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História Em nome da vingança - Jeon Jungkook - Superando adversidades


Escrita por: hyesie

Notas do Autor


B O A
L E I T U R A!

Capítulo 92 - Superando adversidades


Fanfic / Fanfiction Em nome da vingança - Jeon Jungkook - Superando adversidades

Jeon Jeongguk

O tempo passou depressa. Muito depressa. Tão rápido que (s/n) finalmente terminou a sua faculdade e Sohyun falou a sua primeira palavra, andou, comeu muita fruta, sujou muitas fraldas, fez bastante bagunça na companhia da irmã e hoje possui dois anos de idade. Eu já estava com trinta e três, Heeji tinha oito e o aniversário da minha esposa se aproximava. A vida progredia em um ciclo curto de passagem de anos e dos vinte para os trinta foi um salto. Ainda lembrava com perfeição dos meus vinte e cinco anos, época em que descobri que (s/n) esperava a Hee. Parece que isso aconteceu no mês passado. E a Soso, então? Dois anos se passaram em um sopro desde o seu nascimento e mesmo estando com ela todos os dias e acompanhando bem de perto a sua evolução, eu custava a acreditar que a minha bebê manhosa crescia em um ritmo tão veloz. Dois anos... Essa quantidade não deveria ser grande? Por que parece que é tão pequena e que, na verdade, a minha filha mais nova nasceu ontem? Tudo estava muito vivo na minha memória.

— Este jogo se chama Azulândia — entreguei o tablet para Sohyun, que já tinha os olhos atentos na tela iluminada. — Você só vai poder brincar com ele durante dez minutos, está bem? — Sentei-me ao seu lado no chão. — Está bem? — Insisti.

— Está.

Eu sabia que a minha menininha não tinha ideia do que significava jogar durante dez minutos, mas valia a tentativa. Um dia aquilo faria sentido na sua cabeça e pensando assim, eu me dedicava a explicar pacientemente todas as coisas para a bebê. A minha dedicação estava cem por cento concentrada no desenvolvimento de Heeji e de Sohyun. No caso da mais nova, havia um detalhe especial: o cuidado excessivo por causa da sua pouca idade. E eu adorava estar sempre pronto para ampará-la, para ensiná-la, para ouvi-la, para fazer descobertas na sua companhia, afinal, essa é a primeira vez que estou acompanhando a minha criança desde o seu primeiro segundo de vida.

E tudo o que fiz com a Soso foi mágico até aqui. O primeiro banho, a primeira fralda trocada, a primeira cólica, a primeira roupinha que vesti em seu corpo pequenino, o primeiro arroto, a primeira manha, o nascimento do seu primeiro dentinho... Absolutamente tudo! Nós dois passamos a desvendar o mundo juntos e isso é lindo, encantador. E somente quando passei a realmente vivenciar essa experiência ao lado de Sohyun, pude perceber que ela não veio para me fazer viver os momentos que não tive com a Hee. Era outra criança, outro cenário e até outro Jeongguk. Não havia o que resgatar, o que buscar. A minha história era aquela e ponto. E ao compreender isso, pude apreciar verdadeiramente o que acontecia ao meu redor e amar o fato de ter a ajuda de Heeji, já crescida, nos instantes em que trocávamos a fralda ou a roupa da Soso. A culpa por não ter feito o mesmo com a minha filha mais velha foi se esvaindo aos poucos até não sobrar mais nada.

— Ótimo! — Sorri ao ver a menor usar o dedo indicador para mexer no tablet. Soso era muito inteligente, assim como a Hee. — Você tem que ajudar o Azul a chegar na...

— Azulândia! — Heeji chegou de repente e, correndo, se aproximou de nós dois. — Oi, Soso! — Beijou a bochecha da irmã e fez o mesmo comigo em seguida. Estava sorridente e isso me animou.

— Aconteceu algo legal na natação?

— Eu nadei mais rápido, pai! — Bateu palmas, eufórica, e eu repeti o seu ato. — E vou competir na próxima semana!

— Nossa! Uau! — Arregalei os olhos, realmente surpreso. — Parabéns, meu peixinho! — Levantei-me e a abracei, retirando-a do chão para girá-la no ar. Ela gargalhou, alegre. — Você já é a melhor!

— A minha professora disse que eu tenho chances de ganhar.

— Claro que tem, filha! Você é muito boa nadando! — Acariciei a sua bochechinha levemente avermelhada pelo Sol que enfrentou na área externa da escola. O calor de hoje estava quase insuportável. — O appa vai estar lá pra te ver. Vai ser no colégio?

— Sim, vai.

— Perfeito! — Sorrimos um para o outro. — Sabe o que estou fazendo agora?

— O quê?

— Ensinando a Soso a jogar — voltei a sentar ao lado da minha filha mais nova e a Hee atirou a sua mochila no sofá antes de repetir a minha ação. — Acho que ela vai demorar um pouco a pegar o jei...

— Passou de fase! — Heeji gritou, levantando os braços em comemoração. Como é? — Isso, Soso! — Abraçou a irmã, que riu.

— Hee! — A voz infantil surgiu e não demorou para que a pequena ficasse de pé para abraçar a mais velha pelo pescoço. — Oi.

— Oi — as duas riram e eu, chocado, peguei o tablet para conferir o andamento do jogo. Sohyun já estava na terceira fase. — Você está com cheirinho de amora.

— O que... — Fiquei ainda mais perplexo. — A minha criança é uma gênia! — Foquei em Soso, que me encarava junto a Heeji. — Você é muito rápida, filha. Inacreditável.

— Boa tarde, turminha! — A voz de (s/n) ecoou pela sala ampla e as meninas festejaram a sua chegada. — Chegou agora, Hee? — Questionou quando a abraçou.

— Sim!

— Mamãe! — Soso gritou risonha, abraçando-a pela perna e causando o seu riso. — Oi.

— Oi, meu amorzinho — abaixou-se para pegá-la no colo e após beijar a sua bochecha, caminhou até mim. — Boa noite, senhor Jeon.

— Boa noite — sorri, levantando-me para beijá-la brevemente. — Você está bem?

— Estou exausta — suspirou. — E o pior é que ainda não acabou — entortou a boca e, repentinamente, ganhou um beijo na bochecha de Sohyun. — Mas não tem nada melhor do que chegar em casa e ser recebida por vocês.

O sorriso da minha esposa apareceu bem aberto, bonito. E mesmo estando levemente chateado por tudo o que acontecia, não pude deixar de admirá-lo. (s/n) era linda e os anos pareciam não passar para ela, o que às vezes me trazia a sensação de que eu dormia todos os dias ao lado da adolescente que conheci na escola. Me refiro apenas ao seu rosto, é claro. Hoje, o seu modo de se comportar e de pensar é totalmente diferente e o seu corpo ganhou atributos excelentes que me deixavam em êxtase somente por lembrar de cada um. A minha mulher era maravilhosa por inteiro e eu não tenho vergonha alguma de admitir que sou um completo apaixonado. Porém, atualmente não estamos vivendo o nosso amor em sua plenitude. Enfrentávamos um problema relacionado ao excesso de trabalho de (s/n), algo que a impedia de passar um tempo com todos nós.

— O que quer dizer quando fala que não acabou? — Questionei com desânimo, já imaginando qual seria a resposta.

— Quero dizer que vou precisar participar de uma reunião virtual e peço encarecidamente que vocês façam silêncio até que termine — alternou o olhar entre nós três. — Durará duas horas, no máximo.

— Mas... Amor... Você acabou de chegar! — Bufei. Eu já não aguentava mais aquela rotina de trocar somente algumas palavras com ela antes de dormir. — Nós precisamos de mais momentos juntos, somos uma família.

— Sim, Jeongguk, eu sei — suspirou alto, impaciente como sempre ficava quando esse assunto surgia. — Me dá um tempo pra que tudo isso acabe. Vou solicitar as minhas férias assim que possível.

— Já estou te dando um tempo há seis meses, (s/n).

— Jeon...

— É injusto — rebati e, irritado, retirei a nossa filha do seu colo, caminhando na direção da cozinha logo depois. — E só pra você saber... — parei de andar para encará-la. — Sohyun começou a jogar Azulândia hoje e já está no terceiro nível — a revolta também era evidente no meu tom de voz. — Vou cortar as frutas pra ela.

— Gukkie, não fica assim — (s/n) usou a sua tática de me chamar do jeito que eu gostava e de usar um tom manhoso, mas reuni as minhas forças e fui firme ao manter a postura. — Eu juro que... — O toque do seu celular a interrompeu. — Um minuto, amor.

— Claro — revirei os olhos, retomando o meu percurso. — Heeji, você quer um sanduíche? O jantar vai demorar um pouco hoje.

— Eu quero, então — a garota respondeu, seguindo saltitante o trajeto até a cozinha.

Já no local, Hee começou a falar sem parar enquanto eu me esforçava para ouvir a conversa de (s/n) e manter a atenção no preparo das frutas para Soso. A bebê ocupava a sua cadeira específica e aguardava com ansiedade um dos melhores instantes do seu dia, que era o de se lambuzar com as frutinhas que tanto amava. Os seus olhos famintos captavam cada corte que eu fazia e isso me fez rir brevemente. Minutos se passaram e pude ouvir com perfeição o momento em que a minha esposa disse ao pai que não poderia continuar nessa situação, que iria pedir férias o quanto antes. E eu sorri, feliz. Ela precisava lutar pelo espaço da nossa família no seu dia a dia, assim como eu fiz no período em que as tarefas na Softway aumentaram drasticamente com os novos lançamentos. Quando servi os lanches das garotas, a porta do escritório de (s/n) foi batida, nos assustou e nós três nos entreolhamos e rimos em seguida.

— A mamãe vai trabalhar, então vamos nos esforçar pra ficar quietinhos — falei. — Por favor, minhas meninas.

— A gente pode ir jogar — Heeji encolheu os ombros, fingindo não dar tanta importância ao que sugeria. — A arena não faz barulho.

— E a senhorita é muito espertinha — cerrei os olhos e nós voltamos a rir. — Iremos depois da sua lição de casa.

— Esqueceu que o meu colégio não manda mais lição? — A mais nova fez careta. — É um tipo de teste, appa.

— Ah, claro... — Sorri brevemente, desconcertado. — Não esqueci, não.

— Esqueceu! — Gargalhou, zombando de mim. — Sim, esqueceu!

— Eu só estava te testando, sua bobinha.

