“O que está fazendo agora?”
Foi o que Naruto leu em seu celular.
Havia um sorriso nos lábios dele.
Um esticar de lábios inconsciente que mesmo não revelando os dentes brancos sempre escancarados por seus sorrisos costumeiros, não deixava de brincar em sua face.
Não era a primeira vez que ele sorria quando recebia uma mensagem dela.
Os sorrisos eram constantes, já. Ele checava o celular, lia o que ela lhe escrevera e sorria, um sorriso que continuava mesmo quando ele respondia.
Que não ia embora tão de repente quanto aparecia.
Era bom ter uma amiga nova.
Era bom, sobretudo, ter alguém que queria ser amiga dele sem que ele precisasse insistir tal como fizera com Sakura-chan e Sasuke.
“Assistindo a uma aula de Geografia e você?”.
Fora a resposta dele.
Uma resposta incorreta, digitada antes mesmo de olhar pela primeira vez para a professora à sua frente. Esta era loira e pelo que se sabia já fazia mais de uma década que tinha a mesma aparência. Tinha algo na testa que não se sabia se era uma pinta, um pingente ou um desenho feito à tinta e, vez ou outra, fuzilava alguém que parecia atento demais ao decote que ostentava.
Vovó Tsunade, ele sorriu. Gostava dela.
“Ops, Biologia!”, ele se retratou, enviando outra mensagem.
E coçou a cabeça.
A verdade era que ele nem estava mais assistindo a aula nenhuma, que a sala já estava praticamente vazia. Sasuke e Sakura-chan, que sequer tinham essa aula no mesmo horário que ele, também estavam ali e ele não fazia a mínima ideia do por quê.
Refletiu um pouco sobre isso.
Lembrava-se vagamente de ter assentido quando a vovó lhe dissera que precisavam conversar e que era para ele ficar depois do horário por alguns minutos. Em dado momento, vira os dois amigos entrarem – ele não vira realmente, mas tivera a impressão. Estava trocando uma mensagem com Hinata quando um flash dos amigos passara por sua retina – e já fazia uns bons minutos que eles estavam ouvindo ao que ela dizia.
Na verdade, ele notara, olhando rapidamente para os amigos: Sakura estava ouvindo o que a vovó Tsunade dizia. Sasuke se esforçava para ouvir o que a vovó Tsunade dizia. E ele, agora, se esforçava muito para ouvir o que a vovó dizia.
“Estamos entendidos?”
Foi o que a vovó perguntara, de repente.
De repente demais para ele que havia acabado de percebê-la ali.
“Sim”, os dois amigos assentiram em uníssono e Naruto se perguntou se talvez houvesse levado tempo demais para começar a se esforçar muito para ouvi-la.
“E quanto a você, Naruto?”, a vovó perguntou, batendo com as mãos espalmadas sobre a carteira dele.
O barulho assustou a todos.
Naruto engoliu em seco.
“Claro, vovó!”, ele respondeu de prontidão, recebendo um olhar ameaçador dela pela forma como ele a chamara. “Quero dizer, vovó Professora!”, ele se corrigiu. Uma veia saltou pela testa dela. “P-professora”, ele gaguejou, respirando bem fundo. “Claro, professora!”
E ela sorriu.
Um sorriso convencido e satisfeito pela reunião que haviam tido.
“Dispensados!”
Os três amigos caminharam rumo à saída da sala e Naruto ficou se perguntando quanto precisariam se afastar até ele estar seguro o suficiente para perguntar sobre o que exatamente ele havia concordado.
Quando achou que a distância já estava boa o suficiente e ia perguntá-los, eles já haviam sumido de sua presença, rumando à próxima aula que teriam.
Coçou a cabeça, sentindo o celular vibrar em seu bolso. Sorriu.
O mesmo sorriso bobo de outrora.
“Astronomia.”
Nem precisava responder.
Era a próxima aula dele também.
☾
“A astronomia obriga nossa alma a olhar para cima¹...”
Ela se lembrava quando rabiscara essa frase em um caderno pela primeira vez. Fora pouco depois de aprender sobre seu autor, em uma aula de Filosofia, chegar a sua casa e pesquisar mais sobre o dito-cujo. Não fazia tanto tempo assim, mas desde então, ela reescrevera essa frase mais vezes do que poderia contar.
Isso porque ela sempre reescrevia a frase quando o que via nos céus era bonito demais e ela se sentia obrigada a contar para o papel sobre o espetáculo assistido. Costumava achar que a frase era uma boa introdução para o que dissesse a seguir.
