Pov Lauren
Abri os olhos devagar e os semicerrei com força, enfim conseguindo enxergar um teto branco.
Definitivamente não se parecia com onde eu estava antes. Mexi os dedos, abrindo e fechando as mãos bem devagar, recuperando os meus movimentos e notando que haviam fios ligados à mim.
Virei a cabeça para o lado e segui com a mão até o fim dos fios, estavam conectados às minhas veias. Era um hospital. Por quanto tempo?
Com certa lentidão, virei a cabeça para o outro lado e imediatamente levantei o braço e tampei a luz forte do sol que entrava pala janela entreaberta.
Péssima atitude, bati de volta na cama em dor.
-O que...
-Lauren, minha filha!
A voz que soava como casa para mim. Estiquei o meu pescoço e não pude conter o sorriso ao vê-la vindo até mim.
-Graças a Deus! Graças a Deus!
Ela dizia com a cabeça mergulhada em meu peito. Estiquei o braço novamente e a envolvi neles, sentindo o tremor do seu corpo contra o meu.
-Mãe! Estou tão feliz por te ver!
Raspei a garganta, minha voz era mais fraca do que deveria.
-Estou tão feliz por estar aqui...
-E eu por você ter acordado, como se sente?
Ela perguntava e eu entendia aquilo como um comando para que eu me sentasse, mesmo que não fosse.
-Espere, devagar, moça!
Apoiei as duas mãos na cama e impulsionei meu corpo para trás, me sentando. Aparentemente eu não precisava de tantos fios assim.
Cruzei as minhas pernas para que a minha mãe pudesse sentar, e ela o fez. Olhei por alguns segundos em volta e sorri ao ver Dudu dormindo no sofá.
Ela puxou a minha mão e fez movimentos gentis enquanto me olhava fundo.
-Como se sente?
Abaixei a cabeça e notei que havia um fio ligado na minha mão esquerda também.
-Eles serviram para te alimentar enquanto você dormia.
Ela disse, lendo a minha mente. Abri a boca para fazer mil perguntas, mas o sofá me chamara atenção.
-Olha quem está aqui também...
-Venha aqui!
Fiz sinal para ele, que veio sonolento e com a feição séria para mim. Abracei o meu irmão meio sem jeito por conta de toda as condições, mas foi o suficiente para sentir o seu cheirinho de novo.
-Ele não dormiu muito bem essa noite...
-Mãe...
Digo vendo ele se aconchegar onde antes estavam os meus pés frios.
-O que aconteceu?
Ela sorriu gentil, mas eu não. Eu perguntei, mas eu não tinha me esquecido.
Desviei o olhar novamente e tudo o que eu em algum momento rezei para esquecer, voltava como flashes.
Fitei minha mão sem graça novamente e resmunguei perguntando pelas horas.
-Nove, você chegou aqui por volta de meia noite.
Silêncio.
-Não acha que é melhor pensar em outra coisa agora?
A olhei. Nem se eu quisesse eu conseguiria. Aos poucos eu ia enxergando cada detalhe do quarto, ao mesmo tempo que aos poucos a memória do David morto se clareava em minha cabeça.
-Eu sequer consigo arranjar uma forma de te explicar. O nível da maldade, da frieza, o perigo que você passou, minha filha! Agora, eu só quero rezar aos céus e agradecer pela sua vida. Eu não sei o que faria sem você.
Sua mão estava em meu joelho, meu peito ardia em dor. Meus lábios pressionados impediam qualquer passagem de ar enquanto eu escutava com atenção suas palavras sinceras.
-Não é a hora certa para conversarmos sobre isso, mas saiba que, quando quiser, eu estarei aqui. Quando quiser se abrir. A única coisa que importa agora é você, Lauren.
Minha mãe disse e ao mesmo tempo se moveu até mim, me envolvendo em seus braços quentes e cheios de vida. Descansei minha cabeça em seu ombro e ali a tentativa de ser adulta e arcar com as consequências eram todas falhas.
