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História Desde agora e para sempre - Capitulo Trinta e três - Ele


Escrita por: magnors e Bane

Notas do Autor


Eai meu povo, tudo bem? Espero q sim.

Anteriormente em 'Desde agora e para sempre': Depois de ficar muito tenso por toda a confusão em que foi metido, Marcos foi para o trabalho e recebeu uma proposta da irmã para comandar a loja de roupas que estão construindo. Após uma breve desavença com Nick, Marcos decide ajuda-lo a lavar o dinheiro e se livrar definitivamente dos bandidos que o ameaçam. Então os dois concluem que a melhor forma de fazer o serviço sujo de forma rápida é comprar um apartamento. Numa consulta com o psicólogo, Marcos revisitou o doloroso período após o divórcio.

Obs: O capitulo a seguir tem um salto temporal de 1 semana em relação ao anterior de Marcos.
Por favor comentem o q estão achando, isso nos motiva muito a continuar.
Boa leitura :D

Capítulo 34 - Capitulo Trinta e três - Ele


Fanfic / Fanfiction Desde agora e para sempre - Capitulo Trinta e três - Ele

19 de julho de 2034.

 

               Saio do hospital, no final da tarde, feliz por conseguir mover a mão esquerda livremente. O pulso ainda dói um pouco, mas o enfermeiro disse que é normal, devido ao isolamento causado pelo gesso.

            Confesso que fiquei ligeiramente tenso durante o procedimento, temendo que o profissional de saúde descobrisse a mancha de sangue embaixo dos pedaços de fita mal posicionados.

            No caminho de volta passo na floricultura e compro dois crisântemos brancos, um dos pedidos de Rafael para o tal ritual. O outro é que eu escreva em um papel as coisas que amo em Aline, ou pelo menos amava, enquanto estávamos juntos.

            Chego em casa, pego um bloco de notas e sento no sofá. A tarefa se mostra mais difícil do que imaginava. Despendo mais de trinta minutos ali e nada me vem, então decido ir por um lado mais pragmático, dividir os itens por categoria. Primeiro, corpo:

> Amo a intensidade do seu olhar;

> Amo o jeito como os cabelos moldam seu rosto, dando um ar sedutor;

> Amo seus lábios pequenos e rosados.

             A nostalgia do nosso tempo de namoro me preenche. Os dedos passeiam pela caneta e miro o papel. Será que ainda sinto essas coisas?

              Seja qual for a resposta, tenho esperança de que logo me livrarei desses sentimentos. Continuo a lista, não me importando tanto com tais dilemas:

> Amo ver o seu rosto de manhã, parcialmente amassado, mas pacífico e radiante;

> Amo quando sorri vergonhosa;

> Amo como coloca o cabelo atrás da orelha quando está nervosa;

> Amo quando suas mãos acariciam meus cabelos;

> Amo seu pescoço, macio e sempre cheiroso;

> Amo seus seios, pequenos e perfeitos;

> Amo seu quadril largo e as coxas torneadas;

> Amo tocar seu corpo, sentir sua pele.

              Memórias de nossos momentos íntimos tomam os pensamentos, e sou obrigado a fazer uma pausa para me masturbar. Pensar nela faz com que meu corpo reaja de formas que nunca fui bom em controlar. Ao retornar do banheiro, decido passar para o próximo tópico: sentimentos.

                Aproximo a ponta da caneta do papel várias vezes, mas não prossigo. Sinto uma dor quase física ao tentar “desenterrar” as lembranças, então Nick chega para me salvar, parece animado.

                - Consegui o... – se interrompe. – Aconteceu alguma coisa? – percebe o abatimento em minha face.

                - Não, nada. – largo a caneta e guardo o bloco de notas no bolso.

                Assente e silêncio se segue. Seu olhar afiado sabe que estou mentindo.

                 - O que estava dizendo? – tento desviar o assunto.

                 - Consegui um apartamento! – o sorriso retorna a seus lábios.

                  - Já comprou?! – começo a animar também.

                   - Não, mas não teremos muito trabalho para isso.

                  O entusiasmo começa a esvair. Com receio, faço a próxima pergunta:

                   - E o que temos que fazer?

                  Senta ao lado.

                  - O dono do apartamento fará uma espécie de leilão no lugar, amanhã, só temos que ir e comprá-lo. – fala como se fosse a coisa mais simples.

                  - Que loucura vender um apartamento em um leilão. – aponto, mas logo outra informação que disse me chama a atenção. – Amanhã? Tem certeza?

                  Acena positivamente.

                  - Não pode ser outro dia? Tenho consulta com o psicólogo amanhã.

                  - Me poupe Marcos, é amanhã e você vai. – fala de forma incisiva. – E já falei que pra esquecer Aline é só parar com essa viadagem, enfiar o pau em alguém e esperar até que ela diga ‘eu te amo’.

                   Franzo o cenho, tentando entender.

                    - E sobre o apartamento estar à venda, hãn... na verdade não está. – revela.

                     - Como assim?

                    - O leilão é para as coisas que estão dentro do apartamento: a mobília, as obras de arte e todas aquelas baboseiras que gente rica gosta.

                     - E como espera comprar o apartamento se não está à venda? – procuro entender.

                  - Com uma grande pilha de dinheiro. – sorri, confiante. – Quando há grana envolvida, não existem problemas, sabe disso.

                   - E o dono simplesmente venderá o imóvel. – falo, incrédulo.

                 - Puxaremos o saco dele antes, e no meio da conversa, BAM! – faz um movimento como se jogasse cartas no assento. – Faremos uma proposta pequena, ele negará, aumentamos o valor, ele pensará sobre o assunto e daí damos o golpe final, oferecendo tudo que temos. – faz movimentos com as mãos, lutando com o ar. - E como ninguém terá dado um lance pelo lugar, pois não está na lista, ele será nosso!

                   - Você usou alguma coisa?

                   - Não, é só café mesmo, tenho que diminuir.

                  Reflito sobre seu plano, admitindo que parece bastante plausível.

                    - Tem certeza que funcionará?

                     - Absoluta.

                   Suspiro. Na falta de ideias melhores, percebo que terei que concordar com essa, além de que nosso prazo para lavar o dinheiro está acabando. Defino um lembrete mental para remarcar a consulta com Rafael.

                    - Que horas acontecerá o leilão? – indago.

                    - Começa às cinco da tarde. – diz. – Mas é melhor nos apressarmos, temos coisas a fazer.

                     - O que? – falo, confuso.

                    - Compras. – levanta. – Ou acha que iremos a um evento chique usando esses trapos. – pega no uniforme azul da loja de informática.

                       Reviro os olhos e balanço a cabeça de um lado para o outro, sabendo exatamente o que quer dizer: ternos.

