A pele vermelha, as lágrimas e a voz embolada. Isaak estava engasgado de tanto rir.
Claramente sua empatia não era tão elástica quanto o tecido de suas calças justas. Hyoga observava o desgraçado rir às suas custas resignado. Era mesmo tudo ridículo, mas o amigo só faltou se mijar. Enquanto se recuperava, Isaak tentava manter uma expressão mais neutra, sem qualquer sucesso.
— Cansou de rir da minha cara, filho da puta?
Hyoga estava emburrado, mas não podia tirar a razão do amigo. Ninguém nesse mundo, além de obviamente Milo, conseguiria o forçar a fazer o que quer que fosse. Em geral era uma pessoa controlada e considerado por seus colegas de classe como “cabeça fria”. Os mais próximos conheciam seu lado esquentado relativamente raro, mas essa fatia facilmente moldada a Milo era novidade.
— Ãhnnn, não faz assim comigo! Você vem falando desse cara durante todo o Ensino Médio! Aí no dia que ele senta na sua rola você acha ruim?
— Sentar até sentou, mas, não do jeito gostoso, você quer dizer?
— Ouvi dizer que todo jeito é gostoso, apesar de não ser minha especialidade — deu um sorriso safado enquanto desviava do soco desferido pelo amigo.
— E eu pensando que poderia desabafar com você, Isaak! Você tem noção que estou aqui fodido? O problema não foi o armário! Isso eu até conseguiria ressignificar ao meu favor, porque talvez tenha rolado um momento lá dentro… O problema é o arrombado do Camus falando pro Milo que eu gosto dele!
— Mas você gosta…
— Vocês comem merda por acaso? Eu que tenho que falar isso para ele caralho, não o Camus! Assim corrobora a teoria retardada do Milo que eu sou criança!
Isaak parou de rir pensando sobre o que ouviu. Sim, Hyoga tinha um bom ponto e por mais que tenha se rachado às custas dele, sabia que os sentimentos do amigo eram bem reais.
— Talvez seja uma oportunidade, Hyoga… Para você se declarar de vez e ficar livre da dúvida.
— Que dúvida que eu tenho, Isaak? Milo é hétero. O que possivelmente ele pode querer comigo?
— Muitos homens héteros tem curiosidade de ficar com outro cara. A faculdade é nossa última chance de viver as coisas com alguma despreocupação. Depois, nossas almas serão demolidas por boletos, impostos e imposições sociais.
— Isaak… Que foi, ficou emocionado? Você quer me dar uns beijos?
— Com você jamais! Eu sei quem você é de verdade, seu podre…
— Idiota. Como se eu fosse encostar nessa sua boca de boceta.
— Queria que o resto do mundo te escutasse falando essas doçuras, Hyoguinha… “Parece um príncipe”! — riu ainda mais repetindo o comentário frequente das mulheres na Universidade sobre o outro rapaz. Inesperadamente pareceu se lembrar de algo — Escuta, Hyoga nós ainda vamos na festa da república dele hoje, não é?
— Nem fodendo.
— Combinei de encontrar a Thétis lá! Não vou deixar ela desprotegida perto daqueles veteranos predadores. Você me obrigou a desmarcar o meu encontro para te acompanhar nessa bosta e agora vai sim. — era a vez de Isaak fazer um bico, muito sério. — Não sou você não Hyoga, não tenho metade da faculdade querendo cair de boca em mim. Não posso perder essa oportunidade! Quem sabe você também não se arruma de vez? Com ou sem Milo tá na hora de aproveitar a vida!
Hyoga se afundou ainda mais na cama do amigo cobrindo o rosto com o travesseiro. Isaak sentado na cadeira a frente de sua escrivaninha voltou-se para seu laptop. Ainda precisava entregar um relatório na segunda feira e pretendia mesmo aproveitar a noite e quem sabe o fim de semana com a aquela sereia do Curso de Moda.
— Quer me ajudar com esse relatório de Psicodinâmica das Cores?
— Não quero. Quero mudar para a Sibéria. Sumir daqui.
— Olha, de verdade Hyoga, se o Milo não parar para pensar nisso depois de perceber o tamanho desse monstro aí nas suas calças das duas uma: ou ele é completamente hétero e você acaba com qualquer esperança; ou ele realmente te vê como um irmãozinho e não tem fetiches estranhos. — se desviou do travesseiro arremessado — Estou falando sério! Não tire conclusões antes de falar com ele, você me contou que combinaram de conversar, não?
