"Veja as chamas dentro de meus olhos. Elas queimam tanto, eu quero sentir o seu amor..."
Olioti estava exausto em todos os sentido, havia dedicado aquela manhã em que não teria tantos afazeres com o rei para aproveitar e treinar pesado juntos aos outros guardas, pois queria gastar suas energias e se concentrar em outra coisa que não fosse o príncipe. Ao final do treino estava suado, cansado, no entanto, com disposição para continuar. Somente parou porquê teve consciência do tanto de esforço e dedicação que exigiu daqueles homens.
Naquele dia, completava uma semana desde o baile de aniversário e desde lá as coisas não poderiam estar mais tensas do que já estavam. Uma parte do cavaleiro se arrependia por ter se declarado tão abertamente e se martirizava por isso, poderia ter guardado esse segredo como sempre fez, porém já era tarde demais, o estrago já havia sido feito e passaria a pagar o preço por não ter conseguido resistir, assim pôs tudo a perder ao confessar seu amor. E o preço era alto demais; a ausência de Lucas em sua vida, mesmo o vendo todos os dias Olioti o sentia cada vez mais distante de, mal olhava em seus olhos e quando o fazia não sabia descrever o que as orbes esverdeadas tinham a lhe dizer, somente conseguia ler um pedido mudo para que permanecesse afastado. Doía como uma espada afiada sendo transpassada em seu corpo, mas obedecia e continuava em seu posto como o dever mandava.
E quanto a Lucas, o príncipe praticamente ignorava o melhor amigo, pois temia o que poderia acontecer se resolvesse se aproximar dele e conversar sobre o que aconteceu entre eles. O herdeiro mentiria se dissesse que não havia gostado e que se sentiu completamente mexido com aquele beijo, era como se um sentimento longínquo, e até então inexistente, tivesse despertado em seu coração. A sua única alternativa foi fugir, por enquanto funcionava muito bem, mas as poucas vezes que ousava observar o cavaleiro tinha a impressão que o coração partido do outro trincava um pouco mais. Os olhos do moreno diziam tanto sobre ele que Lucas não precisava muito para saber o quão machucado ele estava.
E a culpa era sua por nunca ter percebido, por se esquivar, por manter distância e acima de tudo negar-se ao sentimento tão puro. Mas o que aconteceria se por um acaso do destino resolvesse assumir o que sentia e se entregasse de vez para o amor do cavaleiro? Não seriam felizes, sequer sobreviveriam por tanto tempo, pois o risco de serem condenados a morte era muito maior. Viver esse amor às escondidas era muito arriscado, não poderiam contar com a sorte, mais cedo ou mais tarde alguém viria a descobrir sobre eles.
E ainda tinha a questão principal, Lucas seria o futuro rei e estava prometido em casamento com a futura rainha. Se quebrasse a promessa de honra que fez, jamais seria perdoado por seus pais e súditos. Ao analisar a questão no todo Lucas se frustrou, nos livros as histórias eram um pouco mais simples, claro que surgiam algumas divergências no caminho, mas o final era feliz em todas as vezes… Pelo menos na maioria delas.
Nunca seria livre para ser quem quisesse ser, seu quarto era o seu próprio mundo. Ali podia pensar, falar e agir como quisesse, mas a partir do momento em que cruzasse a porta já não mais seria o Lucas Feurschütte, e sim, o futuro rei de Sharkland, esposo de Marcela Lahaud.
E não havia nada que pudesse ser feito para mudar isso.
Que se dane o que seu coração sente.
Que se dane os sentimentos de Olioti.
Milhares de pessoas contavam com seu comprometimento e ele não poderia errar. Jamais.
Em sua opinião, seria melhor e mais seguro manter as coisas desse mesmo modo.
E sua decisão já estava tomada.
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— Estava certo quando comentou sobre a beleza desse lugar. — o jovem de cabelos encaracolados comentou assim que entraram nos domínios do reino, a carruagem os levava diretamente ao castelo.
— Eu disse que você se apaixonaria. Não disse? — o de olhos azuis disse com um sorriso suave, fascinado pelo encanto que era o homem ao seu lado — Mais tenha em mente que o nosso é ainda mais belo, considere Sharkland como o segundo melhor.
— Acho que posso concordar com isso. — esboçou um sorriso doce, esse que se desfez ao ter seus lábios selados em um beijo casto.
