- TEM A VER COM VOCÊ SER GAY?
- Hã? Como sabe?
- Eu sou seu pai. Eu sei de tudo - brincou.
- Já faz um tempo que sinto atração por homens. Mas nada mudou. Ainda sou exatamente a mesma pessoa que vocês conhecem, e odiei ter de guardar esse segredo de vocês.
- Você tem certeza?
- Realmente tenho. Faz muito tempo que eu sinto isso. E só agora estou à vontade para falar disso com vocês.
- É só uma fase?
- Não.
- Entendo. Estou feliz por ter me contado... Obrigado.
- Espera, só isso? Não vai querer me deserdar?
- E por que faria isso? Não é como se você fosse um assassino, um pederasta ou algo assim. Estou orgulhoso de você. Espero... que você seja feliz... Os dois...
Assentimos - e eu chorei.
- Tudo isso... foi necessário...
Um silvo agudo do aparelho. Por fim, meu pai fechou os olhos. Para sempre. Eu não chorava de tristeza, mas de felicidade - comemorava a vida do meu pai. Vivi o tempo todo com medo da reação dele diante da minha sexualidade, e no fim todo o medo foi algo tão tosco.
- A morte e a vida são uma só - disse e abracei minha irmã.
- Uhum. Uma vela se apaga, outra se acende. Agora, somos só nós dois, maninho.
É engraçado reparar em como a vida tem momentos de luz e escuridão. Em como a tragédia e a insanidade não existem de verdade. E tudo, tudo vale a pena no fim.
Há, de fato, beleza em tudo. Como escreveu Fabiane Ribeiro em A Menina Feita de Espinhos: "Há beleza na tristeza e na dor, até mesmo na raiva. E há beleza na vida, em suas despedidas e em seus desencontros. E também em suas artimanhas maquiavélicas, sempre adiando a felicidade."
Trinta de setembro, sexta-feira, o último dia do mês. Estávamos na aula de Língua Portuguesa, minha matéria preferida depois de Filosofia, mas minha mente estava distante. Eu havia falado com a senhora Neite no dia anterior e ela me contou que o Sauan havia lhe dito que estava amando Nova York e que não voltaria para o Brasil tão cedo. Isso me destruiu.
- Matheus! - a Karla, que sentava atrás de mim, me cutucou.
- O-Oi?
- A professora tá te chamando.
- Ah, s-sim?
- Traga sua atividade para eu dar o visto.
- Sim.
Pus o caderno na mesa dela - eu me sentava na primeira carteira, de frente para a mesa do professor. A Maria Amélia, professora de Língua Portuguesa, vistou meu caderno e mo devolveu.
- O que houve, Matheus? - ela perguntou. - Hoje você está meio desligado.
- Desculpe, professora. É que meu pensamento está longe. - Nos Estados Unidos, para ser exato.
- Tudo bem. É a adolescência.
- Com licença, Maria Amélia - a coordenadora, Sebastiana, apareceu na porta. - Ligação para o Matheus.
- E-Eu?
- Sim. De uma senhora chamada Neite.
- Com licença, Maria Amélia?!
- Claro.
Acompanhei a dona Sebastiana até a secretaria, onde ela me deu o telefone sem fio.
- Alô, dona Neite.
- Matheus, preciso que venha para cá urgentemente.
- O que houve?
- Não dá para explicar. Preciso... que venha... aqui para casa agora. Pelo amor de Deus, rápido!
- Tá bem, tá bem. Eu já estou indo. - Desliguei o telefone e me virei para a coordenadora: - Aconteceu algo muito, muito grave com ela, eu tenho de ir ajudá-la. A não ser por mim, ela não tem mais ninguém - menti.
- Tudo bem. Não se preocupe com seus materiais, guardaremos eles.
- Obrigado.
Saí do colégio às pressas. Corri por um tempo, desviando de árvores, transeuntes, animais, lixeiras, parando antes de atravessar ruas, até finalmente chegar ao casarão dela. Toquei o interfone e ela destrancou o portão para mim.
- Senhora Neite, o que houve? - perguntei quando ela abriu a porta.
Notei que ela estava bem vestida demais para alguém tão desesperada. Ela usava um vestido vermelho longo, sapatos de salto e o cabelo solto pelas costas. Estava maquiada, com um batom vermelho mais discreto, os olhos pintados com motivos egípcios.
- Por favor, eu peço que não se irrite, mas nada grave aconteceu. Sente-se, por favor...
- Eu não entendo. Se não aconteceu nada, por que me tirar da aula? Dona Neite, eu estou perto de fazer o ENEM.
- Eu sei, mas tenho algo para você.
A porta se abriu.
- Mãe, cheguei! O que aconteceu de tão grave que a senhora me ligou ontem e me fez voltar dos Estados Unidos e... e... Mamá?
Virei-me para trás.
- S-Sauan?
Fora uma artimanha da senhora Neite para nos encontrarmos? Ela disse, a nós dois, que algo urgente estava acontecendo? E assim nos reunimos? Fora isso?
- Acho que o meu plano funcionou - ela falou, sorrindo.
Sim, fora isso, mais ou menos...
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