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História Do You Wanna Dance? - Dancing Queen


Escrita por: donelena e dudandthesurtos

Notas do Autor


happy serquel day :)

Capítulo 21 - Dancing Queen


Alicia entrou no oitavo andar já procurando saber qual era o clima que se encontrava ali. Seus olhos correram logo até Ágatha, que lhe sorriu ternamente. Ela se aproximou, dando bom dia e segurando-lhe os dedos discretamente.

 

"Como está?"

 

"Bem" Respondeu a morena. "Preocupada com todo mundo, mas bem." 

 

"Raquel não vem hoje" Alicia soltou, sem cerimônia 

 

"Ela acha isso decente? É tão burro! Fazer uma besteira e depois se esconder… O Sergio tá trancado naquela sala desde sei lá que horas, provavelmente todo fodido da cabeça, e a Raquel nem aparece aqui?"

 

Monica tinha chegado perto das duas em silêncio e foi notada pela ruiva, que tentava desviar os olhos raivosos de Ágatha. 

 

"Gente… Como assim a Raquel não vem?"



 

"Ok, agora que estamos todas aqui..." Alicia disse, se sentando no chão da sala.

 

Ágatha e Monica estavam no sofá, ainda um pouco desconfortáveis de estarem na casa de Raquel por um motivo não-tão-agradável. A advogada se sentou ao lado das outras duas amigas no sofá, se esgueirando na ponta e abraçando uma almofada. Não tinha um bom pressentimento sobre aquela reunião. Puxou o maço de cigarros da mesinha que ficava ao lado e acendeu um - era o mínimo que precisava para aguentar aquele momento . 

 

"Sim. Raquel, nós… você não foi trabalhar hoje..." Monica começou.

 

"Ressaca?" Ágatha perguntou por alto.

 

"Moral e física." Raquel respondeu no automático, quando soltava a fumaça. 

 

Monica e Ágatha trocaram um olhar cúmplice, fazendo Raquel tremer internamente. Tinha uma ligeira ideia do que vinha, mas também sabia que era pelo seu bem - e pelo bem de quem ela gostava - que estavam fazendo aquilo. 

 

"Ok, vamos direto ao ponto, tá bem? Raquel, você vacilou. Feio. Bem feio. E, como suas amigas, estamos aqui nesse esquema tipo norte-americano de- como é?" 

 

"Intervention, Ali." Ágatha complementou a ruiva.

 

"Isso, 'intervention', obrigada." Alicia sorriu a Raquel que não entendeu de primeira. "Ou, em bom espanhol: guapita, has aguado la fiesta." 

 

"Você e o Sergio discutiram ontem?" Monica perguntou baixo encarando Raquel. 

 

"Não... pior." A advogada engoliu a seco. "Eu- Nos beijamos."

 

Ágatha levantou as sobrancelhas surpresa, e Monica respirou fundo. Seria uma noite longa. 

 

"Eu o beijei e foi errado em tantas maneiras ainda mais porque-" Raquel encarou Alicia ainda um pouco insegura, mas continuou. "Quando eu fui promovida eu liguei pra ele. Eu liguei, e o chamei para..." 

 

"Afogar o ganso." Alicia complementou.

 

"ALICIA?" As três disseram ao mesmo tempo.

 

"O que foi? Ela que ligou ué, eu só ajudei a desembuchar pra vocês."

 

Monica e Ágatha voltaram a olhar Raquel com uma expressão desapontada. 

 

"Eu liguei sim, e o chamei para transar… e transamos. E foi… nossa, foi incrível. Mas eu sabia que não podia acontecer de novo porque era demais. E ficamos dizendo que seria a última vez de novo, e de novo, e de novo… e então ele me pediu pra dormir lá e eu não consegui. Porque se eu ficasse… eu não estava pronta, sabem? Pra dizer que… o que eu sinto."

 

"E o que você sente?" Alicia perguntou de forma retórica.

 

Raquel respirou fundo. Estava com os olhos cheios d'água e o peito doendo. Mas sabia que tinha que falar. 

