História Dois Verões - E se

A garota esperou, ansiosa. Ele a olhou novamente, suspirou um par de vezes para se acalmar e voltou a falar.

- Eu tenho muito medo de ser um bosta que não faz nada da vida pra sempre, saca? – ele continuou, a olhando com uma intensidade que ela jamais saberia descrever. – Eu queria ser um cara legal pra minha família, pros nossos amigos, mas principalmente pra você. E aí... Sei lá, não tava botando fé no vestibular e você sabe que eu não gosto de estudar, né? Resolvi tentar uma outra coisa.

Para ela, era absurdamente estranho que ele se visse daquela maneira. Magali o achava o menino uma das pessoas mais talentosas e inteligentes que já conhecera. Admirava o tanto de coisas que ele sabia fazer e a capacidade que tinha de aprender rápido. Mas por alguma razão que ela nunca compreenderia, ele sempre se achava inferior.

- Você lembra aquela vez que o Cebola gravou um vídeo meu jogando basquete com os brothers nas olimpíadas do colégio? Não achei que fosse dar em nada, mas vocês insistiram tanto que eu resolvi mandar pro time do Corinthians. Não falei nada pra ninguém porque, sei lá, não queria decepcionar vocês se não conseguisse, mas essa semana me ligaram de lá.

- Eu sabia, Cas! – ela sorriu ainda mais, com os olhos se enchendo de lágrimas emocionadas. – Eu sempre soube! Aliás, você foi o único que nunca acreditou em você mesmo, sabia?

- Eu nunca consegui acreditar, Magá... – admitiu, tristonho. – Mesmo agora, depois de ter ido lá, conhecido o ginásio, assinado contrato... Parece uma zueira dessas bem doidas... – coçou a nuca, desviando o olhar para a vista. O último mês fora uma loucura em sua vida. Primeiro teve que conversar com os pais, que ficaram extasiados com a notícia, depois teve a fase de conhecer o time, os colegas, os dirigentes. Era tudo muito grande, um universo que parecia tão distante que ele nunca nem se dignara a sonhar em participar. Mas agora aquele era seu mundo também.

- Deixa de ser bobo! – ela deu uma risadinha baixa – Isso é tão incrível! Quando você começa?

- Então... Eu vou pra São Paulo em abril, quando acaba a temporada. Aí vou treinar até começar a próxima em novembro... – respondeu.

- Uau! – exclamou – Isso é... Não sei nem o que dizer. É maravilhoso!

- Eu sei. – ele riu, pela primeira vez relaxando um pouco – Tu vai ver os meus jogos, né?

- É lógico! Vou na primeira fila ainda! – sorriu.

- Mas... Não é só isso que eu quero te falar.

A menina arregalou os olhos, mas logo voltou a sorrir. Sabia que aquele momento chegaria e era exatamente por ele eu estava ali. Finalmente estava pronta para se arriscar.

- Eu gosto de você, Magali. – ele disparou, sem rodeios – Tipo, de verdade. Não sei nem desde quando. Você é tipo a mina mais maravilhosa que eu já vi na vida. Eu sei que a gente é amigo desde sempre e que você deve estar me achando um burro por confundir as coisas, mas não dá pra fugir dessas coisas que você me faz sentir.

- Cas, eu... – ela mordeu um lábio nervosamente. – Não sei nem o que dizer...

- Olha, eu sou entender se tu não quiser nada comigo. Juro! A gente fica amigo como sempre foi!

- Espera! Não, não é isso! – corrigiu, ansiosa – Eu não posso dizer que nunca pensei nisso. A gente sabe que combina e você sempre foi tão importante na minha vida... – continuou – Eu quero tentar. Quero viver isso com você! Mas... Eu quero ir devagar, descobrir as coisas... Sabe?

- Eu acho que sei. – ele riu, aliviado. De repente foi como se tivesse tirado um peso enorme das costas. – Na real, se for com você eu nem me importo.

- Você acha que... A gente consegue? Sabe, conviver com a distância? – ela perguntou, insegura. Fora justamente esse o fator que o separara de Joaquim e por mais que tivesse sido um término amigável, a deixara um pouco amedrontada.

- Eu acho que quero tentar. – Ele sorriu, com convicção. – Véi... A gente já viveu tanta coisa! Além do mais, o campus da sua faculdade nem é tão longe do centro de treinamento... – confessou.

Ela sorriu, sentindo o coração aquecer de um jeito que não sabia explicar. De alguma maneira, saber que ele estivera pensando neles dois juntos, planejando coisas para o futuro, despertara uma felicidade instantânea na garota.

- Magali, você aceita namorar comigo? – ele perguntou, tomando as mãos dela entre as próprias. O segundo em que ela levou para responder pareceu durar uma década inteira, mas logo que ela ficou nas pontas dos pés e lhe deu um beijo, ele soube que estava tudo bem.

Melhor do que nunca, na verdade.

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Lá na pista de dança, a festa ainda fervia. Alguns convidados começavam a ir embora, mas a turma estava decidida a fazer aquele momento durar o máximo possível. Bia e Nimbus dançavam juntos, hora parando para conversar e rir de bobagens, hora se beijando e se curtindo. O menino ia passar o ano estudando para o vestibular enquanto não conseguia decidir de fato o que queria estudar e ela estava prestes a levar mais a sério os torneios de surfe dos quais sempre sonhara participar.