Eu estava melhorando, mas então me lembrava das coisas que me rasgavam e me fazia lutar contra as lágrimas.
Eu acho que o som mais triste era quando você escutava a dor na voz de uma pessoa, quando estivesse prestes a chorar. Era o que minha mãe escutava.
Ela estava feliz por eu estar viva, mas eu não saberia dizer se merecia estar viva. Eu destruía tudo o que tocava.
-Shh...
Ela tranquilizava, acariciando o mar dentro do meu corpo. Nos afastamos devagarzinho e ela tocou o meu rosto, limpando-o.
-Está tudo bem em sentir medo, mas estamos aqui agora.
Fiz que sim com a cabeça, tentando me convencer de algo bom.
-Nada do que aconteceu foi culpa sua. Aquele garoto ter se matado... -abaixou o tom de voz- Não foi culpa sua.
Eu sentia na pele. Havia sido por mim.
Meu coração batia tão devagar e minha cabeça doía tanto que eu quase não sentia mais. Apoiei a cabeça em minhas duas mãos e fiquei paralisada por minutos.
Sem lágrimas, sem sons.
Apenas dor.
-Como eu cheguei aqui? Como me encontraram?
-Harry. Ele te encontrou.
Eu não havia olhado até então, mas era como se aquele nome fosse mágico e tivesse algum efeito sobre mim ou sobre o que eu sentia.
De repente, todas as partes escuras da minha cabeça foram se iluminando por uma única boa. Harry. Ele havia feito aquilo.
-Harry...?
Ela confirmou, com um sorriso gentil no rosto. Sorri internamente também, respirando mais calmamente.
-Ele me ligou desesperado, não sabia o que fazer, me pedia perdão, mas ao mesmo tempo me dizia que iria resolver.
Eu a olhava tão fundo nos olhos que era como se eu pudesse imagina-lo bem ali, bem como ela dizia.
-Eu não tenho detalhes, mas foi ele quem te encontrou e foi ele quem te trouxe até aqui. Harry me ligou, pediu para que fizéssemos as malas e nós apenas viemos. -apontou- Eu nem sei o que eu trouxe, fui colocando as coisas e chorando e...
-Desculpe.
-O que?
-Me desculpa.
-Não, não diga isso, você não fez nada.
Eu havia feito.
-Mas olha, tem uma pessoa lá fora que está todos esses dias sem dormir. Apenas esperando por você.
Arregalei os olhos.
-Eu vou chamar algum médico e então chamo ele aqui e vocês conversam, pode ser?
Ela disse se levantando e eu me senti de volta aos quinze anos.
-Não, mãe! Olhe para mim, eu preciso de um banho eu preciso de... -tremi- Eu preciso sair daqui, respirar e...
-Vou chamá-lo.
Ela disse rumo à porta do quarto. Respirei fundo, engoli a seco e aceitei que minha vida continuaria com a dor. Para onde quer que eu fosse.
Apoiei meus braços nos apoios laterais da cama e fui me erguendo bem devagar. Os fios e aquela camisola horrorosa me atrapalhavam consideravelmente.
-Lauren? Que bom que está bem, ouvi dizer que quer tomar banho?
-Sim, por favor.
Implorei enquanto uma médica sorridente me pegava pelo braço, até o banheiro.
Não havia muito o que se fazer. Milagrosamente, minha mala estava lá, mas eu não poderia me vestir até receber alta.
Me sentei e, com muito esforço, ergui a mala também, procurando por um prendedor de cabelo.
-Lauren? Posso entrar?
Não precisava ver o Harry para saber que era o Harry. Nunca precisei.
Meu corpo simplesmente reagia ao dele.
Me virei rapidamente e me senti tão estupidamente idiota por estar numa roupa tão feia enquanto ele, como sempre, estava tão estupidamente bonito sem qualquer esforço.
Harry entrou sorrindo, vindo até mim.
-Deixe-me te ajudar, quanto mais tempo você ficar quieta, mais rápido poderá sair!
