Near
— Mello, Matt... – Aceno com a cabeça para ambos, Matt retribui o gesto, Mello apenas me encara levemente espantado. – Mello...?
Mello
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Ando na frente de Matt, paro em frente à uma porta no fim do corredor; deveria ser o banheiro. Abro a porta. Mas o que vi me fez parar.
— Puta que pariu...
Na banheira havia um homem. Ele não parecia estar vivo. Seu rosto estava pálido, amarelado; os olhos arregalados em uma expressão que eu descreveria como surpresa.
A água da banheira estava em uma mistura de sangue e sujeira. Parecia ter espuma também, acho que ele estava tomando banho quando aconteceu. O sangue escorria das bordas da banheira de porcelana branca e fria; a pia também estava suja. Matt colocou a mão em meu ombro, eu estremeci; na pia havia um dedo. UM DEDO!!
Tentei pegar meu celular e ligar para alguém, Roger, no caso. Acidentalmente, o derrubei no chão, pois estava tremendo. Me abaixei para pegá-lo sem tirar os olhos do corpo. Ao chegar ao chão, fiquei na mesma altura que o rosto do homem. Ele me encarava com os olhos assustados, e eu o encarei de volta com olhos mais assustados ainda.
Matt me puxou pelo braço, me levantando e pegando meu celular de minhas mãos.
—Deixa que eu ligo, vai ficar na sal, Mel. Eu resolvo isso pra você!
— Não. - Não mesmo! Eu resolvo. – Pego meu celular de sua mão, e o empurro para fora, fechando a porta atrás de mim.
Não! Matt tinha pavor de corpos, sangue, e coisas assim. Eu não o deixaria fazer isso.
Disco o número.
— Alô, Roger? Temos uma situação aqui. Cadê o Near?
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— Mello...??
Ouço a voz de Matt me chamando.
— Oi? – Digo me recompondo.
— Vamos sair daqui, vão fazer a autópsia, voltamos depois, pode ser?
— Ah, pode... – Deixo que ele me leve para fora.
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Estávamos andando de volta para casa, íamos atravessar a rua, então vi Near, no mesmo lado da calçada, alguns metros mais distante, ele parecia não ter nos visto. O sinal fica verde, mas o mesmo parece receioso quanto ao simples ato de atravessar a rua.
Eu confesso, me senti na obrigação de fazer alguma coisa. Se ele morresse, Matt e eu teríamos que dar conta sozinhos da investigação.
Me aproximo dele e seguro em seu pulso, o mesmo olha para mim de relance e parece relaxar um pouco ao ver que sou eu. O guio até o outro lado, espero Matt se juntar a nós, e solto seu pulso.
— Obrigado – Diz um pouco mais baixo.
— Bem, se você morrer, teríamos mais trabalho.
— Ah... você pretende ir conferir os resultados da autópsia mais tarde?
— Ah, eu acho...
— Ele vai! – Matt se aproxima, com as mãos nos bolsos, e um cigarro na boca – Eu não vou voltar àquele lugar nojento, e você precisa dos resultados, vá com a ovelha!
— Você me chamou de ovelha...?
— Chamei. Vai fazer o quê a respeito, ovelha...?! – Diz Matt, sorrindo levemente presunçoso, o cigarro pendendo do lado direito do lábio.
— Não irei fazer nada. – Disse simples.
— N-Não... 'pera... quê...? – Matt franze o cenho.
— O que eu deveria fazer? – Diz Near, com a cabeça inclinada para a direita, ele realmente parece ser apenas um garotinho, mesmo sendo mais velho do que isso! Começamos a andar, os três juntos.
— Bem, quando eu chamo a Barbie de Willy, ele fica estressadinho, e diz que vai me matar, mas, eu ainda tô vivo, olhem só!! - Ele abre os braços de uma forma cômica. Aquele idiota!
— Hm... Willy...? – O baixinho diz parecendo um tanto quanto perdido.
— É. Willy Wonka... Você não conhece?! – Matt praticamente grita, e eu tapo a sua boca.
— Não, eu deveria conhecê-lo?
— Garoto, você tá brincando, né? Seus pais nunca te levaram para assistir 'A Fantástica Fábrica de Chocolate'?! – Caramba, ele realmente ficou indignado, haha.
— Não cheguei a conhecer meus pais. Atualmente, eu vivo em um orfanato.
Matt para por um segundo e volta a andar, vejo que ele ficou desanimado, pelo que conheço dele ( Bastante, por sinal ) deve estar se sentindo mal por Near. Ele fez a mesma expressão quando eu o disse a mesma coisa algum tempo atrás.
— Entendo... bem, um dia, quando tiver tempo livre, aparece lá em casa! Podemos assistir juntos! – Ele sorri.