— Não combinamos nada, mas eu disse que conversaria com ele em outro momento.
— Pronto, por hora não tem mais nada a se fazer. Vamos na festa, eu com sorte vou apertar minha Sereia e você pode até escolher, caso queira ser consolado por alguém. No fim foi até melhor assim… Vai por mim.
Bufando Hyoga parou de falar. Isaak só pensava em agarrar aquela loira desde a recepção dos calouros e só agora a moça aceitou encontrar com ele. E sim, Hyoga sabia ter feito chantagem para que o tal encontro casual se desse na festa da casa em que Milo morava. Então, nesse ponto teria que ceder. Ainda tinha um tempo antes da malfadada festa, usaria esse tempo para acalmar sua mente. Afinal o que é um peido para quem está cagado?
***
O alarme do celular o acordou anunciando que era chegada a hora de se preparar para a festa. Tinha, felizmente, conseguido repousar um tanto, e não poderia negar que a soneca gostosa o ajudou a ter coragem de encarar a festa.
Sim, a festa que veio em péssima hora. Se ao menos ele soubesse dos acontecimentos do dia, não teria convidado os amigos. Nem ele próprio daria o ar da graça.
Se bem que independente de sua vontade o restante dos moradores dariam festa.
Provavelmente a dupla de tratantes, dissimulados como são, não deixariam de comparecer, e pior, havia estendido o convite a Hyoga e seus amigos. Bem, quanto a Hyoga e o que conhecia a respeito do rapaz, em vista dos últimos acontecimentos, provavelmente não apareceria, ao menos torcia para isso. Graças aos Deuses acordou com o alarme pois, se fosse acordado no meio da algazarra e desse de cara com os ilustres amigos sem algum preparo psicológico seria no mínimo catastrófico.
Porém os eventos recentes ainda martelavam em sua cabeça, precisava conversar com alguém neutro quanto a isso, alguém de confiança e Aiolia sempre se mostrou receptivo. Costumava falar de tudo como quem tem uma visão panorâmica. Com isso, se armou de coragem, se arrumou e partiu para o quarto ao lado. Depois de bater, o amigo abriu a porta sorrindo e segurando uma escova. Milo sorriu, Aiolia era uma pessoa vaidosa que em nada se intimidava com isso. Cuidava do corpo, da pele e dos cabelos. De certa forma a mulherada parecia adorar isso sobre ele. Seguiu para o interior do quarto e no banheiro Aiolia pegou o secador de cabelos. Ainda estava sem camisa.
— Você ainda está na frente do espelho? — Milo questionou apenas para provocar.
— Claro, não se apressa a arte! Mas, estou finalizando… — Aiolia estava com a escova e um secador, ajeitando o cabelo e avaliando a obra.
— Cruzes, Aiolia. Você sempre leva horas para se arrumar, haja paciência! — Se acomodava na cama alheia como quem não quer nada. — Posso falar contigo?
— Levaria horas se tivesse esse seu cabelo aí… Como fui abençoado, levo apenas tempo suficiente para exaltar minha beleza natural. Aliás, já falamos sobre isso, não? Higiene e um pouco de cuidado não fazem mal a ninguém… Não enrola, Milo. O que você quer?
Milo relatou todo o acontecimento do dia, falou sobre os amigos traíras, sobre o lance do armário, a conversa com Hyoga e a descoberta do possível interesse amoroso do pobre rapaz para consigo. Aiolia escutava atentamente enquanto continuava a se arrumar.
— E foi isso…
— Milo, eu ainda não sei ao certo onde está o problema. Você conhece o Hyoga há anos, não? Por que não conversam? O problema é o Hyoga ser dois anos mais novo que você, ou o fato dele ser irmão de um amigo seu? Será que o problema é ele ser um homem, em nenhum momento você levantou esse ponto, ao contrário fez uma bela descrição do pau do cara, de verdade vou até reparar da próxima vez que ver ele por aí… Milo você está curioso ou com medo de dar o cu, mas não admite. Você por acaso já tocou no seu cu, Milo?
Enquanto falava Aiolia vestia uma camisa cinza chumbo e fechava os botões com precisão. Milo murchava agora sentado na cama sem disfarçar que aquelas palavras o abalavam. Com a última pergunta seu queixo praticamente despencou enquanto esbugalhou os olhos.
