Acordei.
Estava em uma sala totalmente branca e só, estava com os pulsos e os tornozelos presos por correntes enterradas no chão, era desconfortável, doía muito, mas o pior era o líquido que começava a escorrer do meu nariz, minha boca abria-se involuntariamente, não conseguia abaixar a cabeça. O gosto ácido era quente, eu comecei a sentir uma dor de cabeça tremenda, meu corpo começava a convulsionar.
O que era aquilo?
Eu corria, na chuva mesmo, vestindo uma jaqueta jeans de um azul cobalto com um desenho de uma rosa atrás.
Desesperada.
Meu tênis encharcava cada vez mais a cada poça que eu pisava, minha maquiagem deveria estar borrando, deveria estar feia, nem liguei para a dor e o cansaço do sedentarismo.
Não abri aquela porta, eu quase a quebrei, todos olhando para mim.
— E você quem é?
— Sou a irmã do Arthur, meu nome é Jessica Pardo.
— Quarto 101, segundo andar, elevador no fim do corredor a direita, a senhorita pode fazer o favor de retirar os seus sapatos e se secar no banheiro? Entregaremos uma toalha para você.
A mulher mal olhava nos meus olhos, e eu nem mesmo me importava, e também não me importava em seguir as suas ordens, retirei meus sapatos e os larguei em qualquer lugar, quase arranquei a toalha das mãos de uma aparente enfermeira e corri em direção ao quarto de Arthur.
Eu não sou a Jessica, mas não hesitei em dizer que era a irmã dele, pois eu sabia que ela não se daria a obrigação de vê-lo, assim como ela não se importou em trazê-lo para cá, assim como ela não se importou em fazê-lo parar nesse hospital.
Não estava sozinha naquele elevador, mesmo assim eu gritava, e batia os punhos nas paredes como uma louca.
— Por favor moça, há uma senhora idosa aqui.
A enfermeira pedia constrangida, e eu me senti péssima ao olhar para a senhora na cadeira de rodas assustada, mal conseguindo respirar, chorando. Não tinha tempo de me desculpar, ou acalmá-la, quando a porta se abriu eu corri até o quarto e acabei derrubando uma criança com gesso no braço, mal liguei para o seu choro que se misturava com tantos outros naquele andar.
E então eu abri a porta, e lá estava ele, entre outras três macas, todos dormindo, inclusive Arthur.
— Meu Deus Arthur, como pode... Como eu pude... -Eu me segurava para não chorar, não podia.
— Eu tentei tanto arrancar isso de você...
Mas a verdade é que isso só me fazia sangrar.
— Que droga, droga, droga... -Eu dizia ao me lembrar a última coisa que encenei antes disso.
"Enquanto isso te mata, aproveita e usa para me esquecer"
Estúpida, não é isso que se fala para um amigo.
Eu olhava para você e sua expressão me dizia que eu tinha perdido tempo, parecia morto, e estava morrendo, eu sentia culpa, não poder voltar atrás e continuar lutando, isso me destruía, e eu gritei, e ninguém acordou, todos inconscientes, eu sabia que iriam me expulsar dali, mas eu continuava surtando, enquanto tirava Arthur de todos os tubos que o ligavam a máquinas.
Eu o matei mesmo sabendo que ele iria sem minha ajuda.
Eu me ajoelhei quando uma enfermeira entrou e eu não precisei olhar sua expressão, ela saiu correndo atrás dos outros médicos.
— Me perdoa Arthur, não, não... -Eu tentava colocar de volta os tubos.
Tarde demais, óbvio.
Você morreu e eu não disse nada, como eu pude me calar?
Meu corpo aos poucos parava de tremer, o gosto ruim se esvaia e os meus olhos paravam de girar.
Alívio.
As correntes se abriam e voltavam para de onde tinham saído, via-me livre por um momento, mas olhando ao redor não havia uma porta, nenhuma saída.
Então um líquido, transparente como água começou a escorrer das paredes, chegando até mim, o cheiro forte não dificultou a identificação do que era.
Álcool.
Molhar meus pés não foi suficiente, de algum modo chovia, levantei minha cabeça, e graças à Deus fechei meus olhos a tempo, meu cabelo ficou ensopado, assim como minhas roupas brancas, o cheiro forte e a ardência me faziam chorar e prender a respiração.
E então fogo.
— Queima né?
— ARTHUR...
— Sinta, eu sentia minhas veias queimarem quando injetava, era tão bom, e você permitiu tudo.
Eu corri para fora do hospital antes que os médicos chegassem, corri pelas ruas e a chuva continuava tremenda, eu fui então até a casa dela.
O fogo se apagou em meio aos meus gritos e deu lugar à outro líquido, dessa vez realmente era água, todo o álcool se esvaiu e eu me senti seca por alguns segundos, antes da água preencher o lugar até meu tornozelo, senti alívio de novo, e então preencheu até o joelho, minha cintura, e assim foi enchendo até o teto, senti meu corpo tencionar com a falta de oxigênio, não demorou muito para eu me debater e de repente parar, meu corpo havia desmaiado mas minha consciência ainda trabalhava, eu não podia fazer nada mas ainda sentia a agonia nos meus pulmões.
A casa ficava longe do hospital, mas eu não me importei em ir até lá, a porta estava trancada, mas a janela da sala não, então entrei por ela. Sentia-me exausta, mas me esforcei para subir as escadas, e a raiva tomou conta de mim quando abri a porta do banheiro.
Lá estava ela, na banheira, morena, o cabelo curto repicado e negro, a maquiagem toda borrada assim como a minha, ela estava sem camisa e sem sutiã, apenas com uma calcinha preta. Ela fumava um cigarro, o quarto fedia, ela muito mais, e quando me olhou eu pude ver medo, a testa franzida e as sobrancelhas tortas em pânico.
— Olha, se você veio por causa do Arthur ele não tá aqui, já levaram ele para o hos... —Quem levou ele? VOCÊ LEVOU ELE?
— Uma ambulância, que EU CHAMEI.
— Você estava lá, não é? Você estava lá e FUGIU COM OS OUTROS, VOCÊ DEIXOU ELE CONVUCIONANDO NO MEIO DA RUA DEPOIS DE TER DADO AQUELA DROGA PRA ELE... –Eu gritava em uma tentativa de não avançar nela.
— EU CHAMEI UMA AMBULÂNCIA, EU NÃO PODIA FIC... — PODIA, VOCÊ PODIA SIM SUA VADIA – minhas mãos foram ao encontro do pescoço de Jessica. — Você deveria ter ficado, era sua obrigação, você não o obrigou a usar? Você de...
—CALA A BOCA – Ela me empurrou contra o espelho. —CALA A BOCA, VOCÊ NÃO SABE NADA SOBRE MIM, NÃO SABE NADA SOBRE O ARTHUR, ELE QUE QUIS, EU NÃO O OBRIGUEI A FAZER NADA NATHALIA.
Eu não aguentei a hipocrisia de Jessica, meu punho foi em direção ao seu rosto e ela caiu na banheira de novo, segurei pelo seu pescoço enquanto ela estava ainda tonta e fiz.
Enforquei-a enquanto a afogava na banheira, parei quando senti o aperto no meu braço sumir, suas pernas arregaçadas fora da banheira, a água misturada com o sangue não permitia eu ver seu rosto, me afastei em um impulso.
O que eu havia feito?
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