos, e parece exageradamente animado.

- Viu só? Ele está assim hoje! Talvez esteja assim porque finalmente vai acabar com tudo isso. – Suspirei. – Será que ele vai me contar sobre ela durante o jantar, exatamente por não gostar de escândalos?

- Você acha?

- Eu não sei. Eu... Eu não vou!

- Não! Lety! Você precisa ir!

- Não! Eu não vou conseguir me segurar! Sabe como vai ser torturante vê-lo assumindo tudo isso?

- E você terá um ponto para você! Você não pode faltar à esse jantar e continuar na duvida.

               Suspirei desanimada, prestes a chorar.

- Agüente só mais algumas horas, e vá ao jantar. Você pode tentar arrancar a verdade dele lá, se for o caso. Acha que consegue?

- Não sei... Acho que... Sim.

- Ótimo! Carolina e eu vamos continuar procurando por alguma pista. Se conseguirmos, eu te ligo.

- Tudo bem.

- Tchau!

- Tchau!

               Desliguei o telefone com um nó em minha garganta. Era quase cruel e torturante eu ter que ir àquele jantar sabendo que poderia ser o ultimo em meu relacionamento com Fernando. Se eu estivesse certa, ele usaria aquele jantar para me contar toda a verdade, e eu não sabia como reagir. Como reagir quando o homem que você ama confessa que tem uma amante, e que provavelmente vai preferir ficar com ela?

               Saí do escritório para espairecer e não pensar tanto naquele jantar, ou eu acabaria desistindo de ir. Fui ao jardim para brincar com Spike, mas Irminha acabou notando que eu estava precisando desabafar, e eu não conseguiria mentir para ela. Contei sobre a ligação de Fernando que ouvi por acaso, e contei sobre os planos do jantar.

- Lety, você mesma não disse que isso era uma besteira da sua cabeça? – Ela perguntou triste. – Não faça nada de cabeça quente, menina...

- Como eu posso defendê-lo depois de ouvir essa conversa?

- Talvez não seja o que você pense.

- Irminha, por qual outro motivo Fernando marcaria um encontro com uma mulher antes do nosso jantar?

- Eu não sei, mas deve haver uma explicação para isso.

- Se tiver, por favor, me diga.

               Ela ficou em silencio.

- Ah... Droga! – Suspirei fechando os olhos. – Eu sou uma idiota!

- Não diga isso, Lety. Espere até o jantar e então você saberá de toda a verdade. Ou simplesmente pergunte à ele quando ele voltar para casa.

- Não, não posso fazer isso.

- E por que não?

- Porque se ele estiver realmente me traindo, vai negar, e vai mudar suas estratégias, então eu nunca saberei se é verdade.

- Lety...

               Olhei para Spike e suspirei triste.

- Acha que ela é mais bonita do que eu?

- Quem?

- A provável amante.

- Ah não, Lety! Não pense nisso!

- Claro que é, não é? Não é muito difícil ela ser mais bonita que eu. Talvez seja loira, alta, com olhos claros e um corpo escultural. Não tenho como competir com isso.

- Pare de pensar nessas coisas, Lety. Só irá piorar a situação.

- Tem razão. – Respirei fundo. – Preciso estar firme para o jantar, e ser tão fria quanto ele já foi um dia. Não posso fraquejar diante dele.

               Irminha balançou a cabeça. Com certeza me achava louca por pensar em tantas coisas. Mas, a certeza que eu tinha de que ele jamais me trairia já havia desaparecido depois da conversa que ouvi em seu escritório. Não tinha argumentos contra aquilo, e eu me senti mais enganada do que nunca.

 

 

                                                                          •••

 

Fernando

 

 

               Olhei em meu relógio pela quinta vez. Minhas pernas balançavam inevitavelmente, demonstrando minha ansiedade e nervosismo. Eu já estava acostumado com os atrasos de Letícia, mas definitivamente naquele dia eu não tinha coração para agüentar um minuto sequer de atraso. Quando finalmente a vi passar pela entrada do restaurante, me levantei de imediato, esperando que o garçom a guiasse até a nossa mesa.

- Obrigada. – Ela agradeceu ao garçom, parecendo triste.

- Você está linda. – Comentei beijando-a no rosto.

