— Algum problema? — Jade se aproximou e sentou ao meu lado na cama.
— Só relembrando... — continuei a olhar o porta-retrato em minhas mãos.
— Mamãe tá tão bonita nessa foto, assim como papai e seu lindo sorriso.
— Por que as coisas tiveram que ser assim? — A olhei.
— Tudo têm um motivo, mas bom...pense que mamãe tá bem e orgulhosa do que fizemos — ela sorriu e me puxou para um abraço protetor e aconchegante.
— Não quero te perder... — meus olhos se encheram de lágrimas e acabaram escorrendo por todo meu rosto.
— Você não vai me perder — nos separamos do abraço e ela limpou minhas lágrimas — Nada de chorar! Somos livres, esqueceu?
Jade começou a fazer cócegas em mim e sem nenhuma hesitação dei risada enquanto implorava para parar. Ela era uma ótima irmã e sempre me ajuda quando preciso, me orgulho bastante de sermos da mesma família e do mesmo sangue.
— Algo me incomoda...
— O quê? — Perguntou preocupada.
— Ontem a tarde Ryan saiu e até agora não tenho nenhuma notícia.
— Ligou pra ele?
— Não atende de jeito nenhum... — suspirei — Parece que esconde algo. Hank também tava bem estranho quando ele ligou ontem. Não atendeu nem sua ligação.
— Passei na casa dele e não encontrei ninguém lá, nem mesmo Sumo. Vou tentar conversar com ele hoje mesmo, não se preocupa e no caso de Ryan acho que deveria ir dar uma olhada.
— Pensei em fazer isso — me levantei — Vou agora mesmo.
— Toma cuidado e fique com meu celular, caso algo acontecer liga pro Connor.
— Farei isso!
— Te vejo mais tarde então?
— Com certeza — pisquei para ela antes de pegar minhas coisas.
A manhã em Detroit continuava fria com aquele monte de neve cobrindo o chão. Cada passo dado podia ver andróides andando pela cidade tranquilamente, como realmente deve ser.
Pelo que vi nas câmeras no dia anterior Ryan foi rumo ao centro, porém após isso o perdi de vista. O que será que está tramando?
Não demorou muito para eu chegar no centro, agora era a parte mais complicada.
— Com licença? — Parei um andróide que caminhava por lá assobiando uma música alegre — Viu um andróide modelo RK900 andando por aqui? Ele usa uma blusa branca e têm os olhos azuis.
— Sinto muito, mas não vi ninguém parecido.
— Tudo bem, obrigada...
— Não foi nada — o andróide deu um sorriso simpático antes de continuar seu caminho.
— Como sou burra... — dei um tapa em minha própria testa — Posso ver as gravações destas câmeras no Departamento, assim vai ser muito mais fácil!
Peguei o celular já sabendo, exatamente, para quem ligar em um momento sério como este.
— Connor, ainda bem que atendeu!
— Algo aconteceu?
— Onde você tá?
— Estou indo a caminho do seu apartamento, Jade quer ir até a casa de Hank para ver o que está acontecendo.
— Por favor, me diga que está perto do Departamento.
— Por sua sorte estou sim, mas por que?
— Ryan saiu ontem a tarde e não deu notícias até agora, preciso que olhe as gravações anteriores das câmeras daqui do Centro e veja onde ele possa estar. Faz isso pra mim?
— Mas é claro que sim. Mandarei a localização assim que conseguir.
— Ótimo, muito obrigada! — Agradeci antes de desligar.
Agora só restava esperar. Quanto tempo será que ele vai demorar? Preciso disso o mais rápido possível por favor, Connor...
O tempo foi passando e senti o celular de Jade vibrar. Um grito acabei deixando escapar de minha boca ao ver a localização que o andróide havia acabado de me mandar.
— O quê? "Revandale" — li — Que diabos é isso, meu Deus?! Bom, acho que se eu seguir esse caminho vou encontrar. Espero...
...
Após tanto andar finalmente estava em meu destino que ficava em frente a uma casa enorme abandonada. Estranhei de imediato, mas não podia desistir, não agora.
Tomei coragem e passei a grande cerca através de um buraco que havia nela.
— Merda... — sussurrei para mim mesma quando ouvi vozes vindo de dentro da casa.
— Eu vou te encontrar! — Estava louca ou aquela era a voz de um garotinho?
Me aproximei da porta, tentando fazer o mínimo de barulho possível, e encostei meu ouvido nela para ouvir melhor.
— Você não pode se esconder por muito tempo! — Sim, era mesmo a voz de um garotinho.
Fui até a janela mais próxima e dei uma olhada por ela, não havia nada além de uma velha sala de estar.
— Ei! Olá?!
Me abaixei assim que vi um jovem menino descendo as escadas, pelo que consegui ver era ruivo dos olhos verdes, aparentava ter seus 6 anos mais ou menos. O que aquele pequeno garota fazia naquele lugar? E pelo jeito estava acompanhado.
Esperei até que ele subisse as escadas novamente para tentar entrar e, para minha sorte, a porta dos fundos não havia sido trancada.
— Vamos lá, apareça!