 

"Eu me apaixonei. De verdade. Por ele. Eu me apaixonei por Sergio Marquina. E…" Respirou fundo quando uma lágrima rebelde caiu. "E eu não posso. Eu não posso fazer isso com ele. Eu sou muito quebrada, e cheia de problemas e traumas, um divórcio violento e-" Ela recuperou o ar, já soluçava. "Mas eu não consigo. Eu quero ele, eu quero estar com ele e eu não quero que seja a última vez. Eu quero conseguir passar a noite. E na verdade eu já tinha conseguido, eu estava pronta gente, totalmente pronta, até que o… O Ángel..."

 

Monica a abraçou de lado. Ágatha não conseguia falar nada, e Alicia acendeu um cigarro. 

 

"Bom..." Ágatha começou, se sentindo pisando em ovos. "Você pisou feio na bola, Quel."

 

"Ágatha!" Monica repreendeu, pelo estado que Raquel estava. 

 

"Mas Monica é verdade! Você sabe que é verdade, eu sei, e ela também sabe. Raquel você se tornou uma grande amiga pra gente, então vou falar isso pro seu bem, ok?"

 

Ela assentiu, grata pela sinceridade. 

 

"O Sergio não tá bem. Tipo, nada bem. Isso mexeu muito com a cabeça dele, e, pelo que o Andrés falou com a Monica, que falou comigo, ele se fechou numa bolha de tristeza. Agora eu entendo o porque." Ela se virou para Monica, que encarava o chão. "Você não podia ter ligado pra ele naquele dia, Quel… isso não foi nem um pouco legal. Ele deve estar magoado, extremamente confuso, e pelo que eu conheço, no mínimo bem abalado. Vocês conversaram antes do beijo?"

 

"Não." Raquel disse baixo. "Não muito. Eu… eu só fui no aniversário porque eu precisava falar. Eu finalmente me sinto pronta pra admitir que eu gosto dele, mas agora… eu temo ser tarde demais."

 

"Você disse isso pra ele?" Monica perguntou.

 

"Não." Alicia respondeu pela amiga. "Raquel encheu a cara, não conseguia ficar em pé direito, o que dirá falar uma coisa importante assim."

 

"Ué mas ela o beijou." Ágatha interferiu.

 

"Sim, mas foi o que ela conseguiu. Foi uma resposta comportamental." Alicia explicou.

 

"Eu o beijei porque eu precisava o fazer sentir." Raquel admitiu baixo, quase em um sussurro. "Eu precisava mostrar que… que eu me apaixonei. Não achei que qualquer palavra fosse servir. E tive medo que… que ele achasse que eu estava mentindo ou falando pelo álcool." 

 

Monica e Ágatha assentiram. Um silêncio chato pairou pelo ar até que Ágatha bufasse. 

 

"Não aguento mais isso! Você precisa falar com ele, Raquel! Falar de verdade, tudo isso o que você contou pra gente. E mais do que isso, você precisa deixar ele falar. Vocês tem que botar tudo na mesa se quiserem que alguma coisa funcione. Eu aposto que nesse momento ele deve estar pensando em 350 cenários diferentes do porquê do beijo, e acredite em mim quando te digo que pra ele, isso dói mais do que admitir o que sente."

 

"Eu acho que você precisa entender que o Sergio é diferente." Monica completou. "Ele não é seu ex-marido, nem Ángel Rubio, ele é Sergio Marquina, e Sergio Marquina é o homem mais legal que eu conheço." Ela sorriu para Raquel, que o devolveu. 

 

"Guapita, é difícil. Mas também é difícil pra ele, que deve estar confuso pra cacete sem saber o que fazer com os sentimentos que ele também tem." Alicia disse, também sorrindo. 

 

"Eu sei… eu sei. Mas eu tenho medo, sabe? Eu… por Deus, eu acabei de me divorciar! Há dois anos eu estava… e agora...." Raquel respirou fundo. "Eu não duvido do que sinto por ele… mas Alberto era um cara legal também."

 

As três entenderam perfeitamente o que ela disse. 

 

"Nunca começa com um tapa." Alicia completou mentalmente o que Raquel quis dizer. 

 

"Mas eu sei que o Sergio, o nosso Sergio, o seu Sergio, jamais te machucaria. E digo mais, acho que você tentou tanto não se machucar que acabou machucando pelos dois." Ágatha disse, e Raquel engoliu a seco. 

