História Destemida: Filha da Audácia - Combate e rendição

PDV NARRADOR

Hora do show, Hazel pensou. Ninguém concentrava-se mais em suas lutas que ela. Era como se dentro de sua cabeça tivesse um interruptor de liga e desliga. Desligou-se da plateia, dos gritos. Enquanto alguns usavam isso de incentivo, e Christina parecia uma dessas pessoas, ela os afastava. Seu único foco era observar os movimentos do adversário, seus trejeitos, seus sons, tudo isso entregava sua postura. Tudo era válido. Num primeiro momento, antes mesmo da luta começar, Hazel conseguiu perceber que Christina era canhota somente pela forma que ela segurava o bastão. E posicionou-se melhor para receber um ataque pela esquerda. Essa era somente a primeira diferença entre ambas. Enquanto Hazel lhe observava atentamente, sua adversária ainda estava distraída com a platéia.

Quando a luta começou, Hazel foi a primeira a se movimentar. Atacou Christina por baixo e pelo lado direito, que era visivelmente seu ponto mais fraco e lento. Ela se curvou ao receber o primeiro golpe e passou o bastão com uma força assustadora pela cabeça de Hazel, que se abaixou. Se não tivesse se abaixado, poderia facilmente ter deslocado o maxilar ou qualquer outro problema decorrente de uma pancada na cabeça. Hazel sentiu um pouco de dificuldade em atacar, e se ateve a movimentos mais defensivos. Christina tinha no mínimo uns 10 centímetros a mais que ela, e era bem mais forte fisicamente. Quando você tem um adversário maior e mais pesado, tem que evitar atacá-lo diretamente, desviar ao invés de bloquear os golpes para não receber o impacto da sua força, e abusar do elemento surpresa. Jamais baixar a guarda e, caso fosse uma luta sem arma branca, jamais deixar que o seu adversário lhe colocasse no chão. Alguém mais pesado e mais forte sempre tem a vantagem no chão.

Hazel desviava de seus golpes e lhe atacava sempre por baixo, de modo que Christina começou a proteger somente a parte direita, lateral e inferior do seu corpo. Bem como Hazel queria que ela fizesse, para poder atacá-la no lado esquerdo da cabeça. Alec percebeu sua estratégia, e orientou sua aluna.

- Bloqueie sua esquerda, Christina _falou.

Hazel ainda sim conseguiu golpeá-la, mas perdeu o elemento surpresa. Christina conseguiu proteger-se razoavelmente, embora dera uma tonteada. Recuou alguns passos. Hazel sentiu raiva apesar de saber que era o papel de Alec orientar. Ele tinha comentado igualmente a luta de Colin e Jonathan, dando instruções para melhorar seus ataques e defesas. Mas, naquele caso, estava ajudando somente um lado. Se tivesse a oportunidade, iria conversar com ele sobre isso depois. Não iria aceitar que ele lhe prejudicasse nas aulas, assim como também jamais aceitaria se algum dia ele lhe desse privilégios por causa do seu relacionamento. Ela gostava de ser justa, e nada mais que isso.

Aproveitou que Christina estava tonta e lhe golpeou inúmeras vezes, para lhe enfraquecer. Deu a volta rapidamente no seu corpo, e chutou seu joelho por trás. Mesmo caída em somente um joelho, Christina virou agilmente o bastão e o direcionou diretamente no rosto de Hazel. O golpe foi tão forte que Hazel chegou a virar a cabeça pra trás e quase caiu no chão. Sentiu gosto de sangue imediatamente. Ficou com medo de ter perdido um dente. Levou a mão a boca, e tocou um corte leve no lábio inferior. Levantou os olhos e encarou Alec. Imaginou que ele estaria satisfeito ao vê-la apanhar, talvez para descontar sua própria raiva, mas surpreendeu-se ao perceber que ele parecia aflito e preocupado. Olhou de relance para Christina e ela estava com a guarda abaixada. Hazel aproveitou para lhe atacar mais uma vez, agora com mais raiva do que antes. Utilizou seus melhores conhecimentos, e usou força que estava misturada com uma adrenalina repentina causada pelo ódio de ter sido golpeada no rosto. Provavelmente ficaria com a boca inchada. Merda. De. Luta.