Após muitas risadas, a noite chegou e nós três continuávamos interagindo ao nosso modo. A casa estava livre de funcionários, então fiquei responsável por insistir para que Heeji tomasse banho antes de ir jogar, por alimentar as crianças, por dar banho, vestir e pentear a Soso, por assistir a dois episódios do seu desenho animado favorito na companhia dela e da Hee – a presença da irmã era uma exigência da bebê – e ainda tive que tratar de alguns assuntos da Softway com Hisoka e Yoojun através de uma chamada de vídeo enquanto Sohyun bagunçava o meu escritório inteiro, às vezes fazendo uma breve pausa para tomar um pouco de leite na sua garrafinha rosa com detalhes em glitter. Ela amava essa garrafa e fazia questão de levá-la para onde fosse. A minha rotina com as duas meninas era uma correria louca, mas eu amava cada pedacinho e pensar nisso me faz acreditar que realmente nasci para ser pai.

— Bom dia, amor — (s/n) deixou um beijo na minha bochecha e ocupou o assento ao meu lado na mesa de jantar. — Heeji já saiu?

— Hoje não tem aula.

— E a Soso?

— Dormindo — mantive o foco na minha comida. — Boram não vem porque eu prometi que levaria a Heeji até a casa de chás quando ela tivesse mais uma folga da escola, então... — Encolhi os ombros. — Vou cumprir.

— Você tem uma reunião importante com o pessoal do Japão, não é?

— Tenho.

— E por que vai até a casa de chás?

— Porque eu cumpro o que prometo para as minhas filhas — a encarei com mágoa. Ela já havia deixado de participar de três compromissos conosco e as meninas ficaram bem tristes diante da sua ausência. — É por isso que vou.

— Vai voltar a me criticar?

— Não, (s/n) — limpei a minha boca e levantei da mesa com pressa. — Não quero estragar o seu dia de trabalho duro na fábrica.

— Jeongguk... Por favor...

— Sugiro que repense o que está fazendo — falei em volume habitual, realmente dispensando um embate. — Sei que as responsabilidades aumentaram, que os compromissos foram te envolvendo e que o seu pai foi te cobrando cada vez mais ao ponto de você não conseguir desmarcar nada há seis meses, mas eu espero que se lembre do quanto lutamos pela nossa família — após alguns segundos de silêncio, notei os seus olhos mais brilhantes do que o normal. — O que temos hoje é a coisa mais preciosa que conquistaremos na vida e eu te peço que não a abandone — senti um nó se formando na minha garganta. — Nós precisamos de você — prossegui com dificuldade. — Eu preciso de você.

— Desculpa, Gukkie — suspirou alto, com pesar. — Eu... Eu estou vivendo um período bem difícil na empresa...

— Já conversamos muito sobre isso e você não mudou nada até hoje, (s/n) — dei alguns passos na sua direção, aproximando-nos. — Te apoio demais no seu trabalho, valorizo a sua posição e acho que você nasceu pra ser líder — abaixei-me para encará-la de perto. — Mas eu também preciso da minha mulher e as meninas precisam da mãe. Você está distante de todos nós.

— Vou... Eu vou dar um jeito... — Ela respirou fundo e eu logo a envolvi em um abraço apertado. — Prometo.

Tentando acalmá-la e sinalizar que estávamos bem, tomei os seus lábios em um beijo lento e demorado. E como eu estava com saudade disso! Era algo simples, é verdade, mas havia se tornado raridade desde que a sua empresa assumiu novos contratos e ela precisou ficar à frente de tudo. Quando (s/n) recolheu os seus pertences e saiu de casa para cumprir os seus compromissos do dia, parti para a tarefa complicada de acordar Heeji. A garotinha dormia como uma pedra e sempre dava trabalho para despertar o suficiente para conseguir sair da cama. Cerca de meia hora depois, consegui convencê-la a ir tomar um banho e parti para a missão mais fácil: retirar uma Soso já acordada do berço e arrumá-la para que nos acompanhasse no passeio. Como a sua babá, a Daeun, estava de férias, eu assumi os cuidados da bebê em tempo integral e cumpria de casa as minhas obrigações com a Softway.

— O Yuto veio? — Hee fez careta ao avistá-lo e eu ri.

— Não gostou? — Questionei, abrindo a porta do carro para que ela pudesse sair. — Achei que você gostaria de ter o seu amigo aqui hoje.

— Não, appa... — Bufou. — Yuto é chato.

— Está bem... — Respirei fundo, preparando-me para resolver um possível embate entre os dois. — Você é um pouco mais velha, então, por favor, não seja malvada com ele — posicionei a sua mochila em seus ombros. — Se comporte, certo? E nada de entupir o garoto de biscoitos — relembrei o último acontecimento ruim envolvendo a dupla. — Você já sabe que o Yuto passa o resto do dia liberando gases — cerrei os olhos quando ela gargalhou, porém não fui capaz de evitar o riso enquanto retirava a Sohyun do veículo. — Eu vou trabalhar e preciso da sua ajuda pra que isso aconteça sem grandes problemas.

— Tudo bem — Hee respondeu. — Eu ajudo.

— Por que estou com a sensação de que você vai aprontar? — Observei a menor quando fechei a porta do automóvel e ela deu de ombros. — Espero estar errado.

— E está.

— Bom mesmo.

— Oi, Heeji! — Yuto gritou e acenou com alegria. Ainda estava distante de nós e tinha a companhia de Hisoka.

— Oi, chato.

— Filha! — A repreendi e os seus olhos focaram em mim. — Eu já disse que não é assim que cumprimentamos alguém! — Coloquei a Soso em seu carrinho, peguei as nossas mochilas no banco do passageiro e segui com as duas crianças até o meu funcionário e o seu filho. — Boa tarde, Hisoka — sorri, sendo rapidamente retribuído. — Boa tarde, Yuto.

— Boa tarde, senhor Jeon — ele respondeu sorridente, simpático.

— Desculpa, Yuto — Hee falou baixo, em um quase sussurro. — Boa tarde.

— Tudo bem, Hee — deu de ombros, aparentemente nem um pouco afetado. — Você vai brincar comigo?

— Eu vim pra tomar chá e fazer biscoitos — cruzou os braços, orgulhosa. Por que tão parecida com a mãe?

— Eu também! — O menino disse alto, empolgado, e ambos se entreolharam antes de rir. — Vai ser legal!

— Os dois vão se entendendo da maneira deles — Hisoka comentou assim que passamos a caminhar, tendo as crianças a alguns passos adiante. — São tão parecidos que se repelem na maior parte do tempo.

— Parece até que foram criados juntos — nós rimos. — Acho que essa é mais uma coisa que nos aproxima. Os nossos filhos têm um temperamento parecido.

— Falando em modo de ser... — Analisou-me da cabeça aos pés. — Você não tem vergonha de vestir apenas a parte de cima da sua roupa de trabalho?

— E você não tem vergonha de vestir o traje completo? — Rebati, rendendo-me ao riso quando o seu bufar veio alto. — Estamos em uma casa de chás pra crianças e, como sempre, você vem destoando completamente da proposta do passeio.

— Você está de bermuda, Jeon!

— Hisoka, pensa comigo... — Comecei, sentindo-me bastante esperto. — Os caras só me verão do abdômen pra cima e quando a reunião terminar, eu só precisarei retirar o paletó, a gravata, abrir um pouco a minha camisa e pronto! — Sorri satisfeito. — Roupa casual! — Mostrei os meus pés. — Vim preparado.

— Você veio de chinelo! — Arregalou os olhos e a minha gargalhada o fez bufar de novo. — Ainda é aquele moleque despreocupado... Não tem jeito.

— A minha mulher disse que eu deveria voltar a me divertir no processo, portanto... — Dei de ombros. — Me divirto desde então.

Entramos no estabelecimento e o espaço que aluguei para que nós dois tivéssemos o mínimo de privacidade já estava reservado e apenas precisei me identificar para ocupá-lo. Ainda ontem, consegui falar por telefone com o proprietário e sem esforço algum pude convencê-lo a fazer aquilo. Só que a ideia não funcionou tanto quanto imaginei. Apesar de estarmos um pouco distantes do local onde as crianças ficavam concentradas, o falatório delas poderia ser ouvido facilmente através da chamada de vídeo e já não havia o que fazer para fugir disso. Heeji se despediu de nós com pressa e correu até a área supervisionada pelos recreadores, estes que a ajudariam a fazer os tais chás e biscoitos. A minha filha não tinha o hábito de frequentar o lugar e a sua animação por vir aqui hoje estava somente ligada ao fato de que encontraria alguns amiguinhos da escola. Sohyun, por pura sorte, estava sonolenta e as suas pálpebras indecisas sobre fecharem ou não me fizeram rir. Era uma fofa.

— Temos uma hora e meia pra resolver todos os pontos com os programadores japoneses e conversar com os investidores do Savage.

— Eu já sei, Hisoka — suspirei alto, ansioso. — Ainda nem acredito que esse jogo finalmente vai sair. Quase três anos planejando, consertando, recriando aquela maldita floresta... — Respirei fundo. — Ainda nem estava casado com (s/n) quando dei os primeiros passos nele.

— E nem tinha lançado o Blueland e o FCE — acrescentou e nós rimos fraco. — Mas você só nos mostra que é uma máquina de criar jogos bem feitos. Vai ser o terceiro sucesso em menos de cinco anos e arrisco dizer que o Savage chegará ao patamar do Killer Group.

— Obrigado pela injeção de autoestima — brinquei, piscando o olho para o mais velho. — Eu precisava de um pouco mais de confiança.

— Engraçado demais — fez careta e apenas quando levou a mão até a sua lombar, notei que a expressão não era para mim. — Vamos mesmo ter que participar de uma reunião tão importante sentados nestas cadeiras minúsculas de criança? — Resmungou. — Eu não tenho idade pra isso, Jeongguk.

— Você me diz essa frase há quase dez anos — ri. — A funcionária falou que logo traria cadeiras de adulto pra nós dois, não falou? — Ele assentiu com a cabeça, em silêncio. — Então deixa de drama e espera.

E contrariando as minhas expectativas, infelizmente tivemos que iniciar a reunião sem assentos confortáveis. Com menos de meia hora de diálogo, eu já sentia o meu corpo inteiro doer. Por que aquelas cadeiras tinham que ser tão pequenas e rígidas? Impaciente pela dor, acelerei o máximo que pude as falas dos meus funcionários durante as suas explicações sobre o Savage. Entretanto, não poderia fazer o mesmo com os meus investidores e tive que aguentar longas considerações fingindo não sentir nenhuma dor física do outro lado da tela. Por fim, quando estávamos na chamada há uma hora, a moça chegou com os móveis e eu estava tão desesperado que a agradeci inúmeras vezes. Para fazer a troca, tive que desligar a minha câmera e o olhar de “eu te disse” do Hisoka me fez gargalhar. Eu estava adorando tratar de assuntos sérios usando bermuda e os meus chinelos desgastados. Era libertador.