— Quê? Aiolia… Não é isso! O que quero dizer… É que ele deve estar confuso… Que papo é esse de cu... Você já?
— Ora, os Deuses me deram meu corpo para que eu o aproveite em sua plenitude...
— Mas, você já transou com outro cara?
— Milo, você escutou algo do que eu disse? Preciso desenhar? A questão aqui é você ter consciência corporal e saber aproveitar todas as nuances de sua anatomia. Mas se deseja saber sobre minha vida sexual, bem, eu falo disso abertamente e acho que será bom para você ouvir. Claro que sim, já perdi as contas, até... Já testei muitas possibilidades, a vida é uma só, meu amigo! Disso aí que você tem entre as pernas eu já chupei até o caroço, fui virado do avesso…
Milo boquiaberto, chocado em Atena. Ainda assim, computou mentalmente tudo que estava lhe sendo dito e agora mais uma vez sua curiosidade atacava, "Com quem será que Aiolia transou?", pensava enquanto enumerava todas as possibilidades.
— Mas, Aiolia, você não estava namorando aquela mina da Arquitetura?
— O que é namorar, Milo? Eu não carrego rótulos! Meus sentimentos não são mercadorias. Estávamos juntos, porém livres.
— M… Mas você tá saindo com alguém agora?
— Porque Milo, quer me convidar para sair?
— Nããooo, não é isso! — Chacoalhava as mãos ao ar um tanto nervoso. Aiolia riu até derramar uma ou duas lágrimas. Quando se acalmou falou pausadamente, esperava assim que Milo acompanhasse o raciocínio.
— Milo, para que fique claro para você, eu sou bissexual, sabe... O "B" do LGBT+ não é nem de bolacha, nem de biscoito. E não sei se você sabe, mas há muitos de nós por aí. E digo mais, pra mim, dentre os moradores dessa humilde residência, você é o mais gay de todos, só não se deu conta ainda.
Quando Milo achou que o dia estava encerrado quanto a grandes revelações, foi-lhe esfregado na cara que não, a cota de notícias bombásticas não havia acabado.
E tudo o que queria era uma conversa para reafirmar a si que estava tudo bem, que não tem nada demais acontecendo, que seu episódio recomendado para maiores de dezoito anos protagonizado mais cedo com a roupa de cama como testemunha, pensando em Hyoga não passasse de mera confusão mental.
Respirou fundo admitindo que estava cada vez mais confuso, perdido em pensamentos que apenas davam voltas e não chegavam em nenhum resultado, foi despertado por Aiolia, que voltou a falar.
— Milo, olha, você é um cara muito bonito. Hyoga é outro cara muito lindo e interessante. E você quer enganar a si mesmo se realmente o acha tão infantil assim. De fato ele tem uma carinha de nenê. Imagina como deve ser uma carinha linda de se ver, todo coradinho, levando umas, ou com um pauzão na boca, enquanto te olha? Tem cara de quem mama gostoso mesmo… Ai ai… Olha, Milo... Não vacila, hein! Vai perder um partidão!
— Aiolia, não! Não diz essas coisas, minha cabeça fica toda bagunçada… — As imagens se faziam em sua pobre mente, e que visões.
— Ahn… Milo, eu que digo não! Pare com isso, vá curtir a vida, não tem nenhum bom motivo para você não tentar. Se sentir vontade dê a bunda! Olha esse puta corpão que tu tem! Aproveita que tem outro cara lindo atrás de você e não enrola. Hyoga por onde passa deixa uma trilha de pescoços quebrados e suspiros. Todo mundo dá em cima dele e se não estou enganado, tem um outro carinha lá de olho nele. E está determinado e rodeando há um tempo... Fica esperto!
— Ah é, é? Quem é? — não conseguiu evitar a pergunta de deixar sua boca.
— Se importou, né? Para de drama e vai se resolver com o menino Hyoga! Olha Milo, no mínimo você está curioso. É só ser honesto com o cara e ver no que dá. Se meu gaydar estiver certo, com certeza quem vai sair ganhando com essa experiência é você. Para de ficar compensando exageradamente essa masculinidade. Não tem só um jeito de ser homem não. E se você realmente não quiser, deixa claro para o Hyoga e cada um que siga com sua vida. O mundo está cheio de possibilidades.
