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História Erased (Malec) - O Passeio


Escrita por: BaneStan_88

Capítulo 4 - O Passeio


Os dias vão se passando e Alec tenta se adaptar à sua nova rotina de parcialmente desmemoriado e totalmente desocupado. O fato de viver trancado dentro do apartamento, sem fazer nada, aos poucos começa a lhe entediar, por isso ele passa a procurar maneiras de se distrair, como limpar e organizar as coisas, cozinhar, assistir televisão e devorar todos os livros da estante.

 No meio da semana, antes de sair de casa para levar os filhos à escola e depois seguir para a galeria, Magnus o avisa que a faxineira irá aparecer, então Alec não se espanta quando uma mulher baixinha e de aparência latina bate na porta às oito da manhã. Ela o cumprimenta brevemente, depois se põe a espanar e aspirar. Ele termina de tomar o café da manhã e tenta começar a ajuda-la na faxina, querendo se fazer útil, mas a mulher o impede.

 — No, no, no. O senhor Bane me contou sobre o seu acidente e disse que ainda está se recuperando. – diz ela, com um sotaque forte. – Então, eu limpo e o senhor descansa.

 Pelo tom de voz decidido dela, Alec percebe que não vai conseguir convencê-la e cede. Ele pega um suspense da estante e segue para o quarto, para não atrapalhar a faxina. Concentrado na leitura, nem percebe as horas passarem, até que a mulher aparece na porta.

 — Já acabei o serviço e estou indo embora, mas deixei umas quesadillas para o seu almoço. O senhor Bane disse que sua memória ficou ruim depois do acidente, mas espero que ainda goste delas.

 — Ah, não precisava. É muita gentileza sua. – responde ele fechando o livro e usando o dedo para marcar a página em que estava. Depois, sem saber ao certo como as coisas funcionam, pergunta: – Eu tenho que lhe pagar alguma coisa ou...?

 Ela balança a cabeça com força.

 — No. O senhor Bane sempre me paga por todos os dias de trabalho adiantado, logo no começo de cada mês. Seu esposo é um homem muito honesto e correto, o senhor tem sorte.

 Alec sorri mais uma vez e assente, sabendo que a mulher está certa. Apesar de não saber muito sobre Magnus, com esses poucos dias de convivência já deu para perceber que ele é um homem bom. A faxineira também sorri e ajeita a alça da bolsa sobre o ombro.

 — Bem, é melhor eu tratar de me apressar, antes que perca o ônibus. Melhoras para o senhor.

 Alec agradece e ela sai dali. Então segue até a cozinha, prova uma das quesadillas e descobre que está deliciosa. Ele devora todas as três que estão no prato e mais tarde, naquela noite, diz para Magnus o quanto achou a faxineira simpática.

 — Ah, a senhora Rosales é mesmo maravilhosa. Aliás, ela te adora. Quando você estava de folga em um dos dias de trabalho dela, os dois sempre ficavam batendo papo depois que a faxina acabava. Algumas vezes a coitada até perdia a noção do tempo e perdia o ônibus, então você fazia questão de leva-la até em casa no seu carro.

 Alec assente, se perguntando se costumava fazer essas gentilezas na esperança de ganhar algumas quesadillas extras depois.

 Então finalmente chega a sexta feira, o dia em que Izzy vem visita-lo. E ele precisa confessar para si mesmo que está bastante empolgado para ver uma pessoa de quem ainda consegue se lembrar, que ainda existe na sua memória. Durante o café da manhã, ao saber da visita da tia, os meninos ficam muito animados.

 — A tia Izzy vai passar o fim de semana aqui, papa? – pergunta Max.

 — Ela vai ficar na casa de uma amiga, mas prometeu jantar com a gente hoje à noite. – responde Magnus.

 — Então você devia preparar lasanha para ela, papa! A tia Izzy adora a sua lasanha. – diz Raph.

 Magnus toma mais um gole do seu café e estica a mão para bagunçar os cabelos do filho.

 — E você acha que eu não pensei nisso antes, chiquito? Pode ficar tranquilo, nós já temos uma lasanha pronta no congelador. É só colocar no forno quando chegarmos em casa.

 Assim que todos terminam de tomar café da manhã, Magnus e os meninos deixam o apartamento. Izzy disse que chegaria um pouco antes do almoço e Alec se vê andando para lá e para cá pelos cômodos, arrumando coisas que já estão arrumadas, tentando diminuir a sua imensa ansiedade. As horas vão passando, até que alguém bate na porta, ele corre para abri-la e vê a irmã do outro lado, sorridente. Ela parece um pouquinho mais velha do que nas suas lembranças, o que não é nenhuma surpresa, mas os cabelos longos e negros e o batom vermelho vibrante são os mesmos de sempre.

 — Eu estava morrendo de saudade de você, irmãozinho! – diz, lhe dando um abraço bem apertado.

 Alec fecha os olhos e se permite relaxar nos braços de Izzy, o rosto enterrado no pescoço dela.

 — Eu também estava com muita saudade. – afirma, antes de solta-la e dar um passo para o lado. – Entre, por favor. Nós temos muito o que conversar.

 Os dois seguem até a cozinha e Alec prepara dois sanduíches de frango com manjericão, o favorito da irmã desde que era pequena. Eles se sentam à mesa e, enquanto comem, Izzy o atualiza sobre tudo que aconteceu na vida dela nesses últimos cinco anos. Ela pega o celular na bolsa para lhe mostrar uma fotografia de Simon – que não pode vir junto porque estava terminando um projeto muito importante – e Alec fica surpreso ao ver que ele é muito diferente dos outros caras com quem sua irmã tinha se relacionado até então: o rapaz tem uma aparência meio nerd, com óculos de armação preta e uma camiseta do Homem Aranha. Mas o sorriso orgulhoso no rosto de Izzy deixa claro o quanto ela o ama e no fim  das contas é isso que importa.

