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História Em Dose Tripla - Intromissão


Escrita por: LuaPrateada

Capítulo 10 - Intromissão


                As gravações do restante do dia ocorreram sem maiores sobressaltos; porém, não posso dizer que foram excelentes. Nem digo tanto pelo resultado final, que eu acredito terem sido satisfatórias, até por conta do profissionalismo de todos ali. Preciso ressaltar que essa é a parte que mais me vem impressionando; realmente há uma grande preocupação de todos em fazer a série dar certo. Os diretores não permitiam que uma cena fosse encerrada até que ela estivesse inteiramente dentro do esperado e, para que isso acontecesse, o aval dos roteiristas era essencial.

                Nessa série, a participação dos roteiristas tinha um peso diferenciado. Sim, eles eram os criadores de toda a trama em torno da qual a série deveria girar e foram eles que definiram como cada personagem deveria ser. Era verdade que havia uma larga liberdade que permitia aos atores improvisar o quanto quisessem, mas era de suma importância que nunca se afastassem demais da história original. Por esse motivo, Camus e Milo estavam sempre ali, acompanhando a gravação de cada cena de perto. Quando havia alguma modificação, eles logo percebiam e analisavam na hora se poderia ou não prosseguir assim. Dessa forma, acabavam trabalhando perfeitamente em conjunto com os diretores. Aliás, os quatro pareciam se conhecer bem, porque quando Aioria, que sempre estava com uma cópia do roteiro a tiracolo, sinalizava para o irmão que uma mudança estava acontecendo na cena, Aioros lançava um rápido olhar para os roteiristas, que sem dizer palavra sabiam se fazer entender. Assim, os diretores sabiam quando cortar ou deixar a cena seguir em questão de pouquíssimos segundos e tudo isso sem que o silêncio da equipe de gravação precisasse ser interrompido.

                Por tudo isso, eu posso afirmar com certeza que foi um dia produtivo, se considerarmos o produto final. O processo, no entanto, não foi dos melhores. As gravações ocorreram em um clima que mesclava certa tensão e alguma tristeza que insistia em não se dissipar. Ninguém tocou no assunto, em respeito a Shun, mas era óbvio que todos ali presentes foram tocados de alguma maneira por toda aquela confusão.

                Eu percebi claramente que Shun estava razoavelmente perturbado. Ele não demonstrou de uma forma que fosse tão visível, mas eu notei. Como eu disse, sou muito observado e analiso as pessoas até quando não busco fazer isso de propósito. E eu já tinha entendido que a doçura e a amabilidade eram partes essenciais daquele rapaz. Não que ele tivesse perdido isso, mas depois da briga com a irmã, Shun esteve mais distante. Ele continuou se esforçando muito para dar seu melhor, mas não estava mais tão imerso no processo quanto antes. A impressão que obtive foi de que Shun não estava mais tão presente quanto antes, quando ele parecia mergulhar de corpo e alma no personagem (que, aliás, era nitidamente ele mesmo). Agora, ele pareceu atuar. Shun seguiu exatamente o que estava previsto no roteiro; não saiu do que estava no papel em momento algum. Foi convincente, sim, mas eu não consegui sentir que estava vivendo aquela situação como antes. Dessa vez, foi mesmo encenação. Até porque eu não me senti à vontade para alterar qualquer coisa nas cenas, uma vez que Shun não o fazia.

                Quando Aioros disse o último "Corta!" do dia, respirei aliviado. Foi um dia puxado, bem cansativo. Tive uma boa noção de como serão meus dias a partir de agora... Já não sou muito comunicativo e, depois de um dia assim, tudo o que eu queria era enterrar a minha cabeça no meu travesseiro. Então, assim que me vi liberado, me encaminhei para a minha casa, sem me despedir de qualquer um. Olhei apenas para os arredores, a fim de ver se Saga ou Kanon tinham aparecido. Era estranho... Eles tinham sumido o restante do dia, sem dar notícias nem nada. Quando perguntei deles para Aioros, ele se limitou a me dizer que os dois tinham assuntos a tratar com Saori Kido.