 

"O que eu faço?" Raquel perguntou às três, e ao mesmo tempo a alguém no universo que tivesse todas as respostas míticas para suas angústias. 

 

"Toucheé." Respondeu Alicia, fazendo o resto rir. 

 

"Eu acho que vocês deveriam conversar, porque ele merece uma explicação. Mas antes, você precisa se decidir sobre ele. Porque uma vez que você for lá… tem que ser com toda a certeza do mundo pra ninguém se magoar mais." Monica disse sincera.

 

“A minha psicóloga chegou a me pedir pra fazer um negócio, mas eu achei meio besta…”

 

“O que era, Raquel?”

 

“Uma… Lista. Uma lista de prós e contras sobre ele.”

 

Ágatha não conseguiu reprimir uma gargalhada. “As vantagens e desvantagens de ficar com Sergio Marquina!!”

 

As meninas riram junto com ela.

 

“Você precisa fazer isso, Quel! Pera aí, onde tem papel e caneta por aqui?” Exclamou Monica. 

 

“Eu tenho na bolsa, segura aí.” Alicia se levantou e trouxe sua agenda, abrindo uma página ao final e estendendo a caneta à advogada.

 

Raquel traçou um risco no meio, escrevendo numa coluna “PRÓS” e na outra “CONTRAS”. Respirou fundo e acendeu um cigarro. Ficou olhando para a lista, sem levantar os olhos para as amigas, que a observavam, atentas. 

 

“Ok, eu gostar dele é um PRÓ...”

 

“CLARO!!” Monica se exaltou por um segundo, animada. “Gostar dele é um ponto positivo, escreve aí.”

 

“Coloca aí que ele fode bem!” Alicia soltou, junto à fumaça de seu próprio cigarro.

 

“ALICIA!” Raquel repreendeu, enquanto as outras caíam na gargalhada.

 

“Amor de pica é o que fica, né…”

 

“ALICIA!” Foi a vez de Ágatha repreender a ruiva. 

 

“O que foi? Ela é hétero, não é? Tem que falar essa linguagem, só assim elas entendem.”

 

As três caíram na gargalhada enquanto Alicia sustentava um olhar debochado à Raquel, que Ágatha notou.

 

“Essas coisas você conta pra ela e não conta pra gente, né guapita?” Ágatha disse entre risadas, enquanto observava a loira baixar os olhos para escrever mais uma linha na lista de PRÓS “Mas conta aí… Dá detalhes.”

 

“Você quer detalhes de como o seu chefe transa?” Raquel continuava indignada, mesmo que com um sorriso no rosto.

 

“Bom, pensando bem, quero não.” Monica se pronunciou.

 

"Ah mas eu quero..." Ágatha fingiu choramingar e Monica rolou os olhos.

 

"Ai mulher deixa de ser assanhada, shsh." 

 

Alicia encarou a namorada secreta e levantou as sobrancelhas.

 

"Ok, Raquel, continua aí a lista, vai..." Monica interferiu quando sentiu o clima pesar. 

 

“Ok…” Raquel respirou fundo de novo “Eu tenho… Medo. De um relacionamento.”

 

As meninas assistiram, silenciosas, enquanto a loira escrevia na agenda. Raquel colocou uma mecha do cabelo para trás da orelha e tragou de novo o cigarro, o apagando logo em seguida no cinzeiro em cima da mesa. 

 

“Coloca aí que vocês trabalham no mesmo lugar.” Monica se pronunciou de novo. Alicia e Ágatha se entreolharam, e a ruiva tragou seu cigarro. 

 

“Isso é um problema?” Ágatha levantou as sobrancelhas.

 

“Bom, eu acho que sim, porque a minha relação com ele, dando ou certo ou não, influencia no meu trabalho e coisa do tipo…” A advogada complementou.

 

“Mas até aí qualquer relação pessoal influencia no seu trabalho, Quel.” Ágatha evitava os olhos de Alicia nesse momento “Seja uma amizade ou um namoro.”