 

~ <> ~

 

            Percorremos as ruas de Salvador a bordo de um Mercedes-Benz AMG GT R conversível. Conseguimos o automóvel cinza alguns minutos atrás, dando a desculpa de que sairíamos para um test drive. Se tudo correr bem, o devolveremos em no máximo uma hora, sem levantar suspeitas. Ideia de Nick.

            Observo minha fisionomia no espelho lateral, barba e cabelo bem penteados e alinhados. Uso um terno azul escuro de alguma marca que começa com a letra ‘D’, e é a única coisa que lembro sobre. O paletó me serve bem e tive sorte de não precisar usar gravata, pois segundo a atendente da loja, fico mais jovial assim. Só a calça que se mostra um pouco apertada, devido ao meu sobrepeso, mas consigo aguentar a “tortura” por algum tempo.

                Nem em meu casamento estava tão bem vestido.

                Nick, diferente de mim, parece um daqueles modelos de propaganda de revista, com seu físico definido e o terno preto que cabe perfeitamente. A gravata fina da mesma cor dando um toque moderno. Sua ideia de fingir sermos empresários bilionários que precisavam de vestimentas para um evento foi esperta. Fomos recebidos com whisky e champagne e tratados como reis. Se não sujarmos ou estragarmos as roupas, podemos devolvê-las hoje após o leilão, sem pagar nada. Meu amigo disse que essa é uma estratégia muito usada pelos ricos e famosos.

              O fim de tarde de quinta feira na orla é lindo, nunca me canso desse cenário. Nos aproximamos da entrada do edifício de luxo e um calafrio percorre a espinha quando Nick entrega as identidades falsas.

                - Viemos para o leilão de Sir Jean Carpentier. – fala as últimas palavras da melhor forma que consegue.

               O segurança checa os documentos por alguns segundos, depois devolve. Solto o ar que estava segurando.

                - Terceiro andar, senhores. O estacionamento fica logo à frente. – indica a direção.

                - Muito obrigado. – meu amigo responde e só me detenho a sorrir, tentando disfarçar o nervosismo.

                Após parar em umas das poucas vagas restantes, seguimos para o apartamento.

                De acordo com Nick, esse Jean Carpentier é um famoso crítico de arte. Como o nome indica, ele é francês, e mora no Brasil há dez anos, mas está de mudança para seu país de origem, por isso organizou o leilão para vender seus pertences.

                 O elevador se abre direto em uma espécie de mini sala de recepção. Após tocar a campainha, somos recebidos por uma mulher morena, muito simpática, que nos dá passagem.

                  - Sejam bem vindos, aqui está o inventário do leilão. – nos entrega um folheto grosso. – Fiquem a vontade.

                 Agradecemos. Avanço alguns passos e me encontro imerso em um dos lugares mais luxuosos que já vi. A residência é gigantesca, chego até a perceber uma escada e fico impressionado. Nunca adentrei um apartamento de dois andares. Adiante, a parede da sala é inteiramente composta de vitrais, o que proporciona uma bela visão da sacada, que possui um ofurô, sofás e plantas.

              Homens e mulheres caminham de um lado para o outro em trajes elegantes, formando pequenos grupos ou permanecendo sozinhos a admirar a mobília. Conversas podem ser ouvidas, mas ainda assim o ambiente se mantém sereno.

                     - O que fazemos agora? – falo baixo, ao lado de Nick.

                     - Nos misturamos. Temos que mostrar que somos desse meio antes de chegar no francês. – responde.

                   Sua fala me intriga, pois de certa forma já somos parte desse mundo. Meu amigo e eu tivemos infâncias e adolescências confortáveis, com pais ricos, os quais provavelmente, alguma vez na vida, vieram a um evento como esse. Apesar desse fato, tenho muitas inseguranças quanto ao plano.

                    - Acho que devemos ir embora cara, com certeza existem apartamentos tão bons quanto esse à venda por ai. – continuo com o tom de voz baixo.

                   - Mas eu quero esse. – o brilho da ganância cobre seus olhos. – Relaxa amigo, vai ser moleza.

                   Agarra duas taças de espumante quando a garçonete passa.

                 - E lembre-se, seu nome é Roberto Oliveira, o meu é Edgar Montenegro, e somos consultores de imóveis. – entrega uma das taças.

                  Assinto, ainda temeroso, e ele segue, pomposo e confiante.

                 Volto o olhar para as pessoas que preenchem o grande cômodo, respiro fundo e viro a bebida.

               Gasto aproximadamente dez minutos para conhecer o lugar. Os móveis e peças de arte estão expostos de forma casual, nem parece que há um leilão acontecendo. Em cada item há duas etiquetas, uma com o valor mínimo e outra com o último lance dado. Demoro um pouco a entender como o esquema funciona, mas quando uma moça jovem aproxima e cobre a etiqueta de lance com uma de valor maior, tudo fica mais claro. Aparentemente os convidados registram as ofertas em algum lugar e os valores dos itens vão aumentando. Quando o final do evento chegar, creio que as pessoas que mantiveram suas etiquetas no topo, os levam.

                 Se for do jeito que imagino, é uma ideia admirável, transformar um coquetel em um leilão, deixando os compradores muito mais a vontade.

                    - Senhor, precisa de alguma ajuda? – a moça me tira dos devaneios.

                    - Não, obrigado. – sorrio.

                    - Essa é uma peça maravilhosa, mogno italiano. – se refere ao pequeno armário que observava anteriormente.

                     Finjo interesse.

                    - Qualquer informação adicional que queira saber está ali. – aponta uma placa acima do móvel.

                     - Certo. – falo de forma simpática.

                   Após três taças de champagne, me sinto mais tranquilo, ou mais bêbado, dependendo do ponto de vista. Aproximo de uma tela que cobre grande parte da parede à direita.

                     Tinta vermelha, amarela e preta foram simplesmente jogadas no fundo branco, em riscos e pingos, como se o artista em algum momento estragou a obra e decidiu improvisar. Aposto que Theo com a idade que tem consegue fazer algo muito melhor.

                    Sendo sincero, nunca entendi esse tipo de arte, e porque as pessoas ficam tão fascinadas criando interpretações para um monte de rabiscos, ou arte abstrata, como chamam.

                       - Acha que é um Pollock verdadeiro? – uma mulher de cabelos castanhos me aborda, também observando a tela.

                       - Ah... sim. – respondo, incerto. – Porque não seria?

                      - Esses críticos têm a mania de mentir sabe? Fazer com que os outros babem os ovos deles. – destila um comentário ácido.

                       - Não entendo muito de arte, então não tenho como opinar.

                       - Se nunca viu um Pollock verdadeiro, o que está fazendo aqui?

                      Um calafrio percorre a espinha, penso no que falar para me livrar dessa situação.