                Então, sem ter o que falar com mais ninguém, dei meu trabalho por encerrado, entrei no meu modo reservado e seguia em silêncio e com alguma pressa. Quando estava prestes a abrir minha porta, fui surpreendido por um afobado Shun, que visivelmente havia corrido para me alcançar antes que eu entrasse em casa:

                − Rikki, espera! − foi o que me fez virar para trás e perceber Shun me alcançando − Eu... queria conversar com você. − ele dizia, enquanto recobrava o fôlego.

                − Claro, Shun. O que houve? − perguntei, um pouco impaciente. Eu realmente estava precisando ter meu momento de solidão, depois de um dia tão cheio.

                − É... − o garoto olhou ao redor, parecendo incomodado − É que... é um assunto mais particular... Não poderíamos conversar em privado?

                − Em privado?

                − É... − Shun pareceu meio constrangido − Dentro da sua casa... por exemplo... − ele sugeriu, timidamente.

                − Ah... na minha casa? − eu não podia levá-lo para dentro; os gêmeos foram muito claros quanto a isso. Eu não poderia receber visitas. Isso levantaria muitas suspeitas, porque se alguém entrasse na residência construída para os três irmãos e não os visse por lá, seria certamente muito estranho − Na minha casa... não é boa ideia, Shun. − foi muito clara a expressão de desapontamento no rosto do garoto − É que... Você sabe, a minha relação com meus irmãos não é das melhores... E aí... se eu levar um convidado meu para dentro... eles podem achar ruim... − fiquei tentando me justificar, mas tendo plena consciência do quanto minhas palavras não eram nada convincentes.

                − Eles... acharia ruim? − Shun demonstrou com nitidez em suas feições incrédulas o quanto as minhas palavras não faziam mesmo sentido − Mas... oras, depois eles podem levar os próprios convidados para casa, ué! Se todos vocês forem seguir essa regra boba, então nenhum poderá levar convidados para casa, concorda?

                − Sim, eu sei. Mas nós somos muito reservados e... Enfim, é assim que as coisas funcionam entre a gente. − eu estava cansado, muito cansado. Não estava em um bom momento para inventar desculpa melhor.

                − Ah, sim. Entendi. − Shun falou, em voz baixa − Eu... então... vou indo...

                Shun já havia me dado as costas, quando eu falei:

                − Nós podemos tomar um café. − o rapazinho voltou-se para mim com novo brilho no olhar − Deve haver alguma cafeteria boa aqui perto...

                Eu decididamente não estava com a menor vontade de sair. Tudo o que eu queria era uma boa ducha e a minha cama. Entretanto, eu não poderia deixar o Shun achar que eu estava inventando desculpas esfarrapadas para não conversar com ele, e era isso o que estava parecendo.

                − Tem sim!! Tem uma muito boa aqui perto!! É um lugar ótimo que o Hyoga me apresentou um dia desses! Vamos lá então!! − ele respondeu, muito animado. Tentei retribuir à animação com um meio sorriso, que não sei se foi muito bem sucedido.

                Fomos a pé mesmo; não era um lugar muito distante dos estúdios de gravação. Pudemos usufruir de uma caminhada tranquila, pois a série ainda não tinha ido ao ar e não éramos ainda figuras muito conhecidas do público.

                Enquanto caminhávamos, Shun aproveitou para começar a falar:

                − Então... eu imagino que você esteja pensando muitas coisas de mim agora... − ele começou a falar, com o rosto baixo, parecendo envergonhado.

                − Não estou pensando nada diferente do que eu já pensava antes.

                − Como assim?

                − Desde o momento em que nos conhecemos, eu já comecei a formar minha opinião a seu respeito. − vi que o garoto ficou um pouco mais pálido nesse instante − Ei, não se preocupe. − acabei sorrindo; Shun sempre transparecia muita inocência − Minha opinião sobre você foi muito boa desde o princípio. E isso não mudou.

                − Mesmo depois do que você presenciou hoje? − ele quis saber, depois de respirar mais aliviado.

                − Ainda mais depois de hoje. Percebi que você está nesse programa por se preocupar com sua família. Vi que não está apenas atrás de fama ou dinheiro...

                − Mas viu como minha irmã e minha mãe estão desapontadas comigo. Deve achar que sou péssimo filho, péssimo irmão...

