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História Ensaios para um Sacrifício - Capítulo Único


Escrita por: Laybs

Notas do Autor


Esta história* foi escrita em 2014 para um desafio de contos do colégio em que eu estudava. E foi premiada em 1º lugar nas seguintes categorias: Melhor Conto Literário, Melhor Enredo e Melhor Estilo Literário.

O conto foi baseado na história do personagem John Kramer/Jigsaw interpretado pelo ator Tobin Bell no filme Jogos Mortais (Saw) de 2004 que é um dos meu filmes favoritos do gênero.
Estava meio relutante em postá-lo aqui, mas gostaria que outras pessoas também o lessem.
Então, espero que gostem. Boa leitura!

*Essa é uma história alternativa, então, não estranhem. Há apenas algumas semelhanças com a vida do personagem original do filme.

Capítulo 1 - Capítulo Único


Amanda, minha esposa, está grávida de quatro meses. É meu primeiro filho. Fui com ela a uma consulta médica e está tudo bem. O bebê está crescendo saudável. Fomos até uma biblioteca perto de casa. Deixei-a lá como ela pediu e segui para o trabalho. Sou ex-engenheiro civil, mas hoje estou trabalhando em uma empresa imobiliária e começo a desconfiar que nunca mais possa exercer tal função. Sofro constantemente de dores fortes na cabeça e pareço estar cada dia mais fraco e não sei se é o passar do tempo que está me afetando ou a tensão do meu trabalho. Amanda já havia me pedido para eu me afastar e tentar descansar. Ela sempre fala que um bom descanso já é metade do trabalho. Estava preocupada, e eu sei bem disso. Disse para eu ir procurar um médico, e eu não queria ter que fazer isso, ou chegar a esse ponto. Nesse período eu mal sabia o que estava latente em meu corpo. No entanto, ela me convenceu, e foi nessa ocasião que tive a pior notícia que poderia ter: fui diagnosticado com um raro tipo de tumor no cérebro. Inoperável. Um câncer terminal. A partir desse dia, parei. Não quis acreditar. Simplesmente entrei em choque, pois não queria deixar minha família, que é tudo que eu tenho, meu filho, minha esposa.

Com o passar dos dias, estou piorando e não só da saúde física. Entrei numa depressão terrível. Minha esposa está me ajudando a superar, está sempre comigo, e eu só imagino que irei morrer e não poderei ver meu filho. Tudo está coberto por uma fina camada de realidade. Eu não posso esconder meu medo. Felizmente, com ajuda de Amanda, posso deixar a lembrança de minha doença guardada no subconsciente. Sei que meu corpo está definhando, mas tento ser forte e tiro essa força das mais profundas lembranças e de um dos maiores mistérios da vida. Por um tempo eu pude ser forte pelo amor sentido por ela e pelo meu filho. Mas a vida, essa sim é um mistério, e um tanto traiçoeira, pois fez com que minha força simplesmente acabasse mal eu a tinha resgatado em mim. Amanda estava com uma amiga no banco no exato instante em que um criminoso praticava um assalto, e ela, sem se dar conta do perigo, esperava do lado de fora da sala dos caixas eletrônicos. O bandido ao terminar seu roubo fugiu deixando todos assustados. Correndo abriu a porta e não percebeu Amanda atrás do vidro. A porta colidiu com tamanha violência contra a barriga de minha mulher que ela caiu no chão sangrando, com muita dor. Era inevitável, não tinha como ele ter sobrevivido. Eu perdi meu filho. Não me resta mais nada.

Agora estou no hospital. Minha esposa se recupera do choque e dos ferimentos. Estou aguardando-a. Minha mente está puramente abalada. Eu não sei o que pensar. Não sei se posso ajudá-la. Não sei se era para eu está aqui, vivendo. Não como agora. Não sei o que o destino prepara para mim. Tenho que fazer alguma coisa. Estou em conflito comigo mesmo. Novamente a realidade começa a dar seus passos, rastejantes e sempre paralelos à nossa vida. Esta noite me juntarei a pulsante existência do Universo. Entregarei meu corpo ao mundo para que ele possa acabar com meu sofrimento. Liguei meu carro, Amanda ficará bem, deixei tudo para ela, agora me dirijo para a The Great Ocean Road, ao longo da costa sudeste da Austrália. Coberta de penhascos. Lugar perfeito. Enquanto corro com meu carro, meus pensamentos e lembranças são levados pela distância, e finalmente encontro o ponto certo, não penso duas vezes, e me jogo penhasco a baixo. O vidro quebra com o impacto e eu sinto a força da pressão em meu corpo. Com um turbilhão de emoções sinto a água gelada entrando e ocupando o que resta de ar, meus olhos estão fechados, e por incrível que pareça, ainda estou vivo. Lentamente vou afundando. Meus olhos abrem e eu provo o sabor da angústia de sobreviver. O que vem a seguir é apenas o instinto humano fazendo seu trabalho, e isso me mostrou a verdade.