                     - Cl-claro que já vi, só não sou expert, prefiro deixar as críticas para os profissionais. – sorrio da forma mais simpática que consigo, tentando afastar o nervosismo.

                    - Acho que temos que possuir senso crítico perante tudo, só assim saberemos que estamos usufruindo de algo de qualidade. - discorda.

                     - Com certeza. – uso a velha tática da concordância, pessoas desse tipo só querem ouvir o que lhes convém. – Se me dá licença, irei olhar outras peças.

                      - Toda.

                     Quando viro ela chama a atenção novamente:

                     - Qual o seu nome?

                     - Mar... Roberto. – corrijo no último instante.

                     - Prazer, Diana.

                     Sorrio e saio dali o mais rápido que posso.

                   Nas andanças pelo apartamento, vejo Nick ao longe, rindo e agindo como se esse fosse seu habitat natural. Viro mais uma taça e saio para a varanda, sentindo encorajado a aproximar de um grupo de três pessoas.

                    - Olá, boa tarde. – cumprimento todos e eles fazem o mesmo.

                   - Como estava falando, com o real desvalorizado, as ações das empresas tendem a cair. – o homem de óculos fala.

                   - Tudo culpa desses políticos ladrões. – a mulher loira protesta.

                    - A Bolsa tem quedas a todo o momento, é só saber investir corretamente. – a mulher de cabelo curto e castanho rebate.

                    - Vê se nos Estados Unidos acontece isso! – o de óculos esbraveja.

                  - São países diferentes. – a de cabelo curto expõe o óbvio da forma mais elegante possível, sem nem sequer levantar uma sobrancelha.

                   - Brasileiro não sabe fazer negócio. – a loira diz, chateada. - Não é verdade? – se refere a mim.

                   - É. – respondo simplesmente.

                  - Graças a deus meus dias nesse país estão contados. Iria antes, mas não poderia faltar ao leilão do Jean. – o de óculos declara.

                  - Ele é outro com sorte, voltando para a França. – a loira completa.

                  Percebo que a de cabelo curto se contém para não revirar os olhos. Estou muito confuso para fazer o mesmo.

                 - Você é amigo do Jean? – o homem me mira.

            Sou pego de supetão, demorando um pouco para responder:

            - Não, sou... sou consultor imobiliário. – falo a primeira coisa que vem a cabeça e o restante sai naturalmente. – Minha agência recebeu o convite de Jean.

            Me atrapalho um pouco ao pronunciar o nome do homem.

            - Então não veio comprar. – a de cabelo curto se manifesta.

            - Hã... também, sim, se algo me chamar a atenção, claro. – sinto o coração bater rápido e tento não transparecer o caos que se passa na mente.

            Silêncio se segue, acho que esperam que eu continue falando. As palmas suam e torço para alguém começar um novo assunto, enquanto tento formular uma frase que não estrague o plano de Nick.

            - Até os imóveis são mais caros aqui. – o de óculos comenta e respiro aliviado. – Tenho uma casa em Los Angeles e um apartamento em Nova York e os dois foram praticamente uma pechincha.

            A conversa segue pelo rumo das comparações entre Brasil e o resto do mundo. Acompanho parte dos comentários e quando alguém olha para mim, balanço a cabeça e solto exclamações positivas. Por mais chato que seja, prefiro ficar nessa roda do que perambular por aí sem saber o que fazer, parecendo suspeito.

            Minutos passam e de repente Nick se junta a nós. Sinto que um peso foi retirado das costas, ele me ajudará a passar por isso sem cair no sono.

            - Olá. – cumprimenta o grupo. – Posso roubá-lo por um instante? – refere a mim.

            - Claro! – a loira responde.

            Despede-se com um sorriso simpático e me tira dali.

            - Fica de conversa fiada ai, caralho. – repreende. - Já é hora.

            - De que?

            Não responde, me arrastando para dentro, em direção a um homem de terno bege.

            - Olá Jean, tem um minuto? – Nick chama a atenção.

            - Clarrô messieurs. – seu sotaque é uma mistura de baiano e francês, o que soa engraçado.

            Por baixo do terno há uma camisa social com estampa de coqueiros e ele usa um lenço amarrado no pescoço. Mais cafona impossível.

            - Sou Edgar Montenegro e esse é meu sócio Roberto Oliveira. – apertamos as mãos. – É um prazer estar em seu leilão.

            - O prazer ê meu. – age como se já nos conhecesse.

            - Confesso que vi um sofá e fiquei apaixonado. – meu amigo continua.

            - Ainda tem tempô pra lances. – aponta a mulher com cabelo tingido de loiro ao lado, a qual segura um tablet.

            - Certamente farei o meu, mas não na mobília.

            - Em quê enton? – se mostra curioso.

            - Nós trabalhamos em uma agência imobiliária e gostaríamos de ter o seu imóvel em nosso catálogo.

            O francês parece processar a informação.

            - Desculpe interromper, mas de que agência são? – a mulher indaga.

            Nick fica pensativo:

            - M & N imobiliária. – diz.

            Ela lança um olhar desconfiado.

            - Somos novos aqui em Salvador. – completa.

            - Fico gratô pela oferta, mas vô ter quê dispensar. – Jean se manifesta.

            - Podemos negociar, tenho certeza que não se arrependerá do valor que temos a oferecer. – Nick insiste.

            - O problema non é o dinheirrô, é quê o apartamentô já foi vendido.

            - Como?! – meu amigo aumenta o tom de voz, surpreso, mas logo se acalma. – Digo, pensei que o lugar não estava na lista do leilão.

            - E non está. – confirma. – Um amigô mostro interrêsse e decidi vender pelo valor que oferrecêu.

            Miro o rosto de Nick e sei que está se segurando para não gritar um palavrão.

            - Qual valor ele ofereceu? Podemos cobrir.

             - Je suis désolé, mas quê está feitô, está feitô. – se mostra irredutível.

            - Não há nenhuma chance de  tentarmos um acordo? – meu amigo apela para o olhar de pena, nesse momento percebo o quanto está desesperado.

            Jean se mostra pensativo.

             - Dê minha partê non, mas sê falar com elê e elê aceitar, tudo bem, é dê vocês.

            Vejo um vislumbre de esperança e felicidade “brotar” nos olhos de Nick.

            - Fechado, quem é esse seu amigo?

            - Aquêle ali pertô dô phonographe. – aponta na direção.

             - Do quê? – indago.

              - Da vitrola de madeira. – a mulher explica.

         Nesse momento avisto um homem rechonchudo com pouco cabelo e vestindo um terno cinza. Assentimos e nos despedimos.

            - Filho da puta. – meu amigo pragueja baixo.

            - Falei que deveríamos desistir.

            - Cala a boca Marcos.

            - É Roberto, lembra? – provoco.

            Ele desconsidera o comentário, provavelmente para não me socar. Estranho quando desviamos o caminho e Nick se põe recostado na parede próxima à porta.