— Você está nervoso. — Rafael afirmou contra os lábios do marido, sua mão segurava a dele e era notório o leve tremor e a pequena umidade causada pelo suor. Felipe respirou fundo, sabia que era quase impossível esconder alguma coisa de seu soberano.
— E se não nos aceitarem? Disseste que aqui são muito rigorosos e não tão liberais quanto em seu castelo. — Rafael imaginou que Felipe poderia temer por eles, no fundo ele mesmo não evitava sentir receio com aquela visita aos seus tios. Não saberia como seria recebido ali, mas precisava transmitir seu consolo ao mais novo, fazê-lo acreditar que tudo daria certo e que não havia o que temer.
— Não é o meu castelo, é o nosso castelo. Você é tão dono quanto eu, não se esqueça disso. — Felipe sorriu fraco e assentiu em concordância, ainda não havia se acostumado com a sua nova condição de rei, era tudo muito novo para ele — E não se preocupe, não poderiam fazer nada contra nós, meu tio e primo não permitiriam. — garantiu, segurando a mão do marido com um pouco mais de força e passando a acariciar levemente o seu belo rosto — Já não digo o mesmo da rainha, ela sim é um problema. Bem, pelo menos costumava ser um problema, não sei se ela continua a mesma após esses anos que fiquei sem vir aqui...
— Assim espero. Já foi difícil conquistar o amor de nosso povo e convencê-lo a nos aceitar de boa vontade em Nesfetew, que dirá em Sharkland.
— Eles não são obrigados a nos aceitar aqui, mas no mínimo terão de nos engolir. Acredite, tudo vai ficar bem, meu amor. Confie em mim, sim? — pediu encostando a sua testa com a dele — Eu te amo. — sussurrou.
— Eu também amo você. — Felipe respondeu após beijar o seu rei.
Assim que os reis do palácio das ilhas do sul adentraram as dependências do castelo, foram anunciados pelo mensageiro real. A rainha e o rei foram recebê-los junto a Marta, que momentos antes estava em uma reunião com o casal para discutirem assuntos políticos junto aos assuntos do casamento. Carmem vinha de braços abertos e um sorriso enorme, mas assim que reparou que o sobrinho caminhava de mãos dadas ao lado de um homem desfez o sorriso e adotou uma feição nada simpática. Assim como Marta, que torceu o nariz deixando em evidência todo o seu desgosto e repúdio ao ver aquela cena deprimente, em sua nada humilde opinião.
— Rafael, meu sobrinho. Eu já estava achando que havia se esquecido de nós. — Otto foi gentil e simpático recebendo o sobrinho com um abraço apertado, como um legítimo pai faria com o filho. Ambos sempre tiveram uma boa relação, Otto era irmão mais novo do pai de Rafael.
— Peço perdão pela demora em voltar, meu tio, mas esses últimos cinco anos foram tão corridos que ficou praticamente impossível. Só agora que a parte maior dos problemas se resolveram conseguimos retornar para o Brasil.
Rafael e sua família passaram os últimos anos vivendo na Polinésia em apoio às suas tias por parte da família de sua mãe, que sofreram um boicote e tiveram seus palácios invadidos por inimigos. Demorou um bom tempo para que conseguissem se reerguer novamente, a família Lange se dividia em prestar solidariedade as rainhas e continuar governando Nesfetew, porém no fim deu tudo certo como havia de ser.
— De qualquer forma, é bom vê-los por aqui outra vez. — ele disse alegremente se desfazendo do abraço. Por cima dos ombros notou que o outro rapaz, que acompanhava o sobrinho, observava ao seu redor admirado com tudo o que via por ali.
— Quem é o jovem curioso? — Marta, que permanecia em silêncio, resolveu soltar a língua apenas para se certificar que se tratava justamente do que já estava bastante claro por ali. Dois homens em pecado.
— Ah sim, perdoem-me a falta de educação. Esse é o meu marido, Felipe Zaghetti Lange. — sorriu com orgulho, abraçando o marido de lado.
— M-marido? — Carmem indagou. Jamais imaginou que o sobrinho viesse a ter um disparate desses, sem contar no erro gravíssimo que estava cometendo por se deitar com outro homem.
— Sim, minha tia. Há dois meses ele disse sim para mim na frente dos juízes e de nosso povo, desde então tem sido os melhores sessenta dias de toda a minha vida. — declarou, com um ar totalmente apaixonado. Felipe sorriu, apesar de sentir-se um tanto embaraçado por aquela situação.
