O despertador assustou a latina que se virou emburrada para o lado, ela se espreguiçou e abriu os olhos, os raios de sol adentraram o quarto pela persiana fechada. Ela se levantou e espiou pela janela, a maldita câmera ainda estava direcionada a sua janela. Bufou entrando no banheiro e tirando a roupa.
O banho foi rápido e ela saiu enrolada na toalha, abriu totalmente a persiana e não se importou em desfilar pelo quarto somente de lingerie, se Lauren Jauregui queria desafiá-la, ela mostraria que não tinha medo de uma porcaria de câmera, mesmo que suas imagens pudessem ir parar em algum site pervertido.
Colocou uma camiseta branca com uma estampa básica e arrumou o cabelo em forma de duas orelhas, a camisa xadrez amarrada na cintura completava o look, pegou a bolsa e uma jaqueta jeans, está gelado para um dia de verão. Seus pais estavam tomando café e ela se limitou a tomar uma xícara de leite puro, abriu a porta de casa e colocou os óculos de sol. Dinah que morava na rua de trás estava a sua espera na calçada e sorria largo para a amiga.
-Bom dia, Chancho - disse animada e Camila não entendia como alguém podia estar tão animada logo pela manhã. Quando ela só desejava dormir até o meio dia.
-Péssimo dia, DJ - apontou para a janela de Lauren - Está vendo aquilo? Estou em algum tipo de reality show maluco, do Arizona para o mundo - disse fazendo com a mão uma faixa imaginária e Dinah revirou os olhos pelo drama.
-Aquela é a câmera? - disse com desdém e a latina assentiu - Camila, me poupe, aquilo é mais velho que a minha avó, aposto que ela está rindo de você até agora, nem deve funcionar.
Camila cerrou os olhos pensando sobre e a porta da frente se abriu. Lauren saia com sua postura inabalável, ela as encarou e Dinah sorriu simpaticamente acenando, ela franziu o cenho. O pai da garota estava parado a porta.
-Como vai, senhor J? - a maior disse educada e Michael apenas sorriu.
-Bem, Dinah e você? Bom dia, Camila - Lauren revirou os olhos, simpatia exagerada para o início da sua manhã - Lauren, o jantar é às sete, chegue cedo.
Ela quis rir alto, e a regra das seis?
-Estou ansiosa pelo sanduíche da Beth, uhul - fingiu animação e encarou as garotas, Camila a olhava com desprezo, o homem negou fechando a porta, a filha estava cada dia mais arredia. Não sabia mais o que fazer para mudar aquilo - Querem uma carona? - perguntou olhando para elas.
-Não!
-Claro!
Responderam juntas e Camila queria jogar Dinah na frente do primeiro carro, a olhou brava e ela empurrou a amiga sem delicadeza em direção a caminhonete de Lauren.
Fez a latina entrar primeiro ficando na porta, Camila respirava fundo e Lauren parecia se divertir com isso, olhou a garota de cima a baixo e sorriu, ela estava diferente hoje, não parecia mais uma caipira.
-E então, Lauren, está gostando da cidade? - começou casualmente, Lauren riu anasalado achando graça daquilo.
-Meu sonho de vida morar aqui..? - disse dando espaço para Dinah dizer seu nome.
-Dinah Jane, Dinah. - repetiu pausadamente e Lauren assentiu - Mas pode me chamar de DJ - Camila cerrou os olhos, somente os amigos a chamavam assim - E essa criatura que fala pelos cotovelos é a Chancho - Lauren encarou Camila meio assustada, que tipo de nome era aquele?
-Meu nome é Camila - explicou emburrada.
-Na verdade.. é Karla Camila - a latina atingiu a amiga com uma cotovelada, detestava o primeiro nome - Kaki para os íntimos - riu e Camila estava a ponto de jogar a garota do carro em movimento.
-Meu Deus, Hansen, cala a boca! - Lauren parou o carro decidindo não se meter na breve discussão, mas se divertindo com a mesma, havia gostado de Dinah, ela era leve e divertida, elas a olharam com uma interrogação nítida na cara.
-Eu já volto, vou comprar um café - Camila fez uma careta, não gostava de café e nem entendia como alguém tomava aquilo.
