Uno, máfia, mímica, quem-sou-eu, just dance e quebra-cabeças.
Todos os itens acima foram postos em prática por dois australianos em seu apartamento no centro de Seul durante o infindável confinamento. O apartamento era deixado apenas em momentos de extrema necessidade, e mesmo assim, ambos se sentiam em um filme de terror, mas estavam prestes a morrer de tédio.
Estavam impossibilitados de retornarem para suas famílias já que os meios de transportes estavam interditados por tempo indeterminado. Mas estavam aproveitando a companhia um do outro.
Mesmo que Felix tivesse sentimentos secretos pelo loiro com quem ele dividia o apartamento, ele tentava manter o ambiente tranquilo e livre de qualquer clima desconfortável entre os dois, escondia seus sentimentos o máximo possível. Ele sabia que não era justo, mas de forma alguma arriscaria perder seu melhor amigo por um sentimento que, muito provavelmente, não era mútuo.
“E está tudo bem, eu não o culpo.” Felix pensava. Repetiu essa frase milhões de vezes em diversas situações diferentes.
— Nah! Meus pais nunca aceitariam, você sabe disso. – o Lee sussurrava ao aparelho celular em ligação com Jisung, que estava na casa de seus pais em um bairro próximo.
— Você nem mora mais com eles, lix. É um homem livre, você pode fazer o que bem entender! – o outro falava firme.
Felix parou um momento para esvaziar o ar dos pulmões, e então analisou tudo rapidamente. Han estava completamente correto quanto à sua afirmação, mas Jisung havia esquecido de um grande detalhe.
— E você apenas esqueceu de mencionar que eu sou um homem livre que mora no mesmo apartamento que ele. – do outro lado da linha, ele ouviu o amigo murmurar um “oh...”, e então ele riu. — Eu não posso me declarar assim, se ele quiser ir embora por se sentir desconfortável? Ou pior... e se ele quiser que eu vá embora? Não posso voltar a morar com os meus pais.
A linha ficou muda por um tempo até que Felix escutasse passos vindo de fora do seu quarto.
— Ele chegou, eu preciso ir agora, muito obrigado por me ouvir, Hannie.
— Sem problemas lix, até outra hora!
Limpou a garganta e ajustou suas vestes antes de sair do cômodo e dar de cara com um Chan curioso prestes a entrar em seu quarto. Ambos tomaram um susto quando seus corpos quase se chocaram.
— Ah... Channie! – o Lee sorriu dando um passo para que houvesse uma distância segura entre eles. — Não te ouvir chegar. Quer ajuda para desinfetar tudo?
— Na verdade eu já limpei tudo. – o outro australiano riu sem graça. — Eu só preciso lavar as máscaras e-
— Eu lavo tudo, sem problemas.
Felix sorriu e saiu em disparada até a sala, recolhendo tudo que precisava ser lavado. Ao ser questionado pelo seu comportamento, ele apenas mentiu dizendo que deveriam redobrar o cuidado com tudo. Suspirou totalmente derrotado quando Chris parecia ter se dado por vencido e ter ido para o banho. Não pôde deixar de se sentir patético quanto à suas atitudes mal calculadas.
Estava apreensivo sobre a possibilidade do amigo ter escutado sua conversa no telefone, embora ele não fosse do tipo que para em frente a sua porta para ouvir conversas alheias. Esse não era o Christopher.
Sem notar, estava no chão da cozinha enquanto escutava o barulho dos carros e da máquina de lavar do lado de fora da varanda. Era injusto reprimir seus sentimentos daquela forma, e estava de saco cheio de correr para Jisung e chorar toda vez que algo acontecia.
— E eu nem sei se ele é bi... – falou olhando o armário branco a sua frente.
— Quem? – Chan apareceu no cômodo, usando suas tradicionais calça de moletom e regata, ambas de cor preta, enquanto secava os cabelo em uma toalha pequena. — Estava falando sozinho de novo? – riu movendo os ombros de leve. Por Deus... Felix amava aquela mania do mais velho.
— Pra você ver o quanto essa quarentena está acabando com meus últimos neurônios. – comentou levantando, seguindo em direção ao sofá.
— O que você quer fazer hoje? – Chan perguntou sentando ao lado do mais novo. — Podemos jogar uno de novo. Juro que posso deixar você ganhar.
Felix revirou os olhos e empurrou o loiro. As partidas de uno sempre terminavam em discussão pois, segundo o próprio Lee, Christopher sempre achava um jeito de roubar.
— Você rouba muito, até sei como isso vai acabar.
— Você quem não sabe jogar, boboca. – Felix riu alto do xingamento. Às vezes o amigo parecia uma criança.