 Depois que terminam os sanduíches, Alec passa um café fresco, serve duas xícaras e as leva até a mesa. Isabelle segura a dela com ambas mãos, suspira e o encara.

 — Eu fiquei tão preocupada quando o Magnus telefonou, contando que você tinha sofrido um acidente. Ainda bem que o motorista da moto te socorreu na mesma hora, chamando um táxi para te levar ao hospital, senão as coisas poderiam ter terminado de um jeito bem pior. – ela estremece e faz uma pausa para beber um gole de café. – E ainda não consigo acreditar que você não lembra mais do Magnus e dos meninos. Não que eu esteja te responsabilizando por isso, sei que não é sua culpa ter perdido uma parte da memória. É só que... É tudo muito estranho. Magnus, Raph e Max são as pessoas mais importantes da sua vida e é difícil aceitar a ideia de que você não se lembra mais dos três.

 Alec assente e também suspira.

 — Mas essa é a realidade: eu não guardo mais nenhuma lembrança deles. E é por isso que quero te pedir para me contar algumas coisas a respeito dessa nova vida, dessa família que eu construí. Eu preciso saber que caminhos me trouxeram até aqui e queria que você me ajudasse a descobrir.

 Ela concorda com a cabeça.

 — É claro, irmãozinho. Pode me perguntar qualquer coisa e eu vou responder da melhora maneira que puder. O que você quer saber?

 Ele hesita um pouco e bebe um gole do café, pensando.

 — Eu não sei ao certo o que perguntar, porque não sei o que deveria saber. – confessa, por fim. – Apenas comece me contando aquilo que achar mais importante, as coisas que tiveram um peso maior nas escolhas que eu fiz.

 Izzy assente mais uma vez. Depois pensa um pouco e então começa a falar:

 — Você e o Magnus são o casal mais feliz que eu já vi, e estou falando realmente sério. Desde o dia em que se conheceram, eu soube que ele era o cara certo. Você chegou em casa sorrindo de orelha a orelha, contando que tinha conhecido um cara muito interessante e continuou falando nele a semana inteira. Depois começou a se interessar por arte, a fazer pesquisas sobre pintores famosos na Internet e comprar livros a respeito do assunto. Mas não com o intuito de impressiona-lo: você sabia que a arte era uma das coisas mais importantes na vida do Magnus e só queria poder conversar de igual para igual sobre algo que ele amava tanto. Não demorou muito até que decidisse leva-lo lá em casa e eu gostei dele logo de cara. Quando vi o jeito com que o Magnus te olhava, como se você fosse mais precioso do que um diamante, soube que ele era digno de ter o amor do meu irmão.

 Ela faz uma pausa para beber mais um gole de café. Alec faz o mesmo, antes de perguntar:

 — E o papai e a mamãe? Também gostaram dele?

 — Com toda a certeza. – afirma Izzy. Depois completa, rindo: – Você tinha até um pouco de ciúme e costumava provocar os dois, dizendo que parecia que gostavam mais do Magnus do que de você.

 — E, se eu bem entendi, o nosso relacionamento evoluiu bem rápido, não foi?

 — Evoluiu, sim. – confirma ela. – Magnus te pediu em casamento quando estavam namorando há somente seis meses e vocês se casaram um ano após o noivado. Mas dava para ver que não estavam sendo nem um pouco precipitados. Acho que vocês dois apenas tinham tanta certeza do que sentiam um pelo outro, que não viam razões para esperar mais.

 Alec termina o seu café e fica em silêncio por alguns instantes, absorvendo tudo aquilo. A história que a irmã está lhe contando parece muito bonita, digna de um filme ou livro, e ele não se conforma por não se lembrar dela.

 — E quanto aos meninos? Quando nós decidimos que queríamos ser pais?

 — Já durante o noivado. – responde Izzy, para sua surpresa. – Vocês entraram em contato com um assistente social antes mesmo de se casarem e foram avisados de que havia um bebê disponível três meses depois da cerimônia. Ao busca-lo no abrigo, acabaram se apaixonando também por um menininho maior, já com três anos. Foi aí que Max e Raph entraram para a nossa família.

 — Nós adotamos os dois de uma vez só? – pergunta Alec, com os olhos arregalados. – Eu não sabia disso!

 Ela assente.

 — Sim. E foi a melhor decisão que você e o Magnus já tomaram, porque esses dois pequenos só trouxeram alegria para todos nós.

 — Isso tudo me parece um tanto apressado. – confessa ele. – Tantas mudanças, em tão pouco tempo...

 — Sim, olhando de fora pode parecer que vocês andaram rápido demais mesmo. – concorda a irmã. – Mas é como eu disse antes: você e o Magnus estavam certos do que sentiam e do que queriam, então não quiseram esperar mais para viver a vida que tanto desejavam.

 Alec começa a levar a xícara aos lábios e para no meio do caminho, lembrando de que já está vazia. Ele se levanta para enche-la de café mais uma vez, depois volta a se sentar.  

 — É muito estranho ouvir você me contando tudo isso, porque eu simplesmente não me sinto conectado ao Magnus e aos meninos. Quer dizer, Max e Raph são duas gracinhas e eu tenho certeza de que o Magnus tem muitas qualidades, mas... Eu não consigo olhar para eles e ver meu marido e meus filhos. Não consigo sentir isso, no meu coração, e não consigo entender porquê.

