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História Destinos Entrelaçados - Manhã de Natal


Escrita por: Imagination

Notas do Autor


Antes de mais nada, muito obrigada pelas reviews, pelos favoritos, seguidores e leitores novos!
Fico muito feliz por ver que há cada vez mais pessoas interessadas em ler o que escrevo e vou continuar a fazer os possíveis para continuar a merecer a atenção de todos *

Capítulo 26 - Manhã de Natal


Manhã de Natal

Os olhos de tonalidades acinzentadas piscaram algumas vezes antes de notar que a porta de casa se tinha aberto e fechado pouco depois. Pelas frechas da persiana da sala, podia deduzir que ainda era bem cedo e por isso, só conseguia imaginar que devia ser o pai para a corrida matinal. Algo que ele também fazia, embora com as aulas, normalmente optasse por fazer isso à noite.

Em condições normais, acompanharia o pai, mas as dores de cabeça, a boca seca e o sono acumulado, fizeram com que cobrisse novamente com o cobertor. Dormiu mais algum tempo até concluir que precisava de um duche para desanuviar a cabeça que além de lhe doer, parecia pesar muito mais do que o normal.

A casa continuava silenciosa, o que indiciava que as visitas ainda dormiam e por isso, teve o cuidado de arrumar as suas coisas sem fazer ruído. De seguida, passando pelo corredor, notou que a porta do quarto estava aberta. No interior, não estavam os seus pais, pelos vistos os dois tinham saído sem avisar, mas como as suas malas estavam ainda pelo quarto imaginou que não devessem demorar.

Sendo assim, aproveitou para ir ao guarda-fatos retirar algumas roupas limpas e dirigiu-se à casa de banho. Fechou a porta com chave, não fosse algum dos adolescentes sonolentos abrir sem bater ou sem sequer se aperceber que estava alguém no interior. O senso comum não funcionava na cabeça de todos e por isso, sabia que mesmo que vissem a porta fechada se não tivesse com a chave, ainda poderiam tentar abrir.

Se bem que acho que a Hanji fazia isso de propósito”, dizia a si próprio em pensamento e bocejou enquanto tirava a camisa, “Por falar nela, será que ela e o Irvin já se entenderam?”.

Abriu a torneira da banheira e recriminou-se por estar a pensar na amiga logo pela manhã. Tentou convencer-se que de todos os pensamentos que podia ter, aquele não era o melhor para começar o dia que já tinha dores de cabeça suficientes.

Após um duche que serviu pelo menos para se refrescar um pouco, ouviu alguns murmurinhos no quarto de hóspedes. Deduziu que Mikasa e Annie estivessem acordadas. Isso significava que em breve, os amigos também poderiam acordar e isso significava quererem comer qualquer coisa.

- Tch…

Nunca pensei que vir ser professor para este fim do mundo me desse a infeliz oportunidade de andar a preparar refeições para pirralhos. Mais do que professor, já pareço um voluntário em África”, pensava mal disposto e ao passar pela sala viu que Eren estava a levantar-se, mas assim que o viu, virou o rosto. “Será que ele pode ser um pouco mais óbvio? O que se passa com aquele miúdo? Só de olhar para ele, fica…”.

E então, como se fosse um flashback repentino da noite anterior, as coisas começaram a fazer sentido. Os copos de vinho a mais, o fato de Eren ter vindo ter com ele durante a noite para lhe desejar os parabéns, a troca de palavras…

- Foda-se… - Murmurou ao entrar na cozinha.

Queria bater com a cabeça no armário da cozinha, mas isso iria piorar as dores. Quem é que tinha que ser discreto? Claro, o vinho, a temperatura, as hormonas que pensava que tinha sob controlo e o Eren que não sabia ficar longe numa situação daquelas. Agora que pensava sobre a situação, imaginava como aquilo podia ter acabado muito mal, bastando que para isso alguém os tivesse visto. À medida que recordava o que tinha feito, chegava à conclusão que se censurava muito mais pelo que tinha dito. Sem pensar e por instinto do momento, acabou por declarar-se e por muito pouco que o conhecimento do adolescente fosse da língua francesa, “Je t’adore” não é um mistério.

