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História Desejos Secretos - Minha Promessa Está Cumprida


Escrita por: ValentinaEli

Notas do Autor


Voltei!

Obs.: 1 Este capítulo contem cenas de assassinato.
Obs.: 2 O capitulo está gigantesco, espero que leiam até o fim.
Obs.: 3 Minha eterna gratidão àqueles que acompanham esta história. Vocês me dão forças para escrever.

Capítulo 25 - Minha Promessa Está Cumprida


Fanfic / Fanfiction Desejos Secretos - Minha Promessa Está Cumprida

Narrado por Elinór

Leon permanece calado, de certo, está com medo de alguém chegar e do que possa acontecer com ele. Minhas roupas ainda estão molhadas pelo forte jato de água que recebi há momentos atrás, mas não me importo muito, necessito abraçá-la com urgência. A sensação que tenho agora é surreal e em toda a minha carreira na área investigativa, jamais presenciei algo tão inacreditável. Apesar de fortes calafrios inundarem meu corpo por causa da umidade e de forma gradativa minar as minhas forças, imediatamente, busquei pelos sinais vitais da frágil garotinha e notei sua pulsação bem fraca. Ela está febril. Seu semblante é de dor, ela aperta os olhinhos ainda fechados e ouço sua respiração acelerada, assim como as batidas de seu coração. O músculo cardíaco tenta compensar seu estado de saúde delicado, bombeando mais sangue, porém a desidratação é crítica. Vibro de alegria por tê-la em meus braços, em saber que está viva, mesmo que toda a minha razão leve-me a uma insana vontade de matar a Eduarda, sem piedade alguma. Olho de forma compenetrada para Patrícia e me recordo do jantar oferecido na mansão dos Sarmentos, foi quando a vi pela primeira vez, ela me recepcionou com doçura e simpatia. Foi também neste dia que percebi algo diferente em Igor, o modo como tratava a filha deixou-me curiosa. Lembro-me de naquela mesma noite, antes de encontrá-lo bêbado na sarjeta e levá-lo para o meu apartamento, me perguntar por que uma mulher seria capaz de trair homem tão encantador. A menina tem compleições meigas e gentis, o que me recorda muito o pai dela. A julgar pelo estado deste quarto, posso concluir que Patrícia padeceu sem conforto algum, sem as mínimas condições essenciais para a subsistência de uma criança. Pobre menina!

É incrível esta sensação que me invade avassaladoramente. Consigo distinguir muito bem e sei que apesar de nunca ter tido filhos ou mesmo gostado de crianças, é verdadeiro o que me prende a ela. É amor, intenso amor como se eu fosse sua mãe.

– Leon me ajuda! Tira a gente daqui. Ela está muito mal, precisa ir para a emergência – ele balança a cabeça em sentido negativo.

– Eu não posso! Eles me matam a matam a minha família – disse com desespero e ergueu-se do chão.

– Porra, Leon! Você tem filhos também, não a deixe morrer. Não me deixe morrer – esbravejei com indignação, depositei o pequeno corpo de Patrícia novamente sobre a cama e caminhei até o moreno. – Eu estou grávida, eu não vou aguentar muito tempo assim, você viu o que aconteceu comigo naquela sala. Olha o meu estado! – toquei em minhas roupas encharcadas. – Vou adoecer, posso pegar uma pneumonia. É só uma questão de tempo! – ele me olha confuso com seus pensamentos impenetráveis e assombrados pelo medo. – Você não entende – gesticulou com impaciência. – Mesmo se deixasse vocês saírem daqui, não iriam muito longe. Está repleto de seguranças cercando este lugar. Seriam mortas assim que colocassem os pés lá fora – algo dentro de mim diz que ainda resta uma esperança, que vou abraçar o Igor outra vez e ter a chance de dizer tudo o que nunca disse a ele. – Só você pode fazer isso! Peça ajuda... Eu sei para quem deve ligar – olhei para Paty encolhida na cama a gemer baixinho, depois volvi meu olhar para ele.

– Olha aqui, em toda a minha vida eu nunca amei tanto uma pessoa como eu amo o pai dela – apontei na direção da garotinha. – E sinto como se ela fosse minha, não quero vê-la morrer – embarguei as palavras e, desta vez, Leon suspirou. Vejo seus olhos marejarem e uma duvida paira sobre ele. Antes que pronunciasse qualquer coisa, ouvi os murmúrios dela e corri em sua direção. 

– Leon eu preciso de uma toalha molhada, de água e alguma coisa para ela comer – ele permanece estático. – Agora! – ordenei com autoridade e minha voz soou austera. – Não saia daqui ou estou morto – apontou ríspido e assenti positiva. O mesmo abandonou o quarto para acatar meu pedido. Sentei-me na cama com as costas apoiadas na cabeceira, puxei o cobertor para o meu corpo afim de não molhá-la mais e em seguida a coloquei em meu colo. Afaguei seus cabelos e sorri ao notar seus traços idênticos aos de Igor, ela nada se parece com Eduarda. Ah Igor, se soubesses que a tua menininha está viva e que a tenho em meus braços. Eu preciso sair daqui, tenho que cumprir minha promessa nem que seja a última coisa que eu faça na vida. Achei mesmo que eu era um grande fracasso por minha falha contigo e sabia que a sombra da morte me perseguiria até o fim. Cada vez que nossos olhares se encontravam eu sentia meu coração partir porque mesmo com meus erros você me amava em todos os sentidos. E me ama de um jeito extraordinário ainda que minha “irresponsabilidade” tenha lhe custado à “vida” da Patrícia. Que destino o nosso! Agora descobri a verdade sobre a morte forjada desta inocente e estamos tão longe.

– Paty! – chamei por ela acariciando seu belo rosto.

– Olhe para mim, querida – seus olhos se abriram vagarosamente, mirei a palidez de sua pele e a secura de seus lábios.

– Nós vamos sair daqui, eu prometo! – dito a promessa com convicção. Ela esboça um sorriso cansado e pisca algumas vezes, tentando acomodar sua visão à luz do ambiente. Enfim revelou seus olhos, só que os mesmos estão fundos e acinzentados ao invés de azuis.

– Se lembra de mim? – indaguei ao beijar sua bochecha docemente. Meu coração palpitou de maneira rápida quando ela movimentou a cabeça duas vezes. 

– Fala comigo, princesa! – peço na expectativa da primeira palavra, é inegável o imenso sorriso em meu rosto, ele trás alegrias e também apreensões. Vejo que ela se esforça para pronunciar alguma coisa, sua garganta provavelmente está seca pela falta de água e isso a impede. Mas ao notar o primeiro balbucio, uma onda de emoções arrebatou-me de cima a baixo.

– A namorada... – prendi a respiração quando ouvi sua vozinha baixa. – Do papai – ela sussurrou buscando forças. Ergui os olhos para o alto e agradeci até mesmo por este cativeiro. É por que estou nesta prisão que o destino me trouxe até ela. Eu passei por toda aquela tortura para salvar a filha do Igor, para cumprir a minha palavra. É o universo me dando uma nova oportunidade de me redimir.

– Ah meu amor, estou tão feliz – chorei sem me importar com o lugar ou com qualquer outra coisa. Aperto a criança contra meu peito só para me certificar de que não estou sonhando. Sinto seus dedinhos da mão esquerda tocarem as lágrimas que escorrem por meu rosto, segurei-a e a beijei, em seguida inclinei minha face lateralmente para provar de seu carinho singelo e doce.

Minutos depois, Leon voltou para o quarto com uma bandeja. Está eufórico e acima de tudo, amedrontado. O homem trouxe a toalha, um copo com água e um canudo, além de um prato de sopa. Certamente a mesma refeição que recebi quando me ajudou. Depositei a toalha sobre a fronte dela para abaixar a febre. Peguei a água e oferecei. – Bebe! – direcionei o canudo até sua boca, mesmo com dificuldade ela abriu. Preocupei-me quando não teve forças para sugar. – Vamos... Força! – supliquei e admirei-me com sua vontade. Mesmo tão pequena ela luta para sobreviver. Alegrei-me quando puxou o primeiro gole e ergui um pouco sua cabeça para não engasgar. Leon observa a cena com espanto, como quem vislumbra um milagre. Aos poucos, ela ingere o líquido por inteiro e isso muito me conforta. Assim que conseguiu chegar ao fim, ofereci a primeira colherada de sopa, porém o cheiro do alimento a deixa enjoada, ela se recusa.