- Obrigada. Você também.

- O que foi? Aconteceu alguma coisa? – Perguntei ao notar certo desanimo em sua voz.

- Não. Nada. – Respondeu sorrindo, notavelmente forçado.

               Achei melhor não insistir na pergunta e puxar a cadeira para que ela se sentasse. Aquele jantar era importante para mim, e eu não poderia perder nem um minuto de atenção, ou me esqueceria de tudo que havia planejado dizer à ela.

- Você está realmente muito linda. – Falei admirando seu vestido longo e lilás, combinando com sua delicada maquiagem. Mas, faltava um toque especial. Um sorriso sincero, a parte que eu mais gostava na aparência de Lety.

- Podemos fazer o pedido? – Ela perguntou com certa frieza.

- É claro. Mas... Pensei que talvez você quisesse um vinho antes.

- Não. Não estou com vontade de beber hoje.

               Mas o que é que aconteceu com ela?

- Tudo bem então. Pode escolher o que quiser.

               Enquanto ela analisava o cardápio, decidi começar o meu discurso, que seria longo. Já estava nervoso e tenso o suficiente para adiar ainda mais aquela conversa.

- Queria pedir desculpas pela minha ausência essa semana. – Falei olhando-a. – Sei que não tivemos muito tempo para ficarmos juntos, mas prometo me redimir.

- E como fará isso? – Perguntou ainda mais fria, sem olhar para mim.

- Bom... Eu não sei. Como você quiser, eu acho.

- Que tal me dizendo a verdade?

- O que?

               Soltando o cardápio sobre a mesa ela me encarou com raiva.

- Eu já sei de tudo!

- De tudo o que?

- De tudo! De todas as mentiras!

               Oh não! Ela descobriu?

- Do que está falando, Lety?

- Não seja hipócrita, Fernando! – Ela estava realmente brava. – Você mentiu para mim a semana inteira, e pensou que eu não iria descobrir o motivo?

               Droga! O meu plano foi por água abaixo.

- Então você sabe? – Perguntei desapontado.

- É claro que sei! Eu não sou tão burra quanto você pensa!

- Ei, espera aí! – Tentei acalmá-la, notando que ela estava mais nervosa do que deveria. – Eu não sabia que ficaria tão brava com isso.

- Não pensou? – Ela sorriu sarcástica. – Então você acha que pode fazer tudo isso pelas minhas costas e eu não iria ficar brava quando descobrisse?

- Bom, não! Os homens costumam fazer isso, e normalmente as mulheres não se zangam quando descobrem.

- Eu não sei que tipo de mulher é essa, mas definitivamente eu não sou uma dessas! Você me enganou, Fernando Vicenzo, e eu jamais vou perdoá-lo por isso!

- Letícia, você não acha que está exagerando? – Olhei em volta, notando que algumas pessoas nos olhavam. – Podemos conversar sobre isso com calma?

- Não! – Ela aumentou a voz. – Eu não vou conversar com calma sabendo que você está me traindo!

               O QUE?

- O QUE? – Perguntei perplexo.

- Achou que eu não iria descobrir? Que você poderia ter uma amante e tudo ficaria bem? Pois saiba de uma coisa, Fernando, eu não sou esse tipo de mulher!

- Letícia, você perdeu o juízo? – Perguntei exaltado.

- Vai negar agora? O que foi? Não foi por isso que me chamou para jantar? – Ela começava a chorar e eu a me desesperar.

- Não! Não foi! Meu Deus! De onde tirou essa idéia?

- Eu ouvi você conversar com ela hoje no escritório. Eu ouvi vocês marcando um encontro antes do nosso jantar. Admita, Fernando! Seja homem e admita que você tem outra!

- Não, eu não vou admitir isso porque é um absurdo!

               Ela não parava de chorar, e eu não conseguia entender absolutamente nada. De onde ela havia tirado aquela estúpida idéia que eu tinha uma amante?

- Olha, eu acho que tudo foi um mal entendido. Deixe-me explicar e...

- Não! Eu não quero que me de explicações! Quero que você vá para o inferno! – Ela se levantou, e eu a segui, segurando em seu braço impedindo-a de sair.

