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De: Deku <[email protected]>
Para: Shimura <[email protected]>
Enviada: 07 de janeiro, 00:20
Assunto: Enigma!!!
Amor! Desculpe a demora para responder, o dia hoje (No caso, ontem) foi corrido.
Imagino que o tour, por mais que pequeno, tenha sido realmente incrível... Estou no aguardo de fotos qualquer dia desses, sobretudo fotos de você. Pelado. Isso é, se não for incomodar!
... Brincadeirinha. Juro.
No primeiro dia não ocorreu nada relevante além de introduções chatas. Só que no segundo... Como você pode imaginar, já recebi um caso simples entre um casal, cujo um dos dois tinha assassinado a esposa e depois se suicidado. O motivo, você se pergunta? Uma mentira familiar... Bom, muita baboseira a parte. A tristeza maior desse caso todo, para ser sincero, é que eu NÃO CONSEGUI ADOTAR OS CACHORROS DA FAMÍLIA! Ficaram com os filhos. Sinto muito falta dos nossos filhos... Dabi nunca me deu muita atenção (Na verdade, nunca deu atenção pra ninguém, né?), e Toga vive tentando me arranhar com aquelas patinhas, porém sou masoquista quando se trata daquelas duas bolas de pelo fofuxas. Gatos são incrivelmente carismáticos.
Não sei quando vou conseguir uma folga, provável que demore, darei meu máximo! Saiba que não serás o único a bancar nossa futura mansão. Vou enrolar um pouco mais em minhas viagens na maionese e depois ir dormir. Amanhã você me liga? Sinto falta da sua voz. Amanhã, no caso, hoje... Eu odeio a meia-noite.
Ps.: Te amo.
Ps. 2: Acho que essa temporada aqui vai ser mais interessante do que eu imaginava... Meu trabalho promete. Esse prédio também têm pessoas interessantes. Eu acho.
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Terminei de enviar a mensagem e observei a chuva caindo lá fora, recostando minha cabeça sobre a janela onde as gotas desciam escorregando como num playground, deixando que meus fios esverdeados descansassem no local. Para a maioria das pessoas, o som da chuva era agradável, mas o som dos trovões estragava um pouco o clima. Na minha opinião, é uma melodia mais arriscada e grave no meio de algo tão delicado... Mas eu gosto de coisas desse tipo. Com o celular no colo, esse som chamava minha atenção mesmo que eu permanecesse com fones nos ouvidos, murmurando letras de músicas, uma playlist que Jirou havia criado especialmente para minhas crises existenciais. Meu casaco escorregava pelo ombro direito, mas não fiz questão de levantá-lo tão cedo, tomado por uma alarmante preguiça.
A chuva acalmava... E depois voltava com tudo. Impressionante, me dava vontade de fazer poesia; se eu soubesse dissolver meus pensamentos de modo tão bonito, juro que o faria. Pena que não consigo – por isso sempre a admirei: nós queremos o que não podemos ter, não é mesmo?
— Hey brother... Do you still believe in one another? Hey sister... Do you still believe in love, I wonder? Oh, if the sky comes falling down, for you there's nothing in this world I wouldn't do. – Continuei a cantar, mesmo perdendo um pouco a noção do tempo. Finalmente levantei o casaco, deixando os fones de ouvido e o celular de lado quando fiquei com vontade de distrair meu paladar com qualquer coisa. Era tarde demais para que eu cogitasse fazer um lanche, então caminhei até a cozinha e, abrindo a geladeira, tirei de lá um suco de caixinha. – Céus... Maldita hora em que fui esquecer de passar na farmácia. – Resmungo muito mais do que mal humorado por conta da falta dos meus remédios para a insônia, coçando o queixo vagarosamente. Fiz a barba há uns dias, então ele estava liso como bumbum de bebê. Rio me sentindo mais bem humorado ao fazer uma referência boba como esta.