Acabaram por engatar uma conversa sobre assuntos soltos por algum tempo, e naquele tempo Felix podia fazer o que mais amava; admirar cada detalhe do outro. O modo como ele gesticulava, como comia um docinho, o quão fácil seu rosto poderia mudar de coloração no meio do diálogo por estar sendo encarado por tempo demais. E quando, no meio da maratona de tiktoks daquela noite fria, Felix notou como ele não conseguia tirar os olhos do loiro ao seu lado...
Ali ele percebeu o quão fodido ele estava.
Então teve que tomar uma decisão; poderia se sufocar esse sentimento, torcendo para que fosse embora, ou ele poderia arriscar tudo de uma vez.
Mas a possibilidade de ser o único motivo por quem ele sorria tão apaixonado daquela forma, fez com que o mais dissesse rápido:
— Hyung, quer gravar um TikTok comigo? – o coração do pequeno Felix batia rápido e parecia doer. Doía tanto que a dor chegava a se alastrar pelo estômago, braços, pernas... ele estava quase tremendo. Planejava gravar um tiktok em específico, e tinha certeza de que Chan descobriria tudo em menos de três segundos.
Será que o mais velho fugiria dele?
— Quer gravar uma dancinha? Já digo logo que estou cansado, não vou fazer. – lançou um sorrisinho ao outro que revirava os olhos.
— Não precisa fazer nada ok? Só... levanta e fica parado bem ali. – apontou para o centro da sala e assim o outro fez. Vasculhou o aplicativo até encontrar a música que decidiria o que aconteceria entre aqueles dois naquele momento, ajustou bem o celular para que a câmera pudesse os pegar de corpo inteiro.
As mãozinhas estavam trêmulas e ele não conseguia dar o play para que começasse a gravar aquela possível tragédia. Olhou para trás para checar se o amigo ainda continuava na mesma posição, e ali estava ele, distraído com alguma coisa no teto.
Boboca.
Riu ao usar a mesma palavra que fora direcionado à ele minutos atrás, e assim reuniu coragem para apertar o botãozinho vermelho, vendo a contagem de três segundos se iniciar na tela para começar o áudio da música. Ele correu para ficar ao lado do mais velho, que olhava para o aparelho sem entender nada do que estava prestes a acontecer.
— O que eu deveria-
— Fique quieto, Christopher.
A medida em que a melodia surgiu, baixa, porém ainda assim audível, o loiro demorou a entender qual era o seu propósito ali até escutar a primeira frase dita.
And every night my mind is running around her
Thunders getting louder and louder.
— Felix, me explica o que o tá acontecendo? Por que essa música?
O menor permaneceu quieto, alternando os olhares entre o menino ao seu lado e o aparelho em sua frente gravando tudo.
Baby, you’re like lightning in a bottle.
I can’t let you go now that I got it.
And all I need is to be struck by your electric love.
Ao fim da última frase, Felix apenas soltou o ar que prendia e segurou o resto macio do loiro, trazendo-o perto o suficiente para que suas bocas finalmente pudessem descobrir a textura uma da outra, como se necessitassem daquilo por tanto tempo que chegava a ser injusto. A música ainda rolava no ambiente, e Chan permanecia imóvel enquanto sentia sua boca ser pressionada pelo menino com quem ele dividia o apartamento há seis anos.
O mais velho tinha a mente completamente bagunçada pois fora pego de surpresa, mesmo que soubesse o que aquela música significava e o que estaria por vir quando atingisse o refrão. Mas por mais que o sentimento de surpresa fosse grande, o de alívio foi muito maior ao sentir o quanto o outro ansiava por isso.
A música havia parado ao mesmo tempo em que os dois se afastaram, sustentando o olhar surpreso de ambos. A ansiedade estava matando o pequeno Lix por dentro.
— Felix... – Chris murmurou, e com aquele simples chamado, o mais novo sabia que havia ferrado com tudo. Mas como todos os seus pensamentos com conclusões precipitadas, o Lee estava errado.
— Me perdoa, hyung... foi burrice, me desculpa. – abaixou o olhar, prestes a soltar o rosto do mais velho e correr até seu quarto como uma criança assustada.
O maior fora mais rápido, agarrou a cintura alheia e o trouxe para mais perto, dando o sorriso mais brilhante que Felix já tinha visto em toda a sua vida. Estar tão colado com ele parecia impossível até alguns dias atrás, e se contassem que Chan finalmente poderia o sentir tão próximo assim ele diria que era mentira. Mas estava tão contente por finalmente poder sentir o outro.
— Vamos gravar de novo, uh? Não acho que a primeira tenha ficado bom.
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