            - Não íamos falar com o cara? – olho de relance nosso alvo.

            - Tenho que pensar antes e é melhor esperar até que esteja sozinho.

            Aguardo ao seu lado enquanto os minutos passam. Meu amigo permanece compenetrado, fuzilando o homem com o olhar, no momento que o rechonchudo deixa o grupo em que está, Nick chama a atenção:

            - Vamos.

            O seguimos pelos corredores que estão quase vazios. O homem entra no banheiro e meu amigo pede que disfarce, vistoriando o corredor enquanto ele conversa com o outro convidado. E é isso que faço. Finjo observar um vaso de porcelana, quando o homem deixa o cômodo e Nick o aborda:

             - Oi, meu nome é Edgar Montenegro, pode conversar por um minuto?

            - Ok. – o outro enxuga a mão direita na calça depois o cumprimenta.

            - Como é seu nome mesmo? – Nick indaga.

            - Heitor Casablanca.

            - Prazer Heitor, estava conversando com Jean agora a pouco e ele falou muito bem de você e do seu trabalho. – mente.

            O rechonchudo parece lisonjeado.

            - Jean é um amor de pessoa. – sorri.

            - De fato.

            Silêncio se segue. Olho de soslaio para os dois e percebo meu amigo tentando retomar o assunto, mas sem informações o bastante para tal.

            - Há quanto tempo o conhece? – Nick finalmente fala.

            - Uns seis anos, ou quase isso, não sou bom com datas.

            O outro força uma risada.

            - Jean falou que é um apreciador de imóveis.

            - Claro que não. – o rechonchudo fala com desdém. – Só tenho uma casa aqui ou ali, espalhadas pelo mundo. Pra falar a verdade sou muito gastão, quando algo me agrada dou o valor que for para consegui-la.

            Outra risada forçada.

            - Sou assim também, só que com relógios. – Nick mente novamente, falando em tom descontraído.

            Ando para o outro lado e finjo observar uma mesinha de madeira. Um dos funcionários da festa passa e sinto um calafrio me percorrer, a única coisa que consigo fazer é um rápido aceno de mão.

            - Trabalho em uma agência imobiliária. – meu amigo continua. – E falei para Jean o quanto o apartamento é bonito e agradável, além de bem arejado.

            O rechonchudo concorda.

            - Até fiz uma oferta pelo lugar, mas tive uma surpresa quando disse que você já havia comprado. – ri ao final da fala e sei que se controla para não praguejar nesse momento.

            - É, conversei com ele mais cedo. – Heitor confirma.

            - E era sobre isso que queria falar com você. Minha empresa realmente gostaria de ter esse apartamento no catálogo.

            O homem contrai o rosto, em sinal de condolência:

            - Desculpe, mais não irei vender.

            Percebo o maxilar de Nick comprimir, está segurando para não demonstrar o que sente verdadeiramente.

            - A gente pode fazer um acordo, chegar a um valor, tenho que certeza que consigo cobrir a oferta que fez. – meu amigo insiste.

            - Não é pelo dinheiro. Se fosse um apartamento qualquer, com certeza ouviria sua proposta, mas esse lugar significa muito para a minha amizade com Jean, quero mantê-lo comigo. – Heitor justifica.

            Nesse momento nossos olhares se cruzam. Tenso, saio andando em direção ao outro corredor, despistando qualquer suspeita, e escondo atrás da parede. Ouço a voz de ambos mais baixa.

            - Pode pensar a respeito pelo menos? – Nick diz.

            - Não, desculpe.

            - Certo, bom te conhecer.

            - Igualmente. – identifico a voz de Heitor.

            Ouço passos em minha direção e sobressalto do esconderijo.

            - Caralho, que susto! – meu amigo leva a mão ao peito.

            - Desiste cara, não vai rolar. – praticamente suplico.

            - Ah vai, nem que eu tenha que matar aquele Porpeta. – sinto a irritação na voz.

            O repreendo com o olhar.

            - É brincadeira. – mostra as palmas. - Mas vamos conseguir comprar esse lugar.

            Não entendo sua fixação pelo imóvel. Retornamos até onde há maior concentração de pessoas.

            Nos separamos por vários minutos para não levantar desconfianças. Observo o homem de longe, andando de um lado para o outro e bufando, como um animal prestes a atacar. Olho a tela do celular e constato que não temos muito tempo para devolver o carro. Em determinado momento Nick senta em um dos sofás e me chama com um aceno de mão.

            - Já sei o que fazer. – fala baixo.

            - O que?

            - Estamos pensando muito certinho, em situações como essa é necessário agir um pouco fora das regras.

            - Nick...  – fico temeroso com o que dirá.

            - Relaxa, não é nada que nos levará para a cadeia.

            Olho ao redor quando ele fala a última palavra, para ter certeza que ninguém está ao redor.

            - Não acha melhor discutirmos em outro lugar? – sugiro.

            - Aqui é melhor. – rebate com teimosia. – Minha ideia é que se não podemos convencer Jean, temos que “atacar” o ponto fraco mais próximo ele.

            Franzo o cenho, buscando entender:

            - Quem?

            Sigo seu olhar até metros à nossa frente, a mulher com o cabelo tingido de loiro segura um tablet e conversa com duas senhoras.

            - A secretária. – concluo.

            - Isso. Percebi que ela é a encarregada de anotar todos os lances, com certeza também registrou o do Rolha de poço.

            - E o que vai fazer? Convencê-la a trocar o nome dele pelo seu?

            - Exatamente.

            Não consigo segurar a risada.

            - Isso é ridículo, como fará?

            - Confia, sei lidar com mulheres meu amigo. – lança uma piscadela, confiante.

            - Mas e se Heitor descobrir? Ou Jean?

            - Jean não descobrirá até o momento oportuno. E você se livrará da Baleia.

            - Eu?! – falo um pouco mais alto do que gostaria, controlando a voz em seguida. – Porque eu?

            - Porque já falei com ele e ficaria muito estranho, e também porque não posso fazer tudo sozinho.

            Suspiro, Nick sempre dando um jeito de me meter nessas roubadas, mas dessa vez tenho parte da culpa, afinal aceitei ajudá-lo.

            - E como farei isso? – o medo e a apreensão se fazem presentes.

            - Sei lá, bota alguma coisa na bebida dele. – sugere. – Com tanto velho aqui, duvido que alguém não tenha um calmante.

            Desvio o olhar pensativo.

            - O importante é ter certeza de que ele ficará desacordado até o fim do leilão.

            - Porque inventa essas coisas, hein? – falo temeroso.

            - Coragem rapaz, você consegue. – me chacoalha pelos ombros.

            Meu amigo levanta, mas logo se volta para mim:

            - Aposto dez reais que consigo um boquete.

