História E agora , Julie ? - Capítulo 7

Martim e Félix ultrapassam a parede adentrando a Edícula , Bia que estava sentada no sofá olha na direção deles , logo verificando que Daniel não tinha voltado junto com os meninos.

Olhando pela janela , Julie percebe que já é noite - Não encontraram o Daniel ? – Pergunta ela com resquícios de preocupação na voz.

Os meninos se entreolham.

- Não, infelizmente não achamos ele – Responde Martim , sem olhar diretamente para Julie.

Félix desvia o olhar e permanece calado , se não conseguia ajudar preferia não atrapalhar.

Ainda sentada num puf Julie suspira desanimada.

Bia e ela a pouco tinham decidido voltar para a Edícula e escutar alguns discos recém adquiridos por Bia na loja de Klaus , enquanto esperavam os fantasmas voltarem. Ao vê-los chegarem sem Daniel , Julie não pode evitar de puxar o ar com força, em uma tentativa falha de não ficar nervosa.

- O que será que aconteceu ? – Julie se indaga , sem conseguir imaginar onde Daniel teria se metido.

- Ah , vai ver ele só não queria tocar mesmo – Fala Bia dando de ombros. – Você sabe como Daniel é.

Sim , Julie e todos alí presente sabiam que às vezes Daniel gostava de fazer as coisas ao seu grosso modo. Mas ela não conseguia acreditar que isso fosse a motivação do sumiço dele.

- Sim , mas...

- Julie , Daniel é um fantasma – Fala Bia rindo – Sério , relaxa. Ele deve estar bem.

- A última vez que confiei no fato dele , digo os meninos – Julie corrige a fala rapidamente – Serem fantasmas eles foram presos por um professor louco que queria escravizar eles – Ela acrescenta com um suspiro. – E se o Demétrius estiver tentado alguma coisa ?

- Não, o Demétrius não pode fazer mais nada com a gente , esqueceu? – Fala Martim com um sorriso – Agora temos ele comendo na palma da nossa mão.

Julie pondera , sem se convencer totalmente.

- Bem , o que sei é que o ensaio de hoje foi por água à baixo hoje – Comenta Bia olhando para eles – Olha só, já escureceu – Ela diz apontando para a janela. – E eu vou ter que voltar pra casa.

- Mas já? – Questiona Julie frustada. Imaginava que Bia fosse dormir em sua casa.

- Minha mãe quer que eu fique com ela hoje , vai estar passando o último capítulo da novela que ela gosta – Bia fala rindo – Fez até lasanha de feijão. – Ela diz com um sorriso sonhador.

Julie e os meninos fazem uma careta ao escutar sobre a comida preferida dela . Bia tinha gostos peculiares.

Julie se dá por vencida , afinal , como poderia competir com uma lasanha de feijão ?

Sem chance Pensa ironicamente rindo consigo. A amiga gostava muito daquele “ prato “ um tanto quanto estranho.

- Bem , se é assim – Julie diz sem opção a não ser aceitar. Agora estava fadada a lidar com a situação apenas com os fantasmas.

Bia se despede dela com um abraço simples , com pena de deixar a amiga naquele momento . Conhecia bem Julie , ela não ficaria tranquila enquanto Daniel não voltasse.

Ela suspira desanimada ao ver Bia saindo da Edícula , realmente não teria mais ensaio. Mas antes essa fosse sua única preocupação.

Onde você está, Daniel ?

- Se de repente ... o Daniel aparecer , ou algo do tipo – Julie anuncia direcionando-se aos fantasmas - Se tiver acontecido algo , por favor me avisem – Ela fala com certa pressa , saindo logo em seguida do local.

Martim olha confuso para Félix , que corresponde um pouco nervoso.

- Martim , você acha que foi certo o que fizemos ? – Ele diz com peso na consciência – Julie tá realmente preocupada com ele.

- Félix – Ele diz o segurando pelos ombros – Estamos apenas fazendo o que Daniel pediu.

- Não estou me sentindo bem com isso – Félix fala com um suspiro.

Martim lembra-se da conversa com Daniel no parque. Não poderiam deixar o amigo na mão na hora em que ele mais precisava.