Talvez aquilo não pudesse ser considerada uma declaração válida devido ao estado ébrio em que estava. Era disso que se tentava convencer, só que ao mesmo tempo, pensava na hipótese do rapaz ter encarado aquilo com seriedade. O que devia dizer depois disso? Concluiu que o melhor seria não dizer nada, afinal aquele tipo de conversa não era o seu forte. Nunca tinha sido porque…

Nunca disse isso a ninguém”, colocou mais algumas torradas no prato, “Essa era a razão para não lhe querer dizer nada disso. Podíamos ter passado bem sem essas coisas porque depois de dizer algo assim… eu simplesmente não sei o que fazer ou esperar ou se ele espera que alguma coisa seja diferente”. 

O cheiro das torradas da cozinha acabou por acordar os restantes convidados que dormiam na sala. Assim que viu Jean de pé, Eren esqueceu momentaneamente do seu embaraço relativamente a Levi e praticamente puxou o seu amigo, murmurando:

- Precisamos falar.

- Eren, por favor logo pela manhã não. – Pediu Armin, pensando que o amigo queria mais uma vez iniciar alguma discussão descabida.

- É importante. – Frisou Eren num tom mais baixo a Jean que reconsiderou a sua resposta.

- Que não demore muito porque tenho fome. – Respondeu. – Está tudo bem, Armin. Prometo que da minha parte, vou-me comportar.

- Sim, não é nada de grave. Só preciso mesmo de falar com ele. – Assegurou Eren, fazendo sinal para saírem mesmo da casa do professor.

Ainda com os cabelos desalinhados e roupas amassadas pela noite de sono, os dois jovens saíram e pararam perto do elevador. Antes de começar a conversa, o rapaz de olhos verdes olhou mais uma vez para a porta do apartamento para ter a certeza que ninguém tinha vindo atrás deles. Aquela conversa não devia ser ouvida pelas pessoas erradas e por isso, iria tentar fazer o possível para manter o tom de voz o mais controlado possível.

- O que queres tão cedo pela manhã, Jaeger?

- Se ainda não soubesse que andavas com o Armin, o fato de terem dormido juntos no sofá e quase se terem comido ali comigo mesmo ao lado, tirava qualquer dúvida.

- O Armin disse-me que te contou por isso, achei que não te incomodavas. – Respondeu Jean encolhendo os ombros e bocejou.

- E não me incomodaria, se não soubesse a verdade.

- Que verdade? – Perguntou num tom pouco satisfeito.

- Estás a brincar com ele, Jean. A mentir-lhe e eu não vou ficar de braços cruzados. Portanto isto é o primeiro e último aviso, afasta-te dele. – Falou Eren num tom ameaçador e encarando-o.

- O Armin já tem idade para cuidar da vida dele. Além disso, não lhe estou a mentir, Jaeger. – Disse, carregando na ironia ao dizer o nome do amigo. – Achas mesmo que ia brincar com ele? Não me coloques num nível tão baixo.

- Disseste-lhe que deixaste o teu trabalho e eu sei perfeitamente que isso não é verdade. Estás a brincar com ele.

- Eren! – Disse num tom num pouco mais alto. – Eu gosto dele. Nunca faria algo tão baixo como brincar com os sentimentos do Armin.

- Então porque lhe estás a mentir?

Jean desviou o olhar, passando a mão nos cabelos e após algum silêncio, voltou a encarar o rapaz que à sua frente cruzou os braços, esperando uma resposta.

- Como achas que vou manter aquele apartamento e o carro?

- Jean…

- Mete uma coisa na tua cabeça, Eren. Tu podes contentar-te em ter dois ou três trabalhos que te pagam uma merda para andares sempre a contar os trocos, mas eu não sou assim. – Falou e viu que Eren revirava os olhos, indiciando que não estava a gostar do rumo da conversa. – Quero poder dar-lhe um bom sítio para vivermos, quero poder levá-lo a algum lado se me pedir. Quero ter dinheiro para viajar ou ir comer fora. Como queres que faça isso com um trabalho normal?