Christina se defendeu como pode, mas quando tentou chutar o bastão de Hazel para longe foi golpeada fortemente no ombro ao mesmo tempo que o pé de Hazel puxou o seu pé de apoio. Sem ter como se segurar, ela foi com tudo ao chão. Bateu com o nariz, e sentiu uma dor de cabeça instantânea. Hazel percebeu que ela estava rendida, e abandonou sua posição de ataque. Abaixou-se ao lado de Christina, tentando observar se ela estava consciente ou sangrando. Não estava. Somente machucada. Hazel lhe estendeu a mão e quando ela aceitou, gritos e aplausos irromperam no salão inteiro. De relance, a ruiva olhou para a plateia e viu Erin, Louisa, Shaunee e Damien de pé gritando em plenos pulmões.

- Foi mal pela sua boca _Christina comentou enquanto ajeitava suas roupas, o cabelo e passava a mão pelo nariz.

- Será que você quebrou? _Hazel lhe perguntou, apontando para o seu nariz.

- Não. Só bati mesmo, não se preocupe com isso _Christina lhe estendeu a mão, e elas se cumprimentaram.

***

Enquanto Christina descia do palco, Hazel passou a mão pelo corte no lábio. Felizmente tinha sido mais na parte interior, próximo aos dentes. O que significaria que ela não ficaria com nenhuma cicatriz horrorosa perto da boca. Não era exatamente vaidosa, mas também não gostaria de ficar parecendo o Frankenstein. Virou-se lentamente a tempo de ver Alec caminhando até o centro do palco. Sabia que não tinha chances contra ele, mas iria se defender o suficiente para não apanhar mais ainda.

- Quer trocar de arma? _ele perguntou e sua voz ecoou pelo auditório que estava voltando a fazer silêncio para ver a nova luta.

- Sério? _Hazel o questionou com as sobrancelhas erguidas de surpresa.

- Você vai precisar de uma vantagem _ele disse tentando esconder um sorriso convencido.

Hazel deu de ombros. Caminhou até o mostruário e escolheu sua arma preferida. Um facão com lâmina de quase 40 centímetros. Pegou dois. Um em cada mão, e retornou para o centro do palco. Alec ficou lhe encarando com a cara desconfiada, e semicerrou os olhos vendo que ela tinha abusado da sua boa vontade.

- O que foi? Você disse vantagem _ela o provocou, girando habilidosamente uma das lâminas na mão. Afastou as pernas, flexionou os joelhos e ficou em posição de ataque.

- Acaba com ela _gritos soaram da plateia novamente, muitos aplausos e incentivos.

- Vai, Hazel _alguém gritou, e ela teve a impressão que fora Daniel.

Alec sorriu, e balançou a cabeça. Se concentrou e posicionou-se mais perto de Hazel. Foi o primeiro a atacar. Ela tinha duas armas enquanto ele só uma, então no início foi relativamente fácil defender seus golpes. Ele precisaria redobrar sua atenção e observar seus dois lados, ao invés de só um. E Hazel era extremamente habilidosa. Ele sabia disso melhor do que ninguém, afinal a maioria dos seus golpes ela tinha aprendido com ele.