— Appa — Heeji veio apressada até mim. Trazia uma bandejinha. — Pra você.

— Um minuto, pessoal — pedi antes de desabilitar o meu microfone. — O que você trouxe? — Ri.

— Chá e biscoito — sorriu orgulhosa. — Eu que fiz.

— Nossa! — Arregalei os olhos, fingindo surpresa. — Quero provar.

— É seu — colocou a bandeja sobre a mesa e eu me surpreendi com a grande quantidade de biscoitos dentro do prato. — Tem que comer tudo.

— Tudo?

— Sim — passou a mão em seu rosto suado e limpou no avental. Céus... Como a comida havia sido preparada? Os recreadores vigiaram mesmo? Hee era uma criança e não tinha muita noção de higiene para cozinhar. — Come.

— Vou comer, amorzinho — sorri brevemente, temeroso. Pelo menos está assado, Jeongguk. Você não corre risco. — O biscoito é de quê?

— Senhor Jeon — alguém chamou na reunião, atraindo a minha atenção. — Precisamos da sua opinião.

— É biscoito de gengibre — e eu já estava com um deles na boca quando recebi a péssima notícia. Puta merda... O que faço? Odeio biscoito de gengibre! — Está bom? — Seus olhos me encaravam com profundo interesse.

— Maravilhoso — elogiei ainda com a boca totalmente cheia, sem forças para engolir e continuar sentindo aquele gosto terrível pelo resto do dia. — Pode pegar um pouco de água, filha?

— Tem chá! — Apontou para a xícara. — Eu que coloquei a... — Pareceu pensar. — O pó!

— Ah... — Me esforcei para sorrir. O líquido deve estar extremamente amargo. — Vou beber — tendo a mão levemente trêmula, peguei a alça da xícara. — Está com o cheiro bem presente.

— Eu coloquei bastante.

— Misericórdia... — Murmurei, tentando disfarçar o desespero ao seguir sorrindo.

— O senhor Jeon precisa de mais um tempinho — Hisoka se pronunciou. — Peço a compreensão de todos.

— Gostou, papai? — Questionou quando tomei um gole generoso daquilo e fui obrigado a engolir o biscoito de gengibre com chá de... Calma aí... — É chá de gengibre.

— Jeon Heeji... — Sussurrei com dificuldade enquanto tinha os olhos bem arregalados. A minha filha queria me matar? Mesmo? Eu sentia que havia acabado de tomar um gole da água do inferno acompanhado de pedrinhas que só existiam lá. — Delicioso... — Saiu em um fio dolorido de voz. A minha boca queimava. — O appa precisa de água. Urgente.

— Por quê?

— Água, Heeji — falei mais alto, já desesperado. — Água.

— Já volto! — Ela avisou antes de correr para longe de nós.

— Você está vermelho — Hisoka ria. — Está muito quente?

— Isso aqui é horrível! — Fiz careta, indignado. — Nunca mais trago a Hee pra cá. Não sou maluco.

— Pode falar agora, senhor Jeon? — O homem insistiu.

— Ele apenas está quase morrendo aqui, nada de mais — o japonês brincou e algumas risadinhas surgiram do outro lado. Só queria poder revidar, mas estávamos acompanhados e eu tive que me contentar ao pisar no seu pé e ouvir o seu gemido discreto de dor. — O senhor Jeon vai falar.

— Eu concordo — fui breve e logo voltei a desativar o microfone. — Se ficar mais um pouco com esse gosto forte na boca, vou vomitar.

— Ela já está retornando.

— Toma, appa — entregou-me um copo pequeno com água e eu tinha que me saciar com aquilo, então fui obrigado a beber devagar. Não poderia levantar porque todos veriam a parte de baixo da minha roupa. Maldito Hisoka... — Você está bem?

— Claro! — Puxei os meus cabelos para trás na tentativa de diminuir a sensação de calor infernal. O frescor na minha boca chegava a ser profundamente irritante e não me ajudava em nada. — Está tudo delicioso, filha. Eu adorei.

— Então... Come tudo! — Sorriu abertamente, alegre. — Eu vou fazer mais!

— O quê? Não! — Gritei, assustando-a. — O papai está cheio. Lembra que nós comemos antes de sair de casa?

— Lembro — disse sorridente. — Tudo bem.

— Ótimo.

— Quer biscoito também, Hisoka?

— Ah, eu...

— Eu trouxe para o meu pai — Yuto surgiu de repente ao nosso lado, surpreendendo-nos. — Aqui — colocou o prato sobre a mesa minúscula, que, com dificuldade, abrigava os nossos notebooks. — Vou buscar o chá.

— E eu vou fazer biscoitos pra Soso.

— O quê? — Voltei a gritar pelo susto. — Não! A Soso não pode!

— A mamãe deixa.

— Mas eu não deixo.

— Por quê?

— Gengibre é muito forte para a sua irmã — olhei para a menor, que dormia tranquilamente no meio daquela bagunça de crianças falando sem parar. — Por que não compra os biscoitos prontos da loja? — Apontei para o local à nossa frente. — É só usar a sua pulseirinha de registro pra pagar.

— Qual sabor?

— Leite.

— Certo! — Pulou, animada. — Quando eu voltar, espero que você já tenha comido tudo — esticou-se para beijar a minha bochecha e eu me vi em uma enrascada a partir do instante em que ela se foi acompanhada de Yuto.

— Estou fodido... — Murmurei, encarando o prato lotado de biscoitos. — O inferno fracionado bem aqui na minha frente. É tortura.

— Biscoito de gengibre é maravilhoso — Hisoka disse de boca cheia, deliciando-se com o preparo do seu filho. — Ah, droga... As nossas câmeras estão ligadas.

 — Não podemos desligar.

 — A conexão vai cair em três, dois... — Desativou a sua câmera e esticou-se para fazer o mesmo com a minha. — Pronto — sorriu largo, satisfeito. — Odeio comer algo tão gostoso sendo monitorado porque não consigo me controlar e esqueço dos bons modos.

— Gosta tanto assim de biscoito de gengibre? — Uma ideia surgiu na minha mente. Seria a minha salvação.

— Amo.

— Você vai comer todos os biscoitos do meu prato — decretei, passando o utensílio para ele após conferir a movimentação ao nosso redor. — E rápido. Urgentemente.

— Não consigo! É uma grande quantidade! — Observou a mesa. — Tem os do meu filho e os da sua. É muito pra mim, por mais que eu ame.

— Dá um jeito.

— Não é possível, Jeongguk.

— O dobro do seu salário pelos biscoitos na sua barriga — falei com pressa, apreensivo por causa do retorno de Heeji. — Te pago antes de sairmos daqui.

— O triplo.

— Está me explorando.

— Você vai topar qualquer valor pra não magoar a Hee e eu estou sendo bonzinho.

— Te odeio — rosnei, ouvindo a sua gargalhada. — Te pago o triplo, mas enche essa boca aproveitadora com os biscoitos da minha filha logo — enfiei um deles entre os seus lábios, desesperado. — E tem o chá também.

— Acréscimo de metade do meu salário pelo chá.

— Vai se foder!

— Só pela gracinha, quero o quádruplo do meu salário.

— Hisoka, não abusa...

— Fechamos em três e meio — sorriu vitorioso e eu respirei fundo, controlando-me ao máximo para não enfiar todos aqueles biscoitos na sua boca e não assustar as criancinhas presentes ao fazer isso. — Os da Heeji estão bem intensos mesmo — fez careta e agora foi a minha vez de sorrir. — Bem intensos.

— Ela caprichou — cerrei os olhos. — Vai ser incrível ver você sofrendo pra comer e beber tudo — cruzei os braços, contente. — Será um dinheiro muito bem pago.

E com o tempo impressionante de três minutos, o japonês conseguiu comer cerca de dez biscoitos de gengibre feitos pela minha filha. Em seguida, bebeu o chá – já frio – em poucos goles e foi o tempo exato de a menininha retornar com a compra para a irmã. Após ver o prato vazio, Heeji me direcionou um dos seus sorrisos mais bonitos e o meu peito pareceu ter sido comprimido por exatas três toneladas e meia, o equivalente ao preço que paguei para que o meu funcionário comesse os biscoitos que ela fez para mim com tanto amor. Eu me senti mal. Muito mal. A partir dali, o passeio e a reunião perderam todo o brilho. A minha consciência moral implorava para que eu contasse a verdade e pedisse desculpas, porém o meu medo de magoá-la me travava. E dessa maneira, com esse conflito interno, segui até o fim da tarde, período em que estávamos no carro voltando para casa e a Hee me surpreendeu com uma declaração.

— Você não gostou — ela disse repentinamente e os nossos olhares se encontraram através do retrovisor. — Eu também não.

— O quê? — Questionei confuso. — Ao que se refere?

— Aos biscoitos — franziu o nariz e riu. — Estavam ruins.

— Ah, filha... É sobre isso que preciso falar contigo... — Suspirei, sentindo-me bastante culpado. — O Hisoka comeu.

— Tudo bem — deu de ombros. — Mas não pode mentir, papai.

— Eu sei — assenti com a cabeça para reforçar. — Sei que quebrei a nossa promessa de nunca mentir — respirei fundo, angustiado. — Me desculpa?

— Desculpo — sorriu e, agora aliviado, eu a retribuí.

— Você é uma filha extraordinária, Hee.

E se soubesse que seria tão simples, não teria gastado tanto dinheiro com a exploração do meu funcionário. Chegamos na nossa residência em poucos minutos e eu me diverti durante todo o trajeto ao ouvir os comentários impacientes de Heeji sobre a esperteza maldosa de Yuto ao roubar biscoitos que não eram dele, e que estavam bem mais bonitos, para entregar ao Hisoka. Soso parecia não querer conversar hoje, então respeitei o seu momento e a deixei quietinha no sofá com a sua garrafa rosa totalmente cheia de leite após dar banho e vesti-la com uma roupa confortável para a noite abafada que viria.

Depois do nosso jantar, Hee me ajudou com a louça e foi jogar na arena enquanto me ocupei de fiscalizar a brincadeira de Sohyun no tablet. É... Ser pai era bem difícil, tumultuado. Eu não parava um minuto sequer. Por volta das oito horas, (s/n) chegou em casa e pediu desculpas por não ter avisado que voltaria tarde. Aquilo significava que a conversa que tivemos pela manhã não havia servido para nada e mesmo estando chateado mais uma vez, a desculpei.

— Só te peço que reveja e corrija o que está fazendo — falei, encarando-a nos olhos. — Dá pra conciliar e nós dois sabemos disso. Você vai descobrir o seu modo.