 

“Tá, mas é diferente. Eu não ia ficar fazendo uma lista de prós e contras por causa de um amigo…”

 

“Tá, convenceu.” A morena se recostou no sofá “Escreve aí e vai pro próximo…” 

 

Alicia a encarou meio confusa, mas Ágatha desviou o olhar para Raquel. 

 

“Ok, dois prós e dois contras…” Monica disse ao encarar a lista “Escreve que ele gosta de você de volta.”

 

Raquel engoliu a seco e pareceu travar.

 

“Escreve logo, Raquel, você sabe que é verdade.”

 

“Eu não sei…”

 

“Mulher, para com isso, todo mundo sabe que ele gosta. Escreve.”

 

“E aproveita e escreve que ele respeitou o seu espaço quando você pediu.” Alicia disse, séria “Isso é importantíssimo.”

 

“Ok…” Raquel anotou todas as coisas. Deixou a agenda no sofá e se levantou, tentando esconder as lágrimas nos olhos. “Eu vou no banheiro rapidinho…”

 

E desapareceu no corredor, deixando Alicia e Ágatha se encarando ferozmente enquanto Monica pegava o telefone para evitar ver o que quer que fosse aquilo que acontecia entre as outras duas mulheres, que agora sussurravam baixinho. 

 

Raquel entrou no banheiro e se apoiou na pia, deixando algumas lágrimas rolarem. Se olhou no espelho enquanto as secava, respirando fundo. Precisava parar de esconder o que sentia, de si mesma e das outras pessoas. Precisava deixar tudo fluir e finalmente tomar uma atitude em relação ao que sentia. Lavou o rosto e saiu, encontrando suas amigas atentas a ela. 

 

“Tudo bem?” Monica perguntou.

 

“Sim, sim” Puxou outro cigarro e acendeu. “Vamo continuar essa lista daí. Mon, você escreve pra mim, por favor?”

 

“Escrevo, claro” A amiga pegou a agenda e colocou no colo. “O que eu escrevo agora?”

 

“Coloca… Ele é bonito, né? Escreve aí, 'pitel'" Ágatha exclamou fazendo as outras rirem. Monica escreveu e levantou a caneta quando teve uma ideia. 

 

"AH! Ele é fino!" 

 

"Fino?" Alicia encarou Monica sem entender. 

 

"É ué, fino. Chic, sofisticado..." Ela explicou.

 

Alicia soltou um longo 'ata'. "Pensei que tava falando do amiguinho ser fino, já tava 'ué porque que isso é um pró?!'" 

 

Raquel deu um tapinha no braço da ruiva, caindo as gargalhadas junto com as outras, menos Monica que rolou os olhos nada confortável em imaginar mesmo que sem querer o pênis do chefe. Acabou que aquilo estava sendo bem divertido. 

 

"Bom, nesse contexto… já não posso dizer o mesmo..." Raquel completou e Ágatha arregalou os olhos surpresa.

 

"WOOOOOOOOW" A morena exclamou gargalhando de novo. "Tá vai, joga na roda: é grande?" 

 

"ÁGATHA?!" Monica e Alicia exclamaram ao mesmo tempo. 

 

Raquel corou e riu da reação geral. "Ele é…" Procurou por perto alguma coisa que pudesse demonstrar o tamanho, mas não encontrou. Encarou as amigas e foi afastando os dedos indicadores até onde achou adequado. Monica levantou as sobrancelhas surpresa, assim como Ágatha e Alicia, que suspirou um 'uau'.

 

"Mas tem cara, sabia?" Alicia disse, despretensiosa, e o grupo voltou a gargalhar. 

 

“Depois dessa revelação que ninguém esperava…” Ágatha debochou “Podemos sair pra comer? Eu tô faminta!!”