                − Eu não posso fazer tais julgamentos; não conheço você ou sua família tão bem para isso. O que posso avaliar é tão somente o que vejo e, nesse caso, eu vejo um garoto muito preocupado em fazer o melhor que pode para ajudar sua família. Isso me diz que você é uma boa pessoa, o que, consequentemente, deve fazer de você bom filho e bom irmão.

                − Do modo como você fala... tudo parece tão simples. − Shun riu, de forma pueril.

                − A vida pode ser muito mais simples do que imaginamos. As pessoas é que gostam de complicar às vezes.

                − Interessante você dizer isso. − olho para trás e me surpreendo. Shaka estava bem atrás de nós dois.

                A essa altura, estávamos já na cafeteria que Shun havia mencionado. Era um lugar grande e muito cheio, mesmo sendo noite. Para pegar um café, precisamos entrar em uma fila razoavelmente longa, embora andasse rápido.

                − Você e seus irmãos não fazem exatamente isso? Não dificultam onde poderiam simplificar? − Shaka prosseguiu, em tom de julgamento que ele não fazia a menor questão de esconder.

                − Olha, eu já expliquei antes que temos nossos motivos para isso. E não vou me alongar mais nesse assunto. − virei para a frente e cruzei os braços. Não estava a fim de me estressar agora.

                − Ontem eu contracenei com seu irmão. − Shaka, ignorando propositalmente minha postura de querer encerrar a conversa, continuou a falar − Percebi logo que ele é muito imaturo. Tudo bem que eu não esperava algo diferente, considerando o que havia lido no roteiro. Seu irmão Ikky tem 25 anos e, apesar de eu achar que o comportamento dele é o de um adolescente que não cresceu, até consigo aceitar que ele seja mais imaturo que você. E esse é o ponto... Você é o irmão mais velho; tem o que mesmo?... Uns 30 anos?...

                − Ele tem 31. − respondeu Shun.

                − Ah. Veja só. 31 anos. Você é só dois anos mais novo que eu, Rikki. E é isso que não consigo compreender. De acordo com o roteiro, você é um homem maduro, centrado. Dos 3 irmãos, é o que tem um temperamento mais ameno.

                − Não tão ameno assim. − falei em tom de aviso.

                − Você deveria estar ajudando a guiar essa situação com mais sabedoria. Você deveria conversar com seus irmãos; explicar a eles o absurdo e a infantilidade de toda essa situação. Sabe, eu realmente esperava mais de você. − Shaka finalizou essa fala com um acento tão arrogante, que precisei me virar para trás a fim de ver a expressão em seu rosto. Ao fazer isso, vi que ele me olhava de forma altiva e com um nariz irritantemente empinado.

                − Olha só; eu não te dei liberdade para vir falar comigo assim, tá bem? Então, fica no seu canto, que eu fico no meu, pode ser?? − comecei a levantar o tom de voz.

                − Shaka, por favor... Agora não é o momento para isso. − Shun pediu, da forma mais dócil possível. E parecia que essa era a única forma que esse cara aceitava que falassem com ele.

                − Está bem, Shun. Em respeito a você, não vou prolongar essa situação, que pode estar se tornando constrangedora aqui. Mas reitero o que disse... Esperava mais de você, senhor Rikki. E, como vamos ser "amigos" nessa série, gostaria de realmente apreciar sua companhia. Então eu espero que me surpreenda e aja como alguém da sua idade e convença seus irmãos a desistirem desse ridículo circo que construíram.

                − Escuta aqui, por que você se importa tanto com isso? Todo mundo já aceitou essas condições e só você parece insistir nessa questão! Por que não deixa isso para lá e se concentra apenas em fazer a sua parte bem feita? − falei, sentindo que meu lado adolescente realmente regressava na presença de Shaka.

                − É o que eu quero fazer. Porém, vocês estão me criando dificuldades. Eu não tenho tanto tempo livre assim, para que minha agenda seja montada a partir das desavenças entre três irmãos que não conseguem se entender e ficam de birrinha para gravar uma série de TV.

                − Você é livre para sair. Ninguém está te obrigando a ficar. Se é o contrato que te segura a essa série, aposto que você tem como pagar por uma quebra de contrato. A não ser que não seja tão rico quanto seu personagem... − falei despeitado.