            Reviro os olhos. Um típico comentário dele.

            - Quinze. – muda de ideia.

            - Vai logo. – digo, sério.

            O homem segue com um sorriso no rosto e logo aborda a secretária. Tiro a atenção deles e começo a pensar no que farei.

            Observo Heitor passeando pelo local e conversando com o mesmo grupo de antes. A ideia de Nick, apesar de absurda, pode dar certo. Mas a questão é: Aonde encontrarei um calmante por aqui?

            Penso em perguntar para um dos funcionários, mas soaria muito suspeito depois. Queimo os neurônios tentando encontrar uma solução e quando ela me vem percebo que é mais uma ideia maluca, mas executável.

            Levanto do sofá e procuro meu alvo, logo avistando uma garçonete morena e de cabelo preto e liso, preso em um coque. Aproximo devagar e quando estou a somente alguns passos, respiro fundo e me preparo para a farsa, suspirando pesadamente e levando a mão ao lado esquerdo do peitoral.

            - Oi, pode me ajudar? – finjo ofegar.

            - Sim. – responde prestativa, mas logo sua feição muda. – Está tudo bem?

            - Eu tenho... problema de arritmia cardíaca... – pauso uns segundos para respirar. – E esqueci os remédios. Tem algum calmante por aí?

            Ela me observa por um instante e forço para que pareça mais enfermo a cada segundo.

            - Acho que tem algo na cozinha, vem comigo. – fala, visivelmente preocupada.

            Caminhamos devagar e continuo o teatrinho, sorte que nosso destino não é longe. Adentro a cozinha e me apoio em uma das paredes fingindo tontura. A essa altura não sei como parecer pior, então improviso de qualquer forma.

            - Lourdes! – a garçonete fala em direção a uma das cozinheiras, a qual vem em sua direção rapidamente. – Esse homem tem problemas no coração e precisa de um calmante...

            - Urgentemente. – interrompo.

            - Vê se tem algo na sua bolsinha de remédios. – diz, aflita.

            A senhora acena positivamente e segue, enquanto a garçonete pousa a grande bandeja metálica em um balcão de mármore e vem ao meu encontro.

            - Calma, respira fundo.

            Finjo certo controle, mas logo volto à atitude de antes.

            - Meu braço está dormente. – reclamo, fazendo a melhor feição de dor que consigo.

            - Calma. – vejo o desespero em seu olhar, e no fundo me sinto mal por fazer isso com ela.

            A cozinheira retorna rápido, com uma pequena mala de mão feita de tecido. Após vasculhá-la, tira uma cartela de comprimidos.

            - É o mais forte que tem? – indago e por um segundo esqueço da farsa, abaixando o tom de voz.

            Ela observa a cartela.

            - Acho que não.

            Volta a procurar, enquanto a garçonete afaga minhas costas. Percebo os olhares dos outros funcionários na cozinha, curiosos.

            - Esse é tarja preta. – mostra outra cartela.

            - Perfeito, é dos que eu tomo.

            Estendo a palma aberta e ela coloca um comprimido.

            - Me dá mais um, só para garantir.

            A cozinheira arregala os olhos.

            - Isso é muito forte moço, vai dormir até amanhã.

            É exatamente isso que quero que aconteça.

            - Estou acostumado. – faço uma careta de dor. - Por favor.

            A mulher enfim cede.

            - Vou buscar a água. – a garçonete se prontifica.

            - Eu pego lá fora. – respondo rapidamente. – Muito obrigado.

            Sigo em direção à porta e a mulher de cabelo preto insiste em me acompanhar, mas dispenso. Continuo pelo pequeno corredor e quando viro a esquina em direção à sala concerto a postura, agindo naturalmente.

            Com uma rápida olhada, averiguo que Heitor continua no ambiente, diferentemente de Nick e a secretária. Espero que a parte dele esteja correndo bem. Agilizo até o bar e peço uma bebida qualquer, depois entro no banheiro, e com a ajuda do chuveirinho que fica ao lado do vaso sanitário, amasso os comprimidos e deposito no líquido. Mas uma pergunta não deixa minha mente quieta: como farei para que ele beba isso?

            Saio do cômodo pensativo e ando de um lado para o outro portando o copo. Observo Heitor de longe e ao perceber o copo quase vazio em sua mão e tenho uma ideia. Aguardo alguns minutos até que fique mais solitário e faço meu movimento.

            - Ei você! – chamo a atenção de um dos garçons.

            - Sim.

            - Jean pediu que levasse essa bebida para um amigo dele, aquele homem mais gordo, de terno cinza. – indico discretamente.

            - Certo.

            Deposito o copo em sua bandeja e lanço um sorriso simpático.

            O garoto segue, e ao oferecer o copo a Heitor, meu coração acelera. Ele titubeia a principio, mas enfim aceita.

             A felicidade dura pouco quando coloca a bebida de lado, acima de uma escrivaninha. Praguejo internamente.

          Observo ao redor, as pessoas com seu jeito requintado ainda papeando em pequenos grupos. Jean se encontra mais afastado no lado oposto do cômodo, conferindo os lances dados em um abajur alaranjado. Pergunto-me o que Nick está fazendo nesse momento, provavelmente tendo muito menos trabalho que eu.  Então me volto para o bar, e a ideia não demora a surgir. Peço a mesma bebida de antes.

            - Com licença, você pediu essa bebida no bar? – abordo o rechonchudo, apontando para o copo acima do móvel.

            - Sim. – fala de forma simpática.

            - Veio certo a sua?

            - Sim, por quê?

            - Pedi uma sangria, mas está com gosto estranho.

            - Com a minha está tudo bem. – indica o copo.

            - Pode provar? É que estou meio gripado esses dias, e não quero tirar conclusões precipitadas. – o coração volta a martelar contra o peito.

            Ele hesita, mas agarra o copo, levando à boca. Tento não demonstrar a felicidade por aquilo ter funcionado.

            - Pra mim está bom, talvez um pouco mais amargo que o normal.

            - Tem certeza? – instigo.

            A “semente” da dúvida aparece em sua face e quase pulo de felicidade quando ele bebe outro pequeno gole. É mais bobo do que pensava. Abre e fecha a boca rapidamente, mirando o nada.

            - Está bom. – conclui.

            - Acho melhor não beber, vai que estão usando produto vencido. – disfarço.

            - Jean nunca permitiria isso.

            - Nele eu confio, só não confio no barman. – finjo uma risada, mas quando noto que ele não devolve o gesto, permaneço sério.

            Começo uma conversa sobre o leilão e as peças em exposição, o enchendo de perguntas e sendo o mais amigável possível.

              Aproveitando um momento de distração do homem, que comenta sobre um famoso pintor francês, troco nossos copos, e logo, na primeira oportunidade que tenho, largo o drink na bandeja de um garçom e peço que o descarte. Respirando aliviado por me livrar da “arma do crime”.