— Mas isso é um crime. — Marta acusou, não escondendo a sua típica arrogância.
— Não mais. — Rafael respondeu — Creio que devem estar cientes das mudanças feitas nas leis por meu pai no ano passado, fico feliz em dizer que o amor entre pessoas do mesmo sexo já não se trata mais de um crime em Nesfetew.
— Seu pai chegou a comentar isso conosco no aniversário de Lucas. — Otto recordou da ocasião em que o irmão lhe disse sobre a lei.
No momento em que soube a novidade Otto não se opôs, mas Carmem passou o resto da madrugada inteira se lamuriando em seus ouvidos e até mesmo querendo proibir o marido de continuar mantendo contato com o próprio irmão, pois, segundo ela, Richard poderia trazer más influências ao marido. Mas isso estava fora do cogitação e Otto deixou claro que não deixaria a sua relação com seu único irmão se dissolver por uma simples bobagem como aquela. Graças ao repúdio da rainha resultado Otto foi obrigado a dormir no chão puro pelas noites que se seguiram.
— Mas nós não acreditamos nessa maluquice. Tínhamos coisas mais importantes para nos preocupar... — a rainha falou se referindo ao casamento real.
— Eu creio que sim. — Lange respondeu com descaso e um sorriso não tão amigável quanto antes — E por falar em Lucas, onde meu primo está?
— Foi levar a noiva para dar uma volta. — Otto respondeu.
— Ótimo, enquanto ele não volta eu levarei Felipe para conhecer o jardim, ele ama as flores. Não é, meu doce? — Felipe assentiu animado sorrindo para o marido — Se meu primo chegar antes de eu entrar avisem que estarei lá fora com o meu marido. Com licença. — assim retirou-se de braços dados com o encaracolado.
Marta e Carmem se entreolharam com nojo pela cena. A rainha odiava a petulância de sobrinho e se pudesse vetar sua presença em seu reino já teria o feito, entretanto não gastaria saliva com o que não lhe apetecia no momento. Como disse anteriormente, havia coisas mais importantes para se preocupar.
Já do lado de fora Felipe aspirava o aroma das margaridas, elas eram as primeiras flores na entrada do jardim, as primeiras a dar as boas vindas a qualquer um que entrava ali para admirar sua beleza.
— Ela é tão ... azeda. — Felipe comentou, obviamente se referia a rainha.
— Mais do que isso, ela é irritantemente insuportável. Não sei como meu tio e primo aguentam, são definitivamente dois santos. — brincou, enquanto caminhavam pelo local.
— Acha que ela vai criar problemas conosco? — indagou com um tom inseguro.
— O máximo que ela pode fazer é tentar nos irritar para que nos incomode ao ponto de querermos ir logo para a casa. Mas você me conhece muito bem e sabe que eu não deixarei passar se isso acontecer. — disse ele, colocando uma pequena flor atrás da orelha do encaracolado e se perguntando aonde foi que acertou tanto para ter a sorte de tê-lo para si.
Aproveitou para olhar para os lados, ao ver que não tinha ninguém o puxou para um beijo não resistindo ao vê-lo tão sublime em meio às flores.
A rainha que se cuidasse e vigiasse bem, se dependesse de Rafael sua curta estadia ainda lhe renderia algumas dores de cabeça.
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Lucas e a princesa passeavam pela aldeia cumprimentando o povoado e sendo gentis quando vez ou outra eram parados pelos moradores. Estavam acompanhados de três guardas e Lucas sentiu falta de Olioti ao seu lado, mesmo que tivesse escolhido manter distância do melhor amigo sempre se sentiu mais seguro quando ele estava por perto. Chegava a ser estranho estar fora de casa sem sua companhia.
Marcela se mostrou tão empolgada em passear com o noivo que não desconfiava do seu modo contido e reservado, pensou que talvez isso se dava pelo fato da personalidade do príncipe ser assim e não via problemas, afinal teria bastante para conhecer seu futuro marido em todos os sentidos. Enquanto isso, o príncipe tentava desviar seus pensamentos do moreno cativante, porém quanto mais tentava esquecer mais ele se lembrava das sensações que sentiu nos poucos minutos em que esteve entregue em seus braços, do efeito em seu corpo quando os lábios carnudos e avermelhados beijaram os seus, quando os olhos escuros transbordaram em lágrimas e quando se desfez de toda a sua armadura para se deitar em uma coragem que Lucas imaginou que não desejava ter ali naquele momento.