- E achas que ele vai ficar feliz ao saber que tem todos esses bens materiais porque o namorado anda a dar o cú todas as noites? – Perguntou, quase cuspindo as palavras.

- Não tens muita moral para falar, Eren. Pensaste no mesmo quando chegaste à conclusão de que não havia forma de conseguires tanto dinheiro em tão pouco tempo.

- Quem…? – Ia perguntar e Jean interpelou-o:

- Ninguém me contou, simplesmente ouvi a Annie a falar com o Bertholdt sem querer e percebi que lhe tinhas ido perguntar coisas sobre o assunto. Depois disso ela ficou nervosa como sempre que se trata de algo sobre ti e lá convenceu o sargento a ir ajudar-te.

- Seja como for, as minhas razões e as tuas são muito diferentes. Eu queria salvar a vida da única pessoa que nos acolheu como família e já tu, fazes por um par de sapatilhas novas ou por umas calças de marca. – Retrucou.

- Nós somos diferentes. Contentas-te com uma vida simples, mas sabes muito bem que se fizesse tudo direitinho como mandam os bons costumes… - Ironizou. – Seria mais um coitado que é explorado no trabalho para receber uns tostões. E ia sair da casa dos meus pais, quando? Aos trinta? Ou quem sabe, nunca saísse. Ser honesto e ter um trabalho decente só me faria contar tostões e eu não quero passar o resto da minha vida assim. Já discutimos sobre isso. Sei que pensamos de forma diferente, mas pensei que tínhamos concordado que não te metias na minha vida e eu não me metia na tua.

- E não queria, mas com o Armin na história, as coisas mudam de figura. – Falou. – Não quero que o magoes. Não admito que tu, nem ninguém lhe faça mal.

- Mas eu só quero dar-lhe tudo o que ele merece, será que é assim tão…?

- Mas ele não vai querer desta forma! Se lhe mentires… eventualmente, vai descobrir a verdade e eu não vou suportar vê-lo triste. Ele não quer bens materiais, ele não quer uma boa vida a qualquer custo. – Disse, tentando chamar o amigo à razão. – Ele quer estud…

- Estudar, seguir uma boa carreira, conseguir um trabalho e ter uma casa e as coisas dele de uma forma correta e honesta. Eu sei.

- Se sabes…estou a pedir-te que reconsideres.

- Eren…

- Por favor. – O pedido fez Jean olhá-lo com surpresa. – Estou a pedir-te que não o magoes. Só isso.

Ouvir Eren Jaeger pedir daquela forma por alguma coisa não era coisa comum, sobretudo se fosse na direção de Jean que não conhecia aquela expressão que lhe era dirigida. Se bem que até ele sabia que pelos amigos, o rapaz de olhos verdes estava muitas vezes a deixar o orgulho de lado e naquele momento, testemunhou isso mesmo. Por um lado, isso confirmava a sua ideia de que os laços que os ligavam era muito importantes, por outro sentia-se na obrigação de pelo menos, reconsiderar algumas coisas que tinha escutado. Não que temesse as ameaças, mas receava algo pior e isso era ver Armin desiludido e em lágrimas por causa dele. Ele não queria isso, sabia que não. Soube-o, a partir do momento, em que se apercebeu que ao lado do rapaz de cabelos loiros não precisava de ser outra pessoa que não fosse ele mesmo.

Estar ao lado dele era tão simples e natural que começou a tornar-se mais do que um hábito, acabou por transformar-se numa necessidade. E se por vezes, ficar do seu lado era reconfortante, também havia outros momentos em que o coração de batimentos normais passava a uns mais fortes. Se aliasse isso, ao frio na barriga que sentia ao vê-lo sorrir, não havia forma de negar… a partir daí, soube que estava enredado demais para escapar.

