— Você é a aluna nova? — Uma senhora extremamente bem vestida sorriu para mim com gentileza. Se eu não estivesse com a farda do colégio, com certeza me sentiria desarrumada mesmo que usasse a minha melhor roupa.
— Sim — reverenciei-a com pressa, pois havia esquecido de fazer isso anteriormente.
A professora coreana, profissional que os meus pais contrataram para me dar umas dicas de como funcionavam as coisas por aqui, havia começado a primeira aula dizendo como eu deveria me comportar na escola e confesso que esqueci de grande parte das coisas. Esse já era o quarto país que eu morava em menos de dois anos e tudo estava embaralhado na minha cabeça. O meu pai é acionista majoritário e presidente de uma empresa responsável por fabricar consoles, televisões e celulares. A sua fábrica era muito importante e bastante requisitada por marcas famosas mundialmente. A nova sede seria na Coreia e nós viemos para cá por causa disso. Por ter apenas dezesseis anos, eu não tinha autonomia para dizer "pai, eu quero permanecer no Brasil. Não aguento mais ser obrigada a me adaptar aos costumes alheios.".
— Como você é do ensino médio, a sua área é pra lá — a mais velha apontou enquanto andava mais rápido à minha frente. Eu não conseguia acompanhá-la e acredito que aquele era um aviso mudo para que nem tentasse. — Eu vou te mostrar o colégio todo e se surgir qualquer dúvida, peço que guarde-a para o fim.
— C-Certo — gaguejei sentindo as minhas pernas um pouco moles. Estava muito nervosa.
Caminhamos pela enorme escola e eu me sentia mais cansada do que se estivesse assistindo as aulas do dia. Após fazer as minhas perguntas sobre o funcionamento do refeitório e as aulas extras, fui levada até a sala de aula. Tive que me apresentar para a classe e quase desmaiei de tanta vergonha que senti naquele momento. As pessoas me olhavam atentamente e algumas comentavam com os parceiros do lado, provavelmente dizendo "a nova aluna é estrangeira e estranha também".
— Ei — alguém chamou enquanto eu guardava os meus materiais com pressa na mochila. O motorista que meu pai contratou para fazer o meu transporte já deve estar chegando e eu não podia me atrasar. — Garota — por não acreditar que era comigo, sequer olhei para trás. — Como é o nome dela mesmo? — Perguntou baixo.
— (s/n) — uma voz também masculina soou no mesmo tom que o seu e isso me fez olhar para os dois rapidamente. — Oi — o rapaz sorriu e acenou. Mesmo achando esquisito, retribuí o gesto. Normalmente as pessoas só falavam comigo no segundo dia. — Ele quer falar com você — o garoto continuou e apontou para o amigo ao lado.
Engoli em seco ao ver o rapaz que queria falar comigo. Ele era mais alto que o outro, tinha parte dos cabelos pretos jogados sobre a testa, não era nem um pouco atlético, o que contrastava com o seu amigo que tinha belos braços, e os seus lábios eram bem avermelhados e tão convidativos que até me fizeram umedecer os meus. O que estou pensando? Tire isso da cabeça agora! O garoto me olhava fixamente e parecia tão absorto em pensamentos quanto eu.
— V-Você... Hm... Você deixou isso cair — ele ergueu a minha caneta lilás.
— Ah... — sorri para o moreno sem saber como reagir à sua gentileza. — Muito obrigada, é a minha caneta preferida — o rapaz riu.
— Pegue — esticou o braço e eu alcancei o objeto sem demora. — Eu sou Jeongguk e esse bobão aqui é o Minhyuk.
— Qual é? — O outro bateu em seu braço fazendo-o rir. Um riso instigante que me fez acompanhá-lo também. — É um prazer — Minhyuk reverenciou-me e eu fiz o mesmo.
— É um prazer conhecer vocês — falei para os dois, mas tinha o olhar fixo no maior. Jeongguk. Ele também me olhava da mesma forma, o que me deixava envergonhada. — Bom, eu... Eu tenho que ir.