Olioti era intenso ao mesmo tempo que era cuidadoso com as palavras. Lucas se derreteu completamente com todas aquelas palavras, apesar de sua parte racional gritar para que repudiasse com todas as suas forças aquele beijo, o seu coração estava em frangalhos por desejar sentir o calor do cavaleiro mais uma vez.
Por enquanto a parte racional estava vencendo.
— ... e então ela disse que as rosas trazem azar. Acho que bromélias e lírios cairiam muito bem, podíamos misturar as cores que gostamos e... — Marcela falava pelos cotovelos, até se dar conta de que não obtinha resposta e resolveu finalmente olhar para o noivo — Lucas?
— Sim...? Oh, me desculpe, acabei me distraindo, princesa. O que estava dizendo mesmo? — questionou desajeitado por ter deixado sua noiva falando com o vento. Sua mãe lhe daria um belo puxão de orelha se tivesse conhecimento da omissão, apesar de não ter agido por mal.
— Sobre as flores que serão usadas na decoração do nosso casamento. — respondeu pacientemente.
— Ah sim, claro. De tanto pensar nisso fiquei desatento...
— Imagine, não há problema algum. Sei como se sente, pois é exatamente assim que me sinto. Penso em como ficarei quando chegar o dia, estou tão nervosa que andei descontando minhas emoções na prova do buffet. — murmurou como se fosse um segredo de estado — Não conte isso a minha mãe, por favor, ela me mata se souber que andei exagerando e que provavelmente precisarei de mais ajustes no meu vestido. — Lucas riu nasalado.
— É natural que nós dois fiquemos assim... — ela concordou.
Os dois pararam em um campo aberto próximo a um lago. Não havia ninguém ali, a não ser os guardas um pouco mais afastados do casal. Era mais uma das propriedades privadas do reino, ali teriam privacidade para conversar sem correr o risco de serem incomodados.
— Por falar em coisas naturais... não acha que já está mais do que na hora de avançarmos um pouco mais? — Lucas jurou que poderia engasgar somente com o ar — Já sei um pouco sobre você, você já sabe um pouco sobre mim, então ...
— A senhorita poderia ser mais clara, por favor? — o herdeiro tremia de imaginar aonde aquela conversa poderia dar.
— Eu já disse que o amo, certo? Eu cresci ouvindo falar muito sobre você, de como era quieto e reservado, do seu amor pelos livros, da sua doçura para com os outros. Eu era apenas uma menina quando o vi de longe naquele festival de inverno nas ilhas do oeste. E naquele momento eu soube de alguma maneira que você já era meu. — declarou com um olhar brilhante e um sorriso sonhador.
— Princesa, eu ... — protestou incomodado com a aproximação repentina e com o toque quase invisível da ponta dos dedos delicados nas maçãs do seu rosto ruborizado.
— Sei que não me ama ainda, mas sei que com o tempo esse sentimento virá, pois é isso o que acontece quando se é a alma gêmea de alguém, portanto não me incomodo em esperar o tempo que for. — Lucas ofegou brevemente, novamente aquele mesmo assunto sobre alma gêmea — E enquanto esse dia não chega eu sou perfeitamente capaz de amar por nós dois. Deixe-me provar dos seus lábios, por tanto tempo imaginei esse momento e nos meus sonhos era perfeito...
A princesa se aproximou repousando suas mãos sobre os ombros do herdeiro e desviou o olhar dos olhos para a sua boca.
— Marcela... — sussurrou.
— Apenas um beijo. — insistiu, se aproximando cada vez mais.
Lucas pousou as mãos nos quadris de sua noiva. Deveria ter se afastado, mas no momento desejava esquecer de Olioti a qualquer custo. Era errado usá-la para isso, mas de qualquer forma ela viria a ser sua esposa, não custava nada lhe beijar.
Então aconteceu. Os lábios se encontraram. Os corpos se juntaram.
Mas era diferente.
Não tinha a mesma magia. Não era Olioti ali. Não era ele a ser conduzido. Os lábios dela eram frios como os seus, os de Olioti eram quentes. Não tinha aquele calor. As borboletas não voaram em seu estômago. O dia não parecia mais colorido. Lucas não sentia absolutamente nada com aquele beijo, simplesmente por não ser Olioti ali.
E pelo visto não seria nada fácil esquecê-lo como planejava.
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