 — Porque o Alec de 2014, que você acordou pensando ser, sequer os conhecia e não tinha conexão nenhuma com os três. – responde Izzy, com muita naturalidade.

 Alec a encara, piscando lentamente.

 — Eu não tinha pensado nisso, mas faz sentido.

 — É claro que faz. – retruca a irmã, com a sua confiança habitual, e ele não consegue deixar de sorrir. – A conexão que existia entre vocês tem que ser refeita, desde o começo. Por mais estranho que isso soe, você precisa conhecer seu marido e seus filhos de novo. É claro que as suas lembranças sempre podem voltar, mas até lá, essa é a única opção que te resta. E eu posso garantir que vai valer à pena, porque a vida que você construiu ao lado deles te fazia mais feliz do que tudo. Você quis tudo isso, com todo o seu coração. O Magnus te ajudou a se tornar alguém mais consciente das suas capacidades, a ressuscitar sonhos que você sequer lembrava de ter tido um dia. É por isso que eu aprendi a ama-lo como se também fosse meu irmão. Porque ele despertou tudo que havia de melhor em você.

 Ele apenas assente, sem dizer nada, digerindo todas aquelas palavras aos poucos. Em seguida os dois voltam a conversar sobre a nova vida dela na Califórnia. Depois Alec pergunta sobre a mudança dos pais para Londres e Izzy lhe conta tudo, enquanto a tarde passa sem que eles nem notassem. Quando Magnus chega com os meninos, ele e a irmã ainda estão sentados à mesa da cozinha, batendo papo.

 — Isabelle, que bom te ver de novo, eu já estava com saudades! – diz Magnus, se aproximando.

 Ela fica de pé para abraça-lo.

 — Oi, cunhadinho. Também estou muito feliz em ver vocês.

 Max e Raph se atiram em cima da tia, que os cobre de beijos e abraços. Alec fica admirando a cena, percebe o quanto todos ali amam uns aos outros e sente um calor se espalhando pelo peito.

 — Bom, agora eu vou tratar de colocar a lasanha no forno, senão vamos acabar jantando muito tarde. – anuncia Magnus, lavando as mãos na pia.

 Izzy arregala os olhos.

 — Não acredito que você preparou uma das suas lasanhas deliciosas para mim! – diz, o abraçando pelas costas, e ele apenas ri da empolgação dela.

 Então, enquanto a lasanha assa, Magnus vai ajudar os meninos a tomar banho e Alec e a irmã ficam sentados no sofá, conversando mais um pouco. Depois todos jantam, batendo papo e rindo, e até Raphael parece muito mais animado do que de costume, totalmente contaminado pelo efeito Izzy. Quando a refeição termina e ela anuncia que precisa ir embora, os meninos protestam, aborrecidos.

 — Mas eu prometo que passo aqui amanhã, para levar vocês dois para passear e almoçar fora, certo? – diz Izzy, abraçando os dois.

 Os pequenos voltam a ficar animados na mesma hora. Os adultos também se despedem dela com abraços e Isabelle deixa o apartamento. Magnus leva Max e Raph para cama e Alec vai para o quarto. Enquanto escova os dentes e veste o pijama, ele fica pensando nas coisas que Izzy disse e tem uma ideia, então segue até a sala, tentando não fazer muito barulho.

 Magnus está se acomodando no sofá e fica surpreso ao vê-lo.

 — Alexander, o que você está fazendo aqui? Aconteceu alguma coisa? – pergunta, alarmado.

 Alec para na frente dele, um pouco sem graça, mas decidido a ir em frente.

 — Eu acho que já está na hora de você voltar a dormir na sua cama.

 Magnus balança a cabeça.

 — Nada disso. Você ainda está em recuperação e precisa de conforto, não pode dormir todo encolhido nesse sofá.

 — Na verdade, eu estava sugerindo que nós dois dormíssemos na cama. – explica Alec. –  Juntos.

 Magnus arregala os olhos.

 — Ah. Você... Você tem certeza de que quer fazer isso?

 — Tenho, sim. – afirma ele. – Não faz sentido que continue dormindo aqui, sendo que tem uma cama queen size disponível logo ao fim do corredor.

 Magnus assente, ainda parecendo bastante surpreso. Por fim se levanta e pega o travesseiro.

 — Tudo bem. Se você está mesmo certo disso, vamos lá.

 Alec segue para o quarto na frente dele, com o coração martelando dentro do peito. Ele não entende porque está tão nervoso e se sente um tanto bobo. Mas quando os dois entram no quarto e Magnus fica em pé ao lado da cama, trocando o peso do corpo de uma perna para a outra, Alec percebe o quanto ele também está apreensivo.

 — Pode escolher o lado que preferir. – diz, tentando aliviar a tensão.

 Magnus assente e deita do lado esquerdo da cama, então Alec se acomoda do direito, deixando um bom espaço livre entre os dois. Um silêncio desconfortável se instala no quarto e ele tenta quebra-lo.

 — Eu adorei esse quadro. – diz, apontando para a moldura pendurada acima da cabeceira da cama. – É uma obra de arte bem moderna e interessante.

 Magnus sorri.

 — Que bom que você gostou, porque ele é seu.

 Alec franze a testa, surpreso.

 — Sério?

 O outro assente.

 — Sim. Foi um presente meu, dado pouco antes do nosso casamento. Eu vi esse quadro em uma exposição na galeria e lembrei na hora de uma história que você me contou, sobre ter passado um bom tempo obcecado por raposas quando tinha uns nove ou dez anos, então decidi compra-lo e te presentear.