— Eu? Ver um filme com vocês? – O menino de cabelos brancos pisca rapidamente – Seria ótimo... - Ele dá um sorriso mínimo, olha para mim, e eu retribuo o sorriso.
Andamos mais um pouco em silêncio, avistei uma cafeteria, Mint&Latte, como meu chocolate havia acabado, sugeri que fôssemos comer alguma coisa. Ah, e o idiota do Matt sugeriu que iria comer o meu cu, aquele--
Nos sentamos próximos da grande janela que dava vista para a rua, me sentei no canto, de frente para Near, enquanto Matt se sentou ao meu lado. Ele foi pegar o cardápio, deixando à mim e ao outro esperando. Realmente, se eu não falar nada, aquele projeto de detetive não falaria também.
— Eu também perdi meus pais. – Caralho, eu podia falar qualquer coisa e fui falar disso, puta que pariu, Mello!!
— Hm? – Ele me encara com seus olhos escuros, eles pareciam vazios, mas curiosos ao mesmo tempo.
— Perdi meus pais, assim como você. – Encaro a mesa de madeira clara e lisa – Eles faleceram em um acidentede carro...
— Sinto muito pela sua perda.
Ele fala como se não tivesse passado pela mesma coisa e fica em silêncio por alguns minutos.
— Não cheguei a saber a causa dos meus terem me deixado, não sei se faleceram, ou simplesmente não me queriam. – Ele pisca fortemente e franze os lábios.
Aquilo me fez sentir uma certa empatia por ele, o fato de termos algo em comum, tirando o fato de sonhar em sermos detetives. O jeito como ele falava aquilo... por mais que não aparentasse qualquer expressão, vi que apertou o punho que estava em cima da mesa com força. Eu não sabia o que dizer, então, apenas coloquei minha mão sobre a sua, em um ato imprevisto até para mim. Sua mão era macia, levemente gelada. E, mesmo segurando a mão da 'Lerigou ( Vulgo, Elsa ) , senti uma sensação reconfortante.
— Então, aqui está! – Matt vem da esquerda com o cardápio em mãos – Já pedi seu chocolate, Willy!
— Como você sabia que eu queria chocolate?! – Pergunto, incrédulo.
— Ah, desculpa, esqueci de me apresentar. Prazer, sou Matt, moro com você a 5 anos! - O mesmo me estende a mão com aquele típico sorrisinho idiota.
– Prazer, Matt! - Aperto sua mão, então aperto mais forte, e mais forte...
— Ai, caramba! – Ele puxa sua mão dolorida. – Loira agressiva... - O garoto lança um olhar mortal para mim.
— Ruivo idiota... – Digo lhe lançando o mesmo olhar.
— Hum... Near resmunga, imediatamente nos lembramos que a ovelha estava lá.
— Ah é, o Near tá aqui haha – Diz Matt coçando a nuca. – Algum problema?
— Bem, eu recebi uma mensagem informando que podemos ir ver o resultado amanhã, pensei que quisessem saber.
— Então não precisamos ir hoje?! Ótimo!! Isso quer dizer que... Vamos levar a ovelha pra ver "A Fantástica Fábrica de Chocolate"!! – Matt grita entusiasmado, acarretando olhares para nós.
— Se ele for, você para de berrar?!
— Sim, eu paro! – Aquele idiota sorriu de forma doce. – Então, bora!!
– Eu não terminei o meu café...
O mesmo mal o deixa terminar de falar, pega Near pelo pulso e começa a o arrastar, como reflexo, o garoto segura meu antebraço com força, para não ser levado por aquele doido. Então, começo a ser arrastado junto do outro. Sinceramente... eu ainda quero entender a obsessão do Matt com o Willy Wonka, isso não é possível!!
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Após alguns minutos andando ( lê-se, "sendo arrastado por um maníaco" ) chegamos em frente ao nosso prédio.
Era um prédio de altura média, 7 andares, a fachada era cor creme, e tinha um belo jardim frontal de violetas e hortênsias.
Meu amigo abriu o portão, e fomos em direção ao elevador, para o 6° andar. Por algum motivo, ele ainda não havia soltado Near, e o mesmo ainda segurava meu braço, tch.. como se fôssemos fugir de um elevador!
Ao adentrar o apartamento, o ruivinho vai até a cozinha, ouço o barulho do micro-ondas, deveria estar fazendo pipoca. Claro, a minha é com chocolate por cima. Nos acomodamos no tapete, assim, ligando a TV, Matt volta da cozinha com as duas tigelas de pipoca, a doce, e a normal, e se senta em nosso meio, colocando o filme.
