O ambiente parecia se organizar propositalmente num clima exageradamente romântico. As estrelas brilhavam, a lua ocupava um grande espaço no céu e iluminava o jardim sem precisar da ajuda de mais lâmpadas, a brisa leve soprava e levava com delicadeza algumas folhas da grande árvore onde os balanços estavam. Se tivessem preparado um lugar, talvez a cena não conseguisse ficar tão visualmente bonita como ficara ali, sem preparações.
A calmaria da paisagem contrastava com a explosão de sentimentos e a rapidez com que os dois corações ali presentes batiam. Sentiam várias coisas, menos calma. Era o despontamento de um sentimento que ambos negavam ter, mas que percebiam juntos que existia de verdade. Talvez parecesse absurdo se envolver tão rapidamente com alguém, mais ainda numa situação começada de forma tão estranha, mas absurdo não era o mesmo que impossível.
Não definiriam como amor, nem saberiam dizer se era paixão. Era melhor não rotular. Podiam apenas pensar naquele sentimento como algo extremamente bom, que fazia seus corações pulsarem mais rápido que o normal, tirava sorrisos bobos de seus lábios e desejava cada vez mais proximidade. Quanto mais perto estavam, mais perto queriam estar – e esse era um desejo que os deixava inquietos, confusos, ansiosos. Não que nunca tivessem experimentado coisa parecida, mas as circunstâncias eram tão únicas que não poderiam ser comparadas.
Afinal, não são muitas as pessoas que se apaixonam depois de levar alguns socos.
O tempo parecia passar mais devagar, as coisas externas pareciam não existir. Eram apenas os dois e mais nada. E o que começou como um selar desesperado de lábios que ainda não se conheciam, já tinha se tornado um beijo bem mais cheio de proximidade e entrega. Um não, alguns. As mãos tímidas de Wang Yibo, antes perdidas, agora oscilavam entre a nuca e a cintura do mais velho em sua frente, enquanto Xiao Zhan não se preocupava em ter qualquer ponto fixo, permitindo que sua única mão livre passeasse do rosto à coxa do mais novo.
Quando se separavam, eram rápidos em retomar o mínimo ar necessário e se aproximar outra vez, como se estivessem desesperados por aquele momento há tempos ou