Disse empurrando o carrinho do soro e me conduzindo de volta até a cama, sorrindo. Meu coração batia forte e minhas mãos tremiam, ele sempre me causaria aquilo?
-Sente-se aqui.
Finalmente fiz contato visual, seus olhos queimavam. Harry sentou na minha frente e eu não deveria estar pensando em nada daquilo, mas pensava mesmo assim.
Sua pela tão limpinha, nenhuma falha. Seu cabelo parecia bagunçado, mas ainda assim era charmoso. Era bonito. Ele passava as mãos, o puxando para trás e eu gostava dos cachos.
A maneira como ele me olhava ainda era a mesma. Ele me encarava e me fazia sentir tantas coisas ao mesmo tempo, poderia sentir no ar.
-Harry, você...?
Falei pausadamente, fitando minhas mãos, talvez eu estivesse tentando fugir.
-Sobre o David?
Silêncio. Respirei fundo ao notar que ele estava chegando mais perto.
-Eu preciso que olhe para mim agora.
Harry disse com a voz calma enquanto dois de seus dedos tocaram suavemente o meu queixo, me trazendo até os seus olhos e fazendo os pêlos dos meus braços se arrepiarem.
Oh, eu temi nunca mais ter aquilo.
-Você não é a culpada de nada disso.
Ele dizia perto de mim, sem desviar o olhar. Era tão verdes que, se você olhasse por muito tempo, começava a ver um leve azul castanho.
-Ele buscou aquilo. Eu lamento muito que tenha passado por isso e lamento mais ainda por eu ter deixado você passar por isso.
-Não.
Harry pegou em minha mão, me fazendo calar. Desviei o olhar para ela e, por ironia, nossas tatuagens se completavam. Ele movia o polegar bem devagar, estavam frias.
-Eu não sei como me desculpar com você. Eu pensei tanto na hora em que você acordasse e agora parece que não consigo pensar em mais nada que não seja o quão grato estou por te ver de novo.
Ele moveu a cabeça negativamente e eu desviei, estupidamente.
-Eu... -olhei para nossas mãos, soltando-as- Ele fez na minha frente. Por minha causa.
-Não diga isso...
-Mas foi o que aconteceu.
O olhei, seus olhos marejavam como o meu.
-Eu pensei em fazer o que ele fez, como ainda consegue olhar para mim?
Cochichei, meu corpo se quebraria em dor novamente. Um dos braços dele me puxou para perto e o outro me segurou pela nuca. O envolvi da forma que consegui e mergulhei meu nariz em seu ombro. Harry ainda lembrava flores.
Eu podia sentir as mãos dele firmes em minhas costas, eu podia sentir a respiração dele levemente comprometida por entre o meu cabelo também.
Eu tremia, ele me segurava.
-Não pense assim, nós vamos passar por isso. Eu não vou te deixar sozinha de novo.
Dizia em meu ouvido, me fazendo soltar lentamente.
Passei os dedos por entre os olhos e me esforcei para olhá-lo de novo. Meu peito doía, eu não conseguia me aceitar.
-Me perdoa.
-Não... Não peça perdão...
A ansiedade me engolia por dentro, minha alma se quebrava a cada nova respiração. Eu desejaria que ele não conseguisse ver aquilo.
-Eu não posso mentir, o que eu sinto... -deu de ombros- Não mudou. Em nada.
Meu corpo entrava em sinal de alerta então. Sua presença dele me causava frios na barriga. Eu o olhava e me apaixonava de novo.
-Eu não parei de pensar em você, eu não me esqueci de você e... Você é importante para mim.
-Mas nós...
Por Deus, quando falar havia se tornado tão difícil?
-Nós terminamos, Harry e... Mesmo que eu ainda sinta o mesmo, nós terminamos por motivos e... -balancei a cabeça- Não podemos simplesmente voltar atrás.
Soltei o ar pesado enquanto tentava não chorar. Ele desviou o olhar. Nós podíamos.