Queria estar ao lado dele. Queria ser a razão por detrás daqueles sorrisos. Queria ouvir a sua voz que lhe falava com tanto entusiasmo dos dias na escola ou de algo que tinha acontecido com os seus amigos. Queria aqueles olhos azuis apenas o vissem a ele.

Ao ter esse tipo de pensamento de forma recorrente, soube que estava irremediavelmente apaixonado e é verdade que os dias de trabalho se tornaram mais difíceis. Mesmo que tentasse não pensar em nada nos encontros com os clientes, teria que admitir que antes era mais simples abstrair-se e imaginar que não estava em mais uma cama, com mais um desconhecido.

No entanto, desde que admitiu os seus sentimentos, tudo era mais complicado e não conseguia evitar sentir-se culpado cada vez que olhava para o dinheiro nas suas mãos e se recordava do que tinha feito para o ter. Pensava no que diria Armin se soubesse que mentiu mais uma vez. Perguntava-se sobre o que diria quando soubesse que as idas ao cinema ou os jantares fora tinham sido pagos por noites como aquelas.

Esse tipo de pensamentos por vezes, arruinavam-no por completo. Ficava na cama grande parte do dia e apenas ao fim do dia, arrastava-se para fora da cama. Logo vinham os outros pensamentos que lhe diziam que não podia simplesmente desistir. Tinha contas para pagar e luxos para manter e vivia nesse ciclo vicioso de sentimentos contraditórios.

No fundo, tudo aquilo acabava por dar uma certa razão às palavras do amigo, mas jamais o diria em voz alta. Apenas diria algo para o reconfortar no momento.

- Nunca o quis magoar, Eren. Podes não acreditar, mas eu gosto dele… e não há coisa que deseje mais do que vê-lo feliz.

Essa resposta foi o suficiente para Eren relaxar a sua expressão e postura. Embora, parte dele também se sentisse derrotado porque olhando Jean nos olhos, não conseguia desmentir o que ele tinha dito. De alguma forma, conseguia perceber que não lhe tinha mentido sobre os seus sentimentos.

- Se é assim, isso é tudo o que me interessa. – Disse Eren mais calmo e ia virar-se para voltar ao apartamento quando se lembrou de algo. – Ah a propósito, tens que se mais autoritário.

- O quê? – Perguntou o Jean sem perceber.

- O Armin quer possivelmente que compres um chicote. – Falou, tentando conter o riso e falhando miseravelmente.

- Caralho! Do que é que vocês falam, afinal? Porque é que ele te conta essas coisas?!

- Somos amigos, ainda que deva dizer que mesmo conhecendo-o há tanto tempo, ele conseguiu traumatizar-me. – Admitiu Eren. – Pensava que ele era bem mais inocente.

- Não fazes ideia de quem estás a falar… - Deixou escapar sem pensar.

- Porque dizes isso?

- Falaste nessa coisa de ser autoritário, não foi? – Eren confirmou com um aceno. – Imagina que pedi que exemplificasse para perceber o que ele queria exatamente. – A cara do amigo denunciava duas coisas contraditórias: “não sei se quero ouvir isto” e “mas há uma parte de mim que quer saber… puta que pariu a curiosidade!”.

- E ele exemplificou? – Arriscou perguntar.

- És familiarizado com o role playing? – Perguntou. - Interpretação de personagens. – Explicou sumariamente. – Imagina que de repente, digamos com ele em cima de mim, bate-me na cara e diz “Geme, puta!”.

O choque durou cerca de três segundos antes de Eren deixar soar uma gargalhada ao imaginar a cena. Estava tão distraído a rir-se e com o Jean a pedir que fizesse menos escândalo que os dois nem se aperceberam do ruído do elevador, até que as portas deste se abriram. Do seu interior, saiu alguém que fez Eren parar de rir e ficar surpreso.

- Hanji?

- Olá meu querido! Feliz Natal! – Disse, abraçando-o depois de deixar algumas sacas no chão.

- Feliz Natal, Hanji. – Falou um pouco sufocado, mas ao mesmo tempo divertido com a reação afetuosa daquela professora.