 — Não acredito que eu te contei essa história boba! – diz Alec, rindo.

 — Você me contou essa e muitas outras. – retruca Magnus. – Lembro de quando te entreguei o presente, de como abriu um sorriso enorme e disse que o quadro era lindo. Lembro também de como me repreendeu depois, dizendo que parecia ser uma obra de arte cara e que eu não deveria ter gasto tanto dinheiro, sendo que estávamos arcando com as despesas da cerimônia.

 — Nossa, isso me parece uma coisa um tanto indelicada para se dizer depois de ganhar um presente. – confessa Alec.

 Magnus balança a cabeça.

 — No fim das contas, você estava certo, já que não sobrou dinheiro para pagar a filmagem do casamento. Na época eu não me importei muito com isso, porque você adorou o meu presente e era isso que contava para mim. Mas agora fico pensando que seria bom poder te mostrar as imagens daquele dia e que talvez isso te ajudasse a se lembrar de alguma coisa.

 Agora quem balança a cabeça é Alec.

 — Mesmo que fosse possível, eu iria preferir não ver as imagens do nosso casamento. Não quero ser influenciado e criar falsas memórias, acreditando que lembrei de coisas das quais na verdade não me lembrei. Por isso não pedi para ver os nossos álbuns de fotos também.

 — Eu não tinha pensando por esse ponto de vista. – admite Magnus.

 Os dois ficam em silêncio novamente, mas dessa vez não há nenhum desconforto e Alec o quebra apenas porque sente que precisa falar, precisa desabafar sobre as coisas que percebeu mais cedo, enquanto conversava com Izzy.

 — Minha irmã me contou um pouco sobre a nossa história hoje. Apesar dela não ter entrado em muitos detalhes, deu para perceber o quanto é uma história bonita. E a Izzy falou uma coisa que me levou a pensar muito sobre tudo isso que está acontecendo. Ela disse que eu não consigo me sentir conectado a você e aos meninos porque acordei do coma pensando ser o Alec de cinco anos atrás, que não conhecia vocês. Agora até parece óbvio, mas eu não tinha pensado nisso antes, sabe? Eu só pensava nas mudanças que aconteceram na minha vida, mas não no quanto eu também devia ter mudado de 2014 para cá, como pessoa. Quer dizer, eu passei de um cara solteiro de vinte e poucos anos que morava com a irmã, para um homem casado de quase trinta anos com dois filhos. É impossível que isso tudo não tenha me afetado como ser humano, não tenha mudado minha maneira de ver a vida e o mundo.

  Magnus concorda com a cabeça.

 — Sim, nós dois mudamos. Mas acho que isso já era esperado. Casar, ter filhos... Essas coisas fazem as pessoas mudarem.

 Alec também assente. Os dois ficam calados por alguns instantes, então ele pergunta, falando bem baixinho, quase em um sussurro:

 — A gente costumava fazer isso? Conversar antes de dormir?

 — Costumava, sim. – responde Magnus, sorrindo. – Com a rotina de trabalhar e cuidar das crianças, esse acabava sendo um dos poucos momentos que a gente tinha para conversar a sós.

Com uma certa surpresa, Alec se dá conta de que está se sentindo cada vez mais à vontade ali, então decide continuar se abrindo.

 — A Izzy disse outra coisa que me fez pensar bastante. Que eu preciso conhecer você e os meninos de novo, porque só assim vou refazer a conexão que existia entre nós. E acho que ela está certa. Fiquei focado em resgatar a parte perdida da minha memória, tentando me forçar a lembrar de qualquer jeito, mas nós sabemos que talvez eu nunca volte a recuperar as lembranças dos últimos cinco anos. E se for o caso, não quero simplesmente perder tudo que construí. Se eu me esforcei tanto assim para criar esse lar, essa família, é porque tudo isso devia ser importante para mim. Foi uma escolha minha, ainda que eu não me lembre de tê-la feito agora, e eu quero honra-la.

 Ele percebe que os olhos de Magnus estão marejados e fica alarmado, pensando que o ofendeu sem querer mais uma vez. Mas então o outro diz:

 — Fico feliz que você veja as coisas dessa maneira. E estou disposto a fazer tudo que puder para te ajudar, Alexander.

 Um sorriso de alívio se forma nos lábios de Alec.

 — Eu pensei que a gente podia fazer algumas coisas que costumava fazer antes. Ir a lugares que costumávamos frequentar, como shopping, cinemas, parques. Nós devíamos fazer esse tipo de coisa, não?

 — É claro que sim. – responde Magnus e ele consegue notar uma pequena pontada de animação na voz dele. – Nós sempre levávamos os meninos para passear aos fins de semana e também tentávamos fazer alguns programas de casal, só nós dois, pelo menos duas ou três vezes por mês. A gente saía para almoçar ou jantar, às vezes ia ao...

 Ele se interrompe e suas bochechas ficam vermelhas. Alec franze o rosto, sem entender nada.

 — Ia aonde?

 — Ao motel. – confessa Magnus, cuspindo a palavra de uma vez só e ficando ainda mais vermelho.

 Alec tenta se controlar, mas acaba rindo.

 — Bem, acho que ainda é um pouco cedo para isso. Talvez nós devêssemos deixar essa parte para daqui há um tempo, certo? – diz.

 Magnus assente, também rindo. Depois o rosto dele se ilumina, como se tivesse tido uma ideia.

 — A Isabelle vai levar o Max e o Raph para almoçar fora amanhã, então nós podíamos aproveitar para sair também. Tem um restaurante aqui perto que você adorava e a gente já almoçou lá várias vezes.  