Observar o céu era seu maior fascínio. Fosse para ver nuvens ou estrelas. Fosse para ver a Lua.
Mas às vezes, era engraçado...
Ela achava que era ela quem era vista do alto.
Pelo satélite prateado que lhe lembrava tanto seus próprios olhos.
E aquele era um desses momentos.
Ela estava no porão de Akatsuki High School. Um local que estava sempre fechado, que contava com uma porta de metal e escadaria longa; era emoldurado por paredes brancas, piso amadeirado, com poucos móveis, sendo um sofá velho na cor preta, uns computadores antigos e umas carteiras desgastadas. Era abandonado e devido a isso estaria sempre sujo, não fosse por ela mesma ou Naruto arrumarem o local sempre que possível. A chave era tida apenas por duas únicas pessoas, até onde ela sabia: Naruto e ela.
Ela gostava de ir ali e geralmente ia mais vezes do que poderia contar. Era seu porto seguro não só naquele colégio, mas na vida. Um local onde podia relaxar e fitar o céu noturno pela janela deixando a mente se perder naquela imensidão azul.
Era o que estava fazendo, antes da epifania que tivera fitando a Lua. Àquela que lhe fazia crer que a Lua cheia e platinada que fitava no céu estava olhando diretamente para ela, encarando seus olhos lunares como se tivesse algo a dizê-la.
Era loucura, ela sabia. Mas isso não a impedia de sentir o que sentia. Os olhos metálicos e ocultos do satélite sobre ela. Iluminando-a e observando-a. Falando algo que ela não podia entender.
Tragando-a para outra dimensão.
Mas era só isso, não era?
Impressão?
“Oi, Hina”, Naruto a cumprimentou. Aproximando-se devagar.
Hinata chegou a se assustar.
Ficara tão envolvida pela Lua que sequer captara o cheiro de relva que se intensificara no ambiente tão de repente.
Inspirou profundamente querendo levar esse oxigênio novo para os pulmões e lutou até a necessidade obrigá-la, para expirar.
“Oi, N-Naruto”, ela sorriu, timidamente. Fechando os olhos. Pálpebras pálidas tapando orbes lunares.
“Quanto tempo você tem?”, ele perguntou. Já ao lado dela.
Ela se perguntava até quando ainda ia gaguejar ao falar com ele.
Até quando ainda ia tremer com a proximidade dele.
Até quando relva ainda seria a melhor fragrância que poderia sentir.
“A-alguns m-minu-tos”, ela respondeu.
Tinha receio de que sempre fosse a resposta que procurava.
“Você já as contou hoje?”, ele perguntou, olhando para o céu. Falando sobre as estrelas.
Ela assentiu, mas em seguida negou.
E pôde sentir a confusão dele ocupar o pouco espaço que havia entre eles.
“Eu c-comecei”, ela respirou. Mas não fundo. Respirar fundo atrapalhava. O cheiro de relva que ele trazia com ele onde quer que fosse desconcentrava-a e só a faria gaguejar mais. “Aí a L-Lua c-começou...”.
Ela pausou.
Ele aguardou e ela sentiu as bochechas queimarem. Estranhou, no entanto, o fato de só sentir isso agora.
Quer dizer, ela refletia, eles já estavam lado a lado. Ela já devia estar vermelha. Era o que sempre acontecia.
Não porque ela queria. Mas porque realmente acontecia.
“Começou o quê?”
Ele perguntou e ela pôde sentir os olhos azuis grudados nela.
Não se atreveu a abrir os olhos, no entanto. Ainda não.
“D-Deixa para lá”, ela pediu.
E tentou recuar de olhos ainda fechados.
Como ela diria a ele que sentia que a Lua estava observando-a. Logo ela. A pessoa mais sem importância que poderia existir? Balançou a cabeça.
“Hey, Hinata, espera aí”, ele a segurou pelo braço antes que ela se afastasse mais. “O que houve?”
Ela sentiu a pele sob a blusa de frio grossa que usava queimar quando ele a segurou. Abriu os olhos, mas não o fitou.
Já era rotineiro se encontrarem no porão. Aquele já era o lugar deles há algum tempo. Astronomia já era sua aula favorita desde que começaram a chamar aquele momento dos dois naquele ambiente assim e a fragrância dele parecia impregnada em cada pedacinho do lugar.
Não que ela estivesse reclamando. Jamais.