A garota saiu do carro e Camila se virou ameaçadora para a amiga.
-Se você falar mais alguma coisa pra essa garota, eu juro por deus, DJ.. eu te jogo desse carro - a maior levantou a mão com uma cara inocente e Camila fechou a cara, era óbvio que ela iria dizer algo, era a Dinah ali e ela a conhecia bem.
-Eu achei ela bem simpática - Lauren estava no caixa pagando o café, Camila olhou para ela que sorria - Gostei dela.
-Vai se ferrar, DJ, você trocou duas palavras com ela - a latina disse baixo, Lauren voltava para o carro e ela se calou.
A garota tomou um longo gole de café e gemeu em satisfação, ou aquele café estava muito bom, ou ela estava realmente precisando daquilo, Dinah arqueou a sobrancelha sussurrando um “Sexy” que Camila fez questão de ignorar.
-Você mora há muito tempo aqui, DJ? - ela estava realmente interessada.
Dinah se ajeitou no branco.
-Eu e a Mila nascemos aqui praticamente, Camila é latina e eu polinésia.. - mesmo Lauren ignorando completamente a presença da garota, Dinah fazia questão de incluí-la ao assunto - Mas já nascemos com a bota nos pés - disse rindo e Lauren soltou a primeira risada sincera do dia.
A risada era quase infantil, rouca e sincera, Camila a olhou e ela tinha os olhos fechadinhos ao rir, era até fofo, desviou os olhos quando Lauren virou para o lado.
-Acho que eu também - disse levantando o pé e mostrando o coturno. Ela estava com uma calça jeans rasgada e uma camiseta preta, o casaco por cima era largo, ela estava largada e ainda assim continuava linda - Entregues e vivas - disse ao chegarem.
Dinah riu e abriu a porta, todos as olhavam curiosos.
-Nossos minutos de fama chegaram, Mila - Lauren tirou o casaco e jogou o cabelo em seguida, saltou do carro sem deixar de encarar a latina saindo do mesmo, ela estava séria e aquilo só a instigava mais - Obrigada pela carona.
-Sempre que precisar - Lauren respondeu educada andando em direção a Veronica que estava parada na entrada com algumas garotas, aparentemente ela era melhor em fazer amigos do que ela.
Camila suspirou mais uma vez, estava irritada com a amiga e suas atitudes.
-Ei, Jauregui - Lauren olhou para trás - Nossa mesa é a dos fundos, no almoço - explicou devido a cara de dúvida que Lauren fazia, ela sorriu e acenou.
-Eu desisto de você!
Camila passou pela entrada negando com a cabeça, deixando Dinah para trás, ela não tinha noção mesmo.
Lauren ficou olhando as garotas entrarem, alguns garotos olhavam para elas com caras convencidas e nojentas, viu o momento que um garoto colocou o braço sobre o ombro de Camila e beijou a bochecha dela. Desviou os olhos para a garota a sua frente, ela estava sozinha agora.
Veronica cerrou os olhos e olhou na mesma direção que ela olhava antes.
-Hummmm.. eu sinto esse cheiro daqui - disse encenando e Lauren fez uma careta.
-Que cheiro? - disse confusa olhando para os lados. Não sentia cheiro nenhum.
-Esse cheiro de couro, sapatão - respondeu sacudindo a sobrancelha e se divertindo com a cara de brava que Lauren fazia. Veronica era ótima e Lauren tinha adorado conhecer a garota, mesmo que não dissesse isso.
-Você é ridícula, Veronica!
-É, mas eu sou sagaz também, achou mesmo que poderia esconder isso de outra sapa? - riu divertida e Lauren adentrou o colégio sem olhar para ninguém - Eu esqueci de pegar o seu número ontem - mudou de assunto, Lauren não ia falar nada sobre a sua sexualidade mesmo. Mas também não negou, e isso bastava.
-Eu não tenho mais celular - contou - Castigo.. se mudar para o mato, lembra? - Veronica abriu a boca meio chocada. Não achava que fosse tão rígido assim.
-Computador? - indagou esperançosa e Lauren negou - Credo, seu pai é-
-Militar - completou comprimindo os lábios e encarando o corredor repleto de gente a olhando - Chato, cheio de regras, antiquado, eu posso continuar..