                Esporadicamente, pessoas passam e cumprimentam Heitor, parece se uma pessoa bem relacionada. Me preocupa as pessoas sentirem falta dele depois que o remédio fazer efeito. Os minutos se passam, e quando o homem começa a bocejar, sei que chegou a hora do “golpe” final.

                   - Está bem?

                  - Sim, só me deu sono agora. – pisca os olhos rapidamente a fim de espantar a sensação. – Deve ser o jet leg.

                   - Joga um pouco de água no rosto.

                   - Boa ideia. – diz. – Será que tem energético no bar?

                    - Vê depois.

                   - Tem razão, vou ao banheiro.

                   Quando ele começa a caminhar, tenho outra ideia. O alcanço.

                   - O banheiro daqui de baixo está fechado, parece que está com problema na pia ou algo do tipo, fui lá agora a pouco.

                   Ele franze o cenho, mas parece acreditar, ou é só o remédio que está o deixando ainda mais lerdo. Heitor vai em direção à escada. Fito enquanto sobe os degraus vagarosamente, e quando some no primeiro andar, o sigo.

                  Ando de forma cautelosa e ao virar o primeiro corredor à direita, vejo uma porta se fechar. Aproximo e olho atentamente. Por sorte a porta tem uma tranca externa. Sorrio satisfeito e giro o mecanismo devagar.

                As batidas e chacoalhes na porta começam pouco depois. Aguardo até que seja a hora exata de assumir meu último “papel”.

                   - Tem alguém aí?! – aumenta o tom de voz. É a minha deixa.

                  - Heitor?

                  - A porta está emperrada, me ajuda a abrir.

                  - Vou buscar um dos funcionários, espera um pouco.

                   - Acho que dá para abrir se fizer força...

                   - É melhor chamar alguém que entende. – interrompo.

                   - Ok.

                  - Já volto.

                Dou alguns passos e espero recostado na parede, em silêncio. Algum tempo se passa e ouço poucas batidas na porta. Observo, garantindo que ninguém se aproxime do cômodo, o que não é muito difícil, pois obviamente as pessoas preferem estar onde o evento acontece.

                Demora cerca de quinze minutos para que não ouça barulho algum vindo do banheiro. Destranco devagar e abro uma fresta. Um sorriso aparece quando vejo o homem sentado no chão, contra a parede, roncando. Vasculho o paletó e bolsos, pego o celular e escondo atrás do vaso, isso tomará certo tempo se quiser pedir ajuda.

                  Espero que fique bem quando acordar, e que a quantidade de remédio não tenha efeitos colaterais. Fecho a porta, mas não tranco, para fazer parecer que ele entrou e acabou dormindo. Desço a escada, saltitante.

                    - Onde estava? – Nick vem em minha direção, exasperado.

                    - Cuidando da minha parte. – respondo. – Conseguiu a sua?

                   - Claro. – se gaba. - Apropósito, está me devendo quinze reais.

                    Deixo um riso escapar.

                   - Então podemos ir. – olho no celular, faltam somente dez minutos para devolver o veículo.

                   - Calma, mudei ligeiramente o esquema, ainda falta mais uma coisa.

                   - A gente não tem tempo!

                   - Nem precisa, vai acontecer a qualquer momento.

                 Sigo seu olhar, a secretária conversa com Jean, que parece preocupado, depois nos mira e acena, devolvemos o gesto. A mulher se aproxima:

                 - Devido à desistência do Senhor Casablanca, Jean quer saber se ainda estão interessados em investir no imóvel. – lança uma piscadela.

                 - Sim. – meu amigo faz o mesmo.

               - O número da conta que deve depositar, chegará por e-mail em até dois dias. – informa. – E lembre-se dos meus quinze por cento. – abaixa o tom de voz.

                 - Claro, gata.

                Ela sai com um sorriso, e não contenho o meu. Nunca pensei que sentiria tão feliz por ajudar a cometer um crime.

                - Vai dar mesmo parte do dinheiro à ela? – indago.

                - Óbvio que não.

               - E se estragar a compra?

               - A enrolarei até que o contrato esteja assinado, depois ela nunca mais terá notícias minhas.

              - Tadinha da mulher. – falo com sinceridade.

            - Tadinha nada, ela chupa mal pra caralho, foi quase um suplício conseguir gozar.

            Irrompemos em gargalhadas. No caminho para fora, sinto um toque no ombro.

            - Está melhor? – ao virar vejo a garçonete que me “ajudou”.

            - S-sim. – respondo em meio ao susto. – Obrigado, você é um anjo.

            Ela sorri e volta ao trabalho. Nick lança um olhar questionador.

            - Depois explico.

 

~ <> ~

           

             Na tarde do dia seguinte, Rafael me conduz da sala dele até o topo do edifício. O céu está limpo e o clima é quente.

            - Vejo que conseguiu o que pedi. – refere às flores e ao papel.

            - Não foi tão difícil.

            Nos acomodamos em um banco de pedra, próximo a uma área que deveria compor um jardim, mas todas as plantas estão mortas.

            - Nem a parte de escrever as coisas que amava nela? – ele indaga.

            - Não. – minto, mas arrependo em seguida. – Um pouco.

            - Como se sentiu ao fazer isso? – estica a mão e entrego o papel.

            - Foi bom, pois as coisas vieram rapidamente, mas um pouco incômodo ao mesmo tempo.

            - Por ela não mais estar com você. – fala enquanto lê.

            Concordo com um aceno de cabeça.

            - É estranho falar isso, mas... mesmo depois de quase dezesseis anos de relacionamento, sinto como se fossemos estranhos.

            - Perda de intimidade é comum quando um casal se separa, e acontece até durante um longo tempo de relacionamento também, porque o cérebro aos poucos altera a percepção da pessoa em relação a sua libido. – explica. – Me deixa adivinhar: pra você, é mais confortável pensar nela como a mulher que deu a luz a seu filho.

            - Exatamente. – admiro sua conclusão. – Não é como se não tivesse tesão por ela, mas nas atuais circunstâncias acho que nem conseguiria tirar a roupa na sua frente.

            - Mas ainda pensa nela de forma sexual. – instiga.

            - Tento não, mas vez ou outra acontece. – sorrio, ligeiramente inibido ao falar disso. – Mas quando me masturbo pensando nela, não é a Aline do presente e sim a do passado.

            - Porque gostava mais dela naquela época.

            - Sim. Queria que ela continuasse daquele jeito, mas o tempo passa e as pessoas mudam. – falo, cabisbaixo. – Até eu não sou mais o moleque de antes.

            - Entendo. O que escreveu comprova isso. – mira a folha novamente. – Mas se gosta mais da Aline do passado, porque escreveu no presente?