- Letícia, você precisa me ouvir!

               Naquela altura já tínhamos total atenção dos clientes do restaurante, algo que eu torci para não acontecer naquela noite. Já estava sendo difícil controlar o nervosismo para aquele momento, e tendo a tenção de todos era ainda pior. Mas, eu não poderia deixar Letícia pensar tal absurdo de mim, e não a deixaria ir embora enquanto não me escutasse.

- Me dê um minuto para me explicar.

               Ainda chorando, ela pareceu aceitar, e eu soltei seu braço lentamente. Sem saber mais o que fazer depois dos meus planos para àquela noite terem sido completamente destruídos, só me restou tirar o objeto que eu guardei com tanta segurança no bolso do meu paletó e colocá-lo em cima da mesa. Letícia o olhou, parecendo perplexa, e finalmente parou de chorar.

- Pode me ouvir agora? – Perguntei com mais calma, e ela continuou com o olhar fixo sobre a caixinha de veludo sobre a mesa. – Meu Deus! Como é difícil fazer uma surpresa para você. – Suspirei contrariado. – Estive ausente durante toda a semana porque estava me certificando de que tudo saísse exatamente como o planejado. Mas, pelo visto... Não deu certo.

               Ela me olhou, ainda abismada.

- Sim, eu menti, mas não porque estava com uma amante. – Dizer aquilo parecia ainda mais ridículo. – Eu estive indo à joalheria, e Miranda, uma antiga amiga de minha mãe prometeu me ajudar com o que eu precisasse. Eu não sei de onde você tirou a idéia de que ela era minha amante, mas saiba que ela tem o dobro da minha idade e que me carregou no colo quando eu era criança.

               Ela tentou dizer alguma coisa várias vezes, mas simplesmente não conseguiu, e eu entendia o motivo.

- Provavelmente a conversa que você ouviu, estávamos combinando um encontro para que eu buscasse isso. – Apontei para a caixinha sobre a mesa. – Minha avó me deu a ultima vez que fomos visitá-la, e disse que queria que eu lhe desse quando fosse a hora certa. Precisei fazer alguns ajustes, por isso fui freqüentemente à joalheria. Eu já sabia que não seria nada fácil, mas francamente... Você achar que eu estava te traindo? Você não me conhece o suficiente para isso? - Suspirei, colocando uma das mãos à testa.

               Ela não respondeu, e eu voltei a olhá-la.

- Sinceramente, Letícia... É mais difícil planejar uma surpresa para você do que imaginei. Você tem uma imaginação tão fértil que é impossível competir com ela.

               Ela me olhava magoada, provavelmente sentindo-se culpada por tudo. Não era assim que eu queria que fosse o nosso jantar, mas por mais que eu estivesse bravo por ela ter pensado o pior de mim, eu não conseguiria continuar vendo-a daquela maneira. Assim que ela abaixou sua cabeça, provavelmente envergonhada, toquei carinhosamente em seu queixo, fazendo-a olhar para mim

- Mas... Foi exatamente por isso que me apaixonei por você, e é exatamente assim que quero passar o resto da minha vida.

               Sem me preocupar que a atenção de todo o restaurante estava voltada para nós dois, peguei a caixinha sobre a mesa e me ajoelhei em sua frente. Imediatamente ela colocou as mãos à boca, e eu abri a caixinha, revelando o anel de minha avó.

- Bom... Não foi assim que planejei esse momento, mas... Não vai ser por isso que vou desistir. – Sorri de lado, olhando-a. – Letícia Padilha, você aceita se casar comigo?

               Já estava começando a me sentir incomodado naquela posição, e principalmente envergonhado pelos suspiros de algumas pessoas que nos olhavam. Mas, antes que eu pudesse implorar por uma resposta, Letícia baixou as mãos e sorriu, meio às lagrimas.

- Sim! Eu aceito!

               Suspirei aliviado e coloquei o anel em seu dedo ao som dos aplausos dos clientes do restaurante. Me levantei e imediatamente a puxei para um beijo. A tensão e nervosismo que senti antes agora davam lugar para o alívio e felicidade. E, embora o pedido tivesse sido totalmente diferente do planejado, eu estava feliz por ela ter dito sim. Estava feliz por saber que em breve, Letícia carregaria o meu sobrenome, e estaria ao meu lado até o fim de nossas vidas.