— Eu vou, amor — a sua expressão de culpa me derretia completamente. Eu não resistia. — Juro.

[...]

— Os investidores querem refazer aquela reunião — Hisoka avisou do outro lado da linha e eu revirei os olhos, entediado. — Disseram que você não estava focado e que o barulho do ambiente estragou tudo.

— Frescura.

— Jeon... Seja sensato.

— Pode ser amanhã? — Fiz pouco-caso, realmente não dando importância. O meu produto era perfeito e eles não desistiriam da parceria. — À tarde?

— E hoje?

— Competição da Hee — sorri e acenei para a minha menina assim que a vi se aquecendo perto da piscina. — E depois nós iremos comemorar a vitória dela.

— Não coloque essa pilha na garota.

— Eu não disse nada, mas já sei o resultado — dei de ombros. — Confio nos meus genes e na calma do meu peixinho. Ela vai conseguir.

— Você é louco — riu. — Bom... Desejo boa sorte e estou na torcida.

— Obrigado.

— Me diz o resultado por mensagem.

— Combinado.

— E a (s/n)? Está aí?

— Não — suspirei alto, preocupado. — Falei tanto sobre isso, Hisoka... — Balancei a cabeça em negação. — Não quero nem pensar no clima que vamos ficar se ela não aparecer aqui hoje.

— Tenta ficar tranquilo e só aguarda — aconselhou. — A (s/n) vai estar aí com vocês.

— Eu espero — murmurei angustiado. — Não sei nem o que dizer pra Hee se algo der errado.

Após alguns minutos de conversa com o japonês, o apito que indicava que os competidores deveriam tomar as suas posições soou e eu me despedi e desliguei a ligação com pressa. Heeji estava nervosa, porém pareceu se concentrar quando respirou fundo e ajeitou os óculos sobre os olhos. Ansioso, dediquei-me a observar toda a arquibancada e as regiões próximas e o meu suspiro veio longo e alto por não identificar a minha esposa entre os demais. A brasileira não veria a largada e certamente não verá a competição, já que é uma prova muito rápida. Eu não aguentava mais essa situação. (s/n) tinha que se posicionar diante do seu trabalho e da sua família e sinto que posso explodir se ela não chegar a tempo de ver a nossa filha ganhando a primeira medalha da sua vida.

— A menina da raia cinco é muito rápida! — Alguém falou em tom de perplexidade.

— É a minha filha! — Quase gritei, eufórico. Hee estava ganhando. — Jeon Heeji é o nome dela!

— Parabéns! — Outra pessoa disse com animação e o meu sorriso orgulhoso logo se formou.

— Obrig... Ganhou! — Gritei agora, altamente empolgado. — A minha filha ganhou! Primeiro lugar! — Bati palmas com força, celebrando com afobação, e arquibancada fez o mesmo, porém, claro, por causa do fim da prova. — Soso, a sua irmã ganhou a competição! — Retirei a bebê do carrinho e a abracei, ouvindo a sua risadinha fofa. — Ela é a melhor daqui — tive que sussurrar apenas para não ser escorraçado aos chutes pelos pais raivosos. — É a sua irmãzinha!

Hee erguia os braços em comemoração ainda enquanto estava dentro da água e eu não tardei a empurrar o carrinho até o banco de descanso dos pequenos atletas, para onde ela iria assim que saísse da piscina. E quando pôs os pés na área seca, Heeji foi cercada pelos colegas da escola e ganhou abraços alegres de todos eles. Posteriormente, foi a vez de receber os cumprimentos da sua professora de natação e as duas até gritaram juntas, o que me fez rir. Eu já não conseguia me segurar, então me apressei para recolocar Sohyun no carro e a levei comigo até a Hee. E quanto mais perto ficávamos, mais alto a menina chamava pela irmã. Ao nos localizar, a minha filha, a garotinha que eu vi dar os primeiros passos e até as primeiras braçadas, aumentou o sorriso e correu para me abraçar apertado.

 — Eu ganhei, appa! — Ela gritou com euforia, ofegante.

— E eu já sabia! Sabia que você ganharia! — Beijei as suas bochechas. — Parabéns, Hee! — Voltei a abraçá-la. — Estou muito orgulhoso! Muito!

E depois das nossas comemorações em família, já que Soso também participava ao bater palmas e gritar o nome de Heeji, a professora se aproximou para contar que a minha filha havia garantido a participação em um campeonato regional por causa da sua vitória. Hee participou hoje de uma competição entre colégios e a treinadora achou prudente não contar o que estava, além da medalha, valendo. A profissional comunicou que eu precisaria autorizar a sua participação e o olhar pidão de garotinha me fez rir. Ela ainda duvidava da minha resposta? Eu só queria que as minhas filhas fossem felizes! Claro que aprovaria e que a acompanharia em cada prova, independentemente do local onde seria realizada. Por ter que assinar um termo de permissão com algumas cláusulas, preferi me resguardar e levei os papéis para casa. Jin avaliaria tudo e me diria se estava dentro dos padrões e se a Heeji estaria segura.

— E a mamãe? — Hee questionou no instante em que caminhávamos pelo estacionamento. — As mães dos outros vieram.

— Ela... Bem... — Tentei pensar em algo, mas nada vinha à minha mente. Eu estava profundamente chateado e frustrado. — A sua mãe trabalha muito e...

— Mamãe! — Soso gritou de repente e os seus bracinhos logo se ergueram. Quando foquei no espaço à nossa frente, avistei uma (s/n) caminhando com pressa na nossa direção. Ela parecia estar bem atordoada. — A minha... Minha mamãe!

— Oi, filha — o seu sorriso era de puro constrangimento. Acredito que a minha expressão e a de Heeji não eram nem um pouco boas. — Boa noite — nos olhou alternadamente. — Qual foi o resultado?

— Eu ganhei... — Hee respondeu com desânimo. — Mas você não viu.

— Filha, me desculpa.

— Só você não veio — a garota tinha lágrimas nos olhos e eu desviei a atenção dessa parte do seu rosto. Não queria ficar ainda mais irritado com (s/n). — Eu disse ao appa que... — Engoliu em seco. Heeji queria chorar. — Que ganhei porque pensei que você estava me vendo — fez bico, tentando controlar o choro.

— Ah, meu amor... — (s/n) suspirou antes de se abaixar para puxá-la para um abraço. — Me perdoa — enxugou os próprios olhos. — Eu não queria que isso tivesse acontecido. Juro que tentei e que dei o meu máximo pra vir no horário correto, mas algumas emergências surgiram no trabalho e me atrasaram bastante.

— Tudo bem — Hee sussurrou chorosa. — Pelo menos você veio.

— Desculpa — as duas se entreolharam e eu respirei fundo, tentando manter a impassibilidade. — Prometo que não faço mais isso. A partir de hoje, a mamãe vem em todas as competições no horário certo.

— Promete? — A esperança em seu tom de voz me fez soltar o ar com força, impaciente. Se (s/n) prometesse e não cumprisse, a tristeza de Heeji seria ainda maior do que a de hoje.

— Prometo, filha — ela beijou as bochechas da menor e a abraçou uma última vez. — Como foi a disputa? — Questionou e o sorriso bem aberto da Hee me deixou um pouco aliviado. — Acirrada?

— Não sei — deu de ombros enquanto ria. — Eu não vejo nada, mamãe.

— Foi acirrada, Jeongguk? — Dirigiu-se a mim e o seu olhar receoso encontrou o meu.

— Não muito — respondi alto, pouco me importando em esconder a minha indignação. — Heeji é realmente boa nadando.

— Estou tão orgulhosa, Hee... — Acariciou as bochechas da mais nova e ficou de pé. — Prometo que estarei aqui na próxima.

— Eu acredito! — Ela respondeu animada, confiante.

— E você, minha bebê? — Aproximou-se de Soso, que já tinha os braços abertos para ser transferida para o seu colo. E foi o que (s/n) fez. — Se comportou?

— Sim — a voz aguda, bem infantil, surgiu.

— Nossa! Você é uma gracinha! — Riu após beijar a testa da pequena. — O que vocês acham de uma celebração com hambúrgueres? — Sugeriu. — Por minha conta.

— Eu quero! — Heeji gritou. — Quero dois!

— Dois hambúrgueres para a campeã — as duas riram e eu continuei sério e em silêncio. — E o que mais ela quiser, afinal, temos uma medalhista de ouro aqui — acariciou os cabelos soltos e úmidos de Heeji. — O que acha, Jeongguk?

— Pode ser.

— Então vamos logo! — Disse alegre, como se nada tivesse acontecido.

— Faremos o pedido em casa.

— Por quê? — A minha esposa franziu o cenho ao me encarar. — Podemos ir ao restaurante.

— Eu estou cansado — menti. A verdade era que eu estava emburrado e agora só queria comer e ir dormir. — Algum problema se fizermos desse modo, Hee?

— Não, appa.

— Ótimo — olhei para (s/n), que agora esboçava uma expressão de tristeza. Mas eu seria firme e não me abateria tão facilmente. — Vamos, Soso?

— Quero a mamãe — falou do seu jeitinho enrolado, dessa vez com um toque de manha. A garotinha sentia muitas saudades de (s/n) e isso só seria atenuado se ela estivesse presente na nossa rotina.

— Eu a levo no meu carro.

— Posso ir também? — Heeji perguntou enquanto abraçava a mãe pelos quadris.

— Claro, filha.

— Então eu vou sozinho — magoado, desarmei o carrinho de Sohyun com rapidez e caminhei da mesma forma até o meu veículo estacionado ali perto. — Que droga... Eu estou com ciúmes, irritado ou o quê? — Me questionei assim que iniciei o trajeto até a nossa residência. — As meninas só estão carentes da atenção de (s/n), não é como se tivessem me trocado porque a preferem — entortei a boca. — Você é bem idiota, Jeongguk — bufei. — Deixou que o problema com a sua mulher interferisse na relação com as suas filhas. Elas não fizeram nada de mais.

E dessa maneira, travando uma discussão comigo, cheguei em casa antes das três. Disposto a estar mais calmo para a comemoração da conquista de Heeji, fui direto para o banheiro e tomei um banho gelado e mais longo do que o normal. Quando terminei de vestir as minhas peças de roupa, (s/n) entrou no quarto e o seu olhar de culpa veio acompanhado de inúmeros pedidos de perdão. Eu odiava ficar em um clima ruim com ela, mas dessa vez não havia outra saída. Teríamos que conversar seriamente e a única coisa que falei diante do seu arrependimento foi que iríamos nos resolver mais tarde, assim que as nossas filhas dormissem. Agora, não era do meu interesse saber que o seu pai a direcionou dez, quinze, vinte papéis para ler. O meu desejo era somente entender como todos nós havíamos perdido espaço na sua vida.