- Vim trazer os presentes de Natal e ter uma conversa privada com o Levi. Ia passar pela tua casa depois, mas… acho que me escapou qualquer coisa.

- O sargento “convidou-nos” para passar o Natal cá na casa dele. – Explicou Jean sem entrar em detalhes.

- O Levi? Oh meu Deus, os fins dos tempos aproximam-se. – Disse, fazendo os dois rapazes lutarem por conter a vontade de rir.

Sem mais demoras, Hanji dirigiu-se à porta do apartamento de Levi e ia entrar quando esta se abriu e viu o amigo à sua frente que tinha vindo chamar os dois adolescentes.

- Han…

Não teve tempo de acabar de dizer o nome porque foi agarrado por um dos braços e puxado para o interior de casa. Passou pelos seus alunos e amigos destes que os encararam curiosos enquanto organizavam na mesa as coisas relativas ao pequeno-almoço. Cumprimentando todos rapidamente e sem largar o braço do homem de cabelos negros continuou o seu percurso até entrar na cozinha e trancar a porta.

- Posso saber o que estás a fazer? – Perguntou Levi irritado, puxando o braço bruscamente para que a amiga o largasse.

- Primeiro, morri de vergonha porque contaste ao Irvin algo que pensei que era suposto ficar entre nós, depois fiquei possessa de raiva por teres contado algo assim e por fim, comecei a pensar que o fizeste porque…

Levi virou o rosto e optou mesmo por ir até um dos armários, retirar um pacote de bolachas.

- Estás feliz? – Foi a única coisa que perguntou.

Hanji deixou as sacas que trazia na mão caírem no chão e levou uma das mãos ao próprio rosto, tentando segurar lágrimas e não controlando o sorriso.

- Não mudas, Levi…

Ele olhou de soslaio, dizendo:

- Não sei do que estás a falar. Simplesmente, falei a verdade. Se gostavam um do outro e estavam a usar-me como muro das lamentações em vez de falarem um com o outro, não tive escolha.

Hanji manteve o sorriso, lembrando-se o quanto aquela aparência indiferente enganava as pessoas acerca da personalidade do amigo. Desde que o conheceu, desconfiou que mais do que alguém atraente e distante…que ele escondia mais qualquer coisa. Com o tempo em que o perseguia para todo o lado, insistindo em criar laços de amizade, chegou à conclusão de que ela não lhe era totalmente indiferente. Em algum momento, a insistência, as suas palavras e gestos derreteram ligeiramente aquela barreira de gelo que criava à volta dele e afastava quem se tentava aproximar.

 

Flashback

Um jovem de cabelos negros bocejou novamente. Os olhos acinzentados estavam cansados por ter passado mais uma noite ao telefone com a sua candidata a amiga, a falar de coisas completamente absurdas. Aliás, teria que ser mais específico, ela produziu mais de 90% da conversa e não é que pudesse desligar a chamada. Ela voltaria a ligar novamente, não só para o seu telemóvel como para o telefone de casa. E se por um lado, podia desligar o aparelho que só ocasionalmente usava como despertador, não podia desligar o telefone de casa que acabaria por incomodar os pais.

Portanto, aturar as chamadas noturnas da colega de escola não era opcional.

Fechou o cacifo e ao olhar para um dos lados, viu alguns sorrisos na sua direção. Revirou os olhos e virou as costas, adentrando nos corredores ainda pouco movimentados. Decidiu ir mais cedo para a escola para escapar à colega que desde que descobriu onde era a sua casa, insistia em querer acompanhá-lo.

Consequentemente, sempre que podia, tentava escapar e levantava-se bem mais cedo para não ter que ouvir conversas descabidas logo pela manhã.

Passou diante das salas dos clubes e o último que havia naquele longo corredor era o de ciências. Estava mesmo a chegar à zona das escadas para subir para o andar de cima quando ouvir o nome de Hanji, fez com que parasse.

- Só quero que seja claro o suficiente para ela não se meter no meu caminho.

- Só queres que a ameace?