Meu coração gelou e o único lugar disponível para se esconder era debaixo da escada. Pelo que parece acabei entrando na brincadeira também.
— AHHH! — Gritei em pânico quando senti alguém me tocar e, na mesma hora, saí correndo de lá debaixo.
— O que a senhorita está fazendo aqui?
Vi alguém saindo debaixo da escada e me surpreendi ao ver Ryan com sua mesma seriedade de sempre.
— R-Ryan...?
Olhei para cima e vi o garoto agarrado ao corrimão da escada, me encarando com medo.
...
— Não deveria seguir os outros — Ryan me entregou um copo com água.
— Aquele garoto... — dizia ignorando o seu sermão.
— Agora que sabe não têm o porque esconder mais — ele respirou fundo antes de se sentar na poltrona de frente para mim — O garoto se chama Thomas e têm 6 anos de idade. O encontrei quando voltava da CyberLife a procura de um lugar seguro para ficar — seu olhar foi desviado para a lareira acesa — Thomas foi abandonado pelos seus pais que não tinham bilhetes o suficiente para os três embarcarem nos ônibus de evacuação. Eu não podia deixar aquele pobre e indefeso jogado naquele frio...
— Isso é um absurdo. Como podem fazer isso com uma criança?
— Não faço ideia.
— Bom, fez o certo em acolhe-lo e peço desculpas por ter te seguido... Só tava preocupada.
— "Preocupada"? Não me conhece direito e nunca conversamos muito.
— Sim, mas você é meu amigo mesmo assim e me preocupo.
Ryan me olhou e vi seu LED ficar amarelo, parecia que algo mexeu com ele, mas o que?
— Preciso preparar a comida de Thomas. Fique a vontade — ele se levantou e foi até a cozinha.
Uma ideia surgiu em minha cabeça, era hora de conhecer este garotinho e pedir desculpas por tê-lo assustado.
— Olá...? — Dei leves batidas na porta antes de entrar.
—...
Thomas estava sentado em sua velha cama de solteiro com um ursinho de pelúcia em seus braços. Ao me ver o menino fingiu brincar com o urso, tentando não se importar com minha presença.
— Me desculpa por te assustar — entrei e me aproximei dele devagar — Podemos começar do zero? Sou a Kataryna e você? — Dei um sorriso.
O jovem ficou alguns segundos me encarando antes de dar um pequeno sorriso tímido.
— T-Thomas...
— E o seu ursinho? Têm nome?
— O nome dele é Peter e gosta de chocolate...
— Ele gosta de brincar também?
— Sua brincadeira preferida é contar histórias.
— Ah é? E quais histórias ele conhece? — Me sentei ao lado dele e fui percebendo que ao longo da conversa seu medo e nervosismo estavam sendo deixados de lado.
— Várias e várias! As que mais gosta são de super heróis!
— Uau, parece muito legal! Pode contar uma para nós, Peter?
Thomas fez uma voz um pouco grossa para o urso enquanto contava a história de forma empolgada e alegre, nem parecia que se lembrava de seus antigos familiares, ele estava feliz aqui.
Olhei para a porta e vi Ryan nos observando com um sorriso em seus lábios, que logo se desfez ao me ver o encarando.
— Trouxe sua comida — ele entrou com a bandeja em mãos e a colocou no colo do pequeno rapaz.
— Obrigado, depois continuamos e quero que Ryan fique aqui pra ouvir nossas novas histórias!
— Promete comer tudo?
— Uhum!
— Então eu fico.
— Ebaaa!
Isso me lembrava de quando eu tinha 5 anos. Sempre animada e empolgada para tudo, já Jade tinha seus 11 anos na época e ficava fazendo minha cabeça para aprontar. Eram bons momentos, bons momentos que não voltariam novamente, mas isso não me preocupava muito, pois novos momentos importantes estão se preparando para vir à tona.
...
— É, não foi o único que perdeu alguém especial... — fiquei ao seu lado com as mãos para trás — Cole era um menino muito inteligente e se preocupava bastante com o senhor.
— Depois que ele morreu e minha mulher se separou de mim me senti perdido e pensei que tinha perdido tudo que era especial pra mim, mas teve algo que não me deixou...
— O que é? — Olhei curiosa para Hank que mantia seus olhos no túmulo de seu filho.
— E quero protegê-los com todas as minhas forças...
— Quem quer proteger?
— Não quero perdê-los de jeito algum...
— Quem?
— Você sabe quem são — ele bagunçou meu cabelo e colocou seu braço envolta dos meus ombros, me puxando para mais perto.
— Obrigada por sempre estar comigo e me guiar pro bom caminho.
— Sabe que sempre me preocupei com você e com Connor e não é agora que vou deixar de dar uns puxões em suas orelhas.
Dei risada e o abracei com força.
— Admito que gosto de suas broncas e tentativas de sermão.
— O que disse? "Tentativas"?
— Sempre que você dá sermão acaba soando engraçado.
— Você não têm mesmo jeito.
— Vamos embora? Connor tá preocupado com o senhor.
— Como quiser, minha jovem.
Foi bom ter esta conversa com ele, pois mostrou o quanto nos preocupamos um com o outro. Somos uma família e sempre estaremos unidos, independente do que acontecer.
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