– Por favor, Paty! É para você ficar boa – insisto com veemência, preciso que ela se alimente o melhor que puder até conseguirmos sair daqui. Meu medo é que sinta enjôo e não consiga segurar nada no estômago, pois se isso acontecer não vai aceitar nada por via oral e somente por sonda será possível. Leon verifica as horas no relógio ininterruptamente, vai até a porta para constatar algum possível movimento e visualiza a tela do celular tantas vezes que não consigo contar. Sei que está inquieto com tudo o que está acontecendo.

– Isso, minha querida! – ela aceitou a primeira colher de sopa, que com sacrifício, demorou a descer por sua garganta. Presto atenção a cada um de seus movimentos, esperei que engolisse tudo com calma para lhe ofertar outra. E assim fiz com muita paciência e por longos minutos. Ela ingeriu tudo muito devagar, entretanto não reclamou, não chorou e permaneceu firme até o fim. Patrícia ainda está lenta no raciocínio, aérea, mas já esboça outra face, um pouco mais corada. A temperatura está cedendo, e a minha, por sua vez, tende a despencar.

– Eu vou tirar você daqui! – deixei seu rosto entre minhas mãos e beijei cada canto, ela me encara com os olhinhos de criança carente de afeto.

– O papai não quer mais me ver? – entristeci quando perguntou. – Claro que quer meu amor. Ele está louco de saudades. Por que está dizendo isso? – ela sorri com mais força desta vez, porém ainda fala num tom mais baixo e abafado. – Por que ele não vem me buscar? Eu não quero mais ficar aqui, ela me machuca – me revolto ainda mais por dentro, porém nada demonstro por fora para não assustá-la mais do que já está. 

– Ninguém nunca mais vai te machucar, eu mesma vou cuidar de você – tento tranquilizá-la da maneira que posso. O que dizer a uma criança em um momento desses? Logo eu que sempre fugi de qualquer criança que cruzasse o meu caminho. Eu não sei o que falar e como fazer. Que os céus me ajudem.

– Não, não! – Leon desesperou-se visivelmente. – O que foi? – indaguei trêmula. – Vão entregar uma mercadoria. Você tem que voltar para o quarto agora! – estremeci com a urgência de sua fala, o moreno responde alguma mensagem pelo celular e no mesmo instante, a menina agarrou-se ao meu pescoço e não quis soltar.

– Patrícia, me escuta! – ela não me solta por nada.

– Olha aqui – puxei seu rostinho alvo.

– Eu volto! Fica quietinha – a deitei na cama mais uma vez.

– Não vai – choramingou e me puxou pela blusa, percebo seu pavor de mais um abandono.

– Me obedece, Paty! Eu não vou te abandonar! Fica calma, eu vou para o outro quarto agora, mas se alguém entrar aqui você não pode dizer que me viu, entendeu? – instrui séria, para que ela realmente obedeça.

– Pode fazer isso? – insisti, pois ela está em silêncio.

– Uhum – balbuciou e beijei sua fronte com carinho. – Nosso tempo acabou! – Leon me puxou pelo braço e nossas mãos que estavam unidas, se soltaram sem delicadeza. Olhei para garotinha enquanto era arrastada para fora do local. – Confia em mim! – falei antes de sair e em seguida ele fechou a porta, trancando-a do lado de dentro, sozinha e sem saber o que está acontecendo. Ele esta me levando para a sela, carrega em uma das mãos a bandeja com as coisas vazias e segura meu braço com a outra que está livre.

– Leon, eu imploro – assim que chegamos à frente da minha sela, fui empurrada para o interior do local. 

– Ela é só uma criança e eu quero muito ter esse bebê – ele me olha indeciso, está suando e seu rosto esbanja pânico. – Nos ajude a sair daqui, pelo amor de Deus! Você sabe bem quem eu sou e para quem eu trabalho. Uma palavra minha e você e sua família terão proteção – soltei um longo suspiro ao dizer de maneira tão aflita. 

– Eu não sei como fazer isso, sem carro, vamos demorar a chegar à cidade mais próxima. O caminho pela floresta é perigoso, não temos nenhuma chance de chegar à estrada e pedir ajuda – sinto que o tempo está se esgotando. Sempre fui uma investigadora muito estrategista, considerada a melhor na minha área. Entretanto, nunca fui a prisioneira indefesa, jamais estive tão impossibilitada de lutar com minhas próprias mãos.

– Desgraçado! Aquela criança foi dada como morta e graças a você eu descobri que ela está viva e precisando de cuidados. Não é possível que depois de me levar até ela, simplesmente vai deixar as coisas como estão! Por que fez isso se sabe que vamos morrer? Há essa hora a Eduarda está sendo caçada por todos os lados e ela não vai hesitar em tirar a própria filha do caminho para fugir depois – ele paralisou diante de mim e me encarou com os olhos fixos. 

– Lá fora é matar ou morrer. Ninguém tem piedade de ninguém. Eu não posso colocar em risco a vida da minha família. Eu sinto muito! – neguei veementemente, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele fechou a porta e me prendeu. Após alguns instantes escutei passos pelos corredores e vozes masculinas graves as quais não sei distinguir. Deve ser os entregadores, mas que tipo de mercadoria é essa? Encostei o rosto lateralmente na porta, tento entender o que eles dizem, fiquei atenta quando ouvi parte de uma conversa.

– São roletas novas e uma máquina caça níquel – estou boquiaberta com a informação. Continuo ouvindo.

– Ponha no cômodo dos fundos – as vozes se aproximam e diferenciei entre elas a voz de Leon.

– A patroa vai chegar e não quer ver nenhum arranhão nestas mercadorias – ouço suas ordens categóricas. As vozes, aos poucos, se perderam no ar e não ouço mais nada. Passei bom tempo anestesiada e sem reação alguma. Tento ligar os pontos e tudo me leva crer que Eduarda e Edgar estão envolvidos com jogatina. Só não sei a proporção desse esquema. Volvi meu corpo e dei passos lentos até a cama, sentei-me na beirada e cerrei os olhos. A cada segundo sinto mais frio com estas roupas molhadas, os pêlos dos braços estão arrepiados e minhas mãos já tremem. Meus pensamentos estão voltados para um futuro que nunca vou ter. Desejo isso com tanto fervor que vejo com nitidez um delicioso passeio pela cidade de Lisboa. Patrícia está linda em seu vestido azul turquesa. Os cabelos loiros estão presos com um laço branco e ela vai à nossa frente, brincando com as flores de outono espalhadas pela rua. Olho para as minhas mãos e noto que uma delas está entrelaçada com a de Igor e a outra, que está livre, acaricia a minha barriga em estágio avançado de gravidez. Abri os olhos e abracei meu corpo em busca de um alento para tudo isso. Estou sem saída. Literalmente no escuro. Deitei um pouco pensando nas possibilidades de convencer Leon, mas minha mente esvaziou-se de tudo pelo cansaço e apenas fechei os olhos. Só me dei conta de que havia caído em sono profundo quando um forte estrondo na porta me despertou. Encolho-me no colchão sem saber quem está girando a chave com tamanho alvoroço, minha respiração descompassou e travei meu corpo ao ver que a porta foi aberta, mas imediatamente vi que era Leon. O homem adentrou o recinto com uma sacola preta nas mãos.

– Nós só temos uma chance. Uma única chance! – me ergui com ímpeto e senti meu coração acelerar drasticamente.

– Leon! – passei as mãos pelos cabelos sem acreditar no que acabara de dizer.

– Você conseguiu? – perguntei eufórica, com o gosto da adrenalina em minha boca.

– Presta atenção! – segurou-me repentinamente pelos braços.

– Eu não sei o que vai acontecer quando sairmos daqui. Podemos morrer no meio do caminho, pois saiba de uma coisa, eles irão atrás de nós – tento espantar as visões ruins de minha mente.

– Como vamos fazer isso? – tornei a questionar com um pouco mais de apreensão, meus músculos estão tensos a ponto de deixarem os ombros com dores terríveis.