Martim balança a cabeça em negação – Daniel que não está bem – Ele diz olhando de modo fixo para Félix – Ele pediu claramente para ficar sozinho. Como vamos seguir com a banda se Daniel continuar desse jeito ? Temos que tentar ajudar.

- Não acho que mentir dizendo que não encontramos ele seja a melhor opção – Félix retruca.

Martim também não tinha tanta certeza. Mas que opção teriam ? Só restava torcer para que o fantasma voltasse logo.

- Pelo bem da banda – Pontua Martim. – E do nosso amigo. Paixões são passageiras , logo vai passar e tudo vai voltar ao normal – Ele fala esboçando um sorriso de quem entendia do assunto.

Ao longo de sua vida Martim tinha se enamorado de várias meninas , mas como tudo na vida , as paixões também eram passageiras. Algumas bem mais que outras , mas no fim todas eram.

- Falando assim parece tão fácil – Ironiza Félix – Não acho que vá ser tão simples assim. Eu nunca vi Daniel ficar desse jeito por alguém antes.

O sorriso de Martim vacila , também nunca tinha visto.

- Não seja pessimista , é só dar tempo ao tempo , você vai ver – Fala Martim , tentando se manter firme em seu pensamento.

- Mas quanto tempo , Martim ? – Questiona Félix. – Como vamos explicar pra Julie ?

O fantasma já tinha refletido sobre isso . Como explicaria para Julie que o Daniel tinha pedido um tempo indeterminado da banda ? Que estava de certo modo deprimido pela recusa dela e isso estava lhe afetando mais do que “ devia “ ? Não era algo que se dizia assim do nada ou de qualquer jeito.

As chances de ambos os lados se machucaram mais ainda era alta , inclusive da relação da banda ficar estremecida.

Martim deixou um suspiro cansado escapar. Se a banda conseguisse ultrapassar isso com toda certeza ela não acabaria nunca mais.

- Aí é que está , eu não sei – Ele diz com certo pesar - Por isso temos que enrolar o máximo que puder – Ele argumenta se recostando na parede , esperando o posicionamento do companheiro de banda.

Félix pensa por alguns segundos. Não lhe vinha outras ideias em mente , então não tinha como recusar esse plano no momento . Precisava pensar com cautela.

Deu-se por vencido momentaneamente.

- Tá vai – Félix concorda contrariado. – Mas se ele demorar mais que essas duas semanas de suspensão da Julie a gente vai contar pra ela o motivo de algum jeito.

Durante essas semanas eles de todo modo não poderiam tocar como antes por conta do castigo de Julie , então o impacto talvez não fosse tanto . Partindo disso já se tornaria algo mais preocupante.

Félix só torcia para que Daniel voltasse logo.

Martim sorri sentindo-se mais tranquilo, enquanto ambos fazem um toque com as mãos.

~***~

Julie entra no quarto e fecha a porta , indecisa sobre o que fazer agora que estava sozinha. Seu pai ainda não tinha voltado , Pedrinho estava dormindo na casa do Patrick e Bia tinha retornado para casa. Não tinha sequer atividades da escola pendentes.

Acabou optando por pegar os fones e escutar alguma coisa , tentando ignorar a sensação de vazio que sentia. No fim a música era sua única companheira .

Ela olha para os objetos de sua prateleira , percorrendo os dedos por entre alguns de seus livros ao perceber que estavam um pouco empoeirados.

Para , Julie. Ele só deve ter saído. Não aconteceu nada , você está se preocupando atoa. Era o que ela repetia para si mesma ao pensar em Daniel.

Mas era impossível não se preocupar e pensar o pior.

Eu espero que você esteja bem . Ela dizia para si , sentindo o coração vacilar um pouco .

Julie recostou a cabeça na prateleira enquanto escutava a última estrofe da música tocar.

Tudo em mim parece simples

Mas não é bem assim 

Bem vindos ao meu louco mundo

~***~

Já era tarde da noite , mas Daniel não cogitava voltar para a Edícula . Saiu caminhado pela rua sem um destino certo em mente , apenas sentindo a brisa gélida ultrapassar seu corpo fantasmagórico.

Seus pés lhe levaram até a loja de instrumentos , que durante algum tempo foi o que poderia chamar de sua “ casa “.

Ele ultrapassou a porta de vidro enquanto olhava tudo em volta . Mesmo escuro dava para ver o brilho metálico de alguns instrumentos e seus contornos físicos.