 Alec concorda com a cabeça.

 — É claro, eu vou adorar sair um pouco desse apartamento. Já estou cansado de passar o dia trancado aqui.

 — Então está combinado. – diz Magnus, sorrindo.

 Eles ficam em silêncio mais uma vez e de novo quem fala primeiro é Alec.

 — Eu só queria saber de mais uma coisa... Minha irmã mencionou que você me pediu em casamento, mas no hospital me deram apenas uma aliança. Eu devo ter um anel de noivado, então... Cadê ele?

 Sem dizer nada, Magnus estende a mão para o criado mudo, abre a gaveta e pega algo lá de dentro. Depois lhe entrega um anel grosso de prata, com várias pedras azuis minúsculas cravejadas ao seu redor.

 — É lindo. – diz Alec, com sinceridade.

 — Me entregaram no hospital, junto com o restante das suas coisas. – conta Magnus. – Você já estava tão confuso e sobrecarregado com tudo que nós tínhamos te contado, então eu acabei apenas o guardando aqui. Quer dizer, você nem tinha voltado a usar a sua aliança, por isso imaginei que não fosse querer usar o anel de noivado também.

 Alec assente, entendendo perfeitamente.

 — Eu ainda não me sinto pronto para voltar a usar a aliança. – confessa. – Mas gostaria de usar esse anel, se você não se importar.

 — É claro que não me importo, Alexander. – responde Magnus com uma voz suave. – Ele é todo seu, eu escolhi cada detalhe dessa joia pensando em você.

 Alec assente mais uma vez, sorrindo. Depois coloca o anel no dedo anelar da mão direita e os olhos de Magnus ficam marejados de novo. Ele pensa que já o sobrecarregou demais essa noite e então diz:

 — Bem, já é tarde. Eu sou um cara desocupado nesse momento, mas você precisa acordar cedo para ir trabalhar amanhã, por isso acho melhor te deixar dormir em paz agora. Boa noite, Magnus.

 Alec começa a se virar para o outro lado, mas ele segura o seu braço.

 — Posso... Posso te dar um beijo? Na testa, só um beijo de boa noite inocente.

 É um pedido tão simples e ainda assim Magnus parece tão constrangido por fazê-lo. Alec imagina o quanto deve ser difícil ter que pedir isso ao próprio marido e sabe que não pode negar isso a ele.

 — É claro. – diz, chegando mais perto dele.

 Então Magnus se inclina para colar os lábios na sua testa.

 — Boa noite, Alexander. – diz, e depois se vira de costas para ele.

 Alec também vira de costas, mas não sem antes perceber que os ombros dele estão tremendo. Depois, enquanto espera que o sono lhe arraste para o mundo dos sonhos, também ouve alguns soluços contidos e sente uma pontada no coração.

 Na manhã seguinte, Alec acorda sozinho na cama, com o Sol já alto, seus raios brilhosos iluminando a cortina e o piso do quarto. Ele sai descalço pelo corredor e encontra Magnus e os meninos tomando café da manhã. Ao vê-lo, Max sorri, com a boca toda suja de calda.

 — Papai, papai! Adivinha, só? O papa fez panquecas! – diz, sacudindo o garfo com um pedaço espetado, que voa longe e aterrissa bem na blusa de Raph.

 — Olha só o que você fez! – reclama o menino. – Sujou a minha camiseta, agora eu vou ter que trocar de roupa de novo antes de sair com a tia Izzy!

 Max franze o rosto em uma careta de culpa.

 — Desculpa Raph, eu juro que foi sem querer.

 — Não vamos brigar por causa disso, meninos. – intervém Magnus, puxando uma cadeira para que Alec se sente. – Eu vou te ajudar a escolher uma camiseta ainda mais bonita do que essa para usar no passeio com a sua tia, Raphael.

 Ele começa a lhe servir uma xícara de café e só então Alec repara o quanto está arrumado e bem vestido, com os cabelos penteados, um suéter vinho e uma echarpe cinza enrolada no pescoço. Expressando seus pensamentos, Max diz:

 — Você está bonitão, papa. Também vai passear com a gente hoje?

 Magnus ri e se inclina para limpar a boca dele com um guardanapo.

 — Em primeiro lugar, obrigado por dizer que estou bonitão. E em segundo, não, eu não vou acompanhar vocês três. Na verdade, eu e o papai também vamos sair para almoçar, só nós dois.

 Max simplesmente assente, como se não visse nada demais naquilo, mas apesar de não dizer nada, Raphael faz uma expressão admirada. Magnus coloca algumas panquecas no prato de Alec e volta a se sentar.

 — Agora vamos tratar de comer logo, senão vocês dois ainda não vão estar prontos para sair quando Isabelle chegar.

 Todos continuam comendo e Alec se pergunta quantas vezes essa cena se repetiu nos últimos anos: pais e filhos tranquilamente tomando café da manhã juntos no fim de semana. Ele sente mais uma pontada no coração, querendo se lembrar de pelo menos uma delas. De repente Max olha para o seu peito e franze o rosto.

 — Cadê o seu colar, papai? – pergunta.

 Alec não faz ideia de que colar ele está falando, por isso lança um olhar confuso para Magnus, que pela milionésima vez desde o acidente o socorre imediatamente.

 — Está comigo, meu amor. O colar estava junto com as roupas que vieram do hospital e eu guardei.

 — Mas o papai sempre usava o nosso colar, você tem que devolver para ele logo! – protesta o menino.

 Com um suspiro, Magnus se levanta.

 — Tudo bem, eu vou buscar o colar.