– O movimento por aqui é intenso pela manhã e a noite, porém depois das treze horas os guardas se revezam e só ficam o vigia das câmeras e dois seguranças, um na parte de trás e o outro, no portão principal – ele explica cauteloso e raciocino junto com eles.

– Sairemos pelos fundos, preciso dar conta do segurança, não há outro jeito. Depois vamos entrar no meio daquela floresta densa e não vamos parar por nada, até alcançarmos a estrada. Uns dois quilômetros talvez – engoli a seco o que ele acabara de dizer. Por que estou com tanto medo agora? Já me envolvi em situações piores, cujas chances de sair eram próximas de zero. Eu sempre fui forte, fria em algumas situações. Calculista e até insensível. Honestamente, a mulher que sou hoje é muito diferente da que eu era antes de me envolver neste caso. Apesar de toda guerra interna que travo dentro de mim, sei que estas mudanças irão transformar para sempre o rumo da minha história.

– Ouça bem o que eu vou lhe dizer – aproximou-se perigosamente de mim e empunhou suas mãos em meus ombros. 

– Vou travar a câmera que vigia a saída pelo portão de trás. O segurança faz uma pausa para um café e é nesse meio tempo que vamos sair da casa – assenti um pouco nervosa. – Temos que ser rápidos! Só temos quinze minutos até que delay acabe – respirei fundo e fechei os olhos com força para controlar uma dor que me atingiu o ventre. Cambaleei para trás e ele prontamente me segurou, pois fiquei tonta.

– Isso é arriscado demais com você neste estado! – disse preocupado.

– E vão atrás de nós até o inferno – completou como advertência.

– Aconteça o que acontecer, não posso desistir, eu preciso salvar a vida daquela criança! Se ficar vou morrer de qualquer jeito – ele se atentou para as horas no relógio e lançou sobre mim um olhar mortificante. – Se acontecer alguma coisa comigo, entregue isso a minha esposa – retirou uma fotografia de dentro do bolso interno do blazer e estendeu em minha direção. Olhei atenta para a imagem e contemplei uma bela mulher de olhos castanhos ao seu lado. Cada um segura um menino de mais ou menos dois ou três anos. São gêmeos.

– Conte a verdade. Diga a ela que eu a amo e que sou louco pelos meninos – na parte de trás da fotografia há uma pequena inscrição: “À Cristina, esposa amorosa. E aos meus filhos queridos João e Rafael”.

– Pessoalmente você vai entregar – lhe devolvi a foto, mas ele me impediu.

– Não pode me negar este pedido – disse efusivo e de imediato concordei. Ele jogou a sacola em cima da cama e olhei para a mesma.

– O que é? – questionei. – Ela deixa muitas roupas aqui e vocês devem ter medidas parecidas. Tire estas roupas molhadas! Vou esperar do lado de fora – sem que eu pudesse raciocinar ele me deu privacidade. Abri a sacola e visualizei uma calça jeans azul de tonalidade média, uma blusa branca de botões, cujas mangas são três quartos e uma jaqueta preta. São de Eduarda. Não posso recusar perante tais circunstancias. Retiro uma a uma as peças de cima do meu corpo, as mesmas estão pesadas e sinto como se estivessem coladas em mim. Me vesti e experimentei um pouco alívio. Revirei os bolsos de minha calça para encontrar possíveis papeis ou qualquer outra coisa, mas de forma intrigante só há o pequeno grampo de cabelo que encontrei caído no chão do banheiro. Guardei-o no bolso de trás da calça e a fotografia de Leon no bolso da jaqueta. Bati na porta para que ele pudesse entrar e ele preencheu o quarto com seu porte alto, dizendo sério.

– Vamos buscar a menina! – saímos pelo corredor e nos aproximamos da prisão de Patrícia. Assim que Leon abriu a porta, nos deparamos com a garotinha tentando sentar na cama, seu olhar perdido desvela solidão. Quando me viu, seu rosto foi iluminado com o sorriso intenso e logo estendeu os braços em minha direção. Corri para junto dela e a peguei em meu colo. Ela resmungou um pouco e reparei que além das manchas roxas nos braços, um de seus tornozelos está inchado. Eu não preciso ouvir nada para entender que aquela maldita mulher espancava a filha. Apesar de ter emagrecido bastante, ainda é pesada e tenho certa dificuldade. Envolveu meu corpo com suas pernas e me apertou com as forças que tinha.

– Eu não disse que ia voltar? – beijei seu ombro e ela deitou a cabeça no meu. Sentei com ela na cama e chamei sua atenção.

– Nós vamos para casa, você tem que ser obediente e não fazer nenhum barulho – falei séria e Leon fez sinal com mão pedindo para eu esperar. Ele saiu do quarto e fiquei a sós com ela. Ajeitei seus cabelos bagunçados e limpei seus olhos que lacrimejavam.

– Eu tenho medo, ela vai brigar comigo se eu sair. Ela me bate se eu peço para ir embora – falou baixinho e respirei fundo, buscando esconder o ódio que tenho da mãe dela.

– Ela não pode mais te machucar, porque agora você está comigo. Eu não vou deixar nada de mal te acontecer – anuncie firme cada palavra e seus olhos azuis encontraram os meus.

– Eu quero ver o papai – assenti positiva e sorri.

– Eu também, querida! Eu também – nos assustamos ao ver Leon voltar afobado. – Leve isto com você – trouxe uma pequena bolsa com algumas garrafas de água mineral e uma pequena toalha de rosto. O homem se abaixou e olhou para o relógio de pulso. 

– Escuta! – dirigiu-se a mim. – Se acontecer alguma coisa comigo você corre. Não olhe para trás e não deixe que ela faça nenhum barulho – estremeci com sua voz estrondosamente forte. – Ela ainda está fraca... – ele concordou. – Eu a carrego, não vai ser problema – o vi ajeitar o coldre com uma pistola 9mm prateada presa em seu tórax, por dentro do blazer. Do outro lado do suporte posso ver a munição para carregar o pente. Após esse gesto cuidadoso com a arma de fogo, ele pegou a menina dos meus braços, Patrícia estranhou um pouco a situação, mas logo se quietou. O acompanhei no trajeto e direcionamo-nos até a escada principal, a mesma que eu tinha observado antes. Começamos a subir degrau por degrau e paramos diante de uma grande porta de madeira rústica. – Espere aqui, eu vou travar a câmera – deu a ordem e colocou a garotinha sentada no degrau da escada. Fiquei junto dela e notei seu medo aparente, sei disso porque suas mãos pequenas agarram a barra de sua blusa como quem deseja arrancar o tecido. Ele passou pela porta e a fechou posteriormente.

– O que você quer fazer quando chegar em casa? – pergunto na intenção de distraí-la.

– Eu vi quando a Rita morreu – meu coração gelou instantaneamente com a revelação. Ela presenciou o assassinato da própria babá e agora solta lembranças de forma repentina

– Viu? – indaguei baixinho.

– Ela chorava muito e machucaram a garganta dela. Tinha sangue pela casa toda e eu tinha medo dos gritos – me coloquei de frente para ela e segurei suas mãos. – Eu não quero que você pense nisso agora! – sussurrei as palavras com medo de fazer algum barulho que chame atenção.

– Muitas coisas ruins aconteceram – ela está atenta.

– Muitas – enfatizei. – Coisas que só adultos entendem e que crianças como você jamais poderiam ver – beijei suas mãos frágeis.

– Esses tempos difíceis irão passar... Quando chegar à hora seu pai e eu vamos conversar com você, vamos te ajudar a superar – ela assentiu tímida.

– Eu só te peço que confie em mim, quero ser sua amiga também – ela sorriu sem mostrar os dentes e me puxou para um abraço.

– Bem que você podia se casar com o meu pai, assim eu ia te ver todo dia e escutar as suas histórias – emocionei-me ao recordar que terminei a história que eu havia começado e, que não tive tempo de finalizar no dia em que dormiu comigo, no suposto tumulo dela.

– Mas você vai me ver todos os dias, nós três vamos ficar juntos e tudo vai ficar bem – confessei com entusiasmo.

– Promete? – suspirei com o pedido.

– Eu prometo minha criança! – seus olhos marejaram com minhas palavras.

