- Acho que preciso desabafar sobre uma coisa… - Karma disse fitando o restante do capuccino que pedira. - Hinata, pode me trazer um breve? - gritou para o ruivo ao qual já estava familiarizado.
O Akabane, depois de ser servido, voltou a falar. Contando, resumidamente, o que havia acontecido consigo quando decidiu ficar no Colégio Kunugigaoka.
- Não sei se você se lembra do filho do diretor, mas foi por ele que eu decidi continuar, mesmo que por pouco tempo, naquela escola horrorosa. Eu adorava a sensação de ser melhor do que ele e tudo mais e ele beijava muito bem. Nós começamos a sair um pouco antes da formatura do fundamental e isso bem durou durante as férias e início do Ensino Médio. Nada sério, claro, eu ainda acho que ele me levava ‘pra casa dele só ‘pra fazer raiva no pai. Então chegou o maravilhoso dia em que fui chamado para a Okinawa e é óbvio que aceitei sem pensar duas vezes, eu já estava cansado daquela vida desde o primeiro dia de aula, de qualquer forma. Na hora, Gakushu me pareceu de boa, mas com o tempo ele foi se mostrando meio louco e eu não nego que, às vezes, passava na casa dele ‘pra “matar a saudade” e acabava fazendo juras de amor sem sentido. Já vou me defendendo: eu tinha acabado de transar e estava sob efeitos de alucinógenos bem caros, qualquer coisa que viesse de mim deveria ser desconsiderada imediatamente depois de ser dita. Enfim, eu fui me distanciando mais e mais até que consegui perder o contato com ele; mas como tenho muita sorte, acabei matando o tio dele, ele me descobriu pelo meu padrão de execução e fez questão de acabar com a minha vida. Só não estou completamente falido porque quando notei que as coisas estavam estranhas, coloquei o pouco que me sobrou na conta cujo número Horibe me mandou. Acontece que era a sua conta porque ele meio que não acredita no sistema de segurança dos bancos e pensou que você fosse a melhor opção. Por isso te liguei semana passada.
Karma parou de falar abruptamente. Nagisa era mesmo um ótimo ouvinte, não havia cortado a fala do amigo hora alguma. Contudo, o ruivo ainda ponderava sobre como devia abordar o próximo tema.
- Eu me encontrava todo feliz no bar com a Agatha e com o Cookie quando descobri que estava no olho da rua, sem proteção alguma. Uma coisa é você ser um cidadão comum que foi demitido, outra coisa é você ser um assassino de cabelo vermelho cujo hobbie, além de colecionar lembrancinhas de todo canto do mundo, era dar um corretivo em gangues e uns sustos em grupos mafiosos. Naquele momento, eu soube que minha vida tinha acabado e nem era porque eu seria caçado se não saísse da América em 48 horas: aquela empresa era tudo que eu tinha… Eu perdi o Ensino Médio e boa parte do período da faculdade e dizem que é a melhor época da vida! Tive que me desfazer de todos os meus familiares e amigos… Eu sequer me lembro como é a voz da minha mãe, tem noção disso? Eu abdiquei de tudo para poder trabalhar Okinawa, então chega um riquinho psicótico e me tira tudo!
Mais silêncio. Karma pensaria que Nagisa havia pegado no sono se não fossem seus olhos vidrados em si.
- Eu imagino o quão horrível deve ser ter de abrigar alguém como eu na sua casa e, por isso, eu vou fazer de tudo ‘pra poder voltar ‘pra empresa e parar de atrapalhar a sua vida.
Nagisa se viu em uma situação complicada. Karma estava completamente quebrado e ele não fazia muita ideia de como ajudar. Eles eram amigos, mas aquilo fazia tanto tempo que era difícil sequer lembrar, que dirá usar informações do passado para consertar o presente.
- Realmente, não vou dividir a cama com alguém do seu tipo.
Karma arregalou os olhos, não imaginaria aquela reação de Nagisa.
- Colecionador de lembrancinhas? Quantos mil anos você tem? Setenta?
E, finalmente, Karma gargalhou.
- Eu vou refazer minha coleção e te obrigar a decorar a origem de cada boneco, ‘tá me ouvido?
Nessa hora, até Kageyama riu.
Nagisa soube, afinal, como contornar aquela situação por enquanto. Karma não precisava de alguém com dó ou medo dele, nem de lições de moral. Só precisa de um amigo em quem se apoiar um pouco - mas é óbvio que, dessa vez, Nagisa não deixaria Karma exagerar.
- E você vai dormir no sofá durante a noite - Nagi disse firme. - Acabou essa palhaçada de virar a madrugada acordado e dormir na minha cama enquanto eu trabalho.
Mesmo que à contragosto, Karma concordou prontamente. Primeiramente, porque concordava com os termos, mas também porque não queria ouvir um “minha casa, minhas regras” porque aquilo o incentivaria a quebrar as regras antes mesmo de conhecê-las. Era Akabane Karma, oras, não tinha muito como mudar isso.
°º°
- Eu me sinto extraordinariamente confortável com você - Karma começou a conclusão de seu raciocínio. - Por muito tempo eu estive me contendo naquele trabalho, eu cerceava meus desejos, medos e sentimentos, encobrindo tudo com discursos falsos de poder.
Nagisa, que não imaginava uma confissão daquele porte, ficou sem reação.
- Mas então eu entrei pela janela do seu apartamento e tudo mudou, eu comecei a pensar que podia fazer o que quisesse e meus monstrinhos saíram - Karma teatralizou a cena, fingindo que seus dedos eram os monstrinhos que queriam atacar Nagisa. - Eles não duraram muito… Parece que a expectativa de vida deles diminuiu com a sua presença.
- Na verdade, suas feras viraram gatinhos domésticos - Nagisa respondeu sorrindo.
Karma estava agradecendo por Nagisa tê-lo ajudado a mudar, contudo a única coisa que o menor realmente fez foi canalizar a sede de sangue e os talentos destrutivos para atitudes positivas. Coisa de professor, Nagisa diria.
O ruivo estaria perdido se não tivesse aprendido a observar com amor, sem induções e manipulações de sentimentos. Mas também não teria percebido o que deveria fazer se antes não houvesse mostrado seus “monstrinhos”.
Nagisa deu a Karma o espaço que ele precisava para tomar decisões e trabalhar em seu “aprimoramento pessoal”, e assim foi feito. Karma usou o reconhecimento que recebeu como gatilho para continuar tentando ater-se aos detalhes. Estes, antes sem importância, tornaram-se cruciais.
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