— Eu te acompanho até a saída — Jeongguk falou rapidamente e sorriu em seguida. — Se não for incômodo.
E eu me aproximei daquele rapaz tão bonito por causa de uma simples caneta. Jeongguk não chamava a atenção das garotas por sempre estar de boné ou quase cobrir os olhos com seus cabelos negros, o que lhe dava um ar misterioso que as meninas tinham medo. Eu adorava quando ele puxava os cabelos para trás e os colocava dentro do boné, pois era o momento em que eu via o seu rosto lindo por completo. Ficamos tão próximos e nos conhecemos tão bem que acabamos nos apaixonando. Jeongguk me pediu em namoro quando estávamos na metade do último ano e, a partir dali, a minha vontade de sair da Coreia se reduziu para zero.
[...]
Dois anos depois de terminarmos o ensino médio ainda continuávamos namorando, porém já não era mais a mesma coisa. Jeongguk desfez a amizade com Minhyuk porque, de acordo com ele, o rapaz era muito infantil mesmo já tendo os seus vinte e um anos. Os novos amigos de Jeon me assustavam às vezes, falavam especificamente de morte por overdose ou agressão como se fosse algo normal. Eu podia perceber que Jeongguk se esforçava muito para tentar continuar sendo o garoto fofo e gentil que conheci, mas não era sempre que ele conseguia.
Jeon poderia ser considerado outro rapaz agora. No aspecto físico, ele continuava a mesma coisa e isso não fazia muita diferença para mim. Guk não tinha tatuagens, rompendo o padrão de tatuadores que usavam o seu corpo como portfólio. Uma vez o moreno perguntou aos meus pais o que eles achavam dos desenhos na pele e a resposta foi tão negativa que Jeongguk cogitou a ideia de sequer abrir o estúdio. Ele mantinha o corpo "limpo" apenas para não ter problemas com os nossos pais. Sim, a família Jeon não apoia o seu trabalho e nem quer que ele se tatue. Eu me mantinha neutra, pois, para mim, o que ele quisesse estava bom. Eu o amo e uma tatuagem não vai diminuir o que sinto.
— Ih, chegou a senhorita certinha — Hari, uma amiga de Jeongguk, disse para que o rapaz ao seu lado ouvisse. Enquanto o homem ria, eu revirava os olhos.
— Jeongguk está livre? — Perguntei para o recepcionista. A sala de espera estava cheia e eu me assustei um pouco quando notei. Sorte de Jeongguk que conta com mais três tatuadores aqui, pois as pessoas vinham de outras cidades para se tatuar em seu estúdio.
— Está, mas só por alguns minutos — o homem respondeu enquanto conferia o computador. — Ele está na sala cinco hoje.
— Obrigada — falei antes de subir às pressas. Caminhei rapidamente até o local e, por onde passei, senti olhares de estranhamento em minha direção. Só então eu percebi o porquê, ali havia um grande grupo de motoqueiros barbudos equipados apenas com peças pretas, incluindo jaqueta de couro. Aqueles típicos homens que andam em bando com suas motos e que, por dentro, são uns amores.
Para esses homens, eu deveria parecer o arco-íris em forma de pessoa caminhando entre a floresta negra representada por eles e pelo pessoal que trabalhava para o meu namorado. Reforçando o estereótipo da turma de tatuados, os funcionários de Jeon possuíam desenhos extravagantes pelo corpo e se vestiam com roupas escuras. Era difícil ver alguém usando um bege, branco ou cinza. Adentrei a sala de Jeongguk e o vi jogado no sofá enquanto mexia no celular. Ele me cumprimentou sem tirar os olhos da tela e eu coloquei a minha mochila e a maleta com alguns materiais que usei na aula de hoje em uma cadeira.
— Vim te ver, já que você mal aparece na minha casa — falei afastando os seus pés para que eu pudesse sentar.
— Foi mal, minha gatinha — murmurou enquanto digitava algo.
— Já disse que quando você me chama assim, eu me sinto uma de suas peguetes — bufei. — E você nem tem peguete — completei e ele gargalhou.