- Se quiseres ir além disso, pouco me importa. Só quero que saia do clube e pare de tentar tirar um lugar que não lhe pertence. Humpf, aquela desequilibrada pensa que é a queridinha dos professores só por saber meia dúzia de coisas.

Estou tão feliz, Levi. Se o projeto do clube de ciências seguir as minhas indicações, o professor disse que poderemos participar nas olimpíadas de ciências daqui a dois meses. Não imaginas como foi importante ouvir aquilo! De alguém que admiro tanto e tem tantas publicações!”. Ele recordava perfeitamente o entusiasmo do dia anterior que o perseguiu até na chamada que o manteve acordado parte da noite. Sabia que era normal que houvesse invejosos em todo o lado, afinal ele próprio já tinha lidado com isso em mais do que uma ocasião, mas ao espreitar e ver que uma miúda qualquer pedia ajuda a meia dúzia de amigos que só deviam ter físico e não um cérebro… isso fez com que pensasse no que poderia acontecer.

Ponderou em ameaçá-los ali, mas sabia que com o seu temperamento, aquilo iria escalar sem dúvida para a violência física. O que na escola não era uma boa ideia.

Assim, a sua forma de atuar naquele dia foi diferente do normal.

- Vou até ao bar comer qualquer coisa. Queres vir? – Perguntou Hanji que embora já soubesse a resposta, sempre perguntava com a esperança de que alguma vez as palavras fossem diferentes do habitual.

- Nã… - Levantou-se da mesa, fechando o livro. – Vamos ao bar.

Surpresa, sorriu ainda mais.

- Dás-me a mão?

- Claro que não. – Respondeu, caminhando ao lado da colega.

Durante o dia, Hanji estava mais feliz do que nunca, não só pelo seu projeto no clube de ciências, mas sobretudo porque Levi parecia querer passar mais tempo com ela. A certa altura, estranhou um pouco o comportamento, mas decidiu não fazer perguntas.

- Vais para casa, Hanji?

- Hum, ainda vou ao centro fazer umas compras. A minha mãe pediu-me que comprasse algumas coisas no caminho de regresso.

- Ok. Então, vou contigo.

- Huh? A sério? – Perguntou surpresa. – Mas tu nunca…

- Também preciso comprar umas coisas. – Mentiu.

A caminho do centro da cidade, notou como o colega ao seu lado parecia observador do espaço ao redor deles, embora tentasse disfarçar. Isso levou Hanji a ficar mais atenta e eventualmente, ao atravessarem o parque notou a presença de uma colega com quem andava no clube de ciências.

- Hanji importas-te de ir andando na frente? Já vou ter contigo.

- Ah, sim eu vou, mas…

- Vai andando, Hanji. – Repetiu e assim que se viu sozinho, a expressão indiferente mudou ligeiramente e foi diretamente ter com aqueles rostos que tinha visto bem cedo pela manhã e que durante todo o dia, tinham andando a observá-los de longe. – Vou avisar uma única vez: se lhe fizerem alguma coisa, um arranhão que seja… vão desejar nunca me ter conhecido.

Como era esperado, os rapazes riram e mesmo a rapariga que não queria sujar as próprias mãos, lançou um olhar irónico na sua direção.

- Oh Levi sempre te julguei com os melhores gostos, mas acho que a loucura dela te deve ter contagiado. É uma pena. Tão bonito e tão…

- Sei que querias ter metade da inteligência que ela tem, mas alguns são naturalmente talentosos e trabalham para isso e outros nem que tentassem. – Respondeu, olhando-a de cima abaixo com desprezo. – Aposto que esses otários que andam atrás de ti como cães numa trela, só o fazem porque deves ter aberto as pernas para eles e para meia escola. Ou será que a tua boca tem outra utilidade que não seja cuspir merda?

Aquelas palavras foram o suficiente para esquecerem completamente o propósito anterior. Os rapazes ainda subestimaram Levi pela sua altura, o que acabou por mostrar ser terrivelmente enganador tendo em consideração tudo o que se seguiu.