Aguardou para ver se Milo dizia mais alguma coisa, mas o amigo apenas ficou lá, estático, cobrindo o rosto com as mãos. Aiolia balançou a cabeça negativamente. Borrifou um pouco de perfume em seu peito e conferiu mais uma vez sua figura no espelho do quarto lançando uma piscadela para seu reflexo.
— Estou pronto, vamos descer? Pedi carona para o Kanon para comprar gelo e, ele já deve ter chegado.
Milo seguiu o amigo alisando a própria camiseta branca e pensando se deveria ter escolhido uma roupinha mais ajeitada. Lá embaixo a casa ainda estava vazia. Conforme previsto por Aiolia, o citado Kanon já aguardava para ajudar na compra de gelo, muito gelo. Saíram rapidamente pois em breve os convidados chegariam.
Milo ponderava se voltava para seu quarto quando Mu passa por ele apressado, sua expressão tranquila apesar disso. Ele que deveria ter aberto a porta para Kanon.
— Oi Milo, não tinha te visto ainda hoje. Nossa, que cara é essa?
— Boa noite Mu, está de saída?
— Daqui a pouco minha irmã passa aqui. A gente vai para a praia, sabe… Aproveitar as ondas no fim de semana na casa do nosso primo. Mas, que foi cara, você tá murchinho, algum problema na faculdade? Está precisando de algo? Eu já fechei todas as disciplinas se quiser alguma ajuda…
— Ahnn Mu imagina! Obrigado mesmo, nem esquenta comigo. Estou com algumas coisas na cabeça, mas na segunda-feira a gente conversa se eu ainda não tiver resolvido. Aproveite bem seu fim de semana! Vai levar a prancha?
— Já está no carro da Yuzu. Só separei algumas roupas e tal, a gente vai comprar comida no caminho para não pesar na dispensa do Shion… Quer ir com a gente, Milo? Sei que você curte a praia e a previsão é de tempo bom. Tem espaço no carro, vamos?
— Poxa, obrigado Mu! Quem sabe na próxima… Eu tenho mesmo que resolver umas coisas aqui.
Nesse momento escutaram as buzinas na entrada, sinal de que Yuzuhira, a irmã mais velha de Mu, já estava o aguardando. Só então Milo reparou na mochila que Mu segurava. O amigo sorriu de leve para ele.
— Se mudar de ideia ou se quiser me ligar, fica a vontade, ta bom? Eu surfo bem cedo, fico boa parte do dia tranquilo só ajudando o Shion na banca com os clientes e tal…
— Tá certo! Valeu mesmo o convite. Vamos combinar uma próxima.
— Com certeza. Vou nessa então, deixa um abraço para todo mundo e não derrubem a casa, hein! — acompanhou Mu até a porta.
— Pode deixar! — Milo respondeu vendo o outro rapaz deixar a casa com seus longos cabelos flutuando as suas costas. No fundo sabia que a chance da casa quase cair literalmente era grande. O pessoal sempre exagerava na bebida, misturava as coisas, vomitava e se agarravam por toda parte.
Às vezes a vida universitária era uma espécie de selva no cio… Do carro a irmã de Mu acenou, retribuiu o gesto e aguardou o veículo partir para voltar a entrar em casa.
Afundou no sofá enquanto pensava que Mu era um bom amigo e uma pessoa bem tranquila até onde sabia, nunca dava para ter certeza com esses tipos aparentemente certinhos. Apesar dele ser mais próximo do Shaka, com todo aquele lance de meditação e yoga, acabavam tendo alguma afinidade justamente pelo amor a praia. Mu era meio que o cara que cuidava de tudo na casa. Quando alguma tomada parava de funcionar, quando algo quebrava, ele sabia consertar. Engraçado que apesar dessas habilidades ele estudava Arte e não Engenharia como o Aiolia. Era da mesma turma do Afrodite, talvez por isso não tenha tido o impulso de conversar com ele primeiro.
Soou a campainha o tirando de seus pensamentos. Seu coração sem aviso disparou… Levantou-se para abrir a porta murmurando consigo mesmo.
“Talvez devesse ter aceitado o convite do Mu, mas agora não tem mais como escapar. Só tem eu aqui e tenho que abrir a porta…” — Abriu a bendita porta com o cu na mão pensando que podia ser Hyoga, sim não conseguia tirar o irmãozinho de Camus da cabeça, e dando de cara com um sorriso muito do malicioso.
— Milo! Sempre uma delícia te ver!
Continua...
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