Seu cheiro que era mais viciante do que as bebidas que Ino bebia.
Inebriava seus sentidos.
Intoxicava. Uma intoxicação paradoxalmente boa.
“E então, Hina?”, Naruto a trazia de volta ao presente. “Não vai dizer o que está havendo?”, ele insistiu.
Ela não disse.
“Não confia em mim?”, ele perguntou, o timbre entristecido.
“C-confio”, apressou-se em dizer.
Confiava a própria vida.
“E então?”, ele não era do tipo que desistia, pôde notar.
“E-eu”, ela começou, fitando os pés, e tocando os indicadores um no outro. Ele ia achá-la extremamente boba, tinha certeza. “EupenseitervistoaLuameobservar”, ela disse tão rápido e tão embolado, que nem gaguejara mesmo que o constrangimento fosse evidente.
“Quê?”, ele perguntou, rindo.
Ela suspirou.
“E-eu p-pensei t-ter visto a Lu-Lua me o-observar”.
Pronto.
Feito.
Estava ali. Pairando entre eles. A verdade mais estúpida já dita.
Agora era só esperá-lo debochar da boba que ela era.
Esperar que a Lua testemunhasse cada segundo do vexame que dera enquanto tingia de prata o cenário de sua estupidez.
“Ah, isso?”, ele questionou como se fosse algo óbvio. Como se fosse comum. Ela chegou a desviar os olhos dos pés e encarar os dele para ver se havia ironia ali. Mas ele estava bem sério. “Seria estranho se não observasse”, ele disse. Simplesmente.
“C-Como assim?”, quis saber. A intriga era tanta que ainda conseguia fitá-lo.
Olhos prateados e azuis não desviavam o olhar.
“Você é uma Hyuuga, afinal de contas!”, ele pareceu explicar, mas vendo que ela não entendera, questionou, surpreso: “Nunca ouviu falar sobre os Olhos da Lua, Hina?”
Ela se limitou a negar com a cabeça. E depois assentir. Confundindo a si mesma. Não, nunca ouvira falar. Sequer conhecia a expressão. Sim, era uma Hyuuga. Mas...
Não fazia ideia do que isso deveria significar.
Não naquele contexto.
“Bem, é que”, ele começou, todavia fora interrompido pelo sinal, avisando sobre a próxima aula. Ele não se importaria tanto normalmente, mas tinha uma prova e isso mudava as coisas. Precisava de um bom lugar e um bom plano para copiar as respostas da Sakura-chan sem que ela o matasse por isso. “Te conto depois”, ele garantiu.
Ela assentiu.
Feliz por saber que iria vê-lo depois. Intrigada pelo que ele contaria.
“Ah, Hina”, ele falou, antes de seguir para a saída. “Por que você geralmente não me olha nos olhos?”, ele perguntou, arqueando uma das sobrancelhas.
Agora o rosto dela estava completamente vermelho. Não havia como não sentir.
“E-eu”, ela tentou dizer alguma coisa. Mas o quê? Não fazia ideia. Quase ousou fitar o chão naquele momento, mas ele segurava o queixo dela e a forçava a encará-lo.
“Hina”, ele chamou novamente, provavelmente impaciente. Ele realmente tinha que ir para a sala de... ela não se lembrava de qual aula ele teria, mas já agradecia ao professor que fosse. Mentalmente. “Me faz um favor?”, ele questionou. Em um sussurro. Ainda era possível, perguntava-se ela, não desmaiar?
“S-sim”, ela sibilou, ele ainda a segurava.
Qualquer coisa.
“Conversa comigo assim”, ele pediu. “Olhando pra mim”. Ainda eram sussurros, as falas dele. “Eu gosto dos seus olhos.”, ele sorriu. Ela sentia, ela via. Havia um tom prateado bonito envolvendo-o. Um toque platinado, reparando bem. “Quando você me olha...”, ele fez uma pausa, procurando as palavras. “É como se a Lua estivesse olhando para mim também.”
E ele a soltou.
E se foi.
Rumando para os degraus que o levariam para a saída do local.
“A astronomia obriga nossa alma a olhar para cima...”
Mas já da porta, ainda ouviu-o se corrigir:
“Na verdade”, ele sorria. Ela não via, seus olhos haviam se fechado, mas ela sentia. Ela sempre, sempre sentia. “Duas luas.”
“...E a levar-nos do nosso mundo para outro”, ela completou a frase que iniciara de Platão.
Mentalmente.
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