– Venham logo! – Leon apareceu de supetão e num impulso rápido pegou Patrícia no colo. Fez gesto de silencio com o dedo indicador e nos dirigimos até o outro lado desta masmorra. Eu não posso acreditar no que meus olhos presenciam agora, é um enorme cassino clandestino no andar superior, onde eu estava era um porão para depósito de mercadorias e outras coisas mais. Leon segurou em meu braço e apoiou a menina com um só. Estamos a cruzar o grande salão com todas as mesas de roleta e as máquinas que roubam dinheiro. Nossos passos são leves como os de um gato, sorrateiros e inaudíveis, porém rápidos e precisos. Senti um aperto em meu pulso e olhei assustada para ele.

– Tem alguém vindo pra cá! – ele me entregou a menina e apontou para a maior das maquinas do local.

– Não sai de lá até eu mandar – ordenou em sussurros e me escondi com ela. Pedi para que não abrisse a boca por nada e ela entendeu. Por uma pequena brecha entre a parede e a maquina consigo ver a movimentação e meu nervosismo aflorou ao ver outro homem se aproximar dele.

– O que está fazendo aqui em cima, Leon? – perguntou um homem com bigode grisalho e ar de petulância. Ele tem um copo de café nas mãos e saboreia a bebida em pequenos goles.

– Meta-se com o seu trabalho, aliás, as câmeras estão desguarnecidas, não é? – rebateu no mesmo tom.

– Eu só fui pegar o meu café! – o moreno abriu os braços.

– Era pra você deixar uma garrafa na sua sala como ordenou a dona Eduarda. Ela vai odiar saber que está circulando por ai – o mais velho com bigodes riu de maneira nojenta.

– Vai odiar saber também que você deixou o cativeiro sozinho – Leon olhou as horas no relógio na parede. Temos menos de quatro minutos.

– Saí de lá por sua causa, ela te incumbiu de mexer com toda a parte elétrica também, mas o seu serviço porco deixou o depósito no escuro. Preciso pegar umas coisas e não dá para fazer isso – apontou autoritário.

– Mas que droga! – murmurou. – Não posso abandonar a sala de monitoramento – Leon revirou os olhos. – Você faz isso a cada cinco minutos para comer, é melhor ir verificar o que estou dizendo ou a patroa vai ser avisada dessa sua incompetência – o homem bufou de raiva e caminhou em direção à porta por onde passamos.

– É melhor que o problema seja sério – advertiu com abuso.

– É muito sério, seu imprestável! – advertiu pela última vez, acredito, pois antes de pisar no primeiro degrau, foi empurrado escada à baixo por Leon. Ouvimos gritos agonizantes e o barulho de seu corpo chocando-se contra os degraus é altíssimo. Dei um pequeno sobressalto com a menina em meus braços ao ver a cena. O moreno trancou a porta e correu para junto de nós. Ajudou a nos erguer do chão. Levou Paty consigo e indaguei ainda abismada com o que aconteceu – Acha que ele morreu? – ele me olhou antes de alcançarmos outra porta. – Não sei, espero! Ele se segurava no corrimão sem muito sucesso, mas aquele é vaso ruim. Não planejei nada disso – ele está transtornado com a própria atitude.

– Se ele conseguir se safar vai usar o rádio e estamos mortos – ditou as palavras com desespero.

– O segurança está do lado de fora, eu não acredito que vou fazer isso! – balançou a cabeça. Olhou por uma pequena báscula e esboçou face de decepção.

– Não é possível! O vigia do turno seguinte está com ele – sentei-me na cadeira e aconcheguei Paty em meu colo. Ele andou de um lado para o outro pensando em como agir. Em seguida, tirou a arma do coldre e encaixou o suporte silenciador. A garotinha afunda o rosto em meu pescoço para não ver nada e eu a protejo. – Droga! – se irritou. – O que aconteceu? – perguntei tensa. – A chave não funciona aqui – lembrei que no bolso da calça tem o grampo de cabelo. Puxei do bolso e lhe mostrei. – Sabe o que fazer com isso? – ele sorriu de lado, quebrou ao meio e com destreza, encaixou-os dando apenas um giro para destravar a porta. Olhamo-nos vitoriosos, ergueu a cabeça para o alto, respirou fundo e seguiu até os homens. Patrícia e eu estamos aqui dentro à espera.

– Ele vai... – cerrei seus lábios com minha mão.

– Shi – pedi silêncio, mas ao retirar a mão de sua boca, ela gritou ao escutar uma pancada forte contra a porta de onde saímos do cativeiro. A impedi de gritar mais uma vez, o homem não deve ter morrido, uma vez que esmurra a porta e pede por socorro. A essa altura já deve ter se comunicado com alguém e denunciado nossa fuga. A menina começou a chorar desesperadamente e tento a todo custo tampar sua boca para não fazer escândalo. Leon está demorando demais, alguma coisa deve ter acontecido.

– Para de chorar! – falei baixo, porém com seriedade. Ela não consegue se controlar, e sei que não posso cobrar isso, mas preciso ser mais enérgica.

– Cala a boca, Patrícia! – falei brava e ela engoliu o choro, olhando-me espantada. Encolheu-se em meu colo e choramingou angustiada. Sofri por dentro por tratá-la assim. Deixei-a sentada numa cadeira próxima a nós e andei a passos largos até a porta onde o homem tentava arrombar. Empurrei uma pequena estante para travar sua passagem caso ele consiga derrubar a porta. O esforço que faço é gigantesco e agora as pontadas em meu ventre só pioram. Quando consegui colocá-la no lugar, puxei o ar com força para dentro dos pulmões e espalmei as mãos pela barriga.

– Aguenta mais um pouquinho! – implorei e decidi verificar pela báscula o que está acontecendo. Congelei, um dos homens está caído no chão, provavelmente morto e sua arma está distante dele. Leon está brigando pela posse da arma com o outro rapaz. Sem pensar duas vezes, abri a porta e corri em direção à arma caída perto de um arbusto.

– Não! – Leon gritou ao me ver, mas já era tarde, mirei da direção deles com a plena certeza de minha pontaria perfeita. Eles se engalfinham no chão e rolam se um lado para o outro, tentando apontar a arma para o adversário. Semicerrei os olhos para não perder o alvo e puxei o gatilho. O barulho do disparo seco estrondou no ar, pois esta arma não tem silenciador. Os dois pararam de se movimentar, fiquei estática. Será que errei o alvo? Para a minha sorte, Leon se desvencilhou do homem e levantou-se de cima dele. O tiro acertou em cheio a têmpora esquerda de nosso algoz. Coloquei a arma na parte de trás de minha cintura e a cobri com a jaqueta. Voltamos para o interior da casa e vimos a garotinha em estado de choque. O homem ainda esmurra a porta para sair, contudo, sem progresso. Ele carregou Patrícia em seus braços e caminhamos com pressa para sair deste lugar perverso. Passamos pelos seguranças mortos no chão e ele acionou o portão de trás. Assim que o trancamos, pude ver a mata densa à nossa frente. Por mais que o dia esteja claro é sinistro imaginar o que se esconde ai dentro, uma vez que a copa fechada das árvores não deixa incidir muita luz. Leon está bastante machucado e a menina mantém as pupilas dilatadas por causa do trauma que passou. Começamos a subir uma pequena colina, além de aguentar o peso dela, ele ainda me puxa porque sozinha eu não tenho condições. Ao alcançarmos o topo, volvi meu corpo e fiquei boquiaberta por notar a propriedade por inteiro. Há uma bela casa na parte da frente de um terreno grandioso, estilo campeiro. Posso constatar que por debaixo da terra há uma fortaleza para acomodar o cassino, pois a torre de ventilação, no fim da propriedade é próxima o local por onde saímos. Tudo fica resguardado a fim de manter a privacidade dos apostadores. Ao redor, observo muitas casas coloniais cobertas por cerração.

– Que lugar é esse? – perguntei ao segurança. – Ele ajeitou a menina em seus braços, a mesma repousa a cabeça em seu ombro. Ele mirou seu olhar no meu e depois vislumbrou o pequeno vilarejo.

– Estamos em um vilarejo de Campos dos Jordão – anunciou.

– Um lugar pequeno com menos de mil e quinhentos habitantes – ele ainda falava quando fitamos uma pequena estradinha de chão que conduz à casa. Mais de três carros vinham em alta velocidade em direção a ela, levantando uma enorme nuvem de poeira. E da casa, um homem observa os mortos. Provavelmente era o outro segurança da parte da frente. O mesmo está vindo em nossa direção.