É estranho se ver submerso em águas gélidas, com seu carro sendo devorado pela escuridão do oceano e percebendo que a vida que lhe resta vale mais que um câncer terminal. Meu corpo está lá enquanto minha mente flutua e minha consciência conversa comigo. Eu, Jim Lecter, um homem que tinha muitos motivos para desistir, mas que resolveu enfrentar a própria morte para ganhar a vida. Com o para-brisa quebrado saí do carro e sem medo fui emergindo e meu corpo foi sendo carregado pelas ondas, aquelas tão bem ensaiadas ondas que me levaram e me deitaram tão calmamente na areia da praia, aos pés daquele enorme penhasco. A lua majestosa lá em cima me observava, tive a leve impressão de que havia algo comovente em seu semblante, sua luz declinava sobre mim fazendo-me sentir que aquilo era a resposta, talvez o caminho que devesse seguir. Meu corpo parecia estar dormente, não sentia absolutamente nada, acho que morri e meu espírito apenas medita nesse sonho louco em que agora me encontro.

Não sou capaz de focar em uma só lembrança. A vida que vivi até agora está passando tão rápido quanto meu carro correndo em busca de meu deleito mortal ao me jogar do grande rochedo indo de encontro ao mar, frio, sufocante, tranquilo. Mas, sou capaz de captar todos os momentos que vivi, alguns alegres, outros tristes e na maioria das vezes frustrantes. Acabo por dar-me conta que minha atitude foi tola. Lutei naqueles momentos dolorosos no fundo do oceano e agora estou vivo. Fui tolo sim, mas quem não seria? Queria por um fim na minha triste decadência, e agora tenho outro princípio para existir.

Senti o gosto, senti na pele, senti na alma, senti! A morte me fascinou, me mostrou tanto, que ainda estou vivo para sentir de novo, não da mesma forma, não comigo. Aprendi a ter um apreço maior por minha vida, e estou decidido a inspirar a mesma apreciação em outros que assim como eu não a valorizaram. Voltei àquela estrada, caminhei sozinho. Na frente tive a sorte de encontrar um carro, o motorista me levou até a cidade. Ficou preocupado, mas eu disse a ele que estava bem e que resolveria tudo sozinho. Não retornei a minha casa. Na cidade tem um antigo edifício em que funcionava uma metalúrgica. O lugar já foi abandonado há muito tempo e quase não passa ninguém por lá. À noite, fica muito sombrio e é costume na cidade os moradores não rondarem por aquelas ruas muito tarde. Sei que tem muito espaço, servirá muito bem como minha residência, pois pretendo me alojar lá até tudo ficar mais calmo. Os detetives e policiais não sabem se estou vivo e tão cedo saberão. Não posso simplesmente aparecer, então continuarei escondido, estudando, esperando, até que chegue a hora. Os médicos não sabem quanto tempo durarei, eu muito menos. Prepararei o lugar para que possa me acomodar e cuidar de minha saúde. Mas, sei que terei tempo bastante para promover a mudança. Estou sedento. A morte me escolheu. Ela está em mim.

Estou pronto para testar a vontade de viver das pessoas. Muitos assim como aquele bandido que matou meu filho é somente um peso para o mundo, vivendo de forma medíocre, semeando erros. Tenho que saber quanto vale a vida de cada um, e qual preço eles pagarão por ela. E nessa trajetória, no âmago de minha lucidez, percebo que terei minha família de volta. Estou feliz, pois logo nos juntaremos para sempre. Minha Amanda já não me vê há semanas. Talvez imagine que eu esteja morto. Mal sabe que irei visitá-la em breve.

Já é madrugada e todos dormem em paz nas suas casas. Eu estou novamente com ela, vejo-a dormindo tão lindamente, coberta em lençóis negros que entendo como uma homenagem a mim sob forma de luto. Então meus pensamentos declaram que logo estarei com eles: minha esposa e meu filho. Mas, antes de fazê-la partir beijo-a como um gesto de despedida e com um golpe finalizo a história. Vejo o vermelho líquido pintando o chão, tomando traços de uma obra prima, simbolizando o amor, que assim como a morte alimenta os fracos e os torna mais fortes.


Notas Finais


Obrigado por vir ^^


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