— Faço pra te irritar — afastou o celular do rosto e colocou o aparelho sobre o peito. — Vem aqui e me dá um beijo.
Não segurei o sorriso, rendendo-me completamente em pouquíssimos segundos. Fiquei de joelhos no sofá e coloquei-me sobre Jeongguk em seguida, capturando os seus lábios que ainda eram bem avermelhados como na época em que nos conhecemos. Seus braços prenderam o meu corpo ao dele enquanto nos beijávamos sem pressa alguma, ignorando completamente o telefone da sua sala que tocava de forma insistente.
— Tenho um cliente agora — disse em meio aos selinhos que distribuía em meu pescoço após cessarmos o beijo. — Tudo está meio corrido nesses dias, eu sei, mas só queria que você tivesse um pouquinho de paciência — me encarou e eu bufei mais uma vez. — Amor, o estúdio está ficando famoso.
— Eu sei e é exatamente isso que me preocupa — ele franziu o cenho. — Teremos menos tempo juntos.
— Nós temos a vida inteira pela frente, não seja egoísta em me querer agora só pra você — apertou o meu nariz e eu ri fraco.
— Os seus amigos vão continuar parados lá na recepção como se fossem os donos? — Jeon ria enquanto eu saía de cima dele.
— Eles me ajudam a monitorar o rapaz que eu contratei agora e que sempre esqueço o nome — revirou os olhos. — Não implique com os dois.
— Sua amiguinha me chamou de senhorita certinha — falei fazendo-o rir novamente. — Jeongguk!
— Qual é o problema, amor? — Levantou-se também. — Isso é um elogio pra você. Ou não? — Colocou-se em minha frente e acariciou o meu rosto com as duas mãos. — Você é certinha, realmente.
— Não sou, não. Estava até pensando em pedir pra você fazer uma tatuagem em mim — cruzei os braços e ele gargalhou alto.
— E isso é ser errada? — Deu-me um selinho e sentou-se em sua cadeira. — Olha o preconceito, amor! Nem todo mundo que tem tatuagens é errado. A grande maioria é certinha como você.
— Tem razão — suspirei. — Meus pais às vezes conseguem colocar ideias absurdas na minha cabeça.
— Falaram sobre o meu trabalho de novo?
— Deixa pra lá — sorri fechado e ele respirou fundo.
— Vamos conversar sobre isso, mas em outra hora. Eu tenho mesmo que atender esse cliente agora — concordei com a cabeça e Jeon me chamou para perto com o indicador, apontando para a sua boca depois. Eu ri enquanto ia até ele para beijá-lo mais uma vez. — Te amo muito — deu-me mais um selinho. — Muito, muito, muito, muito...
— Eu também te amo, não se esquece disso. Nunca.
— Nunquinha.
Desci até a recepção novamente e pedi os horários de Jeongguk para o seu novo recepcionista. Após alguns minutos, o rapaz me entregou o papel. Ele era sorridente, simpático... Eu havia gostado. Guk tinha bastante serviço para os próximos quatro dias e isso me entristeceu. Eu planejava retirá-lo do estúdio para que pudesse passar um tempo comigo, talvez passear ou apenas ficar em casa. A amiga de Jeon continuava conversando com o mesmo homem na recepção, a única diferença é que agora estavam sentados. Cochicharam algo quando passei, mas eu não fiz questão de tentar entender o quê. Provavelmente era sobre mim, já que eu sou o assunto preferido dos dois. Eles fazem parte da nova turma de amigos do meu namorado e são completamente mal educados, além de não apoiarem o nosso namoro.
— Demorou pra chegar hoje — minha mãe beijou a minha testa e sorriu.
— É, eu tive aula prática em uma clinica — retribui o sorriso, mas não com a mesma animação.
— E não deveria estar feliz por isso?
— Foi algo normal, mãe — ri fraco. — Não há motivos pra ficar feliz.
— Brigou com o seu namorado?