– Precisamos ir agora! – deu o comando e abrimos caminho por entre a floresta. Ele vai à frente, anda tão rápido que mal consigo acompanhar. Quando me vê distante, agarra em meu braço e me arrasta para não perdermos nenhum minuto. Eu não raciocino direito, praticamente corremos por entre as árvores e transpomos obstáculos difíceis sem olhar para trás. Abríamos caminho sem saber o que nos espera. Ao longo do trajeto, caí varias vezes por perder o equilíbrio ou por prender o pé em algum lugar. Olho para todos os lados para me esquivar de qualquer animal selvagem ou bicho peçonhento. Patrícia segura forte no blazer do homem. A pior coisa do mundo é saber que ela sofre assim e meu coração dói ao pensar nas marcas que ela carregará pelo resto da vida. De repente, nossos passos vacilaram de medo ao ouvirmos uma voz gritar ao longe, ela veio junto com um barulho de tiro.

– Depressa! – eu não aguento mais nada, e não sei de onde encontro coragem para correr. Alguém está atrás de nós e pressinto que se aproxima muito rápido. Seja lá quem nos persegue, é ágil, parece que os sons dos passos estão por toda parte e em alguns momentos, bem atrás de nós. Esse lugar nos engana, é como andar em círculos, pois tenho a impressão de passar por alguns lugares repetidas vezes. É um labirinto cheio de armadilhas. Chegamos próximos a duas árvores centenárias, de tronco bem robusto e cercado por plantas de pequeno porte, nos escondemos por entre as folhagens das mesmas e permanecemos abaixados por algum tempo. Ele me entregou a criança e empunhou a arma em mão. Nossas respirações parecem de indivíduos que acabaram se emergir de um mergulho profundo. Um tempo depois, o barulho da voz e dos passos nas folhas secas cessou. Somente os ruídos da natureza se fazem ouvir. Não sinto nada de bom, o medo toma conta de mim e a certeza de alcançarmos a estrada não é mais tão evidente. No fundo, sei que minha mente está me pregando uma peça, o pavor nos faz ver coisas que infelizmente nos impedem de ter esperanças. Reprovei meus pensamentos e me atentei ao ambiente. Patrícia treme em meu colo e beijo seus cabelos para lhe ofertar um carinho nesta desolação que nos encontramos.

– Deve ter ido em direção contrária! – Leon sussurrou baixinho em meu ouvido.

– Vamos! – ergueu-se, fez gesto para pegar a menina que lhe estendeu os braços, porém, só vi quando foi puxado de maneira selvagem pela gola do blazer e seus braços foram dominados.

– Aonde vocês pensam que vão? – um homem alto e loiro o agarrou por trás e apontou uma arma para sua cabeça.

– Deixa elas irem, Dante. São inocentes – o homem nos olhou com perversidade.

– Leva a menina de volta. Eu quero ficar a sós esta mulher – tremi ao entender o que ele queria. Cobri o rosto da pobre criança para não ver a fúria do homem.

– Gostosa! – disse com luxuria. Senti nojo de suas palavras e do modo como ele me encarava.

– Não se mova ou apago você aqui mesmo na frente delas e depois me divirto – soltou os braços do moreno sem deixar de apontar a arma para ele, com a mão livre retirou um rádio comunicador do bolso.

– Estou com... – ele foi interrompido, pois com um gesto brusco, Leon conseguiu desarmá-lo, e o jogou no chão, mas o homem, com um movimento exato, derrubou o segurança com uma rasteira e rapidamente subiu por cima dele, recuperando a arma. Leon mais uma vez, entra em luta corporal para nos salvar. Alguns disparos são feitos aleatoriamente e me arrastei para um lado mais afastado. É impossível que eu ajude desta vez, com Patrícia deste jeito não posso colocar em risco a minha vida e na pior das hipóteses, morrer. Os dois brigam e rolam no chão com rapidez monstruosa e Leon, com toda a sua força, obteve vantagem, jogou a arma de lado mesmo começou a esmurrar o homem.

– Vai! Segue sempre em frente, eu te alcanço – prendeu os braços do bandido e ditou a ordem severamente. Com dificuldade, peguei a garotinha em meu colo e andei na direção que ele indicara. Dei pouquíssimos passos e engoli a seco ao ouvir um disparo, olhei para trás e visualizei Leon abandonando o corpo do homem, que ainda se remexe no chão com a mão no abdome. O moreno correu em minha direção e respirei aliviada por saber que ainda teria a sua ajuda, mas logo tudo voltou a ser sombrio quando ele cessou os passos, me olhou pasmo e colocou a mão um pouco abaixo da clavícula. A bala disparada pelo homem que ainda se contorce com o tiro que levou, acertou-lhe o ápice do pulmão e perfurou o tórax até sair pela parte anterior. O loiro havia se arrastado até arma e efetuou o disparo.

– Corre! – sussurrou antes de cair. Desta vez arranquei a arma por de trás de minha cintura e antes que o homem atentasse contra nós pela segunda vez, apontei para ele e puxei o gatilho. O malfeitor foi atingido no centro da testa por causa de minha pontaria.

– Leon! – me ajoelhei no chão segurando a menina e notei que ele ainda está vivo, entretanto precisa de cirurgia ou morrerá. Está sangrando muito – Vamos tentar Leon! Venha! – puxei seu braço. – Me deixe aqui, eu vou atrasar vocês. Vão embora eles estão vindo pra cá – disse entrecortando as palavras. – Eu não posso fazer isso com você – peguei a toalha de rosto na bolsa e pressionei contra o local.

– Arg! – ele grunhiu de dor.

– Estou mandando, não faz tudo isso ser em vão. Vai! – apontou.

– Vai! – insistiu com veemência. Eu tinha que seguir em frente – Obrigada por tudo. Eu farei o que você me pediu – chorei ao me despedir dele. Não posso parar agora. O abandonei caído no meio da floresta e senti meu coração partir ao meio. Ando o mais depressa que posso, enquanto Patrícia se prende a mim e já sinto minhas pernas fraquejarem.

Já perdi a noção de tudo, não sei há quanto tempo estou andando. É como se essa estrada nunca fosse chegar e que a criança e eu estivéssemos perdidas para sempre. Precisando de um minuto para respirar, parei e coloquei Patrícia no chão. Respirei pesadamente e ela abraçou minhas pernas. Olho para todos os lados e sei que estamos no meio do nada. Tentei fazer com ela andasse um pouco para não sobrecarregar tanto minha coluna, mas suas pernas não suportam o peso do próprio corpo. A menina ainda andou uma parte do trajeto, porém muito devagar e tive que carregá-la para não perdermos tempo.              

Narrado por Igor

Estamos próximos a Campos dos Jordão, faltam poucos minutos para encontrar a casa que era da mãe de Eduarda. Justamente a casa que Patrícia detestou desde a primeira vez que viu por causa do porão. Henrique dirige compenetrado e rápido, ele afunda o pé no acelerador e a sensação é de que voamos pela estrada. Vivian ajeitou o cabelo numa espécie de rabo de cavalo e verificou a quantidade de munição disponível. Carregou o pente e analisou a pistola em sua mão. Olho para os dois e penso que vida louca é está que levam? Desde o início pelo que soube, suas vidas estão ligadas a mim de alguma maneira. Todos com intuito ajudar-me e dispostos a morrer pelo que fazem. Além do que, há uma corporação secreta inteira atrás de Elinór. Deus permita que eu a encontre sã e salva porque não suportarei mais nenhuma perda. Não vejo sentido nenhum longe dela, aquela mulher roubou o meu coração de um jeito avassalador, como um vento forte que derrubou toda a minha estrutura, deixando-me dependente dela. Entregue de alma, a ponto de não achar mais graça em nada se ela não estiver comigo.

Ao nosso redor, há uma movimentação estranha, alguns veículos passam por nós fazendo manobras estranhas na rua e estou bastante apreensivo pelo que vou encontrar nesta casa. Num estalo de consciência, recordei-me da velha estradinha, uma espécie de atalho para o vilarejo. No ponto mais alto, podemos ver a casa e tudo o que existe nas cercanias. Avisei Henrique sobre o caminho e prontamente seguimos por ele. Vivian se comunica com Soniér e pelo que entendi, ele está vindo ao nosso encontro. Ela explicou o caminho e lhe informou do atalho. Paramos no cume da colina e descemos do veiculo. Minutos depois, Soniér chegou com Dimitri e Rony os acompanhava com seu furgão preto.