De longe, Louisa, Erin, Shaunee e Damien observavam boquiabertos a luta. Louisa imaginou que Z deveria estar constrangida ou no mínimo braba com o fato de que lutar com seu ex na frente da facção inteira. Depois de alguns minutos lutando, Hazel conseguiu encaixar um golpe visualmente bonito e cortou o antebraço de Alec. Pingou sangue do ferimento no palco. Ele fez uma cara de irritado que até mesmo Louisa, do outro lado do auditório, sentiu um leve calafrio. No momento seguinte, Alec fingiu que iria atacar pela direita, mas chutou uma das lâminas de Hazel com a perna esquerda para longe. Ele virou-se agilmente de costas para ela, prendendo seu braço por baixo do dele. Desarmou-a de sua última lâmina e, com uma força descomunal, girou o corpo dela por cima da sua cabeça numa espécie de ippon. Hazel bateu violentamente com as costas no chão, e Alec segurou seu braço, imobilizando-a. Ela deu um grito. Erin e Damien encolheram-se com o impacto.

- Puta merda _algum dos dois resmungou mas Louisa não conseguiu identificar a voz, estava nervosa e concentrada na luta.

Hazel tentou sair da posição que estava, mas isso só lhe gerou mais desconforto. Ela gritou de novo, dessa vez de raiva.

- Rendição _Alec gritou novamente, como já tinha feito anteriormente para Jonathan que não queria se render por orgulho. Muitos alunos eram assim. Acreditavam que a rendição era ceder ao fracasso.

E então, finalmente, depois de agonizar por alguns segundos a mais, Hazel deu 3 tapinhas leves no ombro dele rendendo-se. Alec a soltou, e ela recolheu o braço com uma careta de dor. Todos gritaram, e levantaram-se de suas cadeiras, aplaudindo. A luta tinha sido incrível, e relativamente párea. Louisa sentiu-se orgulhosa dela. Sabia que Hazel era habilidosa pelo que falavam, e ela também tinha recebido a medalha de primeiro lugar. Mas ver isso em prática era outra história. Parecia uma pessoa invencível igual aquelas cenas de filmes. Ela se movia numa velocidade impressionante, e atacava com maestria. Tinha perdido para Alec, o que era algo normal porque ele era o professor. Mas não tinha passado vergonha. Muito pelo contrário.

- Está machucada? _Alec perguntou para Hazel enquanto lhe dava a mão para se levantar do chão.

Ela levantou-se, mas curvou-se colocando as mãos no joelho. Retomou o fôlego, respirou, ajeitou sua regata que estava torta e então finalmente cravou seus olhos em Alec. Ele estava incrivelmente lindo, mesmo sangrando e com a testa reluzente de suor. Hazel desviou o olhar. 

- Estou bem _respondeu com cara de poucos amigos, e lhe estendeu a mão para um cumprimento tradicional.

Alec segurou sua mão com o braço machucado, e Hazel, mesmo chateada, observou que seu corte não era profundo. Não precisaria de pontos. Menos mal. Sem olhar novamente nos seus olhos, ela se afastou ignorando os olhares da multidão.

Após isso, Alec continuou a dar aula. Explicou sobre as lutas, interagiu com o público, perguntou quais foram os erros dos adversários derrotados. Fez toda uma reflexão pedagógica e metódica. Hazel voltou para o seu lugar, onde Dan estava com uma garrafinha de água lhe esperando.

- Você é um anjo _ela agradeceu pegando a água de sua mão. Tomou quase tudo num gole só.

- Tome _ele lhe estendeu um lencinho branco. Ela não se importou em perguntar porque ele carregava um lencinho para as aulas, somente estava infinitamente grata por isso. Secou seu pescoço, a testa, as costas. Cuidou para não esfregar o corte na boca.

- Você foi maravilhosa _ele lhe disse.

Hazel sorriu e lhe encarou.

- Você acha? _falou com a voz trêmula e cansada.

- Tenho certeza _ele completou.

- Não foi bem assim que eu me senti _confessou. Estava com o ombro doendo. Alec tinha usado mais força do que o normal no golpe final. 

Queria sair dali, tomar um banho e se arrumar porquê de noite ainda teria festa. A festa tradicional de iniciação do ano letivo. A vida ali realmente nunca era monótona. 

Mas, antes de fazer tudo isso, iria tentar conversar com ele. Precisava disso.

***