            Já esperava a pergunta, mesmo ainda sem possuir uma resposta plausível. Gasto algum tempo pensando.

            - Porque parece certo. Escrever no passado passa a sensação de que ela está morta. – invento qualquer coisa.

            - Não tem nada a ver com a área emocional?

            - Não. – falo com convicção. – Não mais a enxergo dessa forma. Como disse da outra vez, quero esquecê-la.

            - Certo... – fica pensativo. – Trabalharemos nisso. Mas antes gostaria que tentasse escrever mais, que saísse do superficial em relação ao corpo.

            Entende a folha em minha direção, retirando uma caneta do bolso. Pego ambos e miro o papel, sem saber o que fazer.

            - Pense no tempo que namoravam; no casamento; no cotidiano em casa, ou durante passeios, ou viagens. – sugere. – Esqueça o término, foque somente em você e Aline, juntos.

            Demora um pouco, mas relembro alguns momentos em específico, aqueles que sempre gostei de manter “vivos” na memória, momentos em que nos divertimos muito, os quais categorizo facilmente como os melhores dias das nossas vidas, enquanto casal, e começo a escrever:

> Amo seu jeito compreensivo;

> Amo o fato de ser capaz de encontrar solução para tudo;

> Amo o apoio que me deu quando mais precisava;

> Amo sua força de vontade e persistência;

> Amo as noites em que me forçava a assistir comédias românticas bobas e como nos divertimos;

> Amo a expressão fofa e engraçada que faz quando sente ciúmes.

                As lembranças retornam em um turbilhão e sinto um aperto no peito, a respiração fica entrecortada e logo um mal estar me toma.

                - Já é o suficiente. – ponho a caneta e o papel de lado.

               - Tome o seu tempo, pense a vontade. – a voz do psicólogo soa branda.

               - Não quero mais fazer isso.

               - Por quê?

              - Porque é horrível! Não quero reviver todos aqueles sentimentos, eles não mais fazem parte da minha vida. – altero a voz, respirando fundo e tentando controlar os ânimos.

            - Foi você que me procurou, e também aceitou fazer essa técnica.

            - Mas no que ajuda escrever o que amo ou amei nela? – busco entender.

            - Para confrontar tais sentimentos você precisa compreendê-los e abraçá-los primeiro. – explica.

            Suspiro.

            - Essas emoções fazem sim parte de você, formaram o caráter que possui agora, como qualquer outra experiência em sua vida. – completa.

            - E porque sinto como se fosse ter um infarto?

            - Porque é difícil. O ser humano é condicionado a deixar marcas por onde passa, desde um toque, um cheiro, uma atitude, é assim que a memória funciona, e o que estamos fazendo agora é basicamente ir contra esses instintos.

            Reflito. Talvez eu não queira esquecê-la, ou talvez não esteja tentando forte o bastante. Tomo a segunda como a opção verdadeira e miro os objetos acima do banco.

            - Não desista agora, já chegou longe, acredite.

            Respiro fundo novamente e agarro o papel e a caneta, determinado. Prometi que não deixaria o medo me controlar, e é isso que farei.

            Fecho os olhos e deixo as lembranças inundar. O primeiro beijo; a primeira transa; o companheirismo; o suporte que dávamos um para o outro; as dificuldades que sobrepujamos; as risadas; o casamento; os abraços e os beijos; a sinceridade; a amizade; o amor. Os olhos lacrimejam e volto a escrever:

> Amo o seu beijo, que me tira o fôlego e ao mesmo tempo faz ansiar por mais;

> Amo como entende minhas paranoias e as suporta;

> Amo o carinho e os afagos quando estou estressado ou irritado;

> Amo quando faz de tudo para me agradar;

> Amo por me aceitar do jeito que sou, todas as qualidades e defeitos, e me amar acima de tudo;

> Amo por ser minha parceira nas idiotices e loucuras;

> Amo seu jeito divertido e espontâneo;

> Amo quando brigamos e fazemos as pazes logo depois, aos beijos;

> Amo o respeito às minhas manias e esquisitices;

> Amo sua sinceridade;

> Amo sua coragem;

> Amo como sinto seguro ao seu lado;

> Amo quando não me deixa desistir, por mais difícil que seja o desafio.

               A dor vem e não a afasto. Meu âmago se contorce, o “nó” na garganta ficando maior a cada segundo, sinto que estou perdendo o ar. O lado consciente da mente “implora” que pare de me machucar dessa forma, mas não posso.

            Então desabo, irrompendo em lágrimas. Levo as mãos ao rosto e deixo tudo sair: as sensações, o remorso, a raiva, a tristeza, tudo de uma vez.

             Sinto saudades daquela época, onde tinha alguém em quem podia confiar minha vida e vice versa; onde desfrutava da maravilhosa sensação que é amar alguém; onde era inteiramente feliz.

                Controlo os soluços, estabelecendo uma respiração regular, e retorno ao papel, explorando áreas ainda mais profundas:

> Amo como me ensinou a ser uma pessoa melhor;

> Amo como mudou minha vida ao entrar nela;

> Amo por ter feito meus dias mais especiais e cheios de alegria;

> Amo por ser uma esposa e mãe exemplar;

> Amo por ter me dado Theo;

> Amo a forma como me completa.

             Miro a folha branca, úmida pelas lágrimas, e concluo que nunca fui tão sincero em minha vida. Enxugo o rosto com as costas da mão e aspiro pelo nariz, impedindo que o catarro saia. Ao devolver o papel a Rafael, recebo um abraço.

               - Sabia que conseguiria.

               - Obrigado. – um sorriso satisfatório estampa meu rosto.

              - Agora vamos a próxima etapa. – diz ao separar.

               - Tem mais? – uma onda emocional já é o bastante para mim.

               - Como disse antes, agora é a hora de confrontar esses sentimentos.

                Ele pega as flores.

                - Porque escolheu isso?

                - É a flor que compunha o buquê de Aline em nosso casamento: crisântemos.

                Assente.

                - A partir de agora essa é a personificação de Aline. Olhe fixamente e não imagine que são flores, veja-as como sua ex-esposa.

             Concentro-me no que disse, tentando pegar a essência da atividade pelos detalhes: a suavidade das pétalas brancas, como a pele da mulher; o perfume adocicado, semelhante ao de Aline; a bela aparência, feminina e delicada por fora, mas que possui inúmeras camadas por dentro.

             - Quero que fale o que odeia nela, o que o incomoda profundamente, o que o tira do sério. E a cada item, arranque as pétalas da flor. – instrui.

               O fito, e acho que compreendo qual o objetivo. Primeiro o amor e agora o ódio, sentimentos poderosos. Não preciso pensar muito para começar a falar:

               - Te odeio pela teimosia; te odeio quando não me ouve; te odeio quando age de forma imatura, principalmente as birras; odeio os ataques de ansiedade e como me deixam preocupado; te odeio quando me contraria.