— Não, eu só... Só me sinto sozinha — sentei-me no sofá e ela fez o mesmo. — Mesmo quando estou com ele naquele estúdio. Jeongguk não é o meu namorado quando está lá com aquelas pessoas, ele nem me defende ou simplesmente pede que cessem as brincadeiras desnecessárias. Sempre arranja uma justificativa pra livrar a cara dos amigos — suspirei. — E todos seguem dizendo que eu não sirvo pra ele.
— Eu não o vejo assim — deu de ombros. — Jeongguk continua sendo um rapaz doce, que nos ouve... — franziu o cenho. — Não consigo imaginar que ele sequer te defende.
— É, eu também não conseguia até começar a acontecer. Tive mais um exemplo hoje e estou exausta disso — retirei os meus sapatos e deitei-me no sofá com as pernas em seu colo. — Semana passada, eu ouvi a Hari dizendo pra ele que nós não combinávamos porque uma dentista nunca encararia o trabalho de um tatuador como algo sério.
— Essa garota é louca? — Minha mãe riu. — O que uma coisa tem a ver com a outra?
— Pois é. Eu tenho quase certeza de que ela gosta dele, sabe?
— E ele dá brecha?
— Não vi nada de estranho até agora. Só que ela sempre tenta me colocar como a diferente ali, por isso me sinto um peixe fora d'água.
— Você vai deixar isso continuar? Filha, isso termina em fim de namoro. Se você não consegue se habituar ao ambiente do seu namorado, ele tem todo o direito de se sentir incomodado.
— Eu sei. Mãe, eu tento — suspirei. — Mas é difícil, principalmente porque ele não fica cem por cento ao meu lado.
— Vocês devem conversar — tocou a minha mão. — (s/a), eu sei que vocês se amam muito. Eu tenho certeza absoluta disso.
— Eu o amo muito mesmo — confirmei.
— Mas se vocês não combinam... — me olhou com pesar. — Não dá pra continuar.
— E-Eu vou conversar com ele e tudo vai se resolver — suspirei. — Talvez essa história toda de que ele está diferente seja só coisa da minha cabeça — levantei-me apressadamente. — Eu vou dormir.
— Já?
— É, eu estou com a cabeça estourando.
E de fato estava. Era horrível pensar que o rapaz por quem me apaixonei talvez não exista mais ou que eu possa estar tendo uma impressão errada sobre a mudança dele e ao fazer isso, acabo atrapalhando o meu próprio relacionamento. Após me remexer bastante na cama, decidi que iria conversar com Jeongguk amanhã. Mesmo que precisasse faltar a aula.
— Já vai sair? — Minha mãe me olhava atentamente.
— É, eu quero falar com o Jeongguk antes de o estúdio abrir — beijei a sua bochecha e saí às pressas de casa.
— A senhorita quer uma carona? — O motorista que me levava para a escola todos os dias perguntou sorridente. O senhorzinho sempre oferecia os seus serviços e eu sabia que isso era fruto da saudade que ele sentia de me levar para os lugares.
— Hm... Eu... Eu vou aceitar — retribuí o seu sorriso e entrei no carro. Eu queria dirigir para chegar mais rápido, mas não consegui negar o seu convite acompanhado de um sorriso tão gentil. — Como vai a sua filha? Trabalhando muito?
— Sim, agora ela é a secretária de confiança do prefeito — respondeu exibindo um sorriso orgulhoso. A filha do senhor Jung trabalhava na prefeitura de Goyang e enchia o pai de felicidade.
Conversamos durante todo o caminho e ao chegarmos no estúdio, ele insistiu para ficar me esperando; porém eu neguei rapidamente. O estabelecimento já estava aberto e eu suspirei com pesar ao constatar, mais uma vez, que o meu namorado estava trabalhando muito ultimamente. Se ele estiver atendendo alguém, é bem provável que só consiga me receber em, no mínimo, quarenta minutos. Falei com o recepcionista e dessa vez os amigos desagradáveis de Jeongguuk não estavam por aqui. Aqueles dois de ontem são os mais encostados no meu namorado e certamente apareceriam em algumas horas.
— Pode entrar, (s/a) — o recepcionista sorriu e eu lhe retribuí, subindo os degraus com rapidez em seguida.
