História Entre Medos e Temperos - Capítulo 5 - Empanadas

Capítulo V - Empanadas

“Que porra de pensamento foi esse, Fogaça? Cê tá ficando maluco, mano? Puta que pariu.”.

Henrique rapidamente rechaçou aquele pensamento caloroso de querer ter Paola ali, com ele. Puts... era a Paola! PA-O-LA.

Se tinha um sentimento que tinha por ela era de puro respeito. Tem gente que imagina algo entre eles desde o Júlia, mas mal sabem que ele morria de medo dela naquela época. Paola era assustadora, mano.

Só que com o tempo... o tempo lhe mostrou como era doce, forte e, acima de tudo, determinada. Vê-la se despedaçar e perder tudo, como perdeu, e então retornar com tudo, é uma grande fonte de admiração para ele.

Ora, pare com essa linha de raciocínio, pelo amor de Deus.

- Henrique? – ele se virou para Fernanda, que o chamou da porta do quarto – Ela chegou.

Eles trocaram um olhar, em que Fernanda lhe assegurou que estava tudo bem e, só então, ele se permitiu chorar sem freio.

- Mamá?

- Si, mi amor?

Francesca estava com seu mini-avental, com seu mini-lenço e sobre um banquinho de madeira, acompanhava sua mãe a preparar uma massa fresca para jantarem. Paola adorava ter esse momento com ela, em que as duas compartilhavam uma placa de mármore para esticar tudo. Beijou-a nos pequenos fios dourados que escapavam na sua têmpora.

- Estás triste, porque?

- Yo?! No, claro que no. No estoy triste. Por que dices eso?

- Por que te veo callada y pensativa. Te olvidaste de la semolina para la massa...

Paola olhou-a com carinho. Fran era sua parceira em muitos momentos e havia desenvolvido uma habilidosa capacidade de desvendar seus sentimentos.

Bem, era a única pessoa no mundo que tinha acesso à Paola mais desarmada do mundo. Fran a olhava com curiosidade, daquela forma que só crianças muito sensíveis e empáticas conseguiam.

- Estoy preocupada con tu tío, Fogaça.

- Qué paso?

- Bueno, Olivia no está bien.

Para completa surpresa de Paola, Fran ficou com os olhos cheios d’água e não conseguiu evitar que seu choro caísse.

- No, no, mi amor... no te preocupes, todo se quedará bien, no te preocupes... – abraçou-a com força, mesmo que o trigo e semolina sujassem suas roupas - ...no pasa nada.

- Pero yo quero verla, mamá!

- Hospitales no son para niños y tu tío Fogaça necesita quedarse con ella.

- Pero... no podemos llamar? Quiero saber si Olívia está bien.

Se há alguma pessoa nesse planeta que consegue demover Paola de alguma coisa, essa pessoa é sua filha. Mesmo que isso a fizesse passar por cima de todas as regras e barreiras que havia imposto a si mesma. Olhou o relógio, verificando que já era bem tarde, mas vendo Fran angustiada, aceitou.

Assim que discou para Fogaça, novamente naquela noite, sentiu uma estranha sensação de mariposas no estômago.

- Paola?

- Oi, Henrique. Me desculpe se for uma hora muito...

- Tá tudo bem. Que que foi?

- Bem, a Fran está bem angustiada e queria saber da Olívia.

Antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, Fran pegou seu celular.

- Tio Fogaça? A Olívia tá bem?

- Oi, princesa. Sim, ela está bem. Deu tudo certo. Vai ficar alguns dias no hospital, mas está bem. Ficou preocupada?

- Fiquei. A mamá ficou também, estava triste.

Paola arregalou os olhos, sentindo seu coração acelerar.

- Ela ficou triste foi?

- Ficou – Fran olhou para a mãe, com um sorrisinho – Quer falar com ela?

- Quero. Passa para ela. Obrigado, viu, Fran? Você é uma boa amiga.

Sorrindo, Francesca entregou o celular para a mãe, que parecia ruborizada. Enquanto a menina continuava a esticar a massa, Paola tentou controlar seu estômago.

- Francesca é muito sensível – disse ela – Olívia está bem? Acabou a cirurgia?

- Sim, deu tudo certo. Vou dormir aqui hoje, amanhã será Fernanda. Vamos nos revezar, ela deve ficar aqui mais uns dias.

- Fico aliviada.

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, mas foi Paola quem falou por último.

- Te vejo amanhã? No estúdio, então?

- Estarei um zumbi e provavelmente vou esganar Igor, mas sim.

Ela riu, desligando.

E Fran viu sua mãe sorrir durante todo o final do jantar que faziam.

Estavam Paola, Jacquin, Ana e Henrique sentados nos bastidores da gravação de uma extensa prova do MasterChef. Enquanto os competidores sofriam para reproduzirem um temido Bolo de Kiev em 2h30min, eles se revezavam na gravação enquanto descansavam.

Num dos takes feitos com os competidores em suas bancadas, Paola percebeu algo interessante. Aquilo ficou na sua memória, mas sempre muito sutil, manteve para si.

- Amiga – Ana tirou sua atenção – E aí? O Jason deu notícias?

- Me mandou um montão de fotos. Estão lindas.

- Estranho ele ter ficado por lá, não é?

Paola apenas suspirou.

- É o trabalho dele.

- Tá tudo bem? Entre vocês?