– Aquela é a casa! – apontei para a propriedade ao longe. – Está bem diferente do que eu me lembrava, só estive aqui uma vez. Eduarda é que costumava vir aqui com algumas amigas e trazia a Patrícia. Mas já foi vendida – em poucos minutos, a pequena trilha estava repleta de carros, pois os outros agentes haviam chegado. Algumas patrulhas, que não se fazem presente, vagueiam pela cidade e protegem as fronteiras do Estado. Através de um binóculo, Soniér observa as proximidades da casa.

– Omar, quero que queime aquelas duas câmeras que vigiam a entrada – o rapaz com um gorro preto na cabeça se aproximou dele, olhou pelos binóculos os locais exatos que o patrão lhe indicara.

– Ao meu comando, entendeu? – o mais velho gesticulou e, sem demora, o rapaz procurou um lugar mais apropriado e posicionou o rifle, olhando direto pela luneta. Descemos a inclinação da colina e cercamos a propriedade de maneira que ninguém possa nos ver. Os guardas estão em numero de cinco e dentro deve haver muito mais. Rony está à frente da equipe tática e assim que Soniér deu a ordem ao atirador de elite, os homens avançaram contra os guardas e os cercaram numa grande emboscada. Enquanto isso, o resto de nós se encaminha para o interior da casa. Entramos em surdina e silenciosos. Rony separou a equipe e alguns foram pelos fundos. Ele parou de frente para a porta e com uma forte pancada com a botina bico de aço, arrombou a mesma. Em milésimos de segundos os homens invadiram o local e renderam os que estavam presentes. Minha satisfação enorme foi encontrar com doutor Edgar totalmente desprevenido. Dei passos largos em sua direção e desferi um soco com pressão contra a sua face. Ele desabou e apontei a arma para ele.

– Onde a Susana está? – o cirurgião plástico falso e ladrão, riu debochando da minha cara.

– Acha que eu vou perder o meu tempo mantendo aquela mulherzinha aqui? – desferi outros dois socos tão fortes que o sangue espirrou no chão. Rony me tirou de cima do homem e me apartou dele.

– Calma Igor – me desvencilhei com ira dele. – Me solta! – esbravejei e Edgar se levantou devagar. Seus comparsas foram imobilizados e levados para juntos dos demais, do lado de fora da casa. – Entrega a sua cúmplice, vai ser melhor para você. Delação premiada – ele fez cara de desdém quando Demitri falou. – Eu não sei onde ela está – estou a cada segundo mais nervoso. – Não me faz perder a paciência! – apontei efusivo, mas ele me encarou com desprezo.

– Eu transava com a sua mulher por que você é um frouxo e aproveitei muito dessa doutora gostosa antes de acabar com ela – me enfureci como nunca antes na vida.

– Desgraçado! – quis investi contra ele, contudo Rony me imobilizou. – Ele tem contas a acertar com a justiça! – disse sério. Soniér, que estava vasculhando o local, voltou com uma expressão vazia e com algumas roupas nas mãos. – São dela, mas não a encontro em lugar nenhum – facilmente reconheci as roupas da Madame e meu estômago embrulhou.

– Ou você me diz onde está a minha filha ou sua irmã em Londres vai receber uma visita indesejada! – ameaçou o homem num tom mais rude.

– À uma hora dessas, ela deve estar enterrada em uma vala qualquer – falou irônico. Soniér e eu somos impedidos de nos aproximar, Rony quer o homem vivo para descobrir todas as falcatruas na qual ele estava envolvido.

– Filho da puta! – apontei descontrolado e com desejo de morte. – Sabe a melhor parte de tudo isso, seu merda – disse rindo da minha cara, ele ainda derrama sangue pela minha agressão.

– É ter dado um jeito naquela criança insuportável. Você precisava ver o quanto ela gritava seu nome enquanto queimava viva – meu ódio foi tamanho que nem mesmo Rony teve forças suficientes para me segurar, e sem piedade alguma, estiquei o braço direito em sua direção, deixando meu indicador apertar gatilho até descarregar a arma totalmente. O matei para vingar a morte da minha filha e agora pelo desaparecimento de Susana. Ninguém se moveu, eles olham fixamente para o corpo morto no chão e para a minha atitude.

– Eu me enganei ao te julgar! – Soniér disse ao se aproximar de mim, ele está abatido, mas não perde a cara de sisudo.

– Tem coragem! – deu tapas em meu ombro e saiu da casa. Cada cômodo foi revirado e nenhum sinal de minha Elinór foi encontrado a não ser as roupas. Estou enlouquecendo, até mesmo as conversas sobre a casa ser uma fortaleza e um cassino clandestino não me interessam. Ouço dizer que dois seguranças estão mortos na parte de trás e um homem está deitado nos degraus de uma escada, bastante ferido e quase inconsciente. Deve ter caído e tentando se arrastar para cima com intuito de pedir ajuda.

Fitei o corpo de Edgar alvejado de balas e não aguentei ficar. Retirei-me para respirar ar puro. Soniér está com um charuto cubado aceso e traga arduamente, com ânsia. Aproximei-me dele.

– Eu só tenho um arrependimento na vida, doutor Igor – lançou a fumaça no ar e ficou envolto nela por alguns segundos. Exalando mistério.

– Nem Elinór ou qualquer outra pessoa sabem disso – me ofereceu o charuto ao dizer, mas recusei.

– Quer que eu me sinta honrado em saber alguma coisa da sua vida? – me encarou de soslaio.

– Definitivamente não… É um homem melhor do que eu, ainda que não esteja à altura de minha filha, na minha nada humilde opinião – ele não perde o tom arrogante. – A mãe dela era a melhor moça que já conheci, não é ela que tem sangue ruim, sou eu – apontou para si mesmo. – Me arrependo amargamente do que fiz com ela e só me dei conta disso tarde demais – confessou com sua voz mansa, porém firme. – Eu sempre cobrei demais, não queria que Elinór se aventurasse e fizesse besteira como a mãe dela. No fundo eu só queria o melhor, mas os pais falham – assenti com compreensão. – Eu sei. Não percebi que minha filha era maltratada pela própria mãe e veja o que aconteceu. Estou morto por dentro! – embarguei a frase. – A única coisa boa que ainda me resta é a sua filha! Ela tem que estar em algum lugar, ela não pode ter morrido – minhas palavras saem como a uma dose de força, a única que me resta. Um silêncio mortal desceu sobre nós e somente a fumaça do charuto modifica o local, pois até o tempo parou. Para nos retirar dessa melancolia, o rádio dele começou a tocar e ouvimos a voz pela transmissão.

Preciso que venha aqui atrás, senhor. Urgentemente! Suba a colina até a floresta – ao escutar, corri o mais rápido que pude, sei que ele ficou atrás, pela idade. Vivian já está a caminho e com mais alguns homens, passamos pelo portão dos fundos. Deparamos-nos com uma mata fechada e sinistra. O atirador de elite fez sinal e o seguimos. Estamos subindo um barranco íngreme e ajudo a mulher, pois ela escorrega. Quando alcançamos a parte mais alta, adentramos por entre as árvores e nos aproximamos de Omar. Ele apontou para um corpo caído na mata, estava morto com um tiro no centro da testa, exatamente no meio do lobo frontal, só que me surpreendi ao ver outro homem baleado, porém este ainda está vivo, mas agoniza com uma perfuração na parte superior do hemitórax direito. Não há nada que possamos fazer por ele. Ajoelhei ao seu lado e tentei ouvi-lo, já que o mesmo pronuncia coisas inaudíveis. Um círculo de pessoas está em volta, curiosos para saber quem é o tal homem. De certo, deve ser um capanga de Eduarda e Edgar.

– Lá – apontou em uma direção. Sua voz quase não sai. Está pálido e as partes periféricas de seu corpo estão frias.

– O que tem lá? – perguntei eufórico. Ele respira superficialmente.

– A dete… – não obtém êxito em completar.

– A mulher, doutor Igor – fiquei estupefato quando o ouvi pronunciar meu nome com falta de ar.