— Tinha formigas na sua cama? — Jeon riu abrindo os braços para que eu lhe abraçasse. Fui até ele negando com a cabeça e o abracei apertado. — Aconteceu alguma coisa? — Separou-nos para me olhar atentamente.
— Sim... Quer dizer, não — Jeongguk franziu o cenho e riu da minha aparente confusão. — Pode acontecer se não tivermos essa conversa agora.
— Nossa! — Arregalou os olhos levemente e riu mais uma vez. — Um minuto — puxou-me para que eu sentasse no sofá e pegou o telefone da sua sala. — Não manda ninguém subir e nem liga pra cá. Se alguém chegar aí, diz que eu já atendo — desligou a ligação assim que terminou de falar. — Pronto.
— Vocês abriram mais cedo hoje?
— Sim — sentou-se ao meu lado, virando-se para mim. — O recepcionista novo fez a cagada de marcar mais pessoas do que o permitido e eu tive que abrir mais cedo pra dar conta.
— Uau! — Bati palmas enquanto ria. — Você está realmente ficando famoso.
— Pois é. O curso de alguns meses que fiz me serviu muito bem, não basta ter só o talento — riu soprado. — Enfim, sobre o que você quer conversar?
— Sobre a gente — falei rapidamente e ele arregalou os olhos mais uma vez. — Eu acho que...
— Não vai me dizer que quer terminar — interrompeu-me. — Olha... Eu sei que está complicado, mas penso que isso não é motivo pra terminarmos. (s/a), nós nos amamos — disse tudo rapidamente.
— Não, eu não quero terminar — segurei as suas mãos. — Eu quero evitar um possível término — ele franziu o cenho mais uma vez e eu me estiquei para selar os nossos lábios. — Não precisa ficar assim. Eu sei que você me ama, que o nosso amor continua igual depois de toda essa mudança.
— Que mudança?
— Ah, Jeongguk... Vai dizer que não percebeu?
— Seria a nossa mudança de rotina? — Ele estava claramente confuso e aquilo me causava receio. Será que só eu havia percebido ou estava fantasiando? — Mas isso aconteceu há um bom tempo — riu fraco.
— Gukkie, você mudou. A sua personalidade não é a mesma, você está mais sério e quando brinca, é com coisas pesadas. Naquele dia com seus amigos, por exemplo, você disse que morrer por overdose é para os fracos e todos riram. Quando me viu, você quase mudou de cor porque não esperava que eu ouvisse.
— Eu achei que você não tinha ouvido — seus olhos estavam fixos nos meus.
— Eu fingi que não ouvi apenas pra não brigar contigo — ele suspirou. — Seus amigos têm um clima diferente do seu, pelo menos do que você tinha.
— Eu não vejo assim.
— Porque está envolvido — rebati. — Amor, eu vejo as coisas de fora e consigo perceber a mudança de comportamento que você teve de lá pra cá.
— Não é assim.
— E o Minhyuk? Você cortou o seu amigo da sua vida.
— Ele é um bobão, sempre será. Sou um empresário agora, eu tenho um modo de vida diferente do dele e as nossas conversas não são as mesmas.
— Porque você mudou. E muito.
— As pessoas mudam, (s/n) — falou sério e retirou as mãos do aperto das minhas. — É normal.
— Não é normal quando mudamos pra pior.
— O que disse? — Levantou-se me olhando seriamente. Droga! Péssima maneira de fazer as coisas.
— Amor, eu não quero brigar contigo.
— E nem eu. Então, acho melhor você ir pra sua aula que começa em alguns minutos. Não sei o que veio fazer aqui se não era pra me dar uns beijos.
— Então é isso o que eu sou pra você? Uma pessoa pra te dar uns beijos? — Ele riu soprado, parecia nervoso. Passou a mão por seus cabelos e respirou fundo. — Se for só isso, Jeongguk, você pode encontrar em qualquer lugar. Até a sua amiguinha encostada serve. Mas uma mulher de verdade que vai estar contigo em todas as situações e que escuta gracinhas dos seus amigos sem fazer confusão, você só vai conhecer uma. Eu — ele soltou uma longa lufada de ar e se aproximou, puxando-me para cima e me abrigando em seus braços.