Em pouco tempo, todos estavam no chão e a única ainda de pé, correu aterrorizada embora o adolescente que agora ajeitava as mangas da própria camisa, não tivesse qualquer intenção de lhe tocar.

Assim que pegou na sua mochila, viu a alguns metros mais adiante Hanji com um ar que não conhecia na sua colega até então. Era uma expressão triste que o fez ir ao seu encontro, intrigado.

- O que foi? Não me vais dizer que estás com pena deles.

- Não, mas… eles não seriam um problema teu, se não me tivesse colado a ti desde que a escola começou. – Falou com tristeza e chutou uma pequena pedra no chão, incapaz de olhar para o rapaz à sua frente. – Por ser assim… estranha, estas coisas acabam por acontecer. Acabo por sorrir e dizer que tenho amigos na escola, mas a verdade é que sei que evitam estar comigo e que preferem que fique no meu canto metida no meu mundo de teorias. Sem tu quereres… trouxe-te para a minha vida. – Sorriu com lágrimas no rosto. – Agora penso senão seria melhor ter-te deixado no teu espaço porque no fim de contas, és alguém bem mais especial do que imaginam. És alguém que se importa com os outros, senão terias ignorado isto e não te terias metido nesta confusão. – Deixou escapar mais lágrimas.

- Não aconteceu nada de grave. Estou bem, não me tocaram se é isso que te preocupa. – Disse, tentando tranquilizá-la e não sabendo o que fazer ou dizer ao certo para reconfortá-la já que não era nada o seu ponto forte.

- Talvez fosse melhor ser como os outros e…

- Achas que eras mais feliz sendo outra pessoa que não tu mesma? – Perguntou Levi, fazendo a rapariga que já tinha tirado os óculos para limpar as lágrimas, olhar para ele surpresa e ele virou-lhe as costas. – Esquece os outros. Não sejas mais uma na multidão. Não te apagues por causa de outros que não merecem que fiques assim. Eu… posso não entender sempre o que pensas e até posso discordar, mas… não é que me incomode de passar tempo contigo. Normalmente, passo o tempo sozinho e se não te tivesses apresentado naquele dia, provavelmente não estaríamos aqui. Não me arrependo desse dia, Hanji… mas se te arrependeres e te quiseres perder na multidão, só tenho que voltar a… - Antes que pudesse terminar a frase, sentiu dois braços à volta do seu pescoço e abriu os olhos surpreso.

- Não, não me arrependo… - Deixou escapar um soluço, escondendo o rosto no ombro do rapaz que permanecia imóvel. – Obrigada… obrigada por dizeres que não há problema em ser como sou. Obrigada por quereres ficar ao meu lado, mesmo sendo assim. E independentemente do que os outros disserem, também não quero que mudes.

Levi deixou escapar um sorriso discreto e levou uma das mãos até ao cabelo de Hanji, dizendo:

- Não vou mudar, Hanji e tu também não… é uma promessa. – Fez uma pausa, ouvindo mais um soluço. – Agora, será que te podes afastar? Estar a sujar a minha roupa com lágrimas e sabe-se lá mais o quê.

Hanji riu, desculpando-se.

- Tch… - Retirou um lenço dos bolsos e deu à amiga. – Vá, limpa a cara e volta a pôr o sorriso estúpido do costume.

Fim do Flashback

 

Era uma recordação vívida naquele momento e por isso, aproximou-se do amigo, abraçando-o tal como daquela vez. Isso surpreendeu-o, mas tal como daquela vez não teve o instinto de empurrá-la. Simplesmente deixou que o abraçasse e acabou por repetir o mesmo gesto daquele dia. Levou uma das mãos até aos cabelos longos de Hanji que sorriu.

- Já não somos miúdos, Hanji. Descola. – Disse ao fim de algum tempo e ela desfez o abraço e então, foi até uma das sacas e entregou dois embrulhos ao Levi.

- Parabéns e feliz Natal!