— Um brinde a Heeji! — Falei, sorrindo apenas por ver a felicidade da minha filha. — Parabéns, minha menininha!

Eu sabia que uma conversa difícil estava por vir e por isso não conseguia me animar completamente diante daquela reunião em família. Hee estava muito feliz e Sohyun tinha o dobro da felicidade da irmã, estava empolgada como se o próprio gatinho Luffin – o seu personagem favorito de um programa semanal – estivesse na sua frente. As horas se seguiram e o instante de as meninas se recolherem para dormir finalmente chegou. (s/n) fez questão de ficar responsável pela tarefa de continuar a leitura de um livro que eu comprei recentemente e que já havia começado a ler para as duas antes de elas dormirem. As nossas filhas passaram a compartilhar o quarto quando Soso tinha cerca de um ano e meio e estavam se entendendo muito bem desde então. Essa foi uma medida que (s/n) e eu decidimos tomar para que a dupla se conectasse ainda mais, para que fossem irmãs unidas. E deu muito certo. Esperávamos que seguisse dessa maneira até, e principalmente após, os três anos de Sohyun, que será o momento em que cada uma voltará a ter o seu próprio cômodo.

— Sei que errei bastante hoje — (s/n) disse bem baixo, quase sussurrando. — Errei muito mais do que nos outros dias.

— Você descumpriu a promessa que me fez ainda na semana passada — sentei na minha cadeira e a encarei. Estávamos dentro do meu escritório. — Chegar quando estávamos indo embora não era o combinado.

— Eu sei, amor — ocupou a poltrona à minha frente, deixando a mesa entre nós. — Estou completamente errada, só que...

— Não quero ouvir as desculpas de sempre — a interrompi. — O meu pai me deu mais serviço, um cliente ligou, uma máquina quebrou e eu tive que falar com o fornecedor, Miran fez uma chamada de vídeo pra explicar alguma coisa, Harry tirou a minha paciência com mensagens de texto... — Disparei, mencionando as justificativas mais comuns que eu ouvia. — Chega. Não aguento mais, (s/n). Não vou tolerar.

— Você não está sendo razoável.

— Sério? Mesmo? — A minha voz saiu mais alta. Foi inevitável. — Então isso significa que tudo o que eu te falei e todo o meu apoio até aqui não serviram de nada?

— Eu não disse isso.

— Então disse o quê? — Nos olhamos firmemente. — Que nunca posso protestar, que não posso cansar de te apoiar a se ausentar do seu papel de mãe, que eu tenho que segurar todas as pontas sozinho?

— Foram apenas seis meses, Jeon — respirou fundo. — E você está sendo grosseiro comigo.

— Você realmente pensa desse jeito, (s/n)? — A revolta me dominou. — E eu não estou sendo grosseiro! Só estou farto de tudo isso! — Falei um pouco mais alto de novo. — Muita coisa aconteceu em seis meses, como, por exemplo, a Sohyun ter conseguido comer uvas fatiadas sem a minha ajuda e a Heeji ter lido um livro inteiro em duas semanas.

— Eu entendo, mas apenas quero te dizer que você faz parecer que vamos continuar assim pra sempre e não é isso.

— Estamos tentando mudar esse cenário há, no mínimo, três semanas e até agora não houve mudança alguma.

— Sei que você não quer ouvir, porém tenho que te dizer que o meu pai precisa de mim — ela parecia estar calma e eu, cada segundo mais indignado. Por que (s/n) não assumia que estava errada e simplesmente abaixava a guarda? — Ele precisa do meu trabalho, do meu esforço.

— As suas obrigações no trabalho podem ser dosadas.

— Você diz isso só porque é o presidente, porque é a pessoa que está na frente de tudo.

— Vai mesmo colocar isso em questão? — Voltei a aumentar o volume da voz. Quanta injustiça! — O seu pai é o presidente, mas a fábrica também é sua! Você será a dona daquilo tudo!

— A questão é que agora eu não sou! — Falou alto também, tornando evidente a sua irritação. — Sou uma funcionária como qualquer outra e preciso honrar o meu compromisso com a empresa!

— Qual é, (s/n)?! — Ri soprado, sem vontade. — Não joga essa pra cima de mim! — Balancei a cabeça em negação com força, inconformado. — Funcionária como qualquer outra? Você é a vice-presidente! O seu pai é o dono da empresa!

— Ele me cobra muito, Jeongguk.

— E você já trabalha há muito tempo desse modo, então teoricamente deveria saber como lidar com tamanha cobrança.

— Pra você, é muito fácil falar.

— Pra mim é fácil? — Voltei a rir. — Como você disse, eu sou o dono do local que trabalho — concordei. — Só que isso não me dispensa dos compromissos com a Softway e me faz trabalhar bem mais do que qualquer funcionário de lá porque é o meu negócio, é o meu nome à frente da marca, são os meus jogos, é o meu sonho! — Minha voz saiu ainda mais elevada. — Eu trabalho duro por aquela empresa todos os dias e tenho o maior prazer de dizer que não deixo a minha família de lado.

— Você tem o Hisoka e o Yoojun pra te cobrir — acenou negativamente. — Não vem com isso.

— O que está passando na sua cabeça, (s/n)? Que maneira é essa de me ver? — Analisei-a. Ela parecia estar disposta a atacar, atitude totalmente inversa àquela que imaginei para a nossa conversa. — Acha que eu coloco os meus ajudantes pra fazerem o meu serviço? Nós estamos juntos há quanto tempo mesmo? Dois dias? — Nos encaramos intensamente. — Pensei que você havia percebido o tamanho do seu erro, mas vejo que não — suspirei. — E eu não vou entrar nisso, não vou discutir contigo.

— Já estamos discutindo — rebateu com firmeza.

— Porque você não reconhece a porra do seu erro! — Também fui firme.

— Eu reconheço, mas acho que você não deveria se colocar tanto como correto porque as nossas posições são diferentes.

— Em que parte? — Cruzei os braços. — Você vai assumir a fábrica e ser dona dela em breve, então o que nos difere?

— Eu tenho chefe, você não.

— Você tem chefe e trabalha basicamente vinte e quatro horas por dia? — Desafiei-a, franzindo o cenho. — Isso é trabalho escravo, não?

— O meu pai quer me preparar.

— É exatamente esse o ponto, (s/n)! — Bati na mesa com as duas mãos, contrariado. — Quer te preparar porque você vai assumir aquilo e, me diz, vai ser dessa mesma maneira quando esse momento chegar? — Seu olhar parecia perdido, dividido entre o meu rosto e os quadros, que foram feitos por Heeji, pendurados atrás de mim. — Você vai deixar as suas filhas de lado? Vai perder todas as descobertas delas?

— Não, eu pretendo sair desse ritmo — falou mais baixo.

— Quando?

— Ainda... — Engoliu em seco. Estava começando a ceder. — Ainda não sei.

— Isso é frustrante! — Soltei o ar com agressividade. — Você disse com tanta convicção que não queria se transformar no seu pai, mas eu o vejo na versão feminina bem aqui na minha frente — apontei para ela. — Trabalho, trabalho, trabalho... — Falei com raiva. — Família depois. Quando der.

— Eu... Eu não sei... — Encolheu os ombros, acanhada. — Não sei o que fazer.

— Você acha que o que está fazendo é certo, (s/n)? — Iniciei.

— Não, claro que não.

— Quer mudar?

— Quero! — Disse alto, firme. — Mas eu não tenho ideia de como fazer isso sem deixar a fábrica totalmente de escanteio.

— Você precisa entender que dá pra cuidar da fábrica no horário de serviço — aconselhei. — Eu não vou te dizer como e o que fazer porque esse é um assunto seu e está relacionado com o seu sonho, com as suas vontades — expliquei, vendo o seu peito subir e descer em uma respiração pesada. — Você sonha em ser uma grande líder e sempre sonhou em ter uma família, então, se parar pra pensar nisso, vai saber conciliar as duas coisas — ela suspirou alto. — E eu vou estar aqui pra te apoiar e te ajudar sempre, assim como te ajudei no começo do seu afastamento — lembrei. — Mas hoje ele se tornou insustentável e eu espero que você perceba isso.

— Preciso pensar bem.

— Com toda certeza — assenti com a cabeça. — O tempo não volta, (s/n). Você não vai poder pedir pra Sohyun e pra Heeji refazerem os passos que deram enquanto elas não estiveram na sua companhia — alertei. — Você é uma mulher forte, decidida, competente, tem amor pelo que faz... — Interrompi-me para encará-la bem. — Não vai perder espaço se limitar a sua dedicação ao trabalho durante a sua vida. Não mesmo.

— É... — Respirou fundo, apreensiva. — Vou refletir.

— Só quero que fique claro que não estou te pedindo pra abandonar nada — fui sincero. — Você precisa saber que eu sou o seu parceiro e estou contigo até na ideia mais absurda — ela riu fraco enquanto concordava. — Cuidar sozinho das meninas nunca foi um problema pra mim e você sabe disso.

— Sei — reforçou. — Eu compreendo o que você está cobrando — olhou brevemente para as mãos, envergonhada, e focou em mim logo depois. — A minha presença na vida das nossas filhas.

— Isso.

— Me desculpa? — Seus olhos estavam bem brilhantes, indicando um provável choro preso. — Eu fui horrível agora há pouco — tinha a voz entrecortada. — Não gostei do modo que você iniciou a conversa e girei a chavinha da raiva — não contive o riso. — Não queria ter minimizado a minha culpa usando justificativas idiotas — engoliu em seco novamente. — Você trabalha duro e eu te admiro por isso.

— Tudo bem... — O seu arrependimento era nítido para mim. — Eu te desculpo e espero que consiga se livrar dos pensamentos de que o seu pai precisa tanto de você ao ponto de te tirar da convivência em casa.

— Também espero — murmurou desanimada. E eu não esperei nem mais um segundo para levantar, ir até ela e envolvê-la em um abraço forte.

— Vai dar certo.

— Você é um marido incrível, Jeongguk — apertou-me um pouco mais naquele contato gostoso. — Eu vou voltar para a nossa família. Prometo.

(S/N)

— Jeon tem razão — falei após beber um longo gole de vinho. — Eu abandonei as meninas, o abandonei também... — Suspirei com pesar. — Sinto que me perdi um pouco, Haneul.

— Eu compreendo os dois lados e me sinto indecisa sobre qual posição tomar — entortou a boca. — Odeio me sentir assim, principalmente quando você está precisando de um conselho.

