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História Dias de Guerra - Dia XIV - Um hoje valem dois amanhãs, Dohko.


Escrita por: KimonohiTsuki

Capítulo 14 - Dia XIV - Um hoje valem dois amanhãs, Dohko.


Dia XIV - Um hoje valem dois amanhãs, Dohko.

Dohko tinha um problema.

E Shion se lamentava ter demorado tanto para perceber.

A primeira grande pista foi o dia que visitaram o cemitério para prestar homenagens aos seus velhos amigos, e Dohko acabou por confessar emotivamente que pouco tempo após a morte do lemuriano nas mãos de Saga, esteve a ponto de se suicidar lançando-se desprotegido nas cachoeiras de Rozan, incapaz de manter sua missão de proteger o selo, quando não tinha ideia do que havia acontecido com seu melhor amigo, e acreditava-se sozinho no mundo.

Desde aquele dia, inevitavelmente, acabou enxergando seu companheiro com outros olhos. A figura animada, otimista, simpática e jovial que sempre fazia questão de mostrar, era apenas uma de suas facetas.

Havia outro lado de seu amigo que ele não dividia com mais ninguém, nem mesmo Shiryu e Shunrei conheciam ela, por mais que desconfiassem, não tinham ideia da profundidade da questão.

E esse lado era o medo.

Seu melhor amigo possuía um medo tão grande e absurdo que impactava diretamente em sua vida, e ainda assim demorou para notá-lo.  

Desde que ressuscitaram, o libriano, como si mesmo, sempre estavam ocupados, seja cuidando do treinamento de Shiryu, ajudando a organizar o santuário, visitando seus amigos, ou cuidando de seu neto, Dohko sempre estava entretido com alguma atividade, na grande maioria delas esbanjando sua personalidade alegre.

Por causa disso, não havia notado esse outro lado, esse problema.

Foi só quando o treinamento de Shiryu terminou e ambos decidiram abandonar o santuário que ficou impossível não notar.

O primeiro País que decidiram visitar foi o Egito, sempre sentiu uma ligação forte com aquela nação, porque o primeiro cavaleiro de Áries havia feito uma viagem a capital dessa antiga civilização, Sais, e havia documentado cada um de seus passos detalhadamente, desde que chegou ao santuário o livro que contava essa viagem de Sólon de Atenas sempre foi seu favorito.  

Durante a viagem Dohko foi naturalmente grudento como sempre, andaram juntos o caminho todo, o mais velho até mesmo insistia para que dividissem quarto, o que lhes brindou olhares estranhos na maior parte dos lugares que ficaram, mas o libriano sempre voltava a insistir que assim economizariam dinheiro e poderiam reverter parte do que sobrasse para Shiryu e Shunrei poderem viajar juntos como um verdadeiro casal um dia, “quem sabe numa Lua de Mel” sempre alegava sonhador imaginando o dia que sua filha de criação e seu discípulo pudessem se juntar numa união de verdade.

Mesmo que esse motivo por si só já pudesse soar suspeito, Shion apenas atribuía isso ao fato de que seu amigo ficou sozinho por mais de duzentos anos, por isso adorava tanto ter companhia e não se importava minimamente se isso significava dormir em um chão sujo, sofá mofado ou mesmo dividir um leito apertado com outro homem.

Sinceramente, chegou até mesmo a duvidar da sexualidade de seu melhor amigo, mas logo descartou a ideia.

Seja como for, de fato economizaram sempre alquilando apenas um quarto ao longo do percurso, chegando a poupar quase mil euros, que Shion achou de boa índole guardar em Jamiel com um teletransporte rápido, cavaleiros ou não, seria idiotice andar com uma quantidade dessas no bolso, desde jovem aprendeu que sempre poderia existir um Manigold afanador de carteiras em qualquer esquina por ai.   

Por causa desse pensamento, motivado por traumas causados por um canceriano desonesto, quando estavam no Cairo, atual capital do Egito, sem dar grandes explicações o ariano se retirou para Jamiel guardar as moedas e acabou levando pouco mais de uma hora em sua antiga casa, culpa da nostalgia, principalmente ao notar que Muh não havia mudado absolutamente nada, sequer em seu quarto, que permanecia intocado, mostrando que seu aprendiz e Kiki provavelmente dividiam o mesmo aposento.

Não pôde deixar de pensar na ocasião que Dohko se daria muito bem viajando com Muh por causa desse detalhe irônico.

Quando voltou, porém, as coisas começaram a ficar estranhas.

Assim que chegou quase que imediatamente foi fortemente abraçado pelo libriano.

- O que foi Dohko?! – Exclamou na ocasião, surpreso, para depois notar que o coração contrário parecia desenfreado, ao tempo que tremia e suava – O que aconteceu?! Um ataque?