-Acho que entendi - respondeu pensando em algo e logo sua mente se iluminou - Seu castigo inclui não sair de casa?
-Com certeza inclui - bufou - Por quê? - se virou olhando para a garota que tinha um sorriso malicioso nos lábios, Lauren conhecia bem aquela cara, usava muito e via muito em Lucy, sua amiga de farra em Miami.
Veronica abriu o armário pegando alguns livros. E sorrindo de lado.
Lauren avistou a garota da biblioteca, ela sorriu de lado ao passar por elas.
-Porque tem uma festa na sexta, eu tenho um carro, permissão para ir e só preciso de uma boa companhia - explicava fechando o armário, se virou para Lauren - E também tenho uma identidade falsa, posso conseguir uma pra você..
A garota olhou para ela como se ela fosse iniciante nesse mundo, Lauren pegou a bolsa e tirou de lá sua própria identidade falsificada, colocou em frente ao rosto de Veronica que riu.
-Acha que está lidando com quem, Iglesias!? - riu guardando o documento - Estava com saudade de quebrar algumas regras, você me pega às dez.
-Vai pular a janela? - perguntou curiosa e Lauren negou como se aquilo fosse loucura.
-Se é pra sair, que seja pela porta da frente!
As sextas Michael assistia jogo na tv e sempre acabava dormindo no sofá da sala, aquilo seria fácil como roubar doce de uma criança. Lauren se animou, a adrenalina fazia seu corpo funcionar, queria dirigir em alta velocidade, mas seu carro não passava de 80 km/h. Queria beber um bom whisky, mas seu pai não tinha nenhum tipo de bebida em casa, queria fazer qualquer coisa que a deixasse mais próxima de si mesma, mas ali não conseguia, era como cair aos poucos e deixar seus pedaços pelo caminho.
De uma forma ou de outra, Lauren se obrigava a mudar e se adequar a sua nova vida e isso era péssimo, ninguém entendia que a garota só queria ser livre e não viver em uma jaula disfarçada de lar.
Jack, o marido da sua mãe, sugeriu que ela fosse para a Europa, mas Michael mais uma vez acabava com a sua vida arrastando a garota para aquele fim de mundo. Foi difícil para ele, ver a filha chamando outro homem de pai, sendo tudo que ela não era com ele, por isso ele insistiu tanto em levá-la e pela primeira vez, Clara não se opôs, mesmo que temesse isso, Mike era o pai e tinha esse direito.
Lauren revirava o suco sentada no refeitório, via Dinah e Camila sentadas do outro lado, mas elas não estavam só, decidiu ficar com Veronica ali. O problema era que seus olhos insistiam em encarar a latina que sorria de uma forma fofa.
-Eu não acredito que tá afim justo dela - Lauren desviou os olhos e os pousou em Veronica que negava com a cabeça - Ela não é o tipo de garota.. para você.. - disse cautelosamente e Lauren arqueou a sobrancelha.
-Por que diz isso? - colocou as mãos juntas e sorriu falsamente para a garota - Qual seria o meu tipo segundo você? - disse debochada.
-Primeiro porque a fila de garotos atrás dela é enorme, ela é toda perfeitinha, presidente do Grêmio e.. - disse levantando o dedo - Ela vai à igreja aos domingos - decretou fazendo Lauren rir baixo.
Ela não acreditava em estereótipos, sempre acreditava ter algo mais e tinha, com certeza a latina tinha, ela só não sabia o que.
-Perfeita demais.. até parece falso - disse olhando diretamente para Veronica que arqueou a sobrancelha.
-O que quer dizer? - indagou.
-Que eu vou descobrir o lado podre dessa garota, afinal todos temos um e quando você é assim - indicou com a cabeça - A coisa tende a ser bem surpreendente.
-Você é louca - riram e ela deu os ombros.
-Talvez, ou talvez eu seja a mais lúcida desse lugar todo.
Camila ouvia sem muito ânimo Cold contar sobre o jogo passado, achava aquilo um saco, mas sorria falsamente. Dinah fazia gestos com a mão simulando vômito e ela segurava a risada.