Conforme andejo pelo chão de mármore, sinto um pouco de falta do piso tradicional japonês. Resolvo tomar um ar e ver se encontro Juvenal – ninguém mais, ninguém menos, que uma lagartixa que se encontra todo santo dia no corredor. Quero dizer, pelo menos eu acho. Dei esse nome sem mais nem menos, e apegado do jeito que sou, sentirei-me traído caso Juvenal quebre a rotina de passar por ali. Talvez, além de Juvenal, encontre alguma inspiração... Poderia ler até pegar no sono, mas já reli as obras que possuo tantas vezes (e não tenho tempo para passar numa biblioteca semanalmente, como fazia nos dias de adolescência). Quando abro a porta e me vejo de cara com o corredor, olho para o chão por instinto, deparando-me com um bilhete que estava por debaixo da porta e que eu só tinha notado depois de abri-la. Por sorte, folha fina, de modo que nada tinha acontecido com ela. Estudei os dois lados da folha – um lado vazio, e o outro se desenrolava num alfabeto bonito e bem desenhado, o que me lembra meus dias de infância, assistindo desde cedo vídeos educativos sobre o hiragana e sílabas como "ka, ki, ku, ke, ko" em músicas irritantes e repetitivas. Sinto falta dos kanjis, por mais que me doa admitir. Agora resta-me apenas o alfabeto e suas palavras da língua cujo meu cérebro se forçou a aprender para exercer um cargo de grande importância um dia. O que estava escrito era um poema, o que me deixara-me deveras pasmo.
"Você vai me pegar pela mão e me levar pros lugares onde seu coração se aquece,
E nós vamos correr
Só por que gostamos de sentir o vento que bate.
Não temos pressa nenhuma.
Você vai dizer que o amor não dói, e dessa vez,
Só dessa vez, eu vou acreditar,
Por que você trouxe a calma de domingo
À uma quarta feira cinza,
E enfeitou a semana com suas cores."
Não pude conter um sorriso, sentindo uma paz de espírito incrível, uma onda de inspiração e de vontade de escrever algo tão bonito quanto aquilo. Sempre ficava assim quando via versos tão bem colocados, enquanto eu não consigo expressar meus sentimentos decentemente. Aquilo me trazia certas memórias. Procurei por um remetente, sem resposta. Nem mesmo havia um destinatário, então por alguns segundos cogitei a ideia de terem errado de apartamento.
— Midoriya, não consegue dormir? – Novamente a voz grave me fez prender a respiração. Como estava na porta, inclinei-me rápido para colocar a folha sobre a cômoda mais próxima e fechar a porta. Volto meus olhos para o rosto explêndido em minha frente, seu olhar heterocrômico tão vazio, e tão convidativo. É engraçado a sensação de querer mergulhar num enorme nada para descobrir se era de fato tão vazio lá dentro.
— Pois é. – Me forço a responder antes que soasse mal educado tanta demora. – E pelo que vejo, você também, Todoroki-kun. – Ele tinha acabado de sair de sua porta, a encostando no momento em que balançou a cabeça, avançando dois passos.
— Pode-se dizer que sim. Na realidade, estou apenas buscando inspiração. – Ele abriu a caixa do maço de cigarros, tirando um de lá e colocando entre os lábios, ainda sem acendê-lo. Quase esqueci do suco de caixinha e automaticamente coloquei o canudo na boca, desconcertado. – Não quer um? – Ele ofereceu, antes de pegar o isqueiro.
Ri nervosamente.
— Não, obrigado. Eu ando parando de fumar e prefiro evitar a tentação. – Descontraí vendo que ele opta pelo silêncio, resolvo arriscar mais passos para imitá-lo quando ele se põe sobre a janela no meio do corredor, apoiando-se no parapeito. Fiquei ao seu lado numa distância segura. Mordi o canudo apreensivo, olhando para o lado. – Todoroki-kun, você disse que busca inspiração... Se incomoda se eu perguntar-lhe para quê? – Ouso, voltando a olhá-lo. Meu estômago revira quando ele me olha de canto.
— Sou fotógrafo. Fotógrafo-jornalista. – Responde calmo, meus ombros deixando um pouco a tensão de lado. Não evito uma careta graças as desavenças que tenho com a imprensa. – Ultimamente não quero me prender a fotografar coisas triviais como cenas de crime, políticos, flagrantes, famosos e semelhantes.
— Ah! Entendo, entendo. Todoroki-kun tem um senso artístico, afinal.
— Nem tanto. Só gosto de apreciar o que é bonito e capturar a beleza na minha câmera.
— E o que pretende fotografar? – Por mais que conversar com ele não seja tão difícil quanto aparenta, tenho dificuldade em pronunciar frases maiores, o que causa muita estranheza. Nunca tive problemas de dicção, oras.