                − Tenho dinheiro o bastante, meu caro. E, infelizmente, não estou livre para abandonar essa série. E não, não é por dinheiro. Tem a ver com uma promessa que fiz e eu, como o homem maduro que sou, gosto de honrar meus compromissos. − o empresário bufou − Mas que vocês estão dificultando minha vida... Ah, e como estão. − o loiro de longos cabelos olhou no relógio, bastante ansioso. Fez uma expressão de enfado e chateação e então voltou-se para o garoto que me acompanhava − Olha, Shun... Fale para Hyoga que eu vim e que o esperei por mais tempo que deveria. Se ele não conseguiu chegar a tempo, eu sinto muito. Tenho mais a fazer do que ficar esperando por um jornalista iniciante que não sabe dar valor ao tempo de um homem como eu.

                − Vocês combinaram de se encontrar aqui? − Shun perguntou um pouco surpreso.

                − Sim. Ele me convenceu a dar 15 minutos do meu tempo para aquela entrevista que ele queria comigo. Só que agora ele acabou de perder essa oportunidade. Vou embora. − e, sem dar tempo para que Shun respondesse, o empresário nos deu as costas e deixou a cafeteria.

                − Entrevista? Que entrevista? O Hyoga vai querer nos entrevistar? − demonstrei minha confusão.

                − Não, não... − Shun riu, olhando na direção em que Shaka se retirou − O Hyoga não quer entrevistar a gente, não... Só o Shaka mesmo.

                − E por que ele quer uma entrevista com esse cara arrogante?

                − Porque... − Shun suspirou. Olhou para os lados e, aproximando-se mais de mim, falou em tom de confidência − Não conte para ninguém, mas... Shaka está na série por causa do Hyoga.

                − Por causa do Hyoga? Como assim??

                − É que... o Hyoga é sobrinho de um dos roteiristas, o Camus. Na verdade, o Camus é praticamente um pai para ele... Inclusive, eu tenho certeza que o papel do Hyoga foi escrito inspirado nele. Não sei se o Camus fez isso de forma consciente, mas tenho certeza de que foi o caso. Especialmente porque o Hyoga foi o primeiro ator escalado para a série. Aí, ele me indicou... e, pelo que sei, o Shaka foi indicação do Hyoga também. Mas o Shaka não sabe disso, então não comente isso com ele, por favor.

                − O Shaka foi indicação do Hyoga? Mas... Eles se conhecem? São amigos ou algo assim?? − essa história estava estranha demais para mim.

                − Não, eles não são amigos. E o Shaka não conhecia o Hyoga; ao menos, não antes de sermos todos apresentados naquele coquetel, ao qual você e seus irmãos não compareceram, diga-se de passagem... − alfinetou-me Shun − Mas o Hyoga conhecia o Shaka, sim.

                − Isso porque o Shaka é um empresário de renome, muito famoso? − perguntei.

                − Também. Porém, o Hyoga tem outros interesses no Shaka, que o fizeram pesquisar e conhecer mais que o nome dele.

                − Outros interesses? O Hyoga está a fim do Shaka??

                − O quê?! Não, claro que não!! − Shun riu tão divertido, que me envergonhei da pergunta feita impulsivamente − Não, Rikki... O Hyoga tem interesses profissionais no Shaka. Sabe, o Shaka chamou o meu amigo de "jornalista iniciante"... Ele disse isso porque o Hyoga não é um jornalista muito conhecido, mas tenho certeza de que isso vai mudar em breve e não falo só por conta da série. Meu amigo é incrível; um grande jornalista investigativo. Ele está na trilha de um caso desde que se formou e...

                Nesse momento, o celular de Shun tocou. Ele retirou o aparelho do bolso para ver de quem se tratava. Ao ver o nome que aparecia no visor, atendeu prontamente, pedindo-me desculpas com um gesto:

                − Alô. Oi, June! O que foi? Sei... Sim, eu te mandei o arquivo. Claro, tenho certeza. Mandei antes de ontem. Como assim, você não recebeu? E só agora me avisa? O trabalho é para amanhã!! Sim, claro! Lógico que tenho o arquivo salvo, mas não estou com ele aqui. Estou na rua, June! Certo, vou para casa. Tenho tudo salvo no meu computador. Tá, tudo bem. Eu te ligo quando chegar e a gente vai montando o trabalho a partir de onde eu parei, ok? Devo demorar, no máximo, uns 10 minutos para chegar, viu? Tá bom então. Beijo, tchau.

