História Em cada cicatriz,uma história. Em cada história,uma canção. - You're forgetting now. It's time to let me go

5 de março 2018

Não era a primeira vez que Marilyn lidava com uma situação assim, notícias tão ruins para crianças, adolescentes e suas famílias. Mais um rapazinho para ser intubado,e claro,as chances de sair dessa, não eram as maiores.

Já sabia muito bem das estatísticas,em vinte anos de atuação como Enfermeira na oncologia pediátrica.

Mas o que ela nunca esperou era que teria que dar essa notícia para sua melhor amiga,e para seu sobrinho do coração. Como dizem,a gente vive e não aprende tudo. -Ela pensava.

Aquela manhã de segunda-feira não começou nada fácil para ela.

Portanto,juntava forças para abrir aquela porta e ter uma das conversas mais difíceis da sua vida.

- Oi,Zayn. Bom dia?- Marilyn cumprimentou o rapazinho que mal se mantinha ereto na cama.

Ao reparar superficialmente os detalhes, pôde notar que sua pele estava pálida,ainda mais magro que os dias anteriores, com olheiras bem acentuadas, e mesmo com a cânula nasal,a dificuldade para respirar era clara.

Enfim,o que acabara de ver coincidiu com o prontuário e a necessidade da notícia triste que estava prestes a dar.

O seu afilhado inclinou a cabeça com muita dificuldade e lentidão antes de responder. Mesmo naquela situação, sorriu ao vê-la.

- Bom dia,tia Marilyn! Acho que estou bem, tirando as dores e o cansaço. Cadê a minha mãe? Viu ela por aí.- Sua voz vinha baixa,num som quase inaudível.

Isso a machucou profundamente. O sentimento de perda inevitável já atingia,mas não podia demonstrar.

-Imagino,querido. Zayn,sua mãe saiu um pouco com a Doniya,e daqui a pouco vai ter que conversar com a equipe médica. Mas não vai demorar.

E nós também precisamos conversar.

- Tá bom. É que acordei e não a vi. E sobre o que a senhora tem que conversar comigo?- Perguntou com naturalidade.- É impressão minha,ou a senhora tá triste?

- Precisamos ter uma conversa séria,Zayn. 

Tenho algumas notícias bem desanimadoras.- Contou num fôlego só,ao olhar o menino que parecia um pouco aflito.

- Nos últimos dias você fez uma série de exames, não fez? Tem sentido dores com frequência,febre muito alta e dificuldade de respirar, né?

Seu organismo em geral está muito frágil,querido.

Marilyn viu a mudança na fisionomia do garoto ao receber a notícia. Eram nítidas a tristeza e uma pontada de medo,mas nenhum dos sentimentos eram maiores que a calma e a serenidade que Zayn trazia.

Algo raro de se perceber.

- E então,o que vem com isso,tia?- Ele a olhou fixa e profundamente

- Você vai ter que ser sedado e intubado. Um coma induzido para ajudar seu corpo a se restabelecer.

A voz dela tremia ao dar a notícia.

A única reação do Zayn foi fechar os olhos,num pequeno instante,no que Marilyn viu uma lágrima escorrer.

Mas ele foi rápido em secá-la,respirou fundo, quebrando o silêncio e continuou,com a mesma tranquilidade.

- Já imaginava. Uma hora ia acontecer, né? 

E lá no fundo sei que as coisas acabam por aqui,por mais que você diga o contrário. Não vou acordar mais?

- Não fala assim,Zayn. Existem várias possibilidades, tratamentos e coisas do tipo. Isso é só para ajudar na sua recuperação.- 

Marilyn já não continha as lágrimas,mas ela sabia que tinha razão.

- Por favor,tia. Não chora. Vai ficar tudo bem. Eu estou pronto!

Mas fico feliz em saber que a senhora está aqui, assim posso te agradecer por cada coisa que já fez por mim. É a melhor madrinha do mundo. E vou sempre amar você, mesmo lá do Céu.

Fala para meus pais,minhas irmãs e para o pessoal, especialmente o Liam,que também amo muito eles,e não vou esquecê-los.

Diz para o Niall e o Brian,que vou assombrar eles de vez em quando.- Os dois riram entre lágrimas, antes que o Zayn continuasse.

E para a Amy e a Avril, sempre vou olhar para elas e protegê-las.

No mais, tá na hora certa. Por mais que a minha vida tenha sido curta,eu tive tempo o suficiente. Eu tô grato por tudo que vivi.

Marilyn substituiu qualquer palavra que viria por um abraço,forte e apertado. O último abraço que daria no seu afilhado.

14 de março

Antes de chegar ali,num canto mais afastado da sala de espera,Avril teve uma longa conversa, não com a sua mãe,mas com a enfermeira Marilyn Stewart.

Sim, nesse momento ela não viu outra alternativa a não ser separar a dualidade nela.

A situação obrigava-a a agir assim com a sua filha,mas era para o bem da garota. 

Tudo para garantir o bem estar emocional e minimizar os danos em sua saúde mental.

-Tem certeza que quer fazer isso,Avril?

Sabe que onde quer que esteja,o Zayn vai sempre te amar, não sabe? Sempre estará com você nas suas melhores lembranças.

Tentava manter a sua postura profissional e a firmeza que o momento exigia enquanto estavam sentadas nas poltronas,e encarava os olhos azuis e decididos da mocinha.

