Com a chegada do inverno, Chenle sentiu-se ainda mais melancólico do que normalmente ficava nessa época do ano. Olhou de relance para o jardim extenso da universidade e viu uma grande quantia de casais sendo amáveis e melosos por conta do tempo frio. Deixando um suspiro escapar por entre seus lábios, o rapaz de cabelos vermelhos voltou-se para seu notebook aberto na mesinha de madeira a sua frente e começou a digitar animadamente mais uma oneshot com o cenário que lhe cercava.
Seu casal principal consistia em um par de namorados que recém haviam chegado na universidade, caminhando de mãos dadas, o mais alto dos dois tinha um sorriso tímido do rosto enquanto o outro gargalhava de uma piada um tanto quanto indecente. Descreveu detalhadamente a forma como o mais novo sentia-se feliz e com o coração palpitando loucamente no peito ao ouvir a risada de quem mais amava na vida, desenrolando assim uma curta, mas apaixonante fanfic sobre o seu casal favorito, e tratou de anotar em sua caderneta que havia feito mais uma história a parte de seus plots de projetos, pois Zhong Chenle fazia parte e ainda ajudava a administrar um projeto de fanfics no NEO CULT, a plataforma mais famosa do momento.
Fazia pouco mais de três anos que escrevia avidamente na plataforma, publicando diversos romances, criando até certa fama por conta de suas histórias envolventes e marcantes, desenvolvendo um grande apreço por outros escritores e assim formando o Triple One Squad, um grupo de escritores. Composto por Chenle, Renjun, Donghyuck e Shotaro, os quatro são bastante famosos nas categorias em que mais escrevem, tendo até mesmo algumas collabs entre si. Os dois chineses dominavam as tags de Yuwin, dois integrantes do famoso grupo Tech127. Yuta e Winwin eram apenas dois dos sete membros do grupo, muito shippados por conta da amizade forte e dos momentos de carinhos adoráveis que acabavam compartilhando; para muitos fãs aquilo não passava de fanservice, mas quem disse que os chineses se importavam? Sabiam que a amizade de ambos vinha acima de qualquer relação amorosa e priorizavam isso independentemente de qualquer coisa; por sua vez, Donghyuck e Shotaro eram os reizinhos da categoria Chuuves, sendo ambas do girlgroup LOONA, Yves e Chuu. O Lee amava loucamente a forma como as duas eram tão explícitas e vivia plotando cenas quentes e envolventes com as garotas, trazendo um lado mais savage para a tag; enquanto isso, Shotaro lotava seu perfil com histórias fofas e românticas, banhadas com comédia e cenas de tirar o fôlego de tão adoráveis que eram, sempre priorizando o amor puro e singelo que as meninas sentiam entre si. Também era bastante conhecido pelas histórias inspiradas em teorias criadas pelo fandom. Não podia ver uma teoria rolando nas redes sociais que já tratava de criar algo com base naquilo, conectando suas histórias e deixando os leitores ávidos por mais uma continuação.
Os quatro eram um perfeito equilíbrio, nem muito savage demais, nem muito melosos: a medida certa.
No entanto existia algo que apenas aqueles quatro garotos sabiam, e que envolvia as histórias de Chenle: todas eram inspiradas em Park Jisung, o melhor amigo e companheiro de quarto do Zhong. Desde que se mudou para a Coreia a fim de finalizar os estudos, o rapaz de cabelos vermelhos dividia um pequeno apartamento com alguns estudantes, não eram os dormitórios oficiais da universidade, mas estavam nos limites dela.
Chenle não se apaixonou logo de primeira pelo mais novo, muito pelo contrário, foram necessários meses até cair nos encantos do rapaz, que corria para sua cama quando chovia e o agarrava como um ursinho quando tinha pesadelos. Deixou-se levar por sentimentos que jamais seriam retribuídos, pois todos sabiam que Jisung amava e sempre amaria Jung Sungchan, quem namorava desde os quinze anos. Desde o momento em que a ficha caiu sobre tais sentimentos, uma pequena poção apareceu no quarto que dividia com o mais novo, lembrando ao escritor de suas escolhas.
Apagar qualquer resquício de amor em si ou sofrer eternamente por um amor não retribuído. Durante meses e, quem sabe, até semanas cogitou beber de uma vez a poção e se esquecer como era amar, deixar o vazio aflorar por seu peito e tirar a única coisa que o fazia ser humano. Mas do que adiantaria? O que ganharia esquecendo-se de um dos sentimentos mais belos existentes?
Pensar nisso o lembrava de seus pais. Ambos se casaram sem amor, obrigados por conta de um acordo feito quando ainda eram crianças e levado bastante a sério por seus pais. Sua mãe nunca encontrou a pessoa que estava destinada a amar, então consecutivamente nunca recebeu sua poção; diferente de seu pai, que era loucamente apaixonado por uma garota de sua classe e precisou abrir mão do que sentia por ela para realizar as vontades dos pais. O homem sofreu tanto que, após tomar aquele bendito líquido, nunca mais conseguiu retribuir nada que viesse derivado do amor, nem mesmo o amor paterno soube sentir. Ele apenas se tornou uma máquina, vivendo no modo automático, executando as mesmas tarefas e deixando-se afundar ainda mais no vazio e na falta de sentimentos que deveriam rondar seu coração.