 

“Ai, eu não sei se quero sair” Raquel reclamou “Vamo pedir alguma coisa, tem vinho aqui pra gente beber…”

 

“Por mim ok” Monica levantou as mãos, como se tivesse se rendido

 

O grupo decidiu apelar ao fast food. Depois de horas até que Alicia se convencesse a pedir um dos hambúrgueres do cardápio, e Monica que precisar gritar ao caixa perguntando sobre uma opção vegana (que não tinha, e seu jantar acabou por ser uma porção enorme de batata frita), as quatro decidiram dar uma caminhada pelas lindas e agitadas ruas de Madri. Era uma noite bonita, afinal, e depois de tanta comida pesada, um passeio seria bom para fazer a digestão. Andaram, riram, fofocaram um pouco mais, nenhum assunto parecia ter fim no meio delas. Quando passaram pelas famosas Calles Espartinas um bar aberto à rua tocava no último volume o começo do que parecia ser "Dancing Queen" do ABBA. 

 

Ooh

You can dance

You can jive

Having the time of your life

Ooh, see that girl

Watch that scene

Digging the dancing queen

 

"AI MEU DEUS NÃO ACREDITO!" Raquel exclamou felicíssima. "Vamos! Vem!" Puxou as outras amigas que pareciam um pouco tímidas (menos Alicia, que já tinha soltado o cabelo e estava no meio da pista de dança improvisada). 

 

Friday night and the lights are low

Looking out for a place to go

Where they play the right music

Getting in the swing

You come to look for a king

 

"ANYBODY COULD BE THAT GUYYYY" As três cantavam rindo - Monica ainda estava um pouco retraída, mas dançava um pouco tímida. Ágatha tinha roubado o chapéu panamá do barman, que ria horrores do pequeno show que estava acontecendo. 


 

Night is young and the music's high

With a bit of rock music

Everything is fine

You're in the mood for a dance

And when you get the chance

 

"AGORA!" Alicia exclamou apontando a Raquel. 

 

You are the dancing queen

Young and sweet

Only seventeen

Dancing queen

Feel the beat from the tambourine, oh yeah

You can dance

You can jive

Having the time of your life

Ooh, see that girl

Watch that scene

Digging the dancing queen

 

Era tudo o que Raquel precisava. Se sentia em seu filme favorito, linda, feliz, completamente diferente de horas antes, em casa. Durante aqueles poucos minutos dançando no meio de uma rua agitada de Madri ela pode diminuir a gritante pergunta que rondava sua cabeça: será que um dia ele vai conseguir me perdoar? 


 

Sergio não conseguia dormir. O dia tinha se passado quase se arrastando, e seu corpo parecia inteirinho destruído. Doía demais pensar em qualquer coisa, e passou o dia afogando-se no trabalho. Planilhas e mais planilhas saltaram aos seus olhos e ele não viu o tempo passar. Seus olhos tinham estado secos o dia todo, e Sergio não se lembrava de ter comido. Tinha uma sensação ruim no corpo, como se estivesse doente, um buraco parecia abrir-se na boca de seu estômago mas ele passou o dia tentando ignorar as dores no corpo e as do coração. 

 

Chegou em casa sozinho, depois de repetir mil vezes a Andrés que não - não precisava de companhia. Tomou um banho demorado e se aqueceu no meio do único moletom que tinha. E sentou ao teclado. Quando seus dedos tocaram as primeiras notas, Sergio respirou fundo. E tocou, noite adentro. As melodias que gostava, as que eram lentas, que eram rápidas, forçando seus dedos a se recordarem do caminho sobre as teclas. Ia tocando, voltava se errava uma nota, outros erros deixava passar, preenchendo sua mente apenas das melodias que conhecia e se esforçando para fazer o melhor que podia. Ensaiava os acordes, fechava os olhos para impor ao seu cérebro que se recordasse da próxima oitava da música… Sergio, enquanto se concentrava em seus dedos longos pressionando as teclas, deixou-se pela primeira vez pensar de verdade no que estava sentindo.

 

