História Diário de Uma Iniciante em Copa do Mundo - Fernanda - Eu simplesmente não posso acreditar.

Eu e Murilo estamos sentados em nossos lugares na sala onde vai ocorrer a coletiva de impressa e eu nunca estive tão ansiosa na minha vida. Tenho que controlar a vontade enorme de roer as unhas, coisa que eu parei de fazer anos atrás, mas ainda é difícil em momentos assim. Pego a minha câmera e confiro se a carga está cheia pela quarta vez. Murilo coloca a mão sobre minha câmera e olha pra mim.

-Você tem que se acalmar. Vocês vão conversar hoje e ele não está com raiva de você. – Abro a boca para falar, mas Murilo continua. – Ele está sério, como todos os outros jogadores. O jogo de amanhã vai ser complicado. E sim, ele deve ter levado uma baita bronca do Felipão por ter fugido da concentração, mas vai dar certo, não se preocupe.

Assinto com a cabeça e coloco a câmera no colo. Meu bloco de notas e caneta também estão próximos a mim e não tenho mais nada para fazer além de esperar. Parece uma eternidade.

O burburinho sobre com quem o David estava na noite passada continua e Brenda já me enviou diversas mensagens perguntando se eu sabia quem era a tal mulher e que era meu dever descobrir e publicar na minha página, mesmo depois de eu explicar a ela que minha página não era sobre fofocas e sim sobre o jogo, ela continuava insistindo e disse que eu devia informá-la quem era que ela acharia outra forma de publicar, mas que queria ser a primeira a soltar a notícia de quem era a mulher que conseguiu fazer David Luiz fugir da concentração. Eu jamais contaria a ela.

As portas se abrem e vejo David subir e se sentar em seu lugar. Ele usa uma faixa preta na cabeça, deixando seus cachinhos para trás e seu rosto em evidência. Às vezes eu esqueço o quão lindo ele é. Seu semblante é sóbrio, o rosto longo e os lábios rosados estão cerrados. Poucos sorrisos são arrancados dali, mas quando ele produz, ilumina toda a sala de coletivas. Felipão vem atrás dele e logo depois vejo Marcelo. Pego a minha câmera e tiro algumas fotos dos três. Nenhum deles parece muito feliz ou animado, apesar de que David e Marcelo dão breves sorrisos e acenos para nós.

Eu me perco no sorriso dele e sinto meu coração ser massacrado ao pensar que talvez, ele nunca mais volte a sorrir para mim.

Diversos fotógrafos continuam a tirar fotos quando eles se sentam. Eu me contento apenas com algumas poucas, porque não preciso de muitas, mesmo. Então aguardo até que eles começam a ouvir as perguntas. Reparo que David está sério, apesar de ainda agir com descontração, respondendo as perguntas sempre cordialmente, atencioso com cada jornalista. Sua voz é serena, e seus olhos permanecem sempre focados no jornalista a que responde. Independentemente da pergunta feita, ele exerce o máximo de paciência e humildade, e aquelas perguntas mais invasivas ele ri contido, coça a nuca e desvia de forma ainda cordial, educadamente. Um gentleman. Ainda assim, todos nós percebemos que Felipão sempre toma a palavra para responder, ao invés dos jogadores. Até Marcelo fala mais que David.

Táticas, escalação, a falta de Luis Gustavo no jogo. Como marcar as estrelas do time da Colômbia, James Rodriguez e Cuadrado. Scolari não revela nada, ainda assim suas falas são seguras e firmes, como sempre. Quando ele elogia a qualidade de James Rodriguez, vejo David assentir e pegar a palavra. Então todos os flashs recomeçam.

-Eu admiro muito a qualidade do atacante da Colômbia, e penso que será uma grande honra, e um grande desafio batalhar contra James, com a função de parar o brilhantismo dele em campo, sua garra, sua qualidade. Eu me sinto lisonjeado por ter o privilégio de jogar contra os melhores jogadores do mundo, como James, e posso afirmar categoricamente que tenho muito respeito por ele... Ainda assim... Hm... Nossa responsabilidade é pará-lo. E nós faremos tudo ao nosso alcance para isso. - É o que David relata sobre o atacante da Colômbia, e todos dentro da coletiva murmuram e anotam todas as palavras que ele fala. Ouço algumas jornalistas murmurarem ao meu lado sobre o quanto ele é fofo, e o quanto ele é humilde. Franzo os lábios e volto a olhar para os jogadores. Murilo levanta a mão e lhe é dado o direito a perguntar.