— Boa pergunta. – Ele admite, assistindo o fogo consumir o cigarro, soprando a fumaça depois de uma tragada pensativa. – Tudo parece muito repetitivo, e isso me irrita.
Todoroki irritado... Novamente desvio o olhar, me amaldiçoando por aquilo ter soado... Sexy? Tsc: — Talvez um passeio acabe trazendo naturalmente o que você quer. – Opinei. Todoroki pareceu achar graça, porém não riu.
— Passeio? Estou velho demais para esse tipo de coisa, Midoriya. Sabe minha idade? – Pergunta retoricamente.
— Adoraria saber. – Retruco prontamente ajeitando meu casaco insistente em cair pelos ombros.
— 34. E você? Quantos anos tens?
Passei bons segundos refletindo antes de responder, tomando meu suco.
— Muitos mas não tantos.
Todoroki pareceu estático como alguém que parecia não ter filtro do que falar – apesar de falar pouco. Para ele, com certeza, minha insegurança ao omitir minha idade deveria ter sido hilária, considerando a gargalhada que ele desprendeu da garganta. Meu rosto deve ter alcançado tons extraordinários de vermelho, e não sei até agora descrever a sensação que senti. Um pouco de felicidade, com empatia, e muita, mas muita vergonha.
— T-Todoroki-kun! – Eu repreendi sua risada contida. Ele jogou o cigarro longe, mesmo sem ter terminado de tragá-lo, para focar-se no tomate a sua frente.
— Você é hilário, Midoriya. Faz tempo que não sinto vontade de rir.
Resmungo, passando a mão agressivamente pelas bochechas, tentando conter o rubor delas de modo inútil, apertando a caixa já vazia entre minhas mãos: — Pelo visto você riu pelos próximos 30 anos, já.
Todoroki assentiu, sem tirar do rosto bonito um sorrisinho. Ora, me tornar amigo dele não deveria ser uma missão difícil, por fim. Todoroki na realidade era bem humorado, e bastante interessante (A parte do interessante eu concluí no momento em que o vi pela manhã, mas isso são detalhes). Mas considerando minha relação com Kacchan, Iida, Kaminari e Kirishima... Era assim mesmo que se começava uma boa amizade entre homens? Olho para cima ao pensar um pouco a respeito disso. Deveríamos começar a falar de futebol americano agora, certo?
A porta da casa ao lado da de Todoroki se abriu, e uma mulher de traços orientais gritantes não parecia nada contente.
— Vocês dois vão ficar fazendo barulho até essa hora da noite? – Ela jogou o cabelo negro solto pra trás. – Estou tentando escrever uma matéria importante. Me surpreende você, Todoroki-san, que já deveria saber disso. – Ela o fuzilou com os olhos.
— Ah, Yaoyorozu. – Ele olhou para o lado. – Estávamos fazendo tanto barulho assim? Estava apenas conversando com o morador novo.
— Estavam. – Assente. – Sei que o senhor é muito educado – Disse em tom debochado –, mas agora é hora de ir dormir. Passar bem! – E bateu a porta em nossas caras. O bicolor repuxou um sorriso de lado, revirando os olhos.
— Yaoyorozu não é tão mal humorada assim habitualmente. Sinto muito pela grosseria. – Explica, colocando as mãos dentro do bolso. – Mas acho que ela está certa.
Não pude conter a decepção, concordando a contragosto com a cabeça. Mal tínhamos conversado, e eu não tinha certeza se teríamos a chance de dialogar daquele jeito novamente.
— Boa noite, Todoroki-kun. Até amanhã. – Aceno.
— Noite, Midoriya. – Ele se vira, mas continuo empacado no mesmo lugar. Antes que ele possa abrir a porta, minha voz escapa.
— Eu tenho 27 anos! – Interpelo alto em demasia. Todoroki me olha e novamente dá aquele sorrisinho quase confuso.
— Eu não pretendia cobrar isso de você. – Comenta divertido, e então entra para dentro de sua casa, para onde eu não posso vê-lo. Mas posso ter certeza que o sorriso continuava em seu rosto. Bom, continuava estampado na minha mente, me levando a sorrir de volta. Entrei para dentro de meu apartamento, e, até esquecendo do poema, dormi feito um bebê.
Constatei que Todoroki era um ótimo calmante.
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