 Ele sai pelo corredor e Max vai atrás dele, deixando Alec sozinho com Raphael, que o encara com um olhar firme.

 — Você não lembra do colar, não é?

 Sabendo que não adianta mentir, Alec apenas assente. Então Raph continua:

 — Eu sei que você não lembra de nada agora. Nem do papa, de mim e do Max. Por que?

 — Porque eu bati com a cabeça durante o acidente e o trauma afetou minha memória... – ele começa a explicar, mas Raphael o interrompe.

 — Isso eu já sei, o papa explicou tudo. O que eu queria saber é por que você esqueceu só da gente, e não do vovô, da vovó e da tia Izzy.

 Dá para perceber uma pontada de mágoa na voz dele e Alec fica com o coração apertado.

 — Infelizmente, isso eu não posso te responder. – diz com sinceridade. – Não sei porque esqueci justamente dos últimos cinco anos, quando vocês três entraram na minha vida. Nem mesmo os médicos sabem e não há nada que se possa fazer para descobrir.

 — Você sempre ficava se exibindo, dizendo que tinha uma memória boa. – conta Raph. – O papa é meio esquecido e precisa colocar bilhetes na porta da geladeira, para não esquecer que vai ter reunião na nossa escola ou que a gente tem consulta no dentista. Mas você sempre lembrava de tudo, papai.

 Alec percebe que essa é a primeira vez que o menino lhe chama assim desde que voltou para casa e sente um nó na garganta. Em um impulso, ele estende o braço por cima da mesa para segurar a mão dele, mas Raphael se esquiva.

 — Eu não posso voltar no tempo e mudar o que aconteceu. A única coisa que posso fazer agora é tentar me encaixar aqui, nessa família que é minha, mesmo que eu não me lembre. Eu estou disposto a me esforçar para isso e gostaria muito que você me ajudasse.

 — Mas como eu posso te ajudar? – pergunta Raph, franzindo ao testa.

 — Quando eu fizer algo de um jeito diferente do que eu fazia antes, você pode me corrigir, por exemplo. – responde Alec. – Ou me explicar a respeito das coisas que eu não me lembro mais. E ter paciência comigo, porque provavelmente vou cometer muitos erros até aprender de novo como tudo funciona por aqui. Você poderia fazer isso por mim, Raphael?

 O menino assente solenemente.

 — Posso. – afirma, antes de completar: – E você nunca me chama de Raphael, só de Raph.

 Alec não consegue deixar de sorrir.

 — Então, muito obrigado, Raph.

 Bem nessa hora Max e Magnus voltam. O pequeno se aproxima e lhe entrega uma corrente dourada, com dois pingentes com as letras “M” e “R”.

 — A gente te deu esse colar de presente no último Dia dos Pais. – explica Raphael. – O papa também tem um. A vovó que ajudou a escolher, quando nós fomos visitar ela e o vovô na Inglaterra.

 — É um belo presente. – diz Alec, colocando a corrente em volta do pescoço.

 O peso e o toque frio do metal lhe parecem muito familiares e ele chega a pensar que vai se lembrar de alguma coisa, mas sua mente continua totalmente em branco. Alec sorri, tentando disfarçar sua frustração, e se levanta para levar a louça suja para a lava louças. Enquanto ele limpa tudo, Magnus ajuda os meninos a terminarem de se arrumar e logo Izzy chega, pronta para leva-los para passear.

 — Onde a gente vai, tia? – pergunta Max, curioso.

 — Bem, eu pensei que nós podíamos dar uma volta no parque, para aproveitar esse dia lindo, depois seguir até o shopping, almoçar lá e ainda assistir um filme antes de voltar para casa. Vocês topam?

 Os dois pequenos assentem ao mesmo tempo, quase saltitando de tanta animação. Max se aproxima para abraçar Magnus e Alec e, para sua surpresa, Raphael também lhe dá um abraço contido.

 — Tchau, papai. – diz, e ele se surpreende novamente com a emoção que o atinge ao ouvi-lo o chamando assim.

 — Tchau, Raph. Divirta-se.

 — E comportem-se bem. – completa Magnus.

 Izzy sai dali com os sobrinhos e Alec vai se arrumar para que também possa sair com Magnus. Quando volta para sala, depois de ter tomado banho e vestido uma calça jeans preta e um suéter cinza, encontra o outro sentado no sofá, lendo um livro sobre arte enquanto o espera. Ao vê-lo, ele fecha o livro e fica de pé.

 — Podemos ir agora?

 Alec assente.

 — Podemos, sim.

 Então os dois deixam o apartamento. Já no elevador, Alec comenta:

 — Acho que não estou vestido à sua altura. Você é todo estiloso e moderno, usa um bocado de acessórios, penteia o cabelo de um jeito descolado, enquanto eu sou o cara mais sem graça desse planeta, que usa basicamente preto, bege e cinza.

 — Com essa aparência de Deus grego, você poderia pendurar um assento de privada ao redor do pescoço e ainda continuaria lindo. – retruca Magnus, com uma expressão travessa.

 Alec não consegue deixar de rir do comentário. Eles chegam ao térreo, saem do prédio e seguem a pé até o restaurante, que Magnus disse ficar bem perto dali. O dia está bonito e ensolarado, com algumas poucas nuvens brancas voando aleatoriamente pelo céu. Uma brisa fresca sopra e Alec deseja ter vestido uma jaqueta, mas mesmo o frio não diminui a sua animação por finalmente passar um pouco de tempo fora de casa, depois de tantos dias trancado no apartamento.