Ele sorriu nostálgico ao lembrar do dia que havia levado Julie alí. Era impossível não lembrar dela. Na época Julie estava sentindo-se sozinha por conta que Bia estava saindo com um cretino , e ele acabou não pensando duas vezes antes de tentar mudar essa situação.

Escorou-se na pilastra da loja com um sorriso involuntário surgindo em sua face. Tinham sido, sem dúvida, os dias mais felizes dentro daqueles 30 anos de sua pós vida .

Ele tinha sentido-se vivo.

Quando deu por si estava apaixonando-se por aquele sorriso doce que brotava no rosto de Julie todas as vezes que ela ria , por suas expressões que mais se assemelhavam à caretas quando estava confusa ou pensativa e até mesmo a sua pose de brava com as sobrancelhas franzidas e mãos na cintura. Ela era irritavelmente apaixonante.

No início negou com todas as forças aqueles sentimentos , ousando até mesmo mentir dizendo que não existiam. Uma operação não muito bem sucedida.

Uma operação fracassada . Pensou consigo ironicamente.

E então as coisas mudaram . Demétrius deixou de ser um perigo e eles agora eram... livres ? Parecia que sim.

Ele acreditou ter uma chance. Por um momento acreditou e colocou todas as suas esperanças nisso. Era um fantasma , mas isso não importava não era mesmo ?

Errado.

Tinha falhado ao imaginar que ela gostaria de si mesmo ele sendo um fantasma.

Ele tinha decidido correr atrás da sua felicidade , mas a sua felicidade estava correndo atrás de outro alguém. Deixou escapar um risada , seria cômico , se não fosse trágico. Parecia aqueles poemas de escola que as crianças liam no fundamental , em que Joãzinho estava atrás de Maria, e Maria atrás de Pedrinho.

A que nível de desgraça cheguei?  Pensava sarcástico ao ver que estava comparando sua vida à poemas lidos para pirralhos.

Desencostou-se da pilastra e saiu andando pelo local em breu.

Agora sentia-se em uma encruzilhada, sem saber que caminho tomar. Todas as decisões pareciam precárias.

Não queria simplesmente desaparecer e deixar todos preocupados, mas tinha-o feito ; E Félix estava certo em algo : ele estava fugindo. Fugindo de todos aqueles sentimentos que lhe tiravam a paz. Não queria ter que encarar Julie e receber seu olhar de pena , não queria sentir seu “ coração “ vacilar todas as vezes que a observava. Não sabia como lidar com isso.

Então foi com muitos protestos de Martim e Félix que ele anunciou que queria um tempo da banda. A música era sua vida , mas até isso ele estava com dificuldade em continuar no momento.

Tinha sido uma decisão radical até mesmo para ele , mas não tinha conseguido pensar em outra alternativa. Precisava de um tempo sozinho , quer fosse para colocar os pensamentos em ordem ou até mesmo para tentar virar a “ página do seu coração “.

Julie seguiria com sua vida e se ele quisesse fazer o mesmo teria que aprender a lidar com o que sentia.

Daniel deixou um suspiro cansado escapar por entre os lábios.

A verdade é que a queria em sua vida.

Mesmo que como amiga . Pensava com certo pesar , tentando acostumar-se a expressão e ao que ela representava.

Esperava que os meninos conseguissem dominar a situação sem contar pra Julie o real motivo do seu sumiço. Não tinha sido algo premeditado , ele apenas não estava conseguindo suportar mais o peso de todos aqueles sentimentos outrora desconhecidos . Talvez tivesse errado em não anunciar isso diretamente para ela ? Possivelmente sim. Mas não queria deixar claro que ele sentia-se mal à esse ponto por ter sido rechaçado por ela , conhecendo-a ela se sentiria mal com isso e ele jamais desejaria tal coisa.

Ainda com a mente confusa por tudo que estava acontecendo , Daniel caminhou até o teclado que ficava mais ao fundo da loja , sentando próximo a ele e dedilhando as teclas . Deixou o som ecoar noite à fora na loja , já não se importando com mais nada.

Então tocou calmamente enquanto cantava o último trecho da música que lhe vinha em mente.

Tudo em mim parece simples

Mas não é bem assim

Bem vindos ao meu louco mundo