— Ovelha... isto será uma experiência que você levará para o resto da sua vida! Entendeu?? – Diz sério, segurando em seus ombros e olhando fundo nos olhos do garoto, que estava levemente assustado.
— Er... Ok...
— Claro né, nunca se sabe quando você vai cair num rio de chocolate e se afogar lá. Ninguém é tão burro assim! – Reviro os olhos.
— Você faria isso.
— Eu disse que ninguém é burro o bastante pra fazer isso, e eu sou um apaixonado por chocolate, não um idiota!
— Grandes merdas... Agora, para de dar spoiler 'pro menino e deixa eu começar o filme logo!! – Matt dá o play, e todos nos concentramos na tela.
Eu gosto daquele filme, claro, eles retratam a nós, amantes de chocolate, como uns doidos, mas são ossos do ofício.
Near parecia estar gostando, o mesmo parece ter gostado mais dos *Oompa-Loompas. Matt sabia as letras de todas as músicas deles de cor! Impressionante, mas mal consegue se lembrar do número de celular dos pais.
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Estávamos nos créditos do filme, Matt estava sorrindo igual ao idiota que é, e Near ficou piscando algumas vezes, olhando para os nomes que passavam na tela.
— Hum... O Charlie escolheu a família a ter uma fábrica de chocolate? – Disse Nate, em seu típico tom frio de falar.
— Sim, ele escolheu! Para o Charlie, não adiantaria ter a fábrica sem a família. – Matt falou.
— Acho que eu não posso opinar nisso... então, eu escolheria a fábrica.
— E me daria chocolate infinito?? – Disse eu, afinal, iria adorar que uma alma caridosa me desse toneladas de chocolate!
— Óbvio que não! – Ele disse como se fosse óbvio – Eu iria ir à falência!
— Aaah, mas veja pelo lado bom! – Eu disse, gesticulando.
— Qual seria o lado bom...? – Disse levemente apreensivo, com medo da reposta, talvez.
— Você iria à falência, maaas... Ganharia um amigo extremamente grato!!! - Digo com meu melhor ( e mais forçado ) sorriso.
— Prefiro o dinheiro. – Falou depressa e se levantou. Enquanto novamente, eu fazia a minha famosa "Cara de Indignação".
— Matt, Mello, eu já estou indo!
Near pegou seu casaco de cima da mesinha de centro, o vestindo.
— Mas... já? – Matt soou um tanto quanto decepcionado.
— Eu preciso ler novamente os relatórios; e amanhã de manhã precisamos ir conferir os resultados, se lembra?
— Hum, realmente... Ele é mais responsável do que você, Mello!
O idiota olhou para mim e disse casualmente, como se aquilo não estivesse ferindo minhas ilustres, honra e imagem! Ok, eu realmente sou dramático...
— Até, então!
— Eu te levo até lá embaixo. – Falei pegando as chaves.
— Não precisa. Eu não sou uma criança.
— Tem razão... até uma criança conseguiria ser forte o bastante para não ser arrastada pelo Matt... – Provoquei.
— Certo... me leve então. – Eu juro, JURO, que o vi revirar os olhos!!
Fomos até o elevador em silêncio, eu apertei o botão do térreo, e esperamos os segundos necessários. Ao ouvir o som da porta se abrindo, saímos da caixa metálica, e fomos em direção ao portão. A noite estava gelada, bem escura, e as nuvens cobriam a lua. Cheguei até a me preocupar se Near ficaria bem, sozinho à tal hora da noite.
— Você... vai ficar bem? – Perguntei – Está meio tarde, e está escuro...
— Eu vou pedir um táxi. Não tem pelo quê se preocupar, Mello. Qualquer coisa, eu ligo para você.
— Pra mim...? – Fiquei levemente surpreso.
— Sim, você pode atirar em qualquer um! Chega a me lembrar aquele cara de 'O Poderoso Chefão' – Ele deu um sorrisinho.
— Ah, claro, falou o cara que me lembra o Sherlock Holmes! – Sorri levemente para ele – E o Matt ficaria puto se descobrisse que você assistiu 'O Poderoso Chefão' e não a 'A Fantástica Fábrica De Chocolate'.
— Ele não vai ficar irritado se "alguém" não contar.
— Ah, eu vou contar... – Arqueei as sobrancelhas.
— Que pena... tão jovem para morrer... – Disse com falsa decepção.
— Isso é uma ameaça, baixinho...? – Meu tom de desafio era aparente.
— Considere um aviso, loirinho.
O mesmo olhou para atrás de mim, e eu me virei também para ver o que era, vendo apenas um carro se aproximando.
— É o meu táxi. – Falou – Até mais, Mello!
Near entrou no carro, se sentando no banco daquele modo estranho que ele faz.
— Até mais... ovelha...
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