                Shun desligou o celular bastante contrariado. Depois, voltou os olhos verdes para mim, muito sem-graça:

                − Era uma amiga minha de faculdade... Ela disse que não recebeu um arquivo que enviei para ela... É para um trabalho que precisamos entregar amanhã... E aí... bem...

                − Tudo bem, Shun. Eu entendi. − sorri por achar graça do modo com o garoto achava que me devia tantas satisfações − Não tem problema. Pode ir lá cuidar do seu trabalho.

                − É que... eu te trouxe até aqui para a gente poder tomar um café e conversar... e vou te deixar sozinho só porque a minha amiga deixa tudo para a última hora! − Shun bufou, realmente zangado − Eu adoro a June, mas ela me deixa muito nervoso, às vezes!

                Ri de leve. Shun era gentil em seu tom de voz até quando se zangava.

                − Teremos outros momentos para conversar, Shun. Pode ficar tranquilo.

                − Você é muito compreensivo, Rikki. Obrigado.

                − Imagina, Shun. Não tem de quê.

                O garoto me presenteou com um olhar doce, o que me fez retribuir com um sorriso igualmente sincero. Assim, sem mais palavras, nos despedimos.

                Uns cinco minutos depois que Shun deixou a cafeteria, chegou finalmente a minha vez de pedir meu café no balcão da loja.

                Ora, eu tinha ficado esse tempo todo no local, tinha ido até lá... Adoro café, já estava quase chegando a minha vez... Resolvi então esperar. Pediria meu café para viagem e tomaria no caminho de volta para casa.

                Foi exatamente o que fiz; mas infelizmente nem tudo saiu conforme o planejado. Assim que saí bem apressado da cafeteria, eu trombei com ninguém menos que... Hyoga.

                Por muito pouco, não derramei meu café em nós dois:

                − Ei!!! Tome mais cuidado por onde anda!! − falei nervoso.

                − Eu? Você é que deveria tomar mais cuidado, ainda mais quando está segurando um copo cheio de café quente! − respondeu ele prontamente.

                Eu ia devolver, mas percebi que ele tinha um pouco de razão. O café que eu segurava poderia ter causado um acidente mais grave.

                Como se Hyoga percebesse uma trégua da minha parte, ele emendou:

                − Desculpe-me, eu também tenho culpa aqui. É que eu vim correndo, porque estou muito atrasado para um encontro...

                − Com o Shaka. − eu afirmei, enquanto finalmente provava um pouco do meu café e me surpreendia positivamente. Era um ótimo café!

                − Sim... Com o Shaka. − Hyoga me olhou desconfiado, da mesma forma como havia me encarado à tarde − Como você pode saber disso, Rikki?

                − Shaka esteve aqui e disse que esperou você por mais tempo do que deveria. E, com toda a arrogância característica dele, alegou que você perdeu a oportunidade de fazer sua entrevista com ele.  

                − Ah, não! Que droga!! − Hyoga estava verdadeiramente frustrado.

                − Ele te chamou de "jornalista iniciante". − eu acrescentei, não sei exatamente por quê.

                − Como é?

                − O Shaka. Ele disse que você é um "jornalista iniciante" com quem ele não deveria perder o tempo.

                − Ele falou isso, é? − percebi como a expressão do loiro, sempre tão séria e compenetrada, deixou entrever um orgulho ferido − Deixa estar. Ele não sabe o que está por vir... − essa última parte, Hyoga falou mais para si mesmo, em voz baixa. Mas eu consegui escutar.

                − Qual seu interesse nele? − perguntei subitamente. Estava já muito curioso diante disso tudo.

                O loiro, que parecia estar muito voltado para dentro de si mesmo, foi trazido de volta à realidade com a minha pergunta. Imediatamente, ele me encarou com aqueles olhos azuis tão claros e me fuzilou com eles:

                − Olha só, você é muito indiscreto. Sabia disso?

                − Eu sou indiscreto? Ou será que você é que tem segredos demais?

                − Segredos? Eu? Olha só, Rikki... Você nem me conhece direito, como pode afirmar que...