- Obrigado. – Agradeceu, pegando nos dois embrulhos. – O teu presente está no meu quarto. Podes ir buscar. Está sempre em cim…

Ainda não tinha acabado de falar e ela já tinha saído apressada para ir buscar o presente. Abanou a cabeça e resolveu, abrir um dos presentes. O de Natal era um cachecol que aparentemente tinha sido feito manualmente a julgar pelos pontos mal feitos.

Ela devia parar de insistir em dar-me coisas feitas à mão”, concluiu ao olhar para o cachecol com formato estranho. Pousou o tecido sobre o ombro e pegou no outro embrulho que abriu com a certeza de que se tratava de algum livro pelo peso e forma. E de fato era um livro, mas não um livro qualquer. Era a primeira edição de um dos seus autores favoritos. Era algo no mínimo caro e improvável de ser encontrado.

Sorriu um pouco, passando a mão sobre a capa do livro.

Tem sido assim todos os anos, desde que a conheci. O presente de Natal é sempre algo estranho e dos meus anos… acaba sempre por me surpreender. Ela não muda”.

Eren ia entrar na cozinha para chamar o professor, depois de ter visto Hanji sair, mas parou na entrada ao vê-lo olhar para o presente com um sorriso.

A Hanji sabe que tipo de presente ele gosta e que o deixa assim… e pensar que não só não lhe comprei nada, como também nem saberia comprar algo de que ele gostasse”, concluiu, suspirando desanimado.

- Eren? – Chamou Levi ao notar a presença do rapaz na porta da cozinha.

- Huh? – O rapaz despertou dos seus pensamentos. – Ah, vim chamá-lo para comer qualquer coisa. Estão todos à espera na mesa. Não queríamos começar sem que estivesse na mesa. – Desviou o olhar e regressou à sala sem dizer mais nada.

Levi estranhou um pouco, sobretudo por momentos antes tinha apanhado a expressão mais abatida do rapaz e não entendeu a razão. Restava-lhe perguntar mais tarde ou pensar que não era nada de grave. Assim que entrou na sala, viu os adolescentes à volta da mesa e teve que se desviar de Hanji que tentou abraçá-lo para agradecer pelo perfume que lhe tinha comprado.

O que todos não sabiam é que os presentes ainda não tinham acabado. Descobriram isso quando depois do pequeno-almoço tomado, os pais de Levi chegaram a casa com vários embrulhos. Pelos vistos, Catherine não tinha resistido à tentação de comprar presentes para as visitas que surpresos agradeceram e abriram mais presentes naquela manhã de Natal.

- A propósito, vi um homem alto de cabelos loiros encostado a um carro lá fora. Disse que estava à tua espera, Hanji. Era bem elegante e simpático.

- Deixaste o Irvin lá fora? – Perguntou Levi num tom mais baixo.

- Ups, pedi que esperasse um bocadinho porque só ia entregar o teu presente e descer. – E acrescentou num tom mais baixo. – Ele tem ciúmes de ti. Não quis que discutissem por minha causa.

- Hanji… precisas de terapia urgente. – Comentou Levi, revirando os olhos. – Vai chamar o Irvin.


Notas Finais


Preview:
« (...)Logo agora que estava a habituar-me a sentar-me perto de pessoas que não devem ter as regras mais básicas de higiene. Nada como a ausência do desodorizante para alegrar o meu dia.
Eren riu mais abertamente com a ironia evidente naquelas palavras e depois, desviando o olhar, disse:
- Pelo menos assim, vais poder acordar mais tarde e não perder tanto tempo em transportes públicos. Embora… - A animação desvaneceu por momentos. – Assim deixe de te ver pelas manhãs. Mesmo que não possa sentar-me ao teu lado…
- Não vou passar a ir todos os dias para a escola de carro. – Eren olhou para o professor surpreso enquanto este continuava com atenção à estrada. – Já viste o preço a que está o combustível?
O rapaz deixou escapar outro riso.
- E eu a pensar que ias dizer qualquer coisa sobre quereres passar tempo comigo.
- Tch, estás muito meloso logo pela manhã. – Foi a única resposta que recebeu.(...) »


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