— Acho que não há nada complicado pra dizer porque a resposta é óbvia — nos entreolhamos. — Eu amo a minha família e sonhei com ela durante muitos anos — foquei em Heeji e Doyun correndo na área externa da nossa residência. — Agora que a tenho, joguei tudo para os ares e segui os passos do meu pai.

— E você falou que nunca faria isso.

— Mas é tudo muito rápido, amiga — expliquei. — Não dá pra perceber qual é o momento que você vai se comprometer com inúmeros compromissos, sabe? — Ela assentiu com a cabeça. — Quando você nota, já é tarde demais.

— Nunca é tarde demais — a loira me corrigiu. — O Jeongguk vai esperar o tempo que for necessário pra que você se reorganize — pareceu pensar e logo prosseguiu. — Só que ele vai ficar mais chateado no decorrer dos dias.

— E com razão — suspirei novamente. — A nossa família foi um desejo mútuo, foi sonhada por nós dois e é justo que ele esteja chateado por estar cuidando de tudo sozinho, muitas vezes sem as babás.

— O Jeongguk do cabelo vermelho fica sozinho com as meninas? — Arregalou os olhos.

— Fica.

— Uau! — Bateu palmas. — Manter as duas Jeon calminhas e em segurança é bem difícil pra uma pessoa só! — Nós rimos. — Um nobre guerreiro.

— As nossas filhas são bem serelepes mesmo... — Ainda rindo, passei a observar Soso e Dohwan interagindo enquanto estavam nos braços de seus pais. As crianças tinham quase dois anos de idade de diferença, mas se entendiam de um modo legal e se gostavam. Felizmente, os filhos de Haneul eram ótimos amigos para as minhas filhas. — Sohyun está até se mostrando mais perigosa que Heeji, acredita? — Brinquei e a minha amiga gargalhou. — A garotinha não para!

— Pense bem... Pelo menos ela não é a cópia do Jeongguk.

— Imagine só! — Ri. — Ter duas filhas e elas serem idênticas ao pai? — Neguei com a cabeça e a coreana me acompanhou no riso. — Seria a maior injustiça.

— Sim, seria — concordou. E quando o nosso riso cessou, Shin me olhou por alguns segundos e se pronunciou. — O que vai fazer pra acabar com o seu problema?

— Continuar pensando — respirei fundo, ficando tensa aos poucos. — Estou há quatro dias refletindo e acredito que precisarei criar uma mentira pra poder passar um tempo aqui em casa.

— Calma aí... Uma coisa de cada vez — franziu o cenho. — Primeiro, por que mentir?

— Meu pai não me deixaria em paz se eu dissesse que quero uma folga.

— E as suas férias?

— O plano é de estar em casa amanhã e eu tenho uma reunião marcada pra daqui a três dias, então não posso tirar férias e comparecer ao compromisso logo após.

— Tiraria a sua palavra firme e daria combustível para o seu pai te importunar durante o descanso — concluiu. — Faz sentido.

— Exato — voltei a beber o meu vinho.

— Segundo, por que quer ficar em casa por apenas dois dias? O que pretende fazer?

— Preciso saber como me encaixo aqui em casa — justifiquei. — É como se eu tivesse perdido o rumo, sabe? Preciso entender como as minhas filhas me veem e o que posso fazer no dia a dia delas e... Bem... Isso também se estende ao Gukkie.

— Quer saber qual é o impacto que a sua ausência causou?

— Isso! — Elevei o volume da minha voz, satisfeita por estar sendo compreendida. — Neste instante, penso no que dizer como desculpa para o meu pai. Uma indisposição, talvez?

— Não... — Ela negou com a cabeça. — O seu pai não vai engolir essa e você vai ter que se esforçar muito pra parecer mal.

— E o que sugere?

— Soso.

— A Sohyun? — Estreitei os olhos, confusa.

— Febre. Soso está com febre alta — disse com tanta seriedade que eu até acreditaria se não visse a minha filha tão sorridente e animada naquele exato momento. — Nada anormal pra uma criança na idade dela e você não precisará fingir.

— E não vai causar grandes preocupações por ser algo comum — completei, vendo o seu sorriso sagaz surgir. — Você é tudo o que eu precisava agora, Haneul! — Estiquei-me no sofá e a abracei antes de me jogar sobre o seu corpo para induzi-la a deitar no móvel. A loira gargalhou. — Obrigada!

— Sem mim, você não é nadinha — brincou, abraçando-me com força pela cintura. — Te amo.

A nossa conversa seguiu com aquele assunto e Shin me deu ideias de como complementar a farsa para que tudo desse certo e os meus pais não desconfiassem de nada. Dentre algumas medidas, eu teria que falar com Jeongguk e com Heeji para que os dois pudessem me dar cobertura no caso de serem questionados sobre a saúde da bebê. Depois, partimos para o próximo tema: a vinda de Taehyung, que havia sido adiada. É... Ele enfrentou alguns problemas e não conseguiu deixar os Estados Unidos no período desejado e já havia adiado três ou quatro vezes o seu retorno para o seu país de origem. Agora, o sul-coreano não conseguia sequer estimar quando conseguiria voltar para residir na companhia do filho e da namorada. E aproveitando que tocamos nesse assunto, finalmente pude mostrar a foto do garotinho Kim para a minha amiga. O registro era um pouco antigo – da época em que ele tinha cerca de cinco ou seis anos –, porém já se podia notar que o menino era tão lindo quanto o seu pai.

— Você me ajuda nisso? — Após explicar todo o plano para o meu marido, sentei sobre a nossa cama e tive que beber bastante água para amenizar o ardor na garganta. Passei longas horas conversando com Haneul.

— É realmente necessário? — Jeon vestiu a sua camiseta habitual de dormir e eu lamentei por não ver mais o seu abdômen tatuado. — Precisa mesmo mentir para o seu pai?

— Preciso — suspirei. — Você sabe como ele é, sabe que não vai me deixar em paz se eu simplesmente disser que vou passar dois dias em casa.

— De fato.

— Pois bem... — Mordi o lábio inferior, ansiosa. — Me ajuda?

— Claro — sorriu, saindo do closet para se juntar a mim na cama. — Conte comigo — esticou-se para me dar um selinho e sentou ao meu lado. — Aliás, o que quer que eu faça nesse período? Agir normal?

— É! — Confirmei com pressa, focada. — Eu preciso fazer algumas análises, alguns testes...

— Tudo bem — riu fraco, encarando-me com divertimento. — Você fica engraçada quando está tão empenhada em fazer algo.

— Por quê?

— Sua testa fica franzida — tocou a área mencionada com delicadeza. — Tipo assim — fez um bico e tentou esboçar a mesma expressão que a minha, causando o meu riso.

— Muito engraçadinho! — Apoiei a minha cabeça na cabeceira e após parar de rir, respirei fundo e encarei o teto. — Estou otimista.

— Isso me anima.

— Os dias aqui serão decisivos — soltei o ar com força, preocupada. — Como chegamos a esse ponto de precisar de teste? — Entortei a boca. — Eu não queria ser a extensão do meu pai, Jeongguk.

— Você não é — senti a sua mão gelada segurar a minha e fechei os olhos, aproveitando o contato. — Sabe o que eu acho? — O encarei com curiosidade. — Que você só caiu naquele drama básico do recém-formado — riu. — Nada além.

— E qual é?

— De querer mostrar serviço e aceitar tudo o que o chefe manda — disse em tom natural, tranquilo. — De se encher de trabalho e focar só nisso — apertou os seus dedos ao redor da minha mão. — Não é uma crítica negativa, afinal, é algo extremamente normal pra quem está começando uma carreira.

— Eu te entendi e... — Calei-me para pensar um pouco sobre aquilo. Fazia total sentido. Depois que me formei, cheguei com todo o gás naquela fábrica e quis abraçar o mundo. — Concordo. Acho até que o meu pai se aproveitou disso.

— Com certeza! — Continuou rindo e eu o acompanhei dessa vez. — Meu sogro não é bobo — o seu sorriso era de alguém que estava despreocupado, leve. — E você é altamente competente, então... Dupla de peso.

— Gukkie... — Chamei baixo, hesitante. — Estamos bem?

— Por que pergunta?

— Quero ouvir você falando.

— Estamos bem, sim — beijou a minha mão. — Claro que estamos — prosseguiu. — Acredito na sua capacidade de conciliar tudo — voltou a sorrir. — E, claro, eu posso assumir totalmente as pontas aqui em casa nos períodos em que você precisar se ausentar. Duas semanas, no máximo.

— É... — Afirmei com a cabeça. — Tem razão.

— Mais do que isso, as meninas sentem muita falta.

— Apenas as meninas?

— O seu marido é um coreano bem grudento, não esqueça.

— Não há como esquecer — levantei a minha mão e consequentemente a sua. — Eu amo você e esse sentimento só cresce com o passar dos anos.

— Nossa... — Fechou os olhos por um breve instante. — Não me fala coisas bonitas no momento de dormir porque eu fico animado — usou um dos braços para envolver a minha cintura e me aproximou para me dar um beijo. — Animado — sorriu lateralmente. — Daquele jeito.

— Eu já entendi — ri. — Safado.

— E não vai dizer nada?

— Melhor... — Empurrei-o para longe pelo peito e assim que ele voltou a sentar sobre o colchão, eu me apoiei sobre os joelhos deixando o seu corpo entre as minhas pernas. — Vou fazer.

[...]

E os meus tão merecidos dois dias de folga deram certo, apesar de eu ter sido basicamente obrigada a mentir e colocar o nome da minha filha mais nova no meio disso. O meu pai me deixou em paz e, como eu havia pedido, o nosso único meio de comunicação foram as mensagens de texto e com uma limitação: falar apenas sobre algo relacionado à nossa família. No caso da minha mãe, ainda permiti que fizesse algumas ligações para que conversasse com as netas e para saber das novidades. Como ela não estava envolvida e odiava dialogar sobre assuntos de trabalho, tive liberdade para contar a verdade e a única reclamação que recebi foi por não ter dito antes. Sim, todos perceberam a carga excessiva que o meu pai estava me induzindo a carregar.

Mas isso iria acabar de vez e eu já tinha uma forte motivação. As quarenta e oito horas que passei ao lado das minhas filhas entregaram todo o efeito negativo que a minha ausência causou nelas. Foram apenas seis meses precisando me desligar um pouco dos assuntos de casa, porém, para as meninas, isso representou um buraco enorme em suas rotinas. Um buraco dolorido. Heeji e Sohyun até me disputaram! No primeiro dia, o mais caótico por justamente ser o primeiro, as duas entraram em um embate para determinar quem teria a minha companhia em uma atividade de seu agrado. E por não conseguirem se entender e ficarem apenas em uma repetição de palavras embaralhadas, Soso iniciou um choro alto e a Hee logo a acompanhou enquanto me abraçava.