                Destrincho a primeira flor aos poucos, arrancando as pétalas com certa brutalidade:

              - Odeio o clima estranho entre você e minha mãe; te odeio quando acha que não é capaz de fazer algo; te odeio por achar que faz as coisas melhor que eu.

              Mais pétalas se vão, o exercício é bem interessante e divertido. Passo para a segunda flor, aproximando o rosto, como se esbravejasse diretamente com a mulher:

              - Te odeio por não querer conversar sobre a nossa separação; te odeio por sair de casa e levar nosso filho; odeio a cobrança que coloca sobre Theo; te odeio quando grita; te odeio por não ter aparecido ou atendido minhas ligações; te odeio quando sente ciúme excessivo.

                  As palavras saem de forma natural. Não sinto raiva alguma, só prazer em ter a oportunidade de dizer isso em voz alta:

                 - Te odeio por me odiar; te odeio por querer me afastar de Theo; te odeio por ter ficado com nossa casa; te odeio por ter me trocado por aquele pinto pequeno do caralho; te odeio por ser tão devota ao trabalho; te odeio por pedir o divórcio; te odeio por me deixar; te odeio por me causar tamanha dor; te odeio por permanecer em minha mente durante todos esses anos; te odeio... – a frase relutando em sair. – ...te odeio por ainda te amar.

                  Arranco as últimas pétalas. Sinto como se retirasse dez quilos das costas, até o ar que entra nos pulmões é mais fresco.

                 Rafael enrola o papel nas flores recém-destruídas e coloca um balde metálico entre nós, o qual não havia notado antes.

                 - Estique as mãos, palmas para cima.

                 Obedeço. Na esquerda ele pousa o buquê mal feito e na direita um isqueiro.

               - Agora que transportou tudo do plano sentimental para o plano físico, chegou a hora da última etapa, quero que queime esses itens simbólicos.

               Aceno com a cabeça, mirando os objetos. Por anos sonhei em chegar nesse ponto, e estou aqui, prestes a literalmente destruir todos os sentimentos que tive pela mulher.

              Pressiono o ressalto duas vezes e a chama surge. Aproximo da base da planta e sigo pela extensão do papel, deixando queimar enquanto seguro.

              O fogo arde, quente. Consome os objetos e ao mesmo tempo meu passado. Os quatro anos angustiantes e dolorosos. Largo aquela tocha natural dentro do balde e observo.

                - Queria falar uma coisa, não como psicólogo, mas como amigo. – Rafael começa.

              Lhe dou atenção.

              - Quando adaptei essa dinâmica para o seu caso percebi algo que não havia antes. Talvez você veio a mim, às consultas, a essa atividade, pois no instante que Aline se foi ela deixou um “vazio”. E quando percebeu que não era capaz de preencher esse “vazio” com outra pessoa, ficou desesperado para eliminá-lo.

              Como de habitual, suas palavras fazem todo o sentido. Fui bobo em achar que poderia retirar Aline da minha mente como se arranca um band-aid. Sim, as lembranças sempre estarão aqui, mas não mais permitirei que me afetem.

             - Uma vez ouvi a frase: “Se não amar a si mesmo, ninguém mais o fará”, e creio que não existem palavras mais verdadeiras no mundo. – continua. – Peço que não procure colocar algo ou alguém no lugar deixado por sua ex-esposa, preencha-o você mesmo, com alto estima e coisas que goste e se orgulha em si. Assim ficará mais aberto a novas experiências, ou novas pessoas, e principalmente, não terá medo de vivê-las.

              Suas palavras me tocam e seguro a emoção.

              - Eu vou.

              Aceno com a cabeça, prometendo a mim mesmo que daqui para frente tentarei ser diferente.


Notas Finais


Não esqueçam de comentar :D
O q acharam do leilão? A forma como foi feito, as interações, a tensão de q o plano não desse certo, comentem tudo.
O sotaque do francês funcionou na cabeça de vcs? Ou só foi algo idiota e inútil? Sejam sinceros.
Marcos e Nick super blogueirinhos, fazendo permuta e tudo kkkkkkkkkkkkk
Antes que vcs fiquem achando q Marcos virou o rei da enganação do nada, lembram do q ele fez com Francine? Isso foi basicamente a msm coisa.
Essa é uma caracteristica muito importante do personagem. Marcos é bom em mentir e manipular as pessoas usando os sentimentos delas, com Francine ele usou a paixonite que ela tinha por ele; com a garçonete ele usou a pena q ela sentiu dele, e até por isso ele escolheu uma mulher, pq sabia q se abordasse um homem talvez não surtiria o msm efeito; com Heitor ele usou o carinho q o homem tinha pelo amigo e um dos sentimentos mais poderosos, a curiosidade.
Pode parecer um plano mirabolante (o q de fato é, mas eu tenho liberdade poetica kkkkkkk), mas tem um fundo real e faz sentido com a psicologia dos personagens.
Fica a dica, não é primeira e nem será a última vez q ele faz isso ;)
Pensar q enquanto Marcos fazia os paranauê tudo, Nick estava transando kkkkkkkkkkkkkk
O q acharam das listas de Amo e Odeio? E o ritual, curtiram?
Tivemos mais algumas dicas sobre a separação dos dois, fiquem sempre atentos.
Q dia triste para os #Maline shippers kkkkkkkkkkkkkk
É meu povo, Aline é definitivamente passado na vida de Marcos, ele finalmente conseguiu seguir em frente, e não voltará para ela. Mas é como sempre digo, continuem acreditando, ainda tem muita história pela frente, vai que eles ficam presos numa ilha deserta; ou acontece um apocalipse e eles são os unicos sobreviventes e tem q repovoar a Terra; Nunca se sabe kkkkkkkkkkkkkkkkkk
Comentarei mais profundamente sobre a parte de Marcos no psicologo na área de comentarios abaixo, pois gostaria de divagar e fazer algumas reflexões e ficaria muita coisa aqui, então, convido a todos q se juntem a mim para discutir essa cena e o q ela significa.
(Será o ultimo comentario, então vc podem descer até o final, pois nao o destacarei, por motivo de spoilers).
Proxima quarta, dia 06/02, tem capitulo novo de Aline.
Peço que nos ajudem falando da história para os amigos, na escola, para a familia, cachorro, gato, piriquito kkkkkkk Pega esse link e manda pra todo mundo, nos ajude a espalhar essa história maravilhosa kkkk:
https://www.spiritfanfiction.com/historia/desde-agora-e-para-sempre-13451170
Obrigado por ler, até o proximo, e se vc riu dos apelidos q Nick deu para Heitor, te encontro no inferno kkkkkkkkkkkkkkk


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