— Me perdoe — afagou as minhas costas. — Eu acho que você está se enganando em relação a mim. Eu continuo o mesmo de sempre, ainda sou o seu Jeongguk. Você deve estar chateada porque não temos mais tempo juntos e começou a ver coisas que não existem — afastou-se um pouco e segurou o meu rosto com as duas mãos, dando-me um selinho em seguida. — Os comentários que faço com meus amigos são meras brincadeiras, eu não penso aquilo de verdade. O humor deles é mais ácido mesmo.
— Maldita hora que você conheceu aquele tal de Hojin — Guk riu e balançou a cabeça negativamente. — Foi ele quem te apresentou a essa gangue de encostados.
— Pega leve, amor.
— Não pego, não. Qual é, Jeongguk? Seus amigos passam o dia perambulando pelo estúdio. São quatro pessoas que não fazem nada da vida, só sabem falar merda e cuidar do nosso relacionamento. Cuidar não, eles querem nos separar.
— Eu não penso assim — suspirou. — Hojin foi o meu primeiro cliente e também foi ele quem trouxe mais pessoas pra cá.
— Assim como trouxe o grupinho de quatro desocupados.
— Eu devo parte do sucesso do estúdio a ele — deu de ombros.
— Pense assim e você será eternamente escravizado por eles — Gukkie riu alto, abraçando-me novamente.
— Te amo — beijou-me. Fomos interrompidos por alguém que bateu na porta, mas que ao tentar entrar não conseguiu. Estava trancada. — Quem é?
— Sou eu, a Hari — revirei os olhos ao ouvir a voz extremamente fina da desocupada número um.
— Ah, nos falamos depois. Eu estou com a (s/a) aqui — o maior balançou a cabeça negativamente e sorriu para mim.
— Escorraça essa mulher daqui — falei antes de bater em seu braço e ele gargalhou.
— Então, depois eu volto — o descontentamento era claro na voz de Hari. — Ah, a sua cliente chegou.
— Certo — ele respondeu a moça e entortou a boca em seguida, o que me fez rir. — Como das outras vezes...
— Você tem que me abandonar — interrompi-o fazendo o mais alto arregalar os olhos e negar repetidas vezes.
— Nunca te abandonarei, isso só vai acontecer quando eu morrer. Você arranjou um coreano grudento — apertou o meu corpo contra o seu e me deu um beijo. — Dirija com cuidado.
— Eu não vim de carro, o senhor Jung me trouxe. Eu vou pedir um táxi.
— Não. Eu vou te levar, então.
— Amor...
— Não vamos discutir isso — soltou-se de mim com rapidez e pegou a chave do seu carro em sua mochila. — Eu faço questão. É o mínimo que eu posso fazer por você.
— Mas e a sua cliente?
— Ela espera ou pode fazer com outra pessoa — deu de ombros. — O estúdio já se garante o suficiente pra que eu possa fazer isso.
— Exibido — bati em sua bunda e ele me olhou maliciosamente em resposta. — É só uma brincadeirinha.
— Você sabe que eu posso revidar três vezes mais forte, não é? — Puxou-me para ele pela cintura. — Mas eu vou ser bonzinho dessa vez — piscou o olho e puxou o meu lábio inferior entre seus dentes. — Avisa que eu vou precisar sair por causa de um assunto urgente e pergunta se ela prefere ser atendida por mim ou por outro tatuador — Jeon disse para o novo funcionário assim que descemos até a recepção. — Volto em alguns minutos ou horas, não sei.
— Horas? — Perguntei enquanto ele praticamente me arrastava até o estacionamento.
— Você tem alguma coisa importante pra fazer na faculdade hoje?
— Além das aulas, nada — brinquei causando um riso seu.