Cebola tinha conseguido sua tão sonhada aprovação para engenharia de software e estava contando os dias. Marina iria para uma escola de artes em São Paulo e Franja começaria em seu novo emprego na base terrestre da Hoshi em poucas semanas. Xaveco, depois de muita orientação educacional, optara por tentar a sorte estudando cinema. Depois de tantos anos querendo se sentir um personagem principal, ele notara que sua vocação maior era para os bastidores. E Denise decidira por jornalismo desde o começo do ensino médio (embora estivesse um tanto nervosa e aborrecida por saber que iria para o mesmo campus que o loiro).

Mônica ficara com sua faculdade de enfermagem e Magali cursaria nutrição. As duas já estavam procurando um apartamento para dividir, fazendo centenas de planos para os anos que estavam por vir. Do Contra escolhera psicologia e também se mudaria para a mesma cidade das meninas.

Nesse clima de sonhos e novidades, a festa foi regada por uma euforia indescritível. Magali e Cascão voltaram para a pista depois de mais um bom tempo sozinhos e foram recebidos por uma salva de zoações e cumprimentos animados dos amigos. Os dois até queriam disfarçar, mas era impossível não notar o que acontecia entre eles.

Já madrugada adentro, com o céu clareando e a festa quase vazia, Marina seguiu com seus amigos mais próximos para a piscina no jardim do salão. Sentados nas espreguiçadeiras, as garotas todas sem os sapatos nos pés e os garotos com as gravatas frouxas, os jovens relembraram os melhores momentos que já passaram juntos e brindaram um par de vezes às novas memórias que fariam.

Mônica e Cebola aproveitaram a ocasião para fazer o anúncio oficial do relacionamento. Todo mundo fez seus comentários e piadas, mas o grupo sem dúvida alguma ficara extremamente feliz com a notícia. E nesse clima de alegria, Franja aproveitou que se sentia mais feliz do que nunca ali abraçado com a namorada e a puxou pela cintura para se jogar na piscina com ela. A menina reclamou do estrago que isso poderia causar em seu visual, mas instantes depois se esqueceu disso.

O que se seguiu foi um festival de gente entrando na água de roupa e tudo. Até Cascão ignorou seu medo de água e foi com sua nova namorada lá pra dentro. Os únicos que restaram lá fora foram Denise, Carmem, Xaveco e Do Contra, embora as duas duplas estivessem sentadas a vários metros de distância.

O loiro dirigiu o olhar para a ruiva, sem conseguir evitar se perguntar como seria se fosse ele a estar assumindo um namoro naquela noite. Depois de tudo o que acontecera, essa realidade parecia ainda mais distante do que sempre estivera. Ela também devolveu o olhar, embora disfarçando um pouco mais. Sabia que tinha o magoado demais para acreditar que um simples pedido de desculpas os faria ficar bem.

- Parece que virou rotina todo mundo estar curtindo clima e a gente na merda, hein? – Do Contra comentou, ao ver o “casal problemático” (como ele gostava de chamar mentalmente) se encarando de longe.

- Quem diria que no final eu ia sobrar junto com você... – respondeu dramaticamente, logo dando uma risadinha.

- Que bosta, cara. – o roqueiro sorriu brevemente.

- Você tá legal? – Xaveco perguntou, disfarçadamente desviando o olhar para Mônica e Cebola.

- Tô... Eu já sabia que eles estavam juntos desde a praia. – deu de ombros. Quando ele e Mônica terminaram, ele acreditava que nunca conseguiria se livrar das coisas que sentia por ela. Sempre que olhava no rosto dela vinha um misto de nostalgia, expectativa e saudade que o tirava da linha. Mas o tempo foi passando e as coisas começaram a se encaixar. Ainda não era fácil. Talvez nunca fosse ser, na verdade. Mas era bom vê-la feliz, mesmo que fosse com seu rival.

Antes da viagem para a praia, ele sentira muito medo de descobrir o que aconteceria quando tivesse que conviver com ela novamente. Mas surpreendentemente fora mais fácil do que pensara. Ela continuava sendo incrível, inteligente, espirituosa e todas as outras coisas que o fizeram se apaixonar, mas não era mais dele. Tudo nas interações que tiveram o gritavam passado e deixavam claro que apesar de terem tido momentos maravilhosos, não teriam outros daqui pra frente.

O olhar dele se perdeu naquela piscina, na confusão de amigos que riam, brincavam e jogavam água uns nos outros. Viu seu irmão fazendo a maior algazarra junto com Bia, mas sua atenção se prendeu mesmo em Magali e Cascão. Os dois estavam desajeitados e inseguros um com o outro, mas obviamente felizes. Olhar para aquela menina o fizera sentir uma coisinha esquisita.

Nunca prestara muita atenção nela antes. Era amigos quando estavam em grupo, mas nunca interagiram muito fora isso. Mas aí surgira aquela amizade totalmente espontânea durante o verão e não conseguia negar que tinham tido uma conexão quase bizarra. Ela era incrivelmente bonita, e isso nenhum dos meninos da turma jamais seria capaz de notar. Ainda assim, agora ela estava com Cascão (e Do Contra sabia que ele mesmo tinha dado um empurrãozinho para isso) e ele não estava mais afim de problemas amorosos.

Eles dois eram apenas um pequeno “e se” de verão que provavelmente nunca aconteceria.