E ali, eu percebi que estava fazendo tudo errado. De novo, para variar. Mais uma vez eu estava colocando Heeji em segundo plano e hoje havia o agravante da adição de outra criança, a minha doce Soso. Ela era tão carinhosa e meiga e agora, unicamente por minha causa, estava carente da minha atenção, assim como a Hee. Foi para isso que escolhi ter filhos? Para vê-las sofrer com a minha ausência da mesma forma que sofri com a distância do meu pai? Não... Com certeza não. Essa história não vai se repetir. Vou dar um basta definitivo. Eu não passei por tantas coisas ruins, não reorganizei a minha vida e não fiquei quatro anos fazendo um novo curso para, no final, ser só mais uma dona de empresa que não pensa em outro assunto a não ser ganhar dinheiro. O meu futuro não será esse. Comandarei aquela fábrica com toda a força que tenho, mas a minha família sempre será mais importante e ela terá o seu espaço bem reservado e imutável no meu dia a dia. Estava decretado.

— Pronto, pai — sorri e me levantei para alongar os braços, exausta depois de três horas dentro de uma sala fria de reuniões em Busan. — Última reunião finalizada.

— É, por hoje está terminado — disse sem muito interesse, focado em seu celular. — Acabei de fechar uma conversa entre você e o Harry pra amanhã — continuou sério, sentado em sua cadeira. Os meus olhos se arregalaram. Como é? — Ele quer saber de alguns detalhes.

— Não — fui firme. Estava na hora. — Não vou.

— O quê? — Riu soprado ao me olhar. — Enlouqueceu?

— Ponto um — iniciei. Aquele era o momento perfeito para impor os limites que tanto planejei ao longo dos últimos dias. — Amanhã é sábado.

— Não existe isso pra você.

— Ponto dois — prossegui. — Isso acaba a partir de hoje.

— Fala de quê?

— Da minha falta de horário pra realizar as atividades da fábrica.

— Filha, nós já conversamos sobre o assunto e eu te disse que agora é impossível que você possa estabilizar os seus horários — a sua pose de homem superior foi desaparecendo e eu sabia muito bem o que significava: ele queria me convencer a seguir com aquilo. Mas não iria funcionar porque a minha decisão já estava tomada. — Temos muito trabalho juntos. Você assumirá a presidência em apenas dois anos, (s/n).  

— Se assumir a presidência significa deixar tudo o que sonhei pra trás, eu te digo que prefiro continuar no cargo da vice-presidência e até posso te ajudar a encontrar o presidente perfeito para a fábrica — falei sem pausas, convicta. — As minhas filhas precisam de mim, pai.

— O Jeongguk cuida delas, não é?

— Cuida, mas isso não é tudo — respondi um pouco alto, levemente irritada. — Ter alguém de olho não é o que importa, pai — nos entreolhamos. — O que importa é o amor e a atenção que as crianças recebem dos pais. Dos dois — alfinetei-o. — Heeji e Sohyun têm pai e mãe e Jeongguk e eu somos casados e nos amamos, então o que justifica o vazio na nossa família? — Ele suspirou. — A minha ausência completa por seis meses é o vazio.

— Alguns sacrifícios precisam ser feitos, (s/n).

— Pra quê? — Ri sem vontade. — Pra se arrepender depois, como aconteceu com você? — O mais velho pressionou os lábios e engoliu em seco. — Eu não quero, pai. Nós já tivemos essa conversa inúmeras vezes porque você nunca respeitou verdadeiramente o meu espaço, a minha vontade — suspirei. — E a culpa é minha também porque me deixei ser levada pela ambição de ser uma presidente imbatível.

— Você está certa — disse baixo. — Eu nunca respeitei cem por cento a sua vontade. Mesmo arrependido do que fiz no passado, quis que você seguisse os meus passos e fosse até melhor do que eu no meu cargo — pressionou os lábios, descontente. —  A sua atitude é válida.

— Vejo o quanto te incomoda ter sido um pai ausente e o quanto te magoa quando toco no assunto, mas a sua sede de continuarmos sendo o maior do ramo te faz passar por cima desse sentimento e você volta a me pressionar — analisei e ele concordou com a cabeça, em silêncio. — Não quero isso pra mim. Não quero me arrepender por não ter acompanhado as competições da Heeji, por ter deixado de levar a Soso na escola, de passear com elas, de estar com Jeongguk, de ser uma boa esposa pra ele... — Suspirei alto. — Não quero. Já passei muito tempo me arrependendo dos meus atos e agora eu optei por ser responsável em relação a isso. É pela minha saúde mental, pai.

— Compreendo.

— As meninas brigaram e choraram porque tiveram um momentinho comigo — comentei, sentindo a minha garganta doer por prender a vontade de chorar. Lembrar desse acontecimento sempre me deixava triste. — Elas estão carentes, nunca ficaram tanto tempo sem mim — suspirei mais uma vez. — E a Heeji não pode sofrer de novo com a minha negligência. Não pode.

— Eu também acho.

— Estou decidida a mudar essa situação e se for preciso, desisto do cargo sem pensar duas vezes — determinei. — Faço hoje, inclusive. É só você me dizer — meu pai assentiu lentamente com a cabeça. — Quero trabalhar e ser uma ótima profissional, e vou fazer isso aqui ou em outro lugar, mas as minhas filhas e o meu marido são muito importantes pra mim porque sempre foi o meu desejo constituir uma família e eu tenho uma responsabilidade com ela.

— Essa é uma atitude de presidente, (s/n) — faou com seriedade, um pouco pensativo. — O que você acabou de fazer é uma ação de presidente — reforçou, surpreendendo-me com a declaração. Ele não irá me demitir? — Firme na decisão, luta pelo que acredita, honra as escolhas e está disposta a arcar com qualquer consequência — um sorriso pequeno, discreto, brotou em seus lábios. — Você aprendeu bem.

— Não... Não vai me destituir do cargo?

— Jamais! — Riu fraco. — Você só sai daqui se quiser que isso aconteça — deu de ombros. — Eu não vou perder uma funcionária tão boa.

— Então... Então você concorda? — Eu estava perplexa por não enfrentar resistências. Ultimamente, o mais velho estava tão focado em me orientar para ser a maior presidente do ramo que ouvir comentários desagradáveis neste momento era uma certeza para mim. — Mesmo?

— Claro, (s/n). Te digo mais uma vez que você está tendo a coragem que eu não tive — sorriu brevemente, melancólico. — Você está fazendo o que eu não tive força pra fazer, que é lutar pelo espaço da família no meio de tanto trabalho — olhou para os papéis sobre a mesa e voltou a me encarar. — Eu te admiro, filha.

— Ah, pai... — Com o choro ainda preso na garganta, me aproximei e o abracei apertado. — Obrigada por me entender.

— Como não entenderia? Eu passei por isso e não fiz a escolha certa, ao contrário de você — riu fraco. — Vou respeitar a sua posição e a sua família.

— Eu agradeço — nos afastamos e eu o encarei sorridente. — Só que... — Ri ao vê-lo cerrar os olhos. — Pra garantir que você não vai se precipitar no meio do caminho e ter certeza de que tudo vai funcionar, eu tomei providências — caminhei até a minha bolsa e retirei a pasta que estava dentro dela. — Trouxe isto.

— O que é? — Franziu o cenho quando a entreguei.

— Solicitei um contrato que garante que o meu horário de trabalho será respeitado — expliquei enquanto o mais velho observava o papel com interesse. — Foi feito por Taehyung e aprovado por Miran, que é a advogada da empresa — ele assentiu com a cabeça e riu. — O senhor só precisa ler, fazer as suas observações e assinar.

— E qual é o seu horário?

— Segunda a sexta das oito da manhã até as cinco da tarde — respondi com rapidez, ansiosa para ouvir o que ele tinha a dizer. — Como qualquer outro funcionário.

— E se não for cumprido? — O meu pai parecia achar graça naquilo, o que me intrigava.

— Multa — segui respondendo com pressa, ansiosa. — E ela só existe pra que você aprenda a respeitar o acordo.

— Quanto?

— Acréscimo de cinco por cento do meu salário.

— Um exemplo... — Parecia refletir. — Se eu pedir pra você vir aqui em um sábado qualquer, terei que te dar, no fim do mês, o seu salário mais cinco por cento dele?

— A porcentagem dobra aos sábados e domingos.

— Nossa! — Arregalou os olhos e riu. — Bem salgado.

— E esse valor corresponde a uma hora de trabalho — esclareci. — Durante a semana, acréscimo de cinco por cento do meu salário a cada hora excedida de serviço — sorri ao ver a sua boca se abrir em espanto. — E, ah, eu tenho que concordar com isso.

— (s/n)... — Ele sussurrou, chocado.

— Taehyung tem certa experiência no assunto e o meu marido é perfeito em aplicar multas na Softway — dei de ombros e ri. — Você terá um tempo pra ler tudo e dizer se concorda ou não — falei enquanto o mais velho tinha o foco no documento. — E se não concordar, pai, não tem problema — ele levou a mão até o queixo, claramente pensativo. — Eu não vou ficar chateada e posso arranjar um novo emprego em breve — fui sincera e otimista e recebi uma encarada sobre os óculos de grau. — Às vezes há uma vaga de estágio solta por aí.

— Você é engraçada, filha — riu, negando com a cabeça ao mesmo tempo em que se esticava para alcançar a caneta à sua frente. — Essa será a última conversa que teremos sobre como eu interfiro negativamente na sua vida ao te cobrar tanto no trabalho — olhou para o papel, mas logo levou a sua atenção para mim. — A partir de hoje, você será respeitada da maneira que uma profissional deve ser — ajeitou os óculos sobre o nariz. — E pra que isso aconteça, precisará ter conosco um contrato que esclarece quais são todas as suas obrigações com a fábrica, ou seja, até onde posso ir como o seu chefe — sorriu e, em um movimento rápido, assinou o documento. — E isso também será cumprido quando for a hora de assumir o cargo de presidente, porém, claro, outro contrato deverá ser feito porque os seus deveres aumentarão. Você concorda?

— Claro! — Respondi rápido e um pouco alto, contente. — Concordo demais!

— Então é isso — riu e estendeu o papel na minha direção. — Acordo firmado. Você tem que cumprir todo o seu serviço até as cinco horas da tarde da sexta-feira.

— E eu vou — peguei o contrato e a sua mão permaneceu estendida em um indício de que eu deveria apertá-la. Assim fiz. — Obrigada.