-O time está desfalcado por Luis Gustavo, que foi suspenso no jogo contra o Chile. Você já tem um substituto para ele? - Scolari ouve a pergunta assentindo, e responde algo enviesado, esquivo. Não dá nomes, mas temos uma ideia de que Fernandinho ficará em seu lugar. Sinto o olhar do treinador cair em mim, então, e o vejo franzir a testa, mas logo ele outra pergunta é direcionada a ele e então, ele vira o rosto. Eu solto o ar aliviada.

Olho mais uma vez para David e ele está olhando pra mim. Eu congelo e prendo o ar novamente. Mordo o canto do lábio e abaixo o olhar antes de voltar a olhá-lo. Seu olhar ainda está fixo em mim e vejo um sorriso fraco aparecer em seus lábios, antes de ele voltar a atenção para as perguntas. Ele sorriu. Ele sorriu. Ele sorriu? Então quer dizer que ele não me odeia? Ele sorriu pra mim? Acho que esse é o dia mais feliz da minha vida. Assim, depois de ontem, claro. Rio sozinha quando ele passa o olhar por mim novamente e então para em Murilo. David franze o cenho e então volta a atenção para quem quer que tenha falado alguma coisa.

-Porque ele olhou feio pra mim? – Murilo sussurra próximo a mim. Vejo David nos olhar com o canto dos olhos. É impossível não sorrir para ele. Meu ciumento lindo. Meu?

-Porque ele tem ciúme de você. – Sussurro de volta e vejo Murilo rir e balançar a cabeça.

-Ainda não acredito que você está pegando o David Luiz.

-Fala baixo. – Dou um tapa no braço dele e volto a olhar para frente. David não parece ter percebido nossa última conversa porque está respondendo uma jornalista. Logo em seguida, ela pergunta sobre as fotos que vazaram na internet e o inesperado acontece.

Scolari se levanta e diz que a coletiva está terminada e eu congelo. Gente do céu. Ele está muito, muito nervoso. Marcelo e David também se levantam e a chuva de flashs cai sobre eles. Alguns fotógrafos se aproximam mais da porta para pegar fotos melhores e eu sou uma delas. Não porque quero pegar uma foto, até esqueci a minha câmera em cima do banco onde eu estava, mas porque eu preciso que ele olhe para mim e novo e sorria mais uma vez. Eu preciso.

Passo pelos diversos corpos parados na minha frente e chego o mais próximo da saída que consigo. Felipão passa na frente, carrancudo, e não olha e nem fala com ninguém. Marcelo passa atrás dele e sorri pra mim. Ooown, Marcelo sorriu para mim. Que fofo. Quero abraçá-lo agora. Se ele sorriu então é porque as coisas não estão tão ruins. Scolari pode me odiar o tanto que quiser, mas os amigos do David nem me odeiam. Então o mundo não é um lugar tão triste.

Os dois param para fotos dos fotógrafos e para responder a outras perguntas, mas Felipão os espera na porta e então, eles se apressam. Penso que David vai passar reto por mim novamente, mas ele me surpreende, como sempre, e da forma mais simples e significativa possível.

Minhas mãos estão caídas ao lado do meu corpo, já que não seguro nenhum equipamento e meu olhar deve ser desesperado, porque ele ri quando olha pra mim. Ele não para perto ou fala alguma coisa, mas sinto sua mão roçar na minha quando ele passa e ele segura as pontas dos meus dedos com os dedos dele, por um segundo antes de continuar a andar. Para todos ali, ele anda como se nada tivesse acontecido, porque ele é discreto, mas dentro de mim, existem mais fogos no céu do que no ano novo.

***

-Ele falou com você? – Murilo está parado onde estávamos segurando o meu equipamento e o dele.

-Não, mas acho que não está bravo comigo.

-Também acho que não. – Ele estende meu equipamento e eu o coloco no ombro. - Mas Felipão está bem puto com vocês dois. – Ele ri.

-Quem se importa. – Dou de ombros e me permito rir também.

Caminhamos até o campo onde, em poucos minutos, os jogares vão entrar para fazer o treino e reconhecimento de campo e aguardamos sentados. Vejo algumas pessoas na torcida com diversas faixas. A maioria delas é dedicada ao David. Tem até algumas pessoas com perucas parecidas com o cabelo dele e então, eu rio. O cabelo dele. Tão lindo, macio e cheiroso. É muito mais do que vocês pensam. Mesmo.

Algumas meninas me vêem e acenam para mim. Franzo a testa e tento me lembrar de onde as conheço; me lembro do dia em que elas tiraram fotos com o David, no último treino. Me aproximo e sorrio para elas.