 Em menos de quinze minutos, os dois chegam ao restaurante e se acomodam em uma das mesas do lado de fora. Um garçom se aproxima, anota os pedidos e volta para o interior do estabelecimento. Alec olha ao redor, mais uma vez tentando sentir uma fagulha de reconhecimento, buscando algo que lhe desperte alguma lembrança, mas nada acontece. Logo a comida chega e eles começam a comer, ainda calados, mas então ele se toca de uma coisa e comenta:

 — Você ainda não me contou como nós nos conhecemos.

 — Foi na galeria onde que eu trabalho. – responde Magnus, antes de beber um gole do seu suco de laranja.

 Alec não consegue esconder a sua surpresa.

 — E o que raios eu estava fazendo em uma galeria de arte?

 Magnus ri do jeito dele.

 — O seu chefe te convidou para a exposição de quadros da esposa dele e você achou que seria indelicado demais recusar. – explica. – Eu vi um homem alto e de cabelos escuros, parado na frente de uma das obras, parecendo muito interessado nela, e pensei: Aí está a minha chance de fazer a primeira venda do dia. Então me aproximei e comentei sobre o modo como as cores se misturavam em perfeita harmonia, criando formas que geravam diversas interpretações interessantes. Aí você se virou para me encarar e disse: Me desculpe, mas para mim parece que alguém simplesmente esfregou tinta no traseiro e depois se sentou em cima da tela.

 Alec quase engasga com a comida.

 — Meu Deus, que indelicado! Você deve ter me achado um imbecil! – diz, sem graça.

 Magnus balança a cabeça.

 — Na verdade, eu gostei da sua sinceridade. – afirma. – Mas é claro que não consegui me controlar e caí na gargalhada. Você também começou a rir e logo os outros convidados passaram a nos lançar olhares de reprovação, por isso tratamos de sair logo dali, antes que alguém nos desse uma bela bronca. Te levei até a lateral do prédio, sentamos em uma mureta e ficamos conversando sob o Sol. Depois de um tempo eu voltei para dentro da galeria, roubei uma bandeja de canapés e nós devoramos tudo, ainda batendo papo. Obviamente, acabei não vendendo um quadro sequer naquele dia, mas voltei para casa sabendo que tinha encontrado algo muito mais valioso do que qualquer comissão que poderia ter ganhado.

 Os olhos dele brilham com a lembrança e Alec deseja mais do que tudo poder se lembrar daquele momento também.

 — Você me telefonou no dia seguinte e nós marcamos um encontro para aquele fim de semana. – continua Magnus. – Depois disso começamos a nos ver cada vez mais e mais, e antes do fim do mês já éramos oficialmente namorados. Foi tudo muito intenso e rápido, mas ainda assim eu não senti medo. Pode soar estranho e até mesmo bobo, só que eu soube que você era o cara certo logo na primeira vez em que conversamos, do lado de fora da galeria.

 Alec não sabe ao certo o que dizer, por isso fica calado. Os dois terminam de comer e decidem dar uma volta no quarteirão antes de voltar para casa. Ele tinha pensado em fazer várias perguntas para Magnus, em tentar descobrir o máximo de informações possíveis, mas a verdade é que não sente vontade de falar agora. Alec quer apenas aproveitar a presença dele, o calor do Sol, a tranquilidade de estarem desfrutando um momento simples. Ele só quer se sentir um homem normal, como não se sente desde que perdeu parte da memória.

 Quando estão quase chegando ao prédio onde moram, Magnus o surpreende ao perguntar:

 — Posso te dar um abraço?

 — É claro. – responde ele, parando no meio da calçada.

 Então o outro se aproxima e o envolve entre os braços. Magnus puxa o seu corpo para perto do dele, bem apertado, e descansa a cabeça sobre o seu ombro. A princípio Alec fica parado, com os braços abaixados, em dúvida de como deve reagir, mas por fim ele sente os músculos relaxando e o abraça de volta. Os dois ficam assim por um bom tempo, até que Magnus se afasta, visivelmente emocionado.

 — Eu te amo, Alexander. – diz. – Você não precisa dizer de volta, sei que não se sente mais assim agora. Mas eu precisava colocar isso para fora, precisava deixar claro que o meu amor por você continua vivo dentro do meu peito.

 — Tudo bem. – é tudo que Alec consegue dizer.

 Eles seguem caminhando pela calçada, em silêncio. Ao chegar em casa, apesar de ainda ser cedo, começam a adiantar o jantar, enquanto as crianças não chegam também. Quando Izzy volta com os sobrinhos, já está tudo praticamente pronto. Apesar da insistência dos dois, ela não fica para comer com eles porque já tinha combinado de sair com uma amiga. A rotina de toda noite se segue, com Magnus ajudando os filhos a tomar banho, e depois os quatro se sentam à mesa para jantar.

 Durante toda a refeição, Max e Raphael tagarelam sem parar sobre o passeio, contando cada detalhe do que fizeram. Alec fica feliz por ver que Raph parece muito mais animado e aberto depois da conversa que tiveram mais cedo. Agora sim ele parece um garotinho feliz de seis anos, e não um adolescente rabugento, sempre com a cara fechada.

 Quando chega a hora de dormir, Magnus leva os meninos para a cama e Alec vai para o quarto. Ele escova os dentes, veste o pijama, se acomoda sob as cobertas, repassa o dia em sua cabeça e, pela primeira vez desde que saiu do hospital, consegue realmente acreditar que tudo vai ficar bem. Alec se enche de esperanças, pensando em continuar a sair com Magnus, em se aproximar cada vez mais de Max e Raphael, até que comece a se sentir conectado aos três do jeito que deveria se sentir. Como marido e como pai. Ele sorri para si mesmo e o medo de nunca mais recuperar sua memória diminui dentro do seu peito, porque agora Alec sabe que, de um jeito ou do outro, tudo vai ficar bem.