— Como já disse tantas vezes, eu só quero que você seja feliz.

— Pai... — Ri fraco, hesitante. Teria que aproveitar o momento e entrar em outro assunto delicado. — Eu preciso falar algo mais.

— Meu Deus... — Arregalou os olhos e soltou o ar fortemente. — O que houve?

— As minhas férias precisam começar amanhã — falei de uma vez. — Eu tenho dois meses acumulados de dois anos sem pausas.

— Amanhã? — Aumentou o volume da voz, surpreso. — Mas e o Harry?

— Você cuida dele — encolhi os ombros. — Não fui consultada sobre a conversa.

— Só que isso foi combinado antes da assinatura do contrato, (s/n).

— Nada disso! — Balancei a cabeça em negação, intransigente. — Eu não concordo.

— As suas férias podem começar depois de amanhã? — Me olhou atentamente. — A conversa com ele é muito importante, filha — suspirou. — Juro que será a última coisa fora do normal que te peço — disse rápido, agitado. — Até te pago a multa, se você quiser.

— Não é necessário — entortei a boca, dando-me por vencida. — O contrato passa a valer a partir de agora, então... — Determinei. — Vamos lá. Amanhã eu ainda trabalharei.

— Ótimo! — O seu sorriso largo, de puro alívio, me fez rir. — Bom... — Olhou para o seu relógio de pulso. — O seu horário acabou.

— Felizmente! — Comemorei. — Eu estou moída!

— Posso te acompanhar até a sua casa? — Levantou-se devagar. — Quero ver as minhas netinhas.

— Elas vão surtar de alegria quando te virem — nós dois rimos. — Já escuto os gritos.

E a minha previsão estava corretíssima. Assim que o meu pai cruzou a porta de entrada da residência e Heeji avisou para Sohyun que o avô estava ali, tive que suportar alguns minutos de gritos estridentes e falatório eufórico. Até me surpreendi com Soso tentando se comunicar através de palavras e gestos. É, (s/n)... Seis meses distante é muito tempo quando se trata do desenvolvimento de uma criança na idade dela. Jeongguk chegou por volta das sete da noite e após tomar banho e dialogar com o sogro sobre trabalho, juntou-se a nós para jantar. Eu optei por não falar da mudança extremamente importante naquele instante, preferi seguir o modo que viemos tratando o assunto até aqui e esperar para que a conversa acontecesse em particular.

Durante a nossa refeição, Hee contava com empolgação todos os detalhes da conquista da sua primeira medalha sob o olhar orgulhoso do seu avô. E quando a garota chegou no momento em que pensou que eu acompanhava a competição, o meu pai me encarou e ali captei a compreensão em seus olhos amáveis. Eu precisava viver tudo o que a vida em família era capaz de proporcionar e ele entendeu isso. Era o mínimo que eu merecia depois de tanto sofrimento. O mais velho foi embora às oito e meia e Soso, exausta, dormiu assim que deitou na cama. Heeji quis conversar comigo sobre a dificuldade que encontrou ao tentar escrever algumas palavras em português e somente se entregou ao sono após ouvir que eu a ajudaria nesse quesito no decorrer das minhas férias. E para causar surpresa, optei por não dizer que isso aconteceria muito em breve.

— Calma... É muita informação ao mesmo tempo... — Jeon tinha o cenho franzido enquanto enxugava os cabelos molhados. — Você vai ter horário fixo pra trabalhar e também vai ter dois meses de férias agora?

— Sim — ri, observando-o parar os seus movimentos apenas para me encarar com espanto. — É mais simples do que parece, amor.

— Você jura? — O sorriso foi ganhando o seu rosto aos poucos. — É verdade? Você conseguiu resolver essa questão?

— Consegui. É definitivo agora, Gukkie — sorri abertamente. — Temos até um contrato pra garantir que o meu pai não vai voltar atrás no que disse.

— Nossa! — Os seus olhos se arregalaram e ele gargalhou. — (s/n)... Parece que é uma mentira... — Jogou a toalha no chão e se atirou sobre cama, não tardando a me capturar em seus braços fortes. — É tão bom... — Passou a beijar o meu pescoço. — Nem consigo acreditar.

— Cuidado, Jeon Jeongguk! — Retribuí o seu abraço, envolvendo-o pelos ombros. — Você acabou de sair do banho, está só de bermuda e eu posso te atacar — nós dois rimos alto, empolgados. — Amo aproveitar todos os benefícios que a malhação te traz — passeei as mãos por suas costas rígidas. — E são vários.

— Você vai trabalhar amanhã? — Afastou-se minimamente para me direcionar um olhar sugestivo. Eu já sabia o que o moreno queria.

— Vou — apertei os seus ombros com firmeza, ouvindo o seu breve suspiro. — Mas eu topo — sussurrei, roçando os meus lábios nos seus. — Tenho muita energia.

— Ah, que coincidência! — Fingiu surpresa e eu gargalhei, aproveitando o instante para usufruir da posição em que estávamos e prender as minhas pernas ao redor da sua cintura. — Eu também tenho, amor! — Sugou o meu lábio inferior antes de voltar a falar. — Você sabe como fico depois dos treinos — o seu sorriso sacana instigou o meu. — É inevitável.

Dispensando o uso de qualquer outra palavra para expressar o nosso desejo de transar naquele momento, Jeon e eu nos envolvemos em um beijo forte e afobado acompanhado de toques ousados em nossas regiões íntimas. As nossas rotinas eram exaustivas e nós dois havíamos encontrado no sexo mais uma forma de nos livrar das tensões causadas por elas. Entretanto, o sexo não existia entre nós por causa disso. Desde que iniciamos a nossa vida sexual – juntos, vale ressaltar –, nós sempre fomos explosivos quando estávamos na presença um do outro; então, nos envolver daquele modo com bastante frequência não era uma novidade. E eu verdadeiramente acreditava que seria desse modo durante muito tempo.

No dia seguinte, acordei sozinha na cama e soube por Ahra que Jeongguk precisou sair bem cedo porque o chamaram com urgência na Softway. Preocupada, enviei uma mensagem de texto perguntando o que havia acontecido após tentar falar com ele por ligação e não conseguir. Será que foi muito sério? Algo do tipo irreparável? Depois do café da manhã, despedi-me das meninas com um beijo na testa e segui para o escritório tendo a cabeça fervendo de teorias sobre o que motivou o meu marido a ir às pressas até a sua empresa. Mas enquanto o coreano não pudesse responder e me tranquilizar, eu teria que iniciar o meu dia e focar nas minhas atividades. E pensando assim, fechei os olhos, respirei fundo e me ocupei dos assuntos da fábrica. Falei com Harry, com Miran, com o meu pai, com alguns funcionários responsáveis pela área de produção... Foi um último dia de trabalho muito movimentado.

— Jeongguk, amor, o que houve? — Questionei no instante em que o vi entrar em casa. — Você está bem? — Caminhei até ele e o ajudei a retirar o casaco espesso, apropriado para o frio rigoroso daquela noite. — Passei o dia aflita, você não respondeu a minha mensagem.

— Me desculpa — suspirou, ocupando-se de retirar os seus sapatos. — Eu deixei o celular na mochila e passei o dia inteiro longe dele.

— O que aconteceu? — Nos entreolhamos. — É algo sério?

— Problemas com a nova atualização do Killer Group — negou com a cabeça, aparentemente frustrado. — Eu tive que passar a responsabilidade para o pessoal do Japão, mas parece que eles perderam o jeito e só fizeram bosta — bufou. — A equipe da Coreia está sobrecarregada com os ajustes do Savage e as atualizações do FCE, então não tenho como trazer algo tão simples pra cá — bagunçou os cabelos ao remexê-los. — As alterações são bobas e juro que nem acredito que tivemos dificuldades com isso.

— O que pretende fazer? Conseguiu corrigir?

— Dei algumas instruções e estou torcendo pra que esse assunto não me aborreça mais — acenou negativamente com as mãos. — Chega.

— Eles vão ligar pra dizer algo?

— Proibi que me irritassem ainda mais no dia de hoje — jogou a mochila no sofá, abriu o acessório e pegou o celular. — Vou até desligar.

— É mesmo necessário?

— Muito — pôs o aparelho no bolso da calça jeans escura e me olhou. — Pela minha paz.

— Acho que você precisa relaxar um pouco — sorri, aproximando-me para beijá-lo. — Eu vou pedir uma pizza bem gostosa, nós vamos jantar e depois assistiremos algum filme com as nossas garotinhas — acariciei o seu peito lentamente, ouvindo o seu suspiro de satisfação logo em seguida. — Vai ser bom receber o carinho da sua família em um momento tão estressante.

— Nada melhor do que ter a companhia das minhas meninas — abraçou-me pela cintura. — Obrigado por estar aqui pra mim.

— Sempre.

E após um banho demorado, Jeon se juntou a nós três no andar de baixo e já liberou o seu primeiro sorriso ao ver Sohyun usando o seu confortável pijaminha de dinossauro. Ela realmente ficava uma fofura quando o vestia. Realizamos todas as minhas sugestões e a sensação de que a minha vida atualmente não poderia ser melhor me preencheu no momento em que todos nós deitamos no chão da sala, que estava coberto por um edredom grosso e macio, e o meu marido me acolheu em um abraço quentinho antes de beijar a minha bochecha.

Estávamos ali.

Nós quatro.

Juntos na nossa bolhinha de amor.

Depois de tanto sofrimento, Jeongguk e eu finalmente havíamos conseguido realizar o nosso sonho de formar uma família e estávamos sendo felizes lado a lado. Se não tivéssemos reconhecido os nossos erros e agido para cuidar de nós e para mudar, certamente não estaríamos vivendo isso hoje. Se não tivéssemos tomado decisões importantes e positivas, não estaríamos aqui agora. E eu amava lembrar de cada escolha que fiz após me livrar do fardo de mentiras que carregava, de recordar principalmente daquela que me fez chegar a tudo o que compartilhávamos no presente: a escolha de tentar construir um relacionamento saudável com o homem que amo. E como fui feliz ao optar por esse caminho...


Notas Finais


[🤩] • Agora só faltam dois capítulos para o fiiiim! Está chegando, pessoal!
E como nada é perfeito, o casal teve um desentendimento grande.
Poréééémmm... Eles colocaram em prática o que aprenderam e resolveram o problema na base da conversa. Não sei vocês, mas tô orgulhosa kkkkkkk
O JK maridão é um sonho, né? 🤤
Teremos um momento especial no próximo. Aliás, dois ou três momentos. Vocês irão entender...
Espero que estejam gostado do desfecho!
Nos vemos em breeeve!

B E I J Ã O ❤❤


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