- Si, si.

Quando Jacquin trocou com Henrique o momento da gravação, Ana Paula percebeu nitidamente um olhar desafiador da chef argentina.

- Quando cê falou que tinha umas ‘minas’ “ae”... – Paola tentou imitar o sotaque de Henrique - ...no é quem eu tô pensando, é?

- Hã?

- Henrique.

Ana Paula olhou de um para o outro completamente curiosa. Então seu olhar seguiu o de Paola, até uma das participantes que estava batendo a massa do bolo.

- Não sei do que cê tá falando.

- Pois eu vi, tá? Eu vi.

- Gente! Me atualiza aí! Eu gosto das fofocas! – Ana pediu entusiasmada – Henrique você tá saindo com a Clara? Aquela Clara ali?

- Vocês tão ficando malucas.

Paola olhou para Ana, confirmando, pois conhecia muito bem quando Henrique se interessava por alguma mulher.

Quando Jacquin retornou da gravação, percebeu seu amigo agoniado e constrangido.

- Qué que houve? Cê tá com dor de barrigue?

- Temos um Don Juan no MasterChef, meu caro amigo francês – instigou Ana Paula – Adivinha quem é?

- Vou te dar uma dica – provocou Paola – Ele gosta de novinhas loiras.

Todos os olhares caíram em Henrique, fazendo-o ficar vermelho.

- Minha gente, para com isso, pelo amor de Deus.

Todos riram, mas Henrique negou veementemente.

Sendo Paola a próxima a filmar, escolheu exatamente a bancada de Clara para parar.

- Oi.

- Oi, chef...

- Meu amor, por que você não prende esse cabelo um pouco? E esses brincos, não são brincos adequados.

- Sim, chef. Vou...

Paola a observou fazer o que disse imediatamente.

- Você está aqui para ser cocineira, no és um concurso de belleza.

- Sim, chef.

- Pensa nisso antes de entrar nessa cocina, si? Você me vê cocinando sem lenço? No. Você me vê cocinando com joias? No. Por que será?

Clara engoliu seco.

- Te concentra.

- Sim, chef.

- Paola?

Ela estava terminando de organizar suas coisas para ir direto ao Arturito quando Ana Paula apareceu no seu camarim. Sorriu imediatamente.

- Oi, Ana.

- Ei, que que foi aquilo na gravação, hein?

- Do que cê tá falando?

Ana Paula colocou as mãos na cintura, olhando-a como quem diz “você sabe exatamente do que eu estou falando, não se faça de louca”.

- Você. Caindo como uma leoa em cima da coitada da Clara.

- Ah, ela não é tão coitada assim, vai.

- Mas hoje você foi venenosa! – Paola sorriu sem graça, concentrando-se na sua bolsa.

- Me irrita quando eles querem cocinar como se estivessem indo para uma festa.

- É isso mesmo?

- É claro que é! Eu sempre reclamo disso.

Quando Ana Paula fechou a porta do camarim, despertou em Paola um senso de alerta.

- Eu vi vocês dois no avião. Me conta, vai. Isso tem alguma coisa a ver com Jason ficando lá?

- Como o assunto de Clara tem algo que ver con eso?!

Paola não pretendia que sua voz soasse tão aguda assim.

- Mira, você, mais que ninguém, sabe que não é nada disso.

- Eu sei. Mas você sabe?

- Yo amo Jason, és mi marido. Ponto final. Amo Henrique, pero no como pensas, oke?

- Claro, Claro.

Paola lhe deu dois beijos nas bochechas, despedindo-se.

- YO QUERO DOS EMPANADAS, QUATRO SALADAS DE FIGO E TRÊS PÃES, YA!

- Sim, chef!

Apesar de Paola ser uma chef executiva, o que a tirava bastante do seu tempo dentro da cozinha, ela gostava de estar ali. Depois do MasterChef, sempre havia muitos – MUITOS – clientes que iam ao restaurante muito mais para tentar vê-la e tirar uma foto com ela que, propriamente, para degustar a comida. Essa rotina entre a cozinha e o atendimento, bem como a parte administrativa, sempre a sobrecarregou.

No meio desta confusão de pedidos, sentiu seu celular tocar no bolso do avental e, só após a quinta tentativa, soltou um “puta que pariu”, precisando se distanciar para atender.

- Jason?! No sabes que estoy muy ocupada nessa hora?!

- Sorry, love. Eu esqueci que hoje é dia lotado.

Sentindo-se culpada, ela respirou fundo.

- Que pasa? Estás bien?

- Sim, sim. Eu estou no hotel agora e pensei em te ligar.

- Só un momento... ONDE ESTÃO AS EMPANADAS?! ME ESCUCHAM?! QUERO AHORA! ... amor, estou muito feliz que tenha ligado, en sério, pero está uma loucura aqui...! Quando cê volta?

- Na próxima semana.

- Sério?!

- Sente a minha falta?

- É claro, seu tonto... OYE, ESTAS EMPANADAS! QUE ESTOY ME ENOJANDO!...me ligue amanhã, sem falta? Ok? I love you.

- Love you too, babe.

Assim que Paola desligou, concentradíssima nas comandas e ordens para sua cozinha, ela pode perceber um burburinho e, imediatamente, o som barulhento do salão dos clientes ficar mais baixo.

Sua atenção captou o porquê.

Fogaça tinha acabado de entrar.