 E então leva um balde de água fria na cabeça ao ver pela fresta aberta da porta quando Magnus se esgueira pelo corredor, com o travesseiro e as cobertas nas mãos.

 Alec fica de pé em um pulo para ir atrás dele e o alcança já na sala.

 — Ei, por que você está se preparando para dormir no sofá? Eu fiz alguma coisa errada ontem? – pergunta, confuso.

 Magnus balança a cabeça.

 — Não, você não fez nada errado. – afirma, e dá para ver que está dizendo a verdade. – É só que... Eu não consigo deixar de querer coisas que não pode me dar, pelo menos não ainda. Não me leve a mal, você está sendo incrível, tentando se aproximar de mim e dos meninos, tentando fazer parte da nossa vida. Você poderia querer passar um tempo longe de nós, para processar tudo isso, poderia decidir ficar em um hotel. Seria um direito seu e ninguém poderia lhe negar isso, mas ainda assim escolheu ficar e tentar se encaixar de novo na nossa família. Mas... – ele faz uma pausa e morde os lábios. – Mas é difícil para mim deitar ao lado do meu marido sem querer que ele me olhe com o mesmo amor e o mesmo desejo que olhava antes, entende?

 Alec sorri com tristeza.

 — É claro que eu entendo.

 Magnus ergue a mão esquerda, mostrando a sua aliança.

 — Eu ainda uso isso aqui, enquanto você está usando o seu anel de noivado. Nós estamos em degraus diferentes e, para tudo isso voltar a dar certo, eu vou ter que me obrigar a descer um pouco e recomeçar do mesmo ponto onde você está. Por isso não podemos dormir na mesma cama, ao menos por enquanto.

 — Você tem razão, faz todo o sentido pensar assim. – diz Alec. – Mas acho que você já dormiu noites demais no sofá e agora é a minha vez de dormir aqui.

 O outro volta a balançar a cabeça com força.

 — Não, eu já disse que não vou concordar com isso. Você ainda não tirou os pontos, precisa de conforto.

 Um sorriso debochado se forma nos lábios de Alec.

 — Você é um tanto teimoso, sabia?

 Magnus ri e enxuga os olhos na manga do pijama.

 — Sei, sim. Esse é um dos motivos principais das nossas brigas: a minha teimosia.

 Alec arregala os olhos, surpreso.

 — Ora, você nunca tinha me dito que nós costumávamos brigar!

 — Todos os casais brigam, Alexander. – retruca Magnus. – Só aqueles que já não se importam mais um com o outro conseguem escapar disso. E nós... Bem, nós sempre nos importamos muito. Tem uma frase que você costumava dizer, que eu sempre achei muito engraçada, embora nunca te dito: Pelo amor de Deus Magnus, eu sei que você não é um imbecil, mas está agindo como um agora. – ele ri, mas seus olhos estão marejados. – Acho que isso é amar alguém de verdade, quando você consegue ver os defeitos do outro e continua a ama-lo mesmo assim.

 Os dois ficam em silêncio por um bom tempo, apenas se encarando. Então Magnus começa a ajeitar as cobertas sobre o sofá.

 — Bem, o dia foi agitado e acho melhor a gente ir dormir agora.

 Alec concorda com a cabeça. Um impulso se forma dentro dele e, quando se dá conta, as palavras já escaparam da sua boca.

 — Posso te dar um beijo de boa noite, na testa?

 Magnus congela inclinado sobre o sofá, segurando a ponta do lençol, parecendo ter sido totalmente pego de surpresa. Alec se repreende internamente, pensando que não deveria ter feito um pedido desses, logo depois do outro explicar que ainda era doloroso ficar perto dele. Mas o alívio invade seu peito quando Magnus assente.

 — É claro. – diz, se aproximando.

 Alec segura a cabeça dele entre as mãos e beija a sua testa com delicadeza. Ele sente vontade de deslizar os lábios até a boca dele, porém se controla. Alec sabe que está em vantagem nessa situação: ele é apenas um homem curioso, querendo explorar um território desconhecido e descobrir o que existe de bom ali, mas Magnus é um homem apaixonado, buscando qualquer migalha de afeto e amor daquele que ama. E Alec jamais usaria esse fato para manipula-lo, de qualquer jeito que fosse.

— Boa noite, durma bem, não deixe os percevejos picarem ninguém. – diz.

 Magnus sorri.

 — Você sempre dizia isso para os meninos, antes de bota-los na cama.

 — Minha mãe fazia o mesmo comigo e com a minha irmã, quando nós éramos crianças. –  explica Alec.

 — Eu sei, você me já me falou sobre isso. – conta o outro. Depois ri e completa: – Na primeira vez em que disse essa frase, o Max franziu o rosto e retrucou: Mas não tem nenhum percevejo aqui na minha cama, papai.

 Alec também ri.

 — Ele é uma figurinha.

 Magnus assente.

 — É sim. A nossa figurinha.

 Mais uma vez, os dois ficam em silêncio e dessa vez quem o quebra é Alec.

 — Vou deixar você descansar agora. Boa noite, Magnus.

 O outro se deita no sofá e responde:

 — Boa noite, Alexander.

 Então Alec sai dali e segue para o quarto. Ele repassa os acontecimentos do dia dentro da cabeça mais uma vez e chega à conclusão de que, apesar dos pesares, chegou à essa noite com o saldo positivo. Esse pensamento o ajuda a relaxar e logo Alec cai em um sono tranquilo e profundo.



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