– Quem? A Eduarda? – indaguei, imagino que se refira a ela e que a mesma fugiu pela floresta. O homem cravou sua mão em meu braço e me olhou fixo.

– Do outro lado, na estrada – apertou mais.

– Quem? – o chacoalhei impaciente. Sua respiração falhou e ele engoliu seco, revirou os olhos e grunhiu baixo.

– A detetive – expôs o nome pausadamente e em seguida exalou o ar dos pulmões. Pendeu a cabeça para a lateral e veio a óbito.

– Ela está viva! – soltei a sentença no ar fiz menção em correr para onde ele apontou. Vivian me impediu. – Não! Esta floresta deve ser um labirinto, ele disse algo sobre a estrada, se ela está viva deve ter ido para lá! – a mulher deu a ordem para que um grupo de homens começasse as buscas pelo local, enquanto nos dirigimos como loucos até ao outro lado, na estrada que leva até a cidade. Novamente por rádio, ela avisou aos demais e estes se espalharam pela pequena região. Soniér que ouviu o final da revelação do homem, veio conosco e Henrique fez o mesmo. Nosso carro agora dá a volta pela floresta, no sentido da rodovia. Eu não usei explicar o que sinto agora, mas os batimentos irregulares de meu coração denunciam minha ansiedade. Esfrego as mãos sobre o tecido jeans de minha calça preta e nem presto atenção no que eles dizem. Um bloqueio mental se apossou de mim. Só a imagem dela e o som de sua voz ocupam a minha mente.

Narrado por Elinór

Minhas dores voltaram ainda mais fortes e quase cai com a menina. O esforço que faço ao carregá-la por todo este trajeto é muito grande e com essa gravidez de risco, é impossível segurar este filho. As lágrimas já caem por meu rosto e as derramo sem controle. Todo o meu emocional está abalado demais agora. Já sinto um pouco de sangue escorrer por minhas pernas, mas mesmo assim não paro. Em meio ao pranto, sorri ao ver a estrada logo à minha frente, então apressei o passo. Ao pisar no acostamento da estrada, não suportei mais, me apoiei numa árvore cuja sombra ofertada pela imensa copa cobre este trecho da rua. Escorreguei meu corpo pelo tronco e caí sentada. Abracei a garotinha com força.

– Arg! – as pontadas em meu ventre são violentas, estou em processo de aborto e meu choro se mistura aos sons de dor. Afundei meu rosto nos ombros da garotinha para abafar o barulho. Minhas pernas estão vermelhas e sei que agora mais do que nunca, preciso de um médico ou vou morrer de hemorragia.

– Está doendo muito? – perguntou chorosa com meu estado, não posso dizer a ela, porém ela visualiza o sangue.

– Não, estou bem! É só cansaço – disfarcei abraçando-a com mais força para aguentar. Quase não acreditei quando um carro parou perto de nós e de dentro, uma mulher de estatura mediana e cabelos curtos saiu para nos ajudar.

– Meu Deus do céu, o que houve aqui? – olhei para ela e tive esperanças. – Nos leve até o hospital, por favor – supliquei e ela ajudou para que pudéssemos chegar ao carro. Primeiro levou a criança e a colocou no banco de trás. Depois me auxiliou a levantar. Sentei-me junto à menina e assim que ela entrou, senti os estilhaços do vidro por trás de nós.

– Vai! – gritei para mulher e a mesma acelerou o carro. Atrás do nosso veiculo, um pouco distante, vem um carro preto e pela janela alguém tenta nos acertar. Claramente é por nossa fuga e querem a nossa morte acima de tudo.

– O que está acontecendo aqui? Eu não quero morrer! – bradou a mulher que dirige o carro perigosamente sem olhar direito para estrada, pois a mesma tem receio de mais tiros e abaixa a cabeça toda hora. Deitei Patrícia no assoalho do carro, ela está em desespero, tampa os ouvidos para não ensurdecer e chora. Conseguimos desviar deles por conta de passarmos à frente de outros motoristas, mas por pouco tempo porque logo depois, tiros zuniram no ar e acertaram a lataria. Peguei minha pistola, a mesma que roubei do guarda morto por Leon, ergui minha cabeça e notei que estamos sem vidro traseiro nenhum. Olhei pelo espelho lateral do carro e vi que o veiculo se aproximava. Num impulso rápido, ajoelhei-me no banco e disparei contra o pneu do carro, que bambeou na pista. Aproveitei para realizar outro disparo, só que dessa vez acertei o homem no banco carona.

– Acelera! – ordenei à mulher que não diz nada, apenas foge de um inimigo que não é seu. Um carro de polícia que vem em direção oposta à nossa, acionou a sirene por conta de nossa alta velocidade, fez uma curva brusca a passou a nos seguir. Quando me preparei para atingi-los de novo, o motorista do carro tentou fazer uma ultrapassagem, porém, outro na pista contrária colidiu lateralmente com ele, fazendo com que parassem no acostamento de maneira brusca. Outros carros tiveram que parar inclusive o que estamos, uma vez que todos perderam o controle. A mulher que nos ajuda está em choque, paralisada. Olhei para o caos que se tornara a rua e reparei o que nos seguia. A pancada foi grande e amassou o lado esquerdo, de certo pegou quem dirigia. Minhas pupilas dilataram com o meu maior pesadelo ao ver Eduarda descer do carro, um pouco zonza, mas decidida a nos matar. Ela vem em nossa direção e atira para terminar o que começou. Não deve ter prática, pois atira sem muitos acertos. Disparei em sua direção, mas a mesma escondeu-se atrás de um dos três veículos que ficaram presos no engavetamento por conta da batida. A viatura parou bem afastada de tudo. Eduarda cometeu um grave erro, ela perdeu as contas, pois sua munição acabou.

Assim que percebi isso, repleta de fúria, dei ordem para que a mulher cuidasse da criança e desci altivamente do carro. Mesmo sangrando, mesmo fraca andei em sua direção. Ela tentou recuar, mas cheguei mais perto e logo acertei seu rosto com um soco bestial. – Vagabunda! – derrubei a mulher no chão.

– Assassina! – esbravejei arrastando-a pelos cabelos, sinto muita dor, mas a raiva é maior. É por causa dela que estou perdendo o bebê.

– Desgraçada! – distribuí tapas generosos por seu rosto inúmeras vezes.

– Vadia! – ela não se defende, está impossibilitada para isso.

– Você e o Igor nunca vão ser felizes! – anuncia perversa.

– Está enganada! Eu amo Igor e ele me ama. Vou ser a mãe para a Patrícia que você nunca foi... Seu monstro – apontei minha arma direto em sua cabeça e nesse instante, ouvi as vozes dos policias.

– Abaixe a arma e ponha as mãos na cabeça – ela riu com o rosto bastante machucado.

– Eu ainda vou acabar com vocês – ameacei puxar o gatilho. Ela olhou para o sangue em minhas pernas e, astuta, e acertou minha barriga com um soco. Cai no chão de dor e me encolhi, ela pegou a arma que não tive mais forças para segurar. Olhei para seu rosto macabro e como se fosse um filme em câmera lenta a vi direcionar a pistola para mim e, na hora exata de acabar com a minha vida, foi acertada em cheio no ombro por um dos agentes da lei. Ela soltou a arma que consegui recuperar. A maldita ainda se rasteja para o meu lado, e sem medo algum, decidi acabar com esse terror. Mesmo encolhida no chão e com muita dor, tirei-a do meu caminho com um tiro certeiro no peito e outro na cabeça. E somente quando ela fechou os olhos é que minha ficha caiu. Tudo estava acabado! Lavei minha alma e fiz isso para vingar todo o mal que ela fez à Patrícia e também a Igor. Não posso esquecer-me de mim, ela quase acabou com a minha vida e agora, sinto uma tremenda sensação de honra.