-Oi. - Falo, com um aceno. Júlia, uma menina bonita, de cabelo que brilha além do normal quando iluminado pelo sol, o que me faz ter um pouco de inveja, fala comigo antes das outras.

-Ooi, jornalista sortuda! - Ela diz, e eu rio mais. - Como andam as idas e vindas com a seleção?

-Acho que bem. Tem sido dias bem movimentados. - Eu respondo, e as meninas começam a se aproximar aos montes, e eu cumprimento a todas com sorrisos. Elas parecem mais curiosas que o normal.

-Conta, você sabe quem é a moça que ficou com o David ontem? Nós estamos morrendo de curiosidade aqui. Conta, Conta! - Kamila pergunta, e eu rio.

-Ai meu Deus! Que mulher sortuda! Será que era a Sara?! Aquela sem sal. Odeio ela. Muito. - Melisse fala, e eu rio mais.

-Não... Sara nem está por aqui, eu fui olhar no instagram dela, ela está com a família do David. Ele deve estar passando chifre nela, mas ela merece! Deve passar muito chifre nele também, lá em Portugal sozinha, odeio. - Lara continua, e eu franzo o cenho, rindo das coisas que elas falam. Elas são imaginativas, mas eu não sei até onde isso é só imaginação, também.

-Gente, eu não posso dizer nada sobre essas fofocas porque só fiquei sabendo que estava na internet hoje pela manhã, mas o que eu posso dizer é que na coletiva, quando perguntaram sobre esse assunto, Felipão cortou todo mundo e a coletiva acabou. - Eu respondo, e todas elas arregalam os olhos.

-E o Oscar estava lá? - Vejo uma menina muito bonita, de cabelos escuros um pouco abaixo dos ombros e sorriso tímido, perguntar, e encolho um ombro, como se me desculpasse. Seu nome é Viviane.

-Ele nem estava, Vivis, mas agora aqui, acho que vai estar, não, é? É o treino, afinal. - Então Melisse, Júlia, Viviane, Kelly, Amanda, Thainara, Kamila, Marcelle, Lara e Natalia, acompanhadas de mais meninas, começam a conspirar sobre o treino, até que Amanda se vira para mim.

-Eles vão demorar pra vir? – Ela pergunta.

-Eu não sei. – Olho para a área onde eles ficam. – Espero que não.

-Como foi a coletiva de impressa? – Thainara arregala os olhos. Eu sorrio e antes que possa falar algo, ela me interrompe. – Foi o David que deu dessa vez? – Seus olhos chegam até a brilhar e eu me lembro de quando citei o nome delas para  David, ontem. Quando nós nos beijamos loucamente e chegamos a terceira base. Ou quarta base. A base final, que seja. Não canso de me lembrar disso.

-Foi ele sim. – Me aproximo mais. – Ele estava lindo com aquela faixa na cabeça, sabe? OOWN os cachinhos dele estavam todos para trás. Tão lindo. – Eu posso ser boba com elas, quando se trata do David. Porque elas são do mesmo jeito e não vão revirar os olhos para mim, como Murilo ou qualquer outra pessoa faria. Então elas começam a enumerar todas os atributos físicos do David, e eu mal consigo entender a velocidade com a qual elas conversam. Só consigo rir, até que todas gritam em uníssono:

-AAAAH! EU QUERO VER!

-Fernanda. – Murilo me chama e acena para que eu me aproxime. Vejo os jogadores saindo da área do vestiário e me despeço das meninas.

Corro até onde ele está e começo a tirar fotos. Meu coração bate mais rápido quando vejo David saindo dali. Ele conversa com Neymar e eles parecem concentrados. Parecem discutir alguma tática ou algo assim. Ele não me vê dali, mas não tem problema. Ele não me odeia e o mundo poderia acabar hoje que eu estaria satisfeita.

Seria muito egoísmo querer só mais uma noite com ele? Assim. Uma noite inteira, sabe? Não só algumas horas. Aí sim. Depois disso o mundo pode acabar.

Eles se reúnem perto de Scolari e pegam algumas bolas e colocam em campo. Antes de começarem o treino, eles começam a correr pelo campo, para fazer o aquecimento. Tiro algumas fotos e sorrio boba ao ver os cachos de David balançando enquanto ele corre. Sim. Sou tão apaixonada pelo cabelo dele quanto sou por ele. Quase como que o seu cabelo fosse algo a parte.