Imediatamente assumiu postura de batalha, mesmo o outro não o soltando.

- ...Onde você foi? – A voz do libriano soava estranha, como se estivesse com falta de ar, e ao mesmo tempo parecia como uma criança assustada.

- Para Jamiel, eu disse que era perigoso andarmos por aí com tanto dinheiro, resolvi deixar o sobressalente protegido na torre, se eventualmente precisarmos é só eu ir buscar rapidamente.

- Você devia ter me avisado...- Disse num reclamo baixo, que apenas fez o ariano revirar os olhos.

- Você está sendo ridículo, Dohko – Disse impaciente se soltando do agarre contrário – Eu só fui a Jamiel.

O libriano nada disse quanto a isso, encarando o chão do quarto onde estavam.

Por causa disso, quando retomaram a viagem, achou que seria uma boa ideia ficarem em quartos separados de uma vez por todas, seu amigo estava ficando exageradamente dependente de sua companhia, parecia até mesmo um cachorro desesperado quando vê o dono simplesmente virando uma esquina.

A comparação não pareceu incomodar o cavaleiro de Libra, tendo que apelar para ameaçá-lo a abandoná-lo no meio das ruínas de Tebas e desaparecer de vista definitivamente para o mais velho aceitar a mudança.

Nesse dia Shion conseguiu dormir e descansar perfeitamente, tendo finalmente sua privacidade de volta, sendo que até mesmo no santuário tinha que dividir uma beliche no ressinto dos aprendizes. Sendo então a primeira vez que dormia sozinho com seus próprios pensamentos desde sua morte.

Contudo, Dohko esteve longe de ter uma boa noite de sono, quando acordou e partiram para visitar as ruínas do reino que tinha o mesmo nome daquele governado pelo primeiro cavaleiro de Touro, era evidente as bolsas sob os olhos do libriano, além de estar letárgico e claramente sonolento.

 Mesmo assim, assumindo que isso era apenas exagero de seu amigo, quando chegaram a cidade mais próxima Luxor, insistiu, para um agora cansado e desanimado libriano, que se mantivessem em quartos separados novamente.

Dessa vez o mais velho não insistiu, parecia cansado demais para isso, porém assumiu que se devia ao fato de que o clima desértico e fazerem todo o caminho sempre a pé estava cobrando seu preço ao homem que passou quase 300 anos em um corpo idoso, mesmo que alegasse que para seu organismo o tempo foi absolutamente menor, não se podia dizer o mesmo para a mente.

Nesse segundo dia separados, Dohko estava ainda pior, e foi quando Shion começou a se preocupar.

- ...Você devia comer alguma coisa, está com uma cara péssima – Orientou vendo o amigo cutucando um Falafel com os dedos desinteressadamente – E pare de brincar com a comida.

- Não estou com fome – Disse simplesmente, deixando de movê-la e olhando para o lado com olhar distante.

Na ocasião, Áries apenas o olhou duramente. Não acreditando que tudo aquilo era porque não dormiam mais em um mesmo ressinto apertado, não fazia sentido, o maior deveria era estar feliz de finalmente voltar a ter uma cama e não o contrário.

Passaram todo o resto do dia visitando a arquitetura antiga egípcia que dava a fama de grande museu a céu aberto à cidade, porém, por mais fascinado que o ariano estivesse com a arquitetura antiga, o mais velho não poderia estar menos interessado.

- Se é tão entediante para você, por que não volta para a pousada e me espera lá? – Acabou por soltar quando saiam do enorme Templo de Carnaque.

Demorou longos segundos para o libriano responder.

- ...Não acha errado estarmos visitando templos de outros deuses? – Resolveu por dizer, num tom desalentado que mais o fazia se parecer com os momentos niilistas de Manigold.

- Claro que não – Decretou com firmeza – Não estamos adorando nenhum deles, apenas apreciando a arquitetura e história desses lugares, além disso, muitos deuses egípcios são os mesmos que os nossos gregos, apenas tem outros nomes, como no caso de Hades e Serápis.

Dohko não alegou nada contra isso, na verdade, não disse mais nada o resto do dia.

E foi naquela noite que tudo desandou.

Libra havia ido descansar mais cedo, por exigência de seu amigo que o via notoriamente exausto. Porém, quando o relógio bateu três da manhã, o lemuriano acordou sobressaltado, sentindo o cosmo de seu companheiro completamente agitado.

Mal teve tempo de se levantar e colocar uma roupa decente para sair do quarto, ponderando se devia chamar sua armadura ou não, quando o dono da pousada quase arrancou sua porta das dobradiças, alegando que seu parceiro estava destruindo o quarto em que estava.