Chegamos em seu carro, um modelo popular na cor preta, e o ocupamos sem demora. Jeongguk não era rico, havia estudado na mesma escola que eu porque conseguiu uma bolsa de estudos. Ele sempre foi bastante inteligente e a sua família se orgulhava disso. Os pais dele possuem um bar no centro de Seul que só ficou famoso no último ano. Agora, o lugar vive lotado e os meus sogros têm um estilo de vida bem mais confortável. Guk era filho único e o investimento foi todo feito nele, por isso os seus pais ficaram frustrados quando souberam que o rapaz não faria faculdade. Jeongguk montou o estúdio com o dinheiro que ganhou participando de uma competição do seu jogo de videogame preferido.
— Falo sério, amor. As aulas são muito importantes?
— São, mas eu posso fingir que não — falei enquanto colocava o cinto.
— Gostei disso — riu.
— O que tem em mente?
— Eu tenho muita coisa — sorriu lateralmente, olhando-me de forma sugestiva.
— Que safado — estiquei-me para beijar o seu pescoço enquanto ele se concentrava em ligar o carro. — O que quer fazer?
— Sexo, mas a gente pode substituir por um simples passeio naquela praça que você gosta. Não é uma troca justa, eu sei — riu dando de ombros. Ele falava rápido. — Mas é o que podemos fazer hoje. Eu preciso voltar logo, você sabe.
— E quem disse que isso toma muito tempo? — Coloquei a mão em sua coxa, arrastando-a até o seu pênis para apertá-lo levemente. Jeongguk soltou o ar com força e me olhou por um breve instante.
— Eu preciso de muito tempo, acredite — riu enquanto negava com a cabeça. — Estamos há meses sem qualquer contato íntimo.
— Está subindo pelas paredes? — Provoquei enquanto ria e mantinha a minha mão ali.
— Talvez, levando em consideração que punheta não ajuda cem por cento — deu de ombros e eu gargalhei. — Prometo que nós iremos até a minha casa no sábado.
— Hoje é terça, Jeongguk — olhei para ele já me sentindo levemente irritada. Puxei a minha mão de volta e cruzei os braços, ficando sentada corretamente no banco. Se ele queria tanto, por que não dava um jeito para que acontecesse mais rápido?
— Eu sei, minha gatinha, mas...
— Não me chama de minha gatinha — falei mais alto, assustando-o. Coloquei a mão na testa quando senti a irritação aumentar.
— Tudo bem, me desculpa — me olhou rapidamente.
— Me leva pra faculdade.
— O quê?
— É, Jeon. Eu quero assistir minhas aulas normalmente, não vou faltar um dia de aula pra ficar brigando contigo.
— Não, não vai. Vamos ficar juntos.
— Pra quê? Pra discutir?
— Não, nós vamos conversar e nos resolver — estacionou o carro na rua e virou-se para mim. Eu ainda tinha os braços cruzados e agora encarava a calçada à nossa frente. — Ei, olha pra mim — pediu, mas eu não atendi. — Por favor, amor.
— O que você... — parei de falar ao olhar para ele e notar uma movimentação do outro lado da rua. — Estão batendo naquele cara? — Jeongguk olhou para o local e bufou.
— É, mas nós não temos nada a ver com isso.
— Como não? Vamos ligar pra polícia! — Saquei o celular do bolso.
— Não — puxou o aparelho das minhas mãos. — Ele é claramente um drogado e pessoas como essas não merecem o nosso tempo.
— Como é?
Ele manteve o olhar fixo no meu e suspirou, fechando os olhos em seguida. Jeongguk colocou o celular em minha perna e bagunçou os cabelos, parecia estar arrependido do que disse. Mas já era tarde demais. O que Jeon queria negar, ou talvez esconder, agora estava exposto para mim e ele não tinha como argumentar. Jeongguk sabe que se ainda fosse o mesmo, ele ligaria para a polícia e sairia do carro para prestar socorro assim que os agressores se distanciassem, mas nunca, em hipótese alguma, ele diria que ajudar a preservar uma vida era perda de tempo. Era claro, o novo Jeon Jeongguk estava ali diante dos meus olhos e eu não sabia como reagir.
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