Não existiam vantagens em viver aquilo, em ser um robô vivendo da mesma forma até seus últimos dias. Chenle não desejava aquilo para si, não desejava perder a sensação do coração se aquecendo ao ver as bochechas cheias se inflarem ainda mais enquanto via o mais novo fazendo birra, não ter a sensação de felicidade plena quando ele sorria em sua direção timidamente ou quando o abraçava implorando por carinho. Era doloroso ouvir os “eu te amo’s” e eles não serem destinados a si com aquela intensidade avassaladora, doía ver a forma como Jisung segurava fortemente a mão de Sungchan como se temesse que o mais velho fugisse de si, doía ver as interações fofas e as fotos postadas. Mas Chenle preferia sentir algo. Mesmo que doesse, valia muito mais a pena saber sobre seus sentimentos do que não sentir absolutamente nada.
Conhecia bem aquela sensação de vazio e desespero por não saber reconhecer o que se passa em si mesmo, viu de perto seu pai se autodestruir por ter perdido o controle sobre suas próprias emoções, viu a vulnerabilidade que sua família criou ao seu redor, o esforço dobrado de sua mãe para o fazer sempre lembrar que, independentemente do que ocorreu, o amor de seu pai sempre estaria ali. Como seus pais simplesmente pararam de falar com seus progenitores após seu nascimento, sua família vivia de aparências perante as outras pessoas.
Chenle não desejava aquilo para si, não queria se perder em um vazio eterno e não queria arrastar ninguém consigo, não queria perder a amizade e o amor que nutria e sentia vindo de Jisung, mesmo sendo algo muito mais familiar do que romântico. Preferia ser o eterno hyung do que apenas uma pessoa que Jisung acabou destruindo sem intenção.
Uma vez Mark perguntara ao amigo o porquê de não tomar a poção e esquecer-se de vez do Park, e, mesmo tendo na ponta da língua a resposta vinda de seu passado tão traumático, o Zhong resolveu parar para analisar aquela dúvida alheia.
Mark Lee namorava seu amigo Donghyuck, ambos também moravam no apartamento em que o chinês e Jisung dividiam um quarto, quase não começaram a namorar pois o canadense estava em um relacionamento quando conheceu o coreano. Durante meses Mark não tinha notado os sentimentos que nutria pelo mais novo, esse que sofria escondido por um amor que acreditava não ser recíproco, mas, diferente das outras pessoas, sua poção nunca apareceu por simplesmente ser algo que iria ter futuro, não importava quanto tempo demorasse. Era uma forma bastante cruel de cair na realidade, poucas pessoas sabiam sobre esse detalhe, e justamente fora o que fez Chenle notar que não havia chances com o Park. Ele viu durante semanas o amigo desejar que aquela bendita poção aparecesse logo para que pudesse esquecer de vez tudo o que já sentiu, ignorando todos os avisos vindos do mais novo, mas o que Chenle poderia fazer? Donghyuck era muito mais intensivo e impulsivo do que ele, fazia as coisas de cabeça quente e só depois pensava nas consequências ou opções, era muito provável que ele se arrependesse do que fez após arrastar o Lee naquela loucura, e felizmente Donghyuck caiu em consciência perante seus sentimentos rapidamente.
Obviamente Mark devia agradecer a Kang Mina, sua namorada naquela época e quem notou que aquele sentimento que ambos compartilhavam não era o amor verdadeiro, vendo que eram destinados a outras pessoas.
A experiência adquirida com aqueles dois lhe fez cogitar se valia a pena entrar na pilha de Donghyuck e, por ímpeto, beber aquele líquido roxo e sem sabor, apagando seu melhor sentimento de si.
De todo modo, não valia a pena. Não poderia nunca perder os melhores momentos, as risadas calorosas, o coração quentinho, as mãos suando e ainda por cima ir contra toda a sua natureza. Pois Zhong Chenle era a própria definição de amor, de carinho e sorrisos, se perdesse aquilo perderia a sua própria identidade, não se perdoaria se algo desse porte ocorresse. Não iria de modo algum se deixar levar por emoções tão gostosas, pois, mesmo sendo doloroso, o amor era caloroso, e apenas isso devia importar.
Então quando encarou o canadense e sorriu gentilmente, a resposta fluiu como se sempre estivesse ali, na ponta de sua língua esperando a hora certa para sair.
Não importava o quanto fosse doer ver quem mais amava nos braços de outro, a amizade que ambos compartilhavam valia muito mais a pena do que toda essa coisa de romance, e, mesmo sendo um romântico incurável, Chenle sempre escolheria o calor por abraços daquele que tanto admirava e cuidava, pois, entre ter Jisung e apenas um rastro do que um dia já foram, ele sempre escolheria o calor gostoso que os braços daquele que tanto amava emanava.
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