Correu o mais humanamente que pôde para não chamar a atenção, sendo seguido de perto pelo dono do lugar e seu pequeno filho, um menino de pele morena e cabelos pretos lisos até o ombro que se chamava Nilo, e que insistia em segui-los todo o momento que estavam no local, como se sentisse que ambos estrangeiros fossem especiais.

- Não vos aproximeis, pode ser perigoso – Orientou em seu inglês arcaico, que apenas fez a criança rir enquanto o adulto concordou.

Com isso Shion entrou, fechando a porta ao passar.

O que viu lá dentro o chocou completamente, tanto quanto a confissão do libriano no cemitério.

Dohko estava de joelhos no chão, com ambas as mãos na cabeça, tremia desesperadamente quase como se convulsionasse, novamente estava suando e parecia sem ar, os moveis ao seu redor estavam todos revirados, um abajur estava destroçado, havia mobilhas partidas ao meio e um buraco no meio do chão de madeira.

Porém não havia inimigo em lugar nenhum, o que desconcertou mais o lemuriano do que se tivesse dado de cara com os quatro Berserkes em pessoa.

-...Dohko...? – Disse andando devagar na direção do mais velho.

- S-shion? – Reconheceu, levantando a cabeça, o medo que havia em seus olhos fez o coração do lemuriano apertar, como se o próprio espectro Faraó de Esfinge tivesse atravessado as mãos em seu peito para pesar esse órgão.

-...O que aconteceu? – Disse com a voz mais calma que pôde, até se ajoelhar ao lado do amigo.

- Onde nós estamos Shion...Eu...- Engoliu em seco, abraçando seu próprio corpo -... Estamos na Grécia? No Égito? Eu estava lutando com um espectro, então percebi que estava sozinho aqui e... – Levou a mão ao peito, como se doesse, fazendo com que seu companheiro emanasse seu cosmo com fim de tentar acalmá-lo.  – Eu não sei, tudo parece confuso na minha cabeça...

-....Você não teve um pesadelo? – Opinou, com a intenção de tocar o ombro do companheiro, mas desistiu da ideia e acabou abraçando-o, essas demonstrações mais abertas de afeto sempre eram bem aceitas pelo chinês, e dessa vez não foi diferente, o mais velho deixou-se abraçar e retribuiu com força, escondendo o rosto no vão do pescoço contrário.

-...Eu não venho conseguindo dormir – Confessou com voz fraca – Quando eu ficava sozinho no quarto, eu não sei, eu tinha medo.

- Medo do que...? – Perguntou, massageando as costas contrárias, como faria com uma criança.

- De você sumir de novo – Confessou com voz quebrada, indicando que estava a ponto de chorar – Medo de perder o controle, medo de dormir e não acordar mais, medo de....Morrer e não aproveitar a paz que finalmente conseguimos....

- Você não vai morrer, Dohko, está tudo bem – Disse com um pouco mais de firmeza – A guerra acabou.

- Todos nós vamos morrer um dia – Disse tétrico – E eu vou acabar sozinho de novo!

Era o argumento que uma criança usaria, Shion sabia disso, mas acreditou ser de bom tom não discutir a respeito disso, deixando que Libra se acalmasse, deixando que voltasse a distinguir o que era real e o que era fruto de seus traumas de guerra. 

O concerto de tudo saiu caro, mas não houve problema porque desde esse dia Shion insistiu que voltassem a dividir aposentos, e como imaginou, seu amigo não voltou a ter esses episódios depois disso.

Levou algum tempo até o lemuriano conseguir descobrir o que era exatamente esse problema. Monofobia, simplesmente o medo incontrolável de ficar sozinho, fruto dos anos de isolamento, fruto da guerra, fruto de perder seu melhor amigo, seu irmão, em mais de uma ocasião.

Não era algo passível de cura, e não é como se pudessem buscar ajuda psicológica quando os problemas vinham decorrentes de uma vida centenária. Tudo que podiam fazer era aprender a lidar com esse problema, juntos, e seguir adiante, cada dia de uma vez, pois um hoje valem dois amanhãs.

A longa e difícil vida havia cobrado um preço alto de seu companheiro, tornado-o alguém dependente de sua presença, da presença de alguém mais, e isso assustava-o um pouco, temendo o que poderia acontecer no futuro se algum dia tivessem que se separar por alguma razão e Dohko fosse obrigado a ficar sozinho. Será que sua família seria o suficiente para suprimir esse temor? 

Mas a resposta sempre voltava a ser a mesma. Um hoje valem dois amanhãs, não havia sentido planejar cegamente o futuro quando se tinham mais de duzentos anos nas costas, apenas tinham que se adaptar as dificuldades do caminho como sempre fizeram.

Aquele foi um dia difícil, e sobretudo preocupante, mas alentava Shion a estar com seu companheiro, que mais do que nunca, o que mais precisava era simplesmente de sua companhia  e apoio.

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