conheço os meandros como conheço os mirtilos
no nome e no azedo distante da prova, nunca no mergulho
não existe rio limpo em são paulo como não existem mirtilos no atacadão do ipiranga
por isso não afundo os pés, mas sonho
sonhar é sempre descalço
a poesia me pede mais do que vocabulários e gramáticas para que algum valor lhe seja emprestado e
na segunda-feira a minha amiga isabella me disse que eu não preciso terminar um livro porque
o amor às vezes acaba no meio de uma frase
ela também me disse que às vezes sente vontade de segurar as palavras na boca de sua amante,
mas sente que nem assim a entenderia
e eu não sei se a isabella se escuta, mas eu escutei nas palavras dela que mesmo se
eu me agarrasse aos ditos do meu amante nas costas da língua dele eu não seria capaz de
entender o que ele diz antes de ele dizer ou mesmo depois porque
o entender não cabe no amor
o primeiro homem que me amou decidiu que não me amava mais depois de haver me entendido
e eu senti tanta tanta tanta raiva dele
não por deixar de me amar porque os destinos do amor não me cabem,
mas pela prepotência de achar que havia me entendido
por se recusar a buscar o que havia atrás de mim
ah, mas sejamos sinceros, eu senti raiva sim porque queria que o destino do amor me coubesse
porque queria controlar o amor dele por mim de frente, queria segurar o carinho nos olhos dele
mas o amor é areia, água, essas matérias livres todas
depois dele eu decidi que amaria nas costas, sempre nas costas
hoje eu vejo o meu amor cozinhando e eu o abraço pelas costas e quando
ele me ama na cama eu peço que antes ele me abrace as costas
para que assim o beijo dele chegue primeiro pelo pescoço, pelos ombros, pela nuca
e eu não consiga nunca saber por onde ele vai me amar depois
não quero cair descalça na crença de que entendi tudo sobre como ou quando você me ama
quero entender que medir o seu mistério com o meu é fantasia violenta
e antes de meandros e mirtilos eu espero que a gente se ame no dorso, entende,
eu espero que a gente brinque e se desconheça a todo o tempo, para que as piadas sejam sempre novas
principalmente porque o amor para mim precisa ser de graça e eu gosto muito de rir
se entender de todo é dominar e eu não quero te dominar,
sei que entender o seu amor não me cabe, visto que o seu amor pertence a você como
o meu amor por você pertence a mim
não há amor perfeito como não há encaixe perfeito de ordem nenhuma
não há amor se o amor for roteirizado por meio do encaixe
está bem, lacan? eu entendi que o sexo não existe só enquanto a nossa fantasia grudenta de se fundir ao outro
e se eu te entendi errado eu peço perdão, pois ainda estou nas costas desse poema
deus me livre de me fundir a você, amor, eu gosto de você, mas eu gosto de ser eu
não afunde os pés em mim, amor, não compre cinco caixas de mirtilo na xepa da feira porque
ainda sairá caro e você ficará sem cebolas para o arroz
sentirá fome em questão de duas horas e irá me culpar
não afunde os pés em mim, amor, o rio mais próximo fede a esgoto
e eu não quero ser um rio fundo, eu prefiro mais ser uma poça rasa e limpinha,
entende, eu prefiro que você sequer consiga encaixar a sola de um pé aqui
você aí e eu aqui, amor, e quem sabe sem fome um do outro a gente possa sentir fome
de mais da vida além do amor porque é um cansaço buscar o amor até quando já se ama
é um cansaço não dar repouso ao amor
é um cansaço que a vida de uma mulher seja sempre o amar
e a vida do homem seja despertar o amor
antes que o amor me faça juras muito sérias eu prefiro que o amor me faça piadas muito bobas
para que então eu sinta desejo
e não obrigação
de estar ali segurando sua mão
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