-Sou o mais rápido do time - dizia orgulhoso - E ainda fiz o ponto da vitória.
Ela não entendia nada de futebol, sua cabeça estava longe e ela não pretendia entender de qualquer forma.
-Oh, incrível, Cold - disse animada - Eu preciso ir até a sala de música resolver umas coisas do grêmio com a DJ - mentiu - Nos vemos depois - ele abriu a boca para protestar, mas a garota já estava longe grudada em Dinah. Estava desde o outro ano tentando algo com ela e nada, nenhum charme parecia suficiente para ela - Céus! Ele é muito chato - disse no corredor, rumavam para o auditório de teatro.
Dinah concordou freneticamente.
-Dispensa logo ele - disse pela milésima vez e ela negou.
Entraram olhando para os lados ali, não havia ninguém no corredor, pelo menos não alguém que elas vissem, Lauren franziu o cenho olhando as garotas entrando ali.
-Ainda não - disse retirando a jaqueta e a blusa que estava amarrada na cintura e jogando no chão do palco. Treinava seus passos de dança ali, era sossegado e ninguém entrava no local sem uma apresentação, era perfeito e acústico - Coloca River - pediu se aquecendo no palco e a amiga fez o mesmo subindo em seguida.
A melodia soou arrepiando o corpo da latina, ela amava dançar e essa música era como eletricidade para seu corpo.
Lauren entrou silenciosamente e se encostou na porta, elas estavam distraídas no palco. Aproveitou para ir até a última fileira e se sentou camuflada pela escuridão.
Seu queixo foi ao chão olhando as garotas, elas dançavam sensualmente e em uma sincronia assustadora. Não era como líderes de torcida, era muito além, o olhar de Camila mudava, ela olhava para a platéia vazia como se estivesse seduzindo fantasmas e a garota tinha certeza que todos estavam hipnotizados assim como ela estava.
Ela não conseguia sequer piscar, era como perder segundos preciosos de um belo espetáculo.
-Eu sabia que tinha algo - disse a si mesma.
Camila deslizava pelo palco e sorria de uma forma sacana para Dinah. O corpo dela se movia agilmente, conhecia cada passo daquela coreografia e conhecia também aquele palco como a palma da sua mão.
-Está perfeito - Dinah disse secando o suor da testa e prendendo o cabelo em um coque alto.
Camila ajeitava o cabelo respirando fundo.
-Mas vamos ensaiando todos os dias até sexta - avisou e Dinah concordou, sabia que a garota era muito paranóica e tudo tinha que realmente sair perfeito - Precisamos ir. - olhou no celular e pegou os casacos.
Lauren se encolheu no branco escondendo o cabelo que era o que a denunciaria ali, as garotas saíram apressadas e ela esperou alguns segundos para andar até a porta, temia ficar trancada ali.
-Até que enfim achei vocês - Camila estava parada do lado de fora e se assustou com a voz da garota, ela andava graciosamente em direção a ela.
-Aqui não, Keana - Dinah avisou e ela ignorou se aproximando da latina que mordia o lábio encarando a garota - Droga, alguém pode ver.
-Isso torna tudo mais interessante - disse antes de selar os lábios de Camila em um beijo leve, mas intenso, a garota enfiou a mão por entre os fios de cabelo dela, a língua se movia em sincronia e seu corpo logo foi encostado bruscamente na parede.
Camila soltou um gemido baixo e sorriu.
-Não faz isso - disse empurrando a garota e ajeitando a roupa, sua boca estava vermelha, Dinah as encarava com tédio - Alguém pode ver essa merda.
-É.. temos uma reputação a manter, Ke.. - disse andando lada a lado com Camila e ela.
Lauren colocou a cabeça no corredor surpresa pelo que viu, não havia mais ninguém ali. A coisa só melhorava, quantas coisas mais Camila escondia?
-A reputação de vocês está intacta - garantiu sorrindo e dobrando o corredor em outra direção, tinham aulas opostas - Mila? - disse andando de costas - Te espero na minha casa hoje.
Camila negou e recebeu uma piscadela em resposta. A garota sabia que ela iria mesmo negando.
Dinah puxou a latina para a próxima aula, entraram segundos antes do professor, um coroa bravo que não tolerava atrasos.