Quando saiu do hospital, já adolescente, Sergio tinha adquirido aquele hábito quando tocava piano sozinho. Sua falta de jeito perante situações sociais e sua inabilidade em expressar sentimentos tinha levado o diretor a encontrar na música um jeito de se isolar e ao mesmo tempo se comunicar com o mundo exterior. Quando se sentava ao piano para tocar uma melodia conhecida, ele deixava os dedos irem correndo suavemente sobre o teclado enquanto sua cabeça ia longe. De tanto treinar, os dedos já conheciam o caminho das músicas, e Sergio deixava uma parte de seu coração em cada melodia tocada, deixando os pensamentos irem percorrendo vincos fundos de sua mente. Nesse momento, seus pensamentos estavam em Raquel, como sempre. Pensava, curiosamente, nas coisas boas: seu sorriso doce e seus cabelos dourados, o som de sua risada e aquele hábito sutil de se expressar demais por suas sobrancelhas. Sergio estava aos pedaços, mas não podia evitar pensar nela com carinho. Sua mente vagou até o dia anterior, e a sensação daquele beijo roubado tão meigo. Desde quando ela lhe roubava beijos? Ele lembrou das lágrimas e depois da conversa dolorosa com Andrés, e balançou a cabeça enquanto apertava teclas de som agudo, numa dança melódica suave. 

 

Apaixonar-se era um abismo, e ele estava cada vez mais mergulhado nele. Nunca, em toda sua vida, sentira uma dor parecida. Era diferente da dor de um luto, como ficara quando seus pais morreram. Era diferente daquela dorzinha aguda constante da solidão. A melancolia parecia-lhe explodir por todos seus poros, e ele fechou os olhos enquanto tocava, e não conseguiu evitar que uma lágrima brotasse em seus olhos. E depois outra e outra e outra, e finalmente bateu as palmas das mãos nos teclados num som que ele reconhecia sempre como o da desistência. O choro voltou e ele se concentrou para não soluçar. Ele iria se curar daquele coração partido eventualmente. Repetia isso para si o tempo todo. Mas não conseguia deixar de pensar em Raquel com todo o carinho do mundo, e tentava achar razões para o comportamento dela, buscando nas brechas o que poderia fazer e quais eram as chances de tudo aquilo não passasse de um mal entendido. Que as dores dela não existissem e que pudessem ficar presos juntos naquele apartamento, repetindo o mesmo fim de semana feliz para sempre. 

 

Sergio já nem sabia mais pelo que chorava, mas apertou os olhos e deixou que aquela água escorresse pelo seu rosto, apertando os dedos de volta no teclado. Tocou uma melodia triste, calma, e pensou que ela nem tinha chegado a descobrir daquele hábito tão precioso a ele. Ele precisava de mais tempo com ela. Queria ligar para ela agora e implorar que viesse até ele, queria esclarecer tudo de uma vez por todas, mas sabia que não teria a coragem. Seu coração batia rápido enquanto tocava, seus pensamentos em Raquel novamente, mas desta vez lembrava-se da conversa no apartamento dela quando ela pediu para que ele fosse embora. Ele devia ter ido embora e de uma vez por todas. Mas como poderia ter renegado esse amor que tanto o fascinava? Nunca, em toda sua vida, amara tanto alguém como amava Raquel. De certa forma, se detestava por isso, porque era até hoje sua maior fraqueza. Seu corpo não lhe obedecia, sua mente não lhe obedecia, e quando terminava seu trabalho a única coisa que lhe aparecia à era Raquel, tudo o que olhava ele podia enxergar algo que sentia vontade de compartilhar com ela. 

 

Naquele fim de semana, Sergio pegou o telefone decidido a ligar para ela pelo menos cinco vezes, não concluindo seu objetivo em nenhuma delas. Passou sábado e domingo andando sem rumo pela casa, a cabeça tentando processar toda aquela dor e todo aquele amor que lhe parecia até nocivo, vendo agora. Definitivamente, apaixonar-se poderia ser facilmente comparado a uma doença - refletiu ele em algum momento daquelas intermináveis quarenta e oito horas. Não queria ser obcecado por ela, mas sua mente se recusava a prestar atenção a qualquer coisa que não fosse Raquel Murillo, e reviver em suas lembranças todos os sorrisos e toques e beijos, as lembranças tão vívidas em seu apartamento das inúmeras vezes em que se amaram sem pudor. Cada flash da presença dela ali naquele apartamento era ao mesmo tempo dolorosa e reconfortante. Na noite de domingo, já não chorava mais. E foi ai que, ao notar que a segunda feira chegaria logo e, com ela, a presença de Raquel Murillo de volta pra perto de si, Sergio deixou a melancolia de lado para dar espaço a outro sentimento dolorido: a ansiedade.

 



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