Marcelo começa a cantar algo que eu não entendo o que é de primeira e, por isso, forço mais para escutar. Eu simplesmente não posso acreditar.

-DAVID E FERNANDA, EMBAIXO DA ÁRVORE, BEI-JAN-DO.

Os outros jogares riem e então, todos começam a cantar e logo, está alto o suficiente para todas as pessoas que estão no campo consigam ouvir. David coloca as mãos na cintura, faz uma careta, respirando pesado, e meneia a cabeça, enquanto os outros continuam. Eu estou sem ação. Não consigo respirar, nem me mexer. Eles continuam a cantar a mesma coisa, e David começa a rir, voltando a correr meio de lado, aquecendo.

-DAVID E FERNANDA, EMBAIXO DA ÁRVORE, BEI-JAN-DO.

Os murmúrios que rondaram os jornalistas mais cedo aumentam em, mais ou menos, uns... Mil por cento quando eles escutam o que os jogadores cantam. Alguns já sacam suas câmeras para filmar e a chuva de flashs cai sobre eles novamente. Scolari, que acompanha a cena de longe, acena para os jogadores e então eles se calam. Seriam loucos se continuassem cantando depois que Felipão pediu, de uma forma nada delicada, diga-se de passagem, que eles se concentrassem no treino. O treinador começa a caminhar até eles fazendo discurso de que aquilo não é brincadeira. Os jogadores continuam a correr, mas dessa vez,  se calam.

Eu e Murilo somos os primeiros fotógrafos, os mais próximos do campo, o que nunca acontece, porque sempre somos os últimos a chegar. E minha conclusão é a de que este é um péssimo dia para estarmos na frente.

Sabe quando você sente que o mundo inteiro resolveu notar que você existe? Então. É mais ou menos o que eu sinto agora. É uma sensação estranha e, por isso, eu olho para trás, por cima do ombro, e todos os fotógrafos olham para mim, inclusive as meninas que estão na arquibancada. Um dos fotógrafos dá alguns passos na minha direção e então, para ao meu lado.

Ele baixa o olhar até minha credencial. Meu nome está escrito em letras maiúsculas. FERNANDA MORAES. Ele, imediatamente, segura sua câmera com as duas mãos. Eu congelo. Não tenho pra onde correr. Nenhum buraco no chão para enfiar a minha cara. Nenhuma asa ou um cavalo alado. Droga, Pegasus! Esse é o momento ideal para você aparecer, me salvar e dizer que eu sou a filha roubada de Zeus.

Infelizmente, Pegasus não aparece, mas Murilo sim. E da forma mais inesperada possível.

Ele se aproxima de mim e coloca a mão em minha cintura. Isso parece tão... Errado. Ele está bem ao meu lado agora e seu cenho está franzido. O fotógrafo abaixa a câmera e olha para Murilo, sem entender.

-Acho que houve um mal entendido. - Ele começa. O fotógrafo sorri. Seja o que for que Murilo vá soltar, ainda vai ser uma fofoca suficientemente boa. - É um mal entendido. Não acredito que esteja pensando que essa aqui é a moça da qual os jogadores estão falando. - Murilo caçoa do jornalista com uma risada extremamente convincente. Ele funga, se divertindo. - Ou é ingenuidade, ou você vai colocar na mídia uma fofoca errada, enquanto outros por aí estão atrás da certa.

-Claro que não. - O sorriso do jornalista aumenta. - Eu vi. Eu estou hospedado no mesmo hotel, eu vi.

-Ontem o David realmente estava no quarto dela, MAS... - Ele continua quando vê que o jornalista está a ponto de dizer algo. - Ela não estava lá. Estava no meu quarto, comigo.

-E quem estava no quarto dela? - O jornalista faz a pergunta como se fosse uma ordem, ou então ele publica que sou eu. Murilo franze o nariz, mas antes que possa responder algo, eu emendo, de forma rápida.

-Sara Madeira. - É o primeiro nome que me vem à mente. Não penso realmente nas prerrogativas que esse nome pode causar, caso venha a ser divulgado na mídia. Só depois que o nome de Sara sai de minha voz, começo a projetar as conjecturas e consequências desse meu ato.

Ótima resposta, Fernanda. Melhor impossível! Nem existem rumores de que os dois estão juntos... Dê mais força e coloque mais pilha para eles voltarem! Quem ganha é você, espertinha. Agora termine logo de explicar, antes que se perca toda nessa mentira que você inventou.