 

 

                                                                          •••

 

Lety

 

- Eu tentei avisar que tudo não passava de uma confusão. – Carolina disse. – Mas, como você estava sem celular...

- Maldita hora que fui esquecer o celular. – Falei irritada e todos riram.

               Estávamos reunidos na casa de Fernando, depois dele planejar convidar à todos os amigos e familiares para que anunciássemos o nosso noivado.

- E eu não acredito que não me disseram nada. – Falei à meus pais. – Vocês sabiam de tudo desde ontem?

- É claro! Fernando pediu para que guardássemos segredo. – Minha mãe riu.

- E é claro que ele teve que pedir minha permissão antes de tomar tal decisão. – Meu pai comentou, arrancando gargalhadas de todos os presentes.

- Só você mesmo para conseguir estragar um pedido de casamento, Lety. – Laura comentou rindo, ninando a pequena Beatriz.

- Eu não tive totalmente culpa nisso. – Olhei para Márcia.

- Ei! Não vem não! Eu disse que não tínhamos certeza.

- O que importa é que tudo não passou de um mal entendido, e teve um final feliz. – Omar comentou animado.

- Hora do brinde! – Dona Terezinha se aproximou batendo em sua taça.

- Onde está o Fernando? – Seu Humberto perguntou.

- Deve estar se encontrando com a “amante”... – Tomás brincou, fazendo todos rirem.

- Engraçadinho... – O encarei.

- Ah, aí está ele!

               Fernando voltou à sala, falando ao celular.

- Está bem, Vovó. Eu direi à ela. Queríamos que estivesse aqui.

- É sua avó? – Sussurrei e ele assentiu. – Mande um beijo para ela.

- Lety está mandando um beijo. Tudo bem, eu digo sim. Até logo, Vovó. Outro! – Ele desligou o telefone e me abraçou pela cintura. – Ela disse que ficou muito feliz com a notícia e que queria estar aqui conosco.

- Uma pena ela não poder vir de ultima hora.

- Pensei em convidá-la antes, mas... Pensei que estragaria a surpresa. Se eu soubesse que você estragaria... – Ele sorriu divertido.

- Vai ficar jogando isso na minha cara até quando? – Fingi estar magoada.

- Então, vamos ao brinde! – Dona Terezinha ergueu sua taça e todos fizeram o mesmo. – Ao passo mais importante em um relacionamento. Que vocês dois me dêem muitos netos... – Ela sorriu maliciosa e todos riram. – E que sejam muito felizes, como todos sabemos que serão! Ao casal!

- Ao casal!

               Brindamos todos juntos, e eu não poderia estar mais feliz. Na presença de nossos amigos e familiares, comemorando o primeiro passo para o nosso “para sempre”.

- Eu gostaria de aproveitar o momento para... Te pedir desculpas. – Olhei para Fernando e todos se calaram. – Eu não deveria ter pensado algo tão ruim de você, mesmo que no fundo eu soubesse que te conhecia o suficiente para não acreditar em tais besteiras. Eu me deixei levar por meus pensamentos loucos, que você sabe que são muitos... – Ele sorriu. – Mas, estou aliviada por saber que o conheço suficiente para afirmar que você jamais faria isso comigo.

- Ainda bem que sabe. – Ele sussurrou, beijando meu rosto.

- E que venha o chá de lingerie! – Márcia gritou e nós rimos.

- Márcia, você está definitivamente proibida de se aproximar da minha noiva até o casamento. Não quero que a faça cancelar o casamento graças aos seus conselhos. – Fernando riu e Márcia emburrou.

- Pode dizer de novo? – O olhei encantada.

- O que?

- Minha noiva.

               Ele riu e me abraçou pela cintura. Os convidados se dispersaram, conversando entre eles, e pudemos aproveitar um rápido momento a sós.

- Minha noiva... – Ele me beijou rapidamente. – E minha futura esposa. – Beijou novamente.

- Nunca vou me cansar de ouvir isso. – Sorri e o abracei. – Eu te amo tanto.

- E eu te amo muito mais!

               Um fim perfeito, para um começo perfeito.



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