-Agora eu tenho que viver com o vazio de ter visto algo tão horrível.
Abaixei a cabeça, ele parecia pensar.
-Um minuto, me dê um minuto.
-Harry...
-Não posso dizer que entendo como se sente porque eu não entendo. Eu não estava lá. Mas posso dizer que eu vi a minha vida se perder quando você não estava mais aqui. Não só eu. Eu posso dizer que enfrentei o inferno e fui até ele para te trazer de volta. E eu posso dizer também que se eu tivesse que passar por isso de novo por você, eu o faria. Você sabe, às vezes as coisas podem ser surreais até demais. Para mim, sempre foi positivo. Mas ontem, ontem eu vi o outro lado da moeda. O lado difícil, o lado real. Eu senti medo, raiva, tristeza e fé. No meio disso tudo, Lauren, você me fez ter fé. E eu sinto sua falta. E não digo só falta do seu rosto, corpo ou lábios. Eu poderia viver sem, mas a sua presença de alguma forma sempre me lembrava de casa, e eu juro que perdi isso quando você foi embora. Você não sabe, e é até difícil de se acreditar, mas eu nunca me senti tão sozinho. Nenhuma quantia de dinheiro ou bens materiais sequer se comparavam à você. Eu queria que você soubesse, mesmo se for tarde. Me desculpe.
Como no mundo eu poderia não amá-lo? As lágrimas escorriam pelas minhas bochechas, e nem se comparavam à imensidão e à dor que eu sentia no peito.
-Eu... Você sabe que eu sinto o mesmo, não é difícil de ver. Eu senti medo e a morte e, mesmo assim, eu pensava em você. Eu me fiz forte porque foi o que havia me pedido. Mas... Eu não consigo agora, Harry. -o olhei, chorando- Tudo o que eu destruí...
Silêncio.
-Mas preciso te agradecer -me levantei, seguindo os seus passos- Você me tirou de lá com vida, obrigada! Eu nunca vou encontrar palavras suficientes para te agradecer por isso. Espero um dia poder.
-Eu fiz o que qualquer pessoa teria feito.
-Não, Harry. Não qualquer pessoa.
Ele disse quebrado, sem olhar para mim. Pensei em dizer algo, mas a porta se abria antes disso.
-Com licença, gostaria de pedir para deixá-la sozinha. Estaremos trazendo café da manhã e precisamos fazer alguns exames, ok Lauren?
O médico disse da porta. Olhei para Harry e ele fez sinal positivo com a cabeça enquanto a porta se fechava novamente.
-Eu vou respeitar o seu tempo.
Ele disse a alguns passos à minha frente. Harry virou e foi devagarzinho até a porta.
Mas e se o meu tempo fosse agora?
E se amanhã for outro dia e eu tiver a chance de ser feliz?
E se eu desse outra chance para mim mesma?
Ele caminhava até a porta e o formigamento por entre as minhas veias era insuportável. Ele era firme e frágil, tudo ao mesmo tempo. Puxei o carrinho do soro, ainda conectado à mim, e fui até ele.
Ele se virava.
Eu jamais me arrependeria.
Me aproximei o suficiente para segurar o seu rosto em minhas mãos e ter a respiração completamente bagunçada.
Nada que desse tempo para ele perceber. O segurei e beijei os seus lábios com mais força do que o planejado.
Uma. Duas. Três vezes. Estremeci ao senti-los de novo. Harry pediu passagem na quarta e aquilo era calmo, mas ao mesmo tempo enlouquecedor. A boca dele era quente e os seus braços me traziam para perto.
Cedi e deixei com que ele comandasse. Harry me beijou suave, sem pressa, descobrindo de novo cada ponto da minha boca.
Eu o escolhia.
Eu escolhi deixar ele entrar na minha vida e fazer a bagunça que quisesse no fim do dia. Eu sabia o que estava fazendo, sabia onde estava me metendo e, ainda assim, decidi continuar.
E, talvez assim, nós realmente pudéssemos salvar um ao outro.
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