-Eu sou amiga dela e emprestei meu quarto. - Falo com convicção, e arqueio a sobrancelha, estilo "Não mexe comigo, falouws?". Murilo me olha com o canto dos olhos. - É isso. Não que eu deva satisfação a você... E os jogares não sabem porque o jogador lá... O... - Eu estalo os dedos, como se tentasse lembrar o nome de um reles mortal, e não daquela perfeição de cabelos cacheados, aquele boy magia, aquele príncipe.

-David Luiz? - Murilo fala, olhando-me de lado. Eu assinto e dou de ombros.

-Isso, David Luiz. Enfim, Sara pediu, eu não vi nada demais. - Falo, e faço uma careta. - Enfim. Agora, por favor... - Eu olho o jornalista, que já assente e parece engolir cada palavra do que eu digo. - Sara me pediu segredo, porque eles estão tentando se acertar, e tal... Sabe?

Eu sei que ele vai colocar isso disponível em seja qual for a página dele no segundo em que ele me der as costas, mas tudo bem. O mundo está certo de novo e não tenho mais nenhum problema nas minhas costas. RÁ. Até parece. Agora David vai saber que eu ajudei a espalhar o boato de que ele e Sara voltaram e ainda vai achar que eu e Murilo temos alguma coisa. Estava "menos pior" quando ele ainda me odiava. Bem, quando eu achava que ele me odiava, porque não estava não.

Okay, somente ignore.

***

Passados 15 minutos do início do treino, os jornalistas e público foram convidados a se retirar. Pegamos nossos equipamentos e colocamos nas costas. As meninas do fã clube de David Luiz fazem sinal para que eu vá até elas, mas eu tenho que fingir não ter visto, porque, do fundo do meu coração, não conseguiria mentir para elas, porque simpatizei com elas assim que as vi. Isso parece uma tortura, manter um segredo. Não posso desabafar com ninguém, exceto Murilo, que é homem, então já viu... Não dá pra contar detalhes sórdidos.

Ouço passos próximos atrás mim e me viro. Oscar está parado no campo. Uma de suas mãos está na cintura e ele segura a garrafa de água com a outra. Suas bochechas estão vermelhas e seu cabelo gruda na testa empapada em suor. Seus lábios entreabertos sugam o ar com força, e eu vejo que isso se dá pelo exercício de corrida.

-Qual seu telefone? - Ele pergunta. Então a pergunta ecoa no ar e fica pairando entre nós três. Eu e Murilo olhamos em volta e eu me pergunto se Oscar pirou por causa da pressão. Como assim meu telefone? Ele me olha por cima do ombro e pergunta novamente. -Eu perguntei pra você, Fê. - E volta a olhar pra frente. Ele está tentando disfarçar a comunicação entre nós, e eu pisco algumas vezes. Me sinto como se eu fosse uma traficante. Espera. Ele me chamou de FÊ? SÉRIO?! AI MEU DEUS. - Anda logo, me diz. - Murilo me cutuca com a ponta dos dedos e eu falo meu telefone, mas como ele vai lembrar sem um papel e caneta para anotar?

Ele assente joga a garrafa no chão. Volta correndo para onde estão os outros jogadores e eu espero um pouco. Quero saber se ele vai falar com David, mas ele não o faz. Ao invés disso, começa a treinar com Dante. Franzo a testa novamente, sem entender. Quero ficar mais ali, mas o olhar de Felipão é o suficiente para me expulsar.

-Vem, vamos almoçar. -Murilo diz e eu sigo ao lado dele. Antes de chegarmos à portaria do estádio, ele para e coloca a mão no bolso. Tira de lá o seu celular e balança a cabeça. - Tenho a impressão de que a história que você estava no meu quarto já chegou aos ouvidos de todo mundo - Ele vira o celular para mim e vejo a foto da namorada dele. Mordo o lábio, me sentindo culpada. Agora se ela não acreditar e terminar com ele vai ser minha culpa também.

-Desculpe.

-Não se preocupa. Te encontro lá fora, ok? - Concordo com a cabeça.

-Obrigada - Murilo dá uma piscadela e atende. Ele ri e então fala para o telefone, com a namorada dele. - Calma. Não é isso, foi pra ajudar.

Mordo o canto do lábio enquanto caminho até o lado de fora. Tenho medo de Murilo contar para a namorada e ela contar para mais alguém, mas acho que ela não faria isso. Se Murilo confia nela, então ela deve ser alguém confiável. Enquanto caminho, me pergunto porque Oscar pediu meu telefone, e tento achar um sentido nisso. Agora eu estou roendo minhas unhas. Lindo. Como se não bastasse todo o resto.