-Por mais difícil que seja,sim! Eu quero e ele merece que eu despeça dele do jeito certo.

- Tudo bem. Mas tenho que te preparar para o que verá.

Avril,vai ser duro o que direi,mas a maior parte dele já foi embora, digamos assim. Seu amigo está em suporte de vida, você sabe,certo? E são aquelas máquinas que o mantém vivo.

E as mudanças não param por aí.

A aparência dele tá bem diferente. O que não seria diferente.

Então, você vai encontrá-lo cheio de fios,tubos,e várias outras coisas.

Não é algo agradável de se ver.

Mas te garanto, não está sentindo dor. Existem várias medicações que causam bloqueio muscular,e claro,minimizam o sofrimento.

Mas , Avril,olha para mim.- A menina ergueu a cabeça,olhando sua mãe nos reparando em cada detalhe nela,num pequeno lapso de segundo, antes que ela continuasse.- Tem certeza que quer continuar? Está realmente pronta?

- Já disse que sim, mamãe. Eu entendo o que está acontecendo. Mas não posso fugir, né? É do meu melhor amigo que estamos falando.

- Entendo,querida.- 

Abraçou a menina e sussurrou em seu ouvido.

- Saiba que estou orgulhosa de você, tá. Orgulhosa da amiga leal e corajosa que é.

Depois de soltá-la. Secou suas lágrimas e continuou.

- Vem comigo,vou te ajudar na paramentação e depois pode ir.

Após auxiliar a menina nessa ação,e vê-la entrando no ambiente, Marilyn não conseguiu manter a mesma frieza de antes.

Aquela situação não era nem um pouco justa. UTIs não deveriam ser ambientes para uma menina visitar,e muito menos para um rapaz estar.

O tempo parecia passar de uma forma cruel, levando consigo as boas memórias,e trazendo um futuro triste e assustador. Mas não tinha nada que pudessem fazer de imediato. O remédio era aceitar.

-Eu demorei, né? Tô ligada. A minha mãe demorou a convencer a me deixar vir aqui,Zayn. Mas bati o pé,e no fim das contas,estou aqui. Até parece que te deixaria sozinho.

Avril tentava fazer daquele momento o mais normal possível,sem reparar nas condições do seu amigo,mas foi exatamente o que sua mãe a preparou. Era bem difícil de assimilar.

- É a primeira vez que conversamos e você está tão caladinho,Zayn. Logo a maior maritaca que eu conheço?

Sério, sempre foi muito escandaloso e falava alto pra caramba.Nunca pensei que fosse sentir falta disso.

Avril tentou parecer bem humorada, ignorando o silêncio da sala,o eco dos bips e barulhos das máquinas.

Nesse meio tempo,modulou sua voz e segurou as lágrimas,antes de continuar, enquanto se aproximava da cama.

- Não posso te julgar, porque faço a mesma coisa. Por isso a gente sempre combina.

 É o irmãozinho que sempre quis ter. Meu melhor amigo.

E o mais estranho é me aproximar de você e não ter assunto. Ao menos nenhuma novidade boa.

Na escola,a mesma coisa. Mal tenho visto nossos amigos.

Em casa,um climão... Ainda mais que a Amy disse que você não vai voltar, né?...

Enfim,acho que sobrou para te contar das músicas que estava ouvindo antes de chegar aqui... "Don't say goodbye", "The Messenger" e umas outras aí.

Elas estão mais literais que antes,e cara... Assusta tanto.

Realmente as coisas estão mudando,e gostaria de entender. Há tão pouco tempo,a gente era tão cheio de planos,ria a toa por aí. E agora estou me despedindo.

Me recuso a acreditar que isso acabou.

Avril tentava se recompor,mas nessa altura já chorava.

Depois de algum tempo,secou seus olhos e continuou.

Eu poderia ser a maior egoísta e pedir que não fosse embora,Zayn. Mas eu sei que não seria a melhor opção.

Se fosse pra você ficar,que ficasse por inteiro, não sofrendo tanto assim.

Avril se permitiu reparar um pouco do ambiente e seus detalhes. A coisa mais dolorosa que já viu na vida.

Todos aqueles fios, tubos e eletrodos no corpo do seu melhor amigo. Saber que já não tinha reação ou chances de reverter aquilo. E saber que não tinha nada que ela pudesse fazer,a machucava demais.

A minha mãe disse que essas coisas aí não te incomodam, né? Que te deram vários remédios para não sentir dor.

Mas chateia tanto te ver assim,Zayn.

Sinto falta das suas gracinhas,piadas, abraço. Sinto falta da gente faltando tacar fogo na igreja, quando mexia no turíbulo. E sinto ainda mais falta de tudo que não viveremos.

Eu sei que está prestes a acabar,e isso dói pra caralho,mas te dou a minha palavra. Espero que você seja feliz lá no céu,assim como fomos felizes aqui.

Antes de ir, gostaria de te agradecer por cada coisa que vivemos.

Obrigada por mostrar que somos amados e sempre seremos. Obrigada por ter mostrado que quando a vida nos cega,o amor nos une.

Espero que os anjinhos cantem para você, até chegar no céu.

Talvez seja mesmo a hora de te deixar ir.

Te prometo seguir em frente,sentir muito a sua falta e não deixar ninguém tomar o seu lugar, tá? Como diz naquela versão mais longa de I'll be gone

Avril finalmente se aproximou dele,dando um beijinho de despedida em seu rosto.

- Até breve,Zayn.