Sentaram-se no local de sempre e o homem começou a aula, explicava sobre a segunda guerra mundial quando a porta se abriu, os olhares se voltaram a garota de cabelos platinados parada a porta.
-Com licença, eu posso entrar? - perguntou educada e o homem assentiu com cara feia.
-Não toleramos atrasos aqui, senhorita Jauregui - disse em forma de aviso e ela revirou os olhos indo para o fundo da sala.
-Vocês não toleram nada e isso não impede que aconteçam.
-O que disse? - o homem perguntou alto e ela se virou sorrindo, tinha dito baixo.
-Que história é a minha matéria favorita - disse irônica e ele apertou o maxilar, sabia da fama dela.
Ele ficou quieto e ela seguiu sentando ao fundo. Seu olhar pousou em Camila e ela analisou a garota com expressão doce. Quem iria imaginar?
A latina olhou por cima do ombro e viu Lauren escrevendo algo, parecia ser o mesmo caderno da outra noite.
Ela tinha uma expressão concentrada e o cenho franzido, era atraente.
Ninguém podia negar isso.
Os garotos a olhavam muito e Camila revirou os olhos, eles eram uns idiotas.
-Odeia né!? Aham - Dinah disse acusativa e ela se virou para a frente.
Ela não disse nada, preferia não entrar nesse mérito.
[...]
A mesa estava posta com o jantar nela, Lauren desceu as escadas praticamente obrigada.
-Você pediu isso em algum lugar? - disse ao sentar-se à mesa com o pai.
Ele negou colocando habilmente um pedaço do bolo de carne para ele e Lauren o parou antes que ele pudesse fazer o mesmo com ela.
-Você não vai comer? - perguntou confuso e ela suspirou.
-Eu sou vegetariana, pai!
Ele abriu a boca confuso e um pouco envergonhado.
-Desde quando?
-Desde os meus doze anos - disse rindo anasalado, seria cômico se não fosse trágico o pai não saber algo tão simples, mas tão importante assim - Mas é óbvio que você não sabia disso - acusou - Como poderia?
-Desculpa, filha.. eu realmente não sabia disso, mas eu posso preparar uma salada, algo assim - se levantou e ela fez o mesmo.
-Corta essa, papai - pegou o suco e se serviu - Eu já comi no quarto, obrigada. - mentiu - Vou tomar um ar no jardim - disse e não deu tempo dele contestar. Saiu pela varanda e se jogou na grama - Inacreditável! - disse emburrada.
Esticada ali naquele chão frio ela se lembrou da latina e sorriu, ouvia Demons do Imagine Dragons e não acreditava ainda que tinha visto aquilo.
Na confusão toda da sua vida, ela não via nenhum motivo para sorrir e agora estava ali sorrindo como uma boba pelo simples fato de saber que a garota não era o que parecia, assim como ela. Ninguém nunca é, as pessoas usam máscaras, de proteção ou por opção.
Não era uma garota insegura, era apenas magoada, e isso vinha de muito tempo.
A porta da varanda se abriu e a luz chamou a sua atenção, Camila saiu distraída carregando o lixo, Lauren acompanhou seus passos e ela estacou ao ver a garota ali.
-Jergi - disse naquele tom debochado e Lauren ignorou, aquilo não a afetava mais, não vindo dela - O seu passatempo é ficar deitada na grama olhando o céu!? - disse divertida e Lauren riu discretamente.
-O seu com certeza é me atrapalhar nisso - disse séria e Camila deu os ombros.
-Touché! - jogou o lixo e se debruçou na cerca - Você não parece tão assustadora daqui - disse pensativa e Lauren olhou nos olhos dela.
-Você parece muito atraente daqui de onde estou - disse quase em um sussurro e Camila endireitou a postura na mesma hora assustada e ela riu - Eu te deixei sem palavras, uau.
-Você é muito abusada mesmo, garota - disse brava voltando para dentro.
-Isso torna tudo mais interessante - repetiu as palavras de Keana, a latina parou por um momento, mas entrou sacudindo a cabeça.
Ela não se tocou do que Lauren falava, mesmo que o cérebro a jogasse isso na sua cara.
[...]