                − O Shun foi indicação sua para a série. O Shaka também. Seu tio é um dos roteiristas dessa série e você provavelmente ganhou esse papel graças a ele. Você indicou o Shaka para participar do programa, porque tem interesses profissionais nele.  

                − Espera aí! Afinal, como ficou sabendo disso tudo??

                − O Shun me contou.

                Hyoga balançou a cabeça negativamente, mas logo voltou a me encarar com firmeza:

                − Não sei o que fez para ganhar a confiança do Shun tão rápido. Mas, independente disso, fique avisado: não gosto de gente que se intromete na minha vida. E tudo isso que você falou não são propriamente segredos. Eu só não saio falando a respeito disso com todo mundo. Já você, bom... Está bem claro para mim que você, sim, guarda um segredo.

                Foi a minha vez de empalidecer. Será que tinha ficado tão óbvio assim para ele perceber?

                − Eu ainda não sei por qual motivo estão agindo assim... Mas já saquei o segredinho de vocês. − Hyoga continuou falando, percebendo que tinha atingido um ponto certeiro. Era óbvio que ele tinha lido o susto que estampara o meu rosto naquele momento.

                Engoli em seco antes de dizer:

                − Não sei de que segredo você está falando. − tentei desconversar.

                − Não tente me fazer de bobo, Rikki. Eu já percebi que você e seus irmãos não são brigados coisa alguma! Esse lance de vocês não se darem bem, não poderem ficar no mesmo lugar ao mesmo tempo porque não se toleram... Para mim, está óbvio que isso tudo é uma grande encenação! O que vocês estão querendo com todo esse joguinho ainda não está muito claro para mim. Mas vou descobrir em breve.

                − Fica fora disso, loiro. − falei em grave tom de alerta − Não se mete com o que não te diz respeito.

                − Curioso. Olha como o jogo se inverteu agora. − Hyoga respondeu em tom fortemente provocativo.

                − Eu estou falando sério. − me aproximei mais, em postura ameaçadora − Não mexe com isso. − falei pausadamente, para enfatizar cada palavra dita.

                Hyoga não moveu um passo. Enfiou as mãos nos bolsos do casaco que vestia, tranquilamente. E mantinha firmes aqueles olhos azuis, que me encaravam sem medo. Se ele queria me provocar, estava mesmo conseguindo:

                − Está me ameaçando, Rikki? Porque, se estiver, já lhe digo logo. Faço jornalismo investigativo; acha mesmo que nunca sofri qualquer tipo de ameaça? Então poupe seu tempo. Não tenho medo de você. Até porque, depois de já ter passado por várias situações semelhantes, aprendi que cão que ladra, não morde... E você parece que gosta de latir muito alto para fazer um estrago à altura. − Hyoga sorriu então um irritante sorriso de triunfo.

                                Resolvi recusar. Hyoga estava me deixando muito desconcertado e eu acabaria fornecendo a ele mais informações que confirmariam o que, por enquanto, era apenas uma hipótese. Além do mais, ele felizmente não desconfiava do meu real segredo. A situação não estava inteiramente perdida. Então era melhor eu ir embora. Depois eu conversaria com os gêmeos e eles me ajudariam a resolver essa questão.

                Sem dizer mais uma palavra, passei reto por Hyoga, retomando meu caminho de casa. Havia dado uns três passos quando o loiro me chamou:

                − Ei!

                Olhei para trás, com uma expressão pouco amigável. Ele, no entanto, me sorriu de forma mais amável:

                − Mande um "oi" para seu irmão por mim!

                Respondi com uma expressão de quem não havia gostado do cinismo dele.

                − Estou sendo sincero aqui. − Hyoga disse, com um semblante mais sereno − Eu realmente gostei do seu irmão Ikki. Diga a ele que estou ansioso por revê-lo, depois de amanhã. − e, tendo dito isso, entrou na cafeteria.

                Percebi que não será nada fácil. Nada disso. Daqui a dois dias, vou ter de gravar com Hyoga e, enquanto para ele, a última vez em que nos vimos foi ao final da festa na casa de Saori Kido... Para mim, tudo isso mudou muita coisa.

                Eu não vou conseguir olhar para Hyoga da mesma forma que antes...

 

Continua...

 

 



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