Depois disso, os policiais me abordaram e tive que contar a eles que trabalho como investigadora e com apenas um telefonema para a central de registros, constataram a verdade. Apenas omiti para quem trabalho. Eles chamaram ajuda médica e o IML. Disseram que não demoram, uma vez que o vilarejo dispõe destes serviços. O corpo dela agora jaz no acostamento. Fui em direção ao carro da motorista que nem mesmo sei o nome e a vi tentando acalmar a garotinha. – Acabou meu amor. Acabou! – a puxei para mim e me mantive com ela o tempo inteiro. Encostei meu corpo cansado na parte da frente do carro, praticamente sentando no mesmo para encontrar apoio, pois Patrícia está com as pernas em volta de minha cintura e abraça o meu pescoço com intensidade. Agarro-me a ela na certeza de que tudo isso tenha chegado ao fim e de que apesar de todas as coisas inimagináveis que passamos, está sensação é gratificante. Estamos à espera da ambulância e deslizo minha mão por suas costas, ofertando a ela um carinho, um conforto. É muito triste que uma criança tão pequena tenha sofrido tantos infortúnios. Padecido tantas desgraças!

Meus olhos se detêm num carro que vem ao longe, sinto que reconheço o estilo e experimentei uma imensa paz dentro de mim ao ver de quem é. O carro é de Vivian. Ela se aproximou rápido e parou ao lado da viatura policial. Vi quando Igor desceu do carro atordoado, bateu a porta do veículo com tanta força que um barulho estrondoso e seco ecoou pela estrada deserta. Seu olhar desolado e vazio procura-me por todos os lados e ele ainda não nos viu aqui. Não consigo andar em sua direção, estou impedida já que minhas forças estão acabando. A última dose dela faz-me forte para segurar a garotinha e não tenho a mínima coragem de soltá-la. O sangue ainda escorre por minhas pernas e sei que estou visivelmente pálida. A dor persiste em causa-me uma tortura, eu não pude evitar esta fatalidade. E dentro de mim sinto um misto de alegria e tristeza que se entranham e reviram tudo de cabeça para baixo. Queria tanto dar este filho a ele. Não tinha planejado nada, fiquei com imensas dúvidas sobre a minha própria vida e do enredo que destino criara para mim quando suspeitei da gravidez, mas depois eu desejei tanto experimentar isso. Ah, como eu queria!

Observo os movimentos dele, sua expressão facial denota desespero em saber por notícias, nesse momento ele afrouxou o nó da gravata para respirar melhor. É como se meus olhos pudessem ver ao longe, pois os dele cerraram de maneira apertada tentando manter a consciência, ele olhou para o alto e balançou a cabeça negativamente. Creio que pergunta aos céus o porquê de estar sendo massacrado desse jeito. Não encontro energia suficiente para gritar por ele e dizer que estamos aqui, e não pude conter minha aflição quando ele empunhou a mão direita sobre o peito ao ver o carro do IML passar, eles estão aqui pelos mortos no tiroteio e que a policia cobriu com um pano branco.

Ele se aproximou de um dos polícias, certamente para obter informações, quase não consegue se pronunciar pela angústia terrível que se apoderar dele. O agente da lei faz sinal para que ele tenha calma, mas Igor paralisou por completo ao achar o que estava procurando. Nossos olhares se encontraram com fixação profunda, ele permanece estatístico. Sei que suas pupilas estão dilatadas e que seus batimentos cardíacos acelerados quase furam o peito pela imagem que agora vê. O homem deu dois passos lentos e receosos em nossa direção e mesmo daqui, posso ver seu tórax expandir de maneira descontrolada. Imediatamente ele tampou a boca com as mãos para abafar o grito. Noto também Vivian e Henrique estupefatos com a cena assim que seguiram o olhar do doutor, para ser mais específica, todos estão paralisados com o que vêem. Observo meu pai estático ao lado carro. Nunca o vi assim. Prestei atenção em Igor, suas mãos que antes repousavam sobre a boca, agora subiram por seu rosto e em seguida por seus cabelos, onde ele os pressiona até deslizar os dedos pela nuca, apertando a mesma. Sua boca entreaberta mostra o quão espantado ele está. Virei o rosto lateralmente e sussurrei no ouvido da menina.

– O papai chegou! – a garotinha está sonolenta em meus braços, balbuciou algo que não entendi. Acariciei seus cabelos e massageei suas costas. – O papai, meu amor! – ela ergueu a cabeça e olhou para mim. – Olha! – fiz sinal com a cabeça, e com um gesto vagaroso, ela pendeu a cabeça para olhar para trás. Vi o canto de sua boca desenhar um sorriso puro e também de exaustão. Eles se olharam por um bom tempo e mesmo com toda a agitação no local, parece que só eles existem por aqui. É um instante tão deles. Igor abriu a boca para lançar a primeira palavra no ar, mas nenhum som saiu quando eu fiz a leitura labial. Os lábios dele moveram-se lentamente ao chamar por “Paty”. Mas da segunda vez que se esforçou para clamar pela filha, tive a impressão de que até o vento cessou.

– Patrícia! – gritou do fundo da alma com seu timbre rouco e grave. Como um trovão que antecipa os raios para rasgar céu. O doutor limpou as lágrimas que lhe caem pelo rosto perfeito e sorriu emocionado a ponto de me fazer chorar junto com ele. A menina inquietou-se em meu colo e balançou as pernas para descer. Hesitei por alguns segundos, mas a deixei realizar o que queria. Tive medo por sua fraqueza e imaginei que não aguentaria manter o equilíbrio, mas a criança é mais forte do que eu imaginava. Mostra em seus poucos anos de vida e duras experiências a coragem herdada de seu pai. Desta vez, fui eu que não permiti que minha boca emitisse algum ruído, pois a cobri com as mãos quando ela deu passos em direção a ele. Igor caminha devagar, desacreditado da situação. Ele para, depois prossegue incrédulo como quem vê um fantasma. A menina anda cambaleando pela fragilidade de sua saúde. Seus pés se arrastam no asfalto, ela não os levanta direito, pois manca de um deles. Sua marcha distorcida e irregular é semelhante à crianças quando aprendem a dar os primeiros passos. De repente, ela estendeu os braços em sua direção pedindo colo e abraço ao pai. Neste momento, meus olhos contemplam a cena mais impactante que já presenciei em toda a minha vida como detetive, como médica e como mulher. Vejo o pai correr como um louco ao encontro da filha que acreditara estar morta até minutos atrás. Excepcionalmente, todos pararam de respirar por alguns segundos para vislumbrar este encontro milagroso. Assim que as duas criaturas, sedentas uma da outra, aproximaram-se depois de tanto tempo, houve o choque de realidade. Igor tomou a menina em seus braços, erguendo-a do chão e a apertando-a contra si num movimento muito rápido. Ela circundou a cintura do pai com suas pernas e segundos depois, ele caiu ajoelhado por terra. Seu choro de felicidade e espanto inundou o lugar, eles se apertam tanto um ao outro que estão prestes a fundir-se e se tornarem um só.

Nunca pensei que a felicidade deles fosse tão fundamental para mim, ele toca firma nos braços dela, segura em seu rosto, beija cada pedaço de suas bochechas e repete a frase “minha filha” inúmeras vezes. Ele olha para ela repleto de saudades, a acolhe cheio de emoções guardadas. Igor ainda não está ciente de que tudo é real, de que sua ex mulher forjou a morte da filha para lhe causar destruição e dor. O maior desejo de Eduarda era que ele definhasse sem amparo algum e ainda por cima com o trauma pela brutalidade do assassinato de sua única filha. Os dois estão felizes e dinheiro nenhum paga o que estão sentido agora. Eu quero ir até eles e me juntar ao abraço, mas meu corpo está fraco demais e para piorar, comecei a piscar com dificuldade, não estou enxergando nitidamente, vejo tudo muito embaçado. Coloquei a mão sobre minha fronte e um suor gelado está impregnado em mim. Sinto um gosto amargo em minha boca e aos poucos, escorreguei lateralmente até desabar meu corpo no chão. A mulher me acudiu e apenas vislumbre a cena entre pai e filha. O olhar do Igor se encontrou com o meu e foi difícil não sorrir para ele. Agora os vejo desfocados e sem muita nitidez. Mais ainda consegui notar que se levantou com ela nos braços e veio em minha direção. Meus olhos demasiadamente pesados, não permanecem mais abertos, porém dentro de mim tenho a sensação de dever realizado. Eu disse a Igor que encontraria a filha dele nem que fosse a última coisa que fizesse na vida. Minha promessa está cumprida!

 


Notas Finais


Obrigada por ler até aqui 😍
Espero que tenha gostado 😘


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