Lauren abriu a porta do corredor e espiou, tudo quieto, saiu com o coturno nas mãos, pisando leve no assoalho de madeira.
Passava da meia noite e ela queria sair dali, não importavam as consequências disso, estava cansada daquela rotina isolada de tudo e todos.
Desceu as escadas devagar e ao chegar na porta, abriu cautelosamente saindo, respirou fundo soltando o ar aliviada. Tinha sido fácil demais.
A caminhonete fazia muito barulho e ela não conseguiria sair com ela sem acordar o bairro inteiro. Colocou o coturno e puxou a touca sobre o cabelo, usava um casaco comprido e isso ajudava no disfarce.
Queria apenas andar sem rumo, sozinha e sem hora pra voltar.
Seguiu o caminho oposto ao que usava para ir ao colégio, tinha uma velha praça ali, ela adentrou olhando para os lados e subiu na casinha onde ficava o escorregador, tirou o cigarro que estava escondido nas coisas dela desde que chegou e acendeu logo.
A fumaça entrando era como uma anestesia ao corpo, era uma morte lenta e prazerosa, fechou os olhos sentindo o êxtase que fumar causava. Sentia falta disso.
Deitou a cabeça sobre o braço e suspirou soltando a fumaça lentamente. Relaxou totalmente.
O barulho de pássaros fez a garota despertar, ela abriu os olhos minimamente e sentou assustada, já estava dia e ela estava ali, não sabia quanto tempo fazia, estava sem relógio e se praguejou por isso.
Que tipo de castigo ganharia agora?
Não poderia ficar sem mais nada, o pai já havia tirado tudo mesmo.
Desceu calma demais para alguém que estava na situação dela, e caminhou para casa, algumas pessoas a olhavam curiosas, suas roupas não eram muito comuns para o local.
Ao chegar em frente a casa, ela entrou com o ar arrogante no rosto e sem culpa alguma.
-Lauren! - Michael disse vindo até ela a passos largos, estava com o telefone na mão - Ela está aqui - disse e Lauren soube quem era - Depois conversamos, Clara.
Desligou sem paciência para a falação da mulher e encarou a garota com desgosto.
-O que foi? - disse quase ingenuamente e ele cerrou os olhos.
-Como você pôde fazer isso? Onde estava com a cabeça? - gritou e ela não se abalou - Onde estava?
-Olha, pai, talvez eu estivesse na minha cama uma hora dessas, se eu fosse uma garota normal e não uma prisioneira nesta casa - ele levantou o dedo apontando para ela - Eu não tenho nem a porra de um celular - disse alto.
-Olha essa boca - retrucou - Acha que fazendo tudo errado vai ter as coisas de volta? A vida não é assim, Lauren - respirou tentando manter a calma e ela riu sarcástica.
-Então me fala como é a vida, papai! Me fala todo o seu conhecimento sobre como viver, e eu sugiro que comece por abandono paternal, disso você entende bem.
-VOCÊ ESTÁ SENDO INJUSTA COMIGO - berrou e ela engoliu em seco, nunca tinha visto o homem assim - Você não sabe o que está dizendo!
-O QUE EU SEI É QUE EU PASSEI A PORRA DA VIDA TODA SEM VOCÊ E NÃO É AGORA QUE VOU PRECISAR DISSO - gritou ainda mais alto - Alguém que não sabe sequer que a filha e vegetariana e faz uma porcaria de bolo de carne! Para, você nunca vai ser meu pai, você deixou esse cargo há muito tempo.
Ele estava vermelho e sua veia saltada. As respirações aceleradas deixavam o local ainda mais pesado. Ele segurava as lágrimas assim como ela.
-ONDE VOCÊ TAVA? - gritou novamente e ela deu as costas - Se você fizer isso de novo eu vou-
-Vai o que? - ela se virou pronta para brigar mais ainda com ele - Me mandar embora? Seria muita sorte a minha. Eu odeio esse lugar. E eu odeio você.
Ele ficou ali parado vendo a garota correr escada acima e não conseguiu ir atrás. O estrondo da porta o fez fechar os olhos. Ele não tinha coragem de dizer tudo que estava entalado na garganta, foram anos assim e agora não podia simplesmente despejar toda a merda sobre a garota.
-Merda! - socou a parede e saiu batendo a porta.
Camila estava na janela e ouvia tudo, os gritos eram bem nítidos, viu Michael sair de carro e Lauren encostada na porta. Ela estava com a testa na madeira e chorava de raiva.
-Vai para o inferno - sussurrou e jogou um porta papel na parede.
Ela andava pelo quarto com a mão sobre a boca, abafando o choro e Camila via aquilo com o coração apertado. Não imaginava as coisas fossem tão ruins assim.
Lauren colocou as duas mãos sobre a cabeça jogando o cabelo para trás, ela olhou para a câmera na janela e golpeou a mesma fazendo com que caísse lá embaixo.
Camila pulou levemente assustada, agradecendo por seus pais terem saído mais cedo naquela manhã. No mínimo iriam pedir uma ordem judicial para manter a garota longe de Camila.
Ela respirou fundo e não via mais Lauren, que havia entrado no banheiro. Ela engoliu em seco o pensamento sobre as besteiras que alguém poderia fazer na hora da raiva.
-Meu Deus - disse abrindo a porta e correndo escada abaixo - Puta que pariu - dizia tentando abrir a porta com as mãos trêmulas, correu até o jardim do lado e alcançou a porta rapidamente, socava a madeira um pouco descontrolada - Lauren? - chamou e nada.
Lauren estava no banho colocando toda a raiva pra fora, a água gelada caía sobre suas costas e ela respirava fundo. Se assustou com as batidas na porta da frente.
Fechou o chuveiro e ao ouvir seu nome franziu o cenho. Se enrolou na toalha e desceu molhando todo o piso.
-Lauren? - ouviu seu nome mais uma vez e abriu a porta sem olhar.
Camila estava com a mão levantada e pronta para bater mais uma vez, Lauren a olhou assustada e ela abriu a boca sem saber o que dizer.
Ela parecia bem, nem mesmo o olho estava vermelho mais, nenhum sinal de choro e Camila não soube onde enfiar a cara.
-O que faz.. aqui? - perguntou bem confusa e a garota estava muda - Está precisando de algo? - disse tentando fazer com que ela falasse.
A latina desceu o olhar pelo corpo dela enrolado na toalha, os pingos de água ainda estavam escorrendo pelo rosto de Lauren e se perdiam na toalha. Ela esperava uma resposta da latina que pensava em algo pra dizer e não vinha nada.
-E-eu.. eu - disse e se calou olhando pro lado - Eu vim.. pedir açúcar - disse alto demais e Lauren franziu o cenho - Isso.. pedir açúcar. É isso - confusa e atropelando as palavras ela não soou nem um pouco convincente.
-Açúcar? - perguntou para ter certeza e ela assentiu - Ok.. - abriu espaço para Camila que entrou e fechou a porta.
Só no meio do nada assim pra alguém vir pedir açúcar na sua porta com tanto desespero, riu do pensamento.
Camila analisava a casa.
-Aqui está - Lauren disse estendendo um pote para ela que ficou olhando aquilo sem pegar - A açúcar - insistiu.
-Oh, claro. Obrigada - agradeceu com a língua coçando.
-Está tudo bem com você, Camila? - perguntou meio preocupada.
-Está, tudo ótimo - disse rapidamente - Como você está? - devolveu meio casual.
-Bem - Lauren disse fazendo uma careta meio incomodada, ela sempre estava bem - Eu preciso me arrumar agora - olhou para o relógio que marcava mais de sete e meia.
-É.. sim, eu já vou, obrigada pelo.. açúcar - balançou o potinho e saiu quase correndo dali. Entrou em casa e bufou - Açúcar, Camila! Sério?
Lauren negava subindo as escadas, pessoas dali eram muito, muito estranhas, eles provavam isso a todo momento.
02/08/17 - Devido ao alto nível de açúcar no sangue, as pessoas aqui tendem a ficar estranhas, mais que o normal. Cortar açúcar de cardápio. Dia 7 de 365.
Anotou ainda sem entender a garota ter ido com tanto desespero pedir açúcar. Mal sabia ela que Camila teve um surto de preocupação e que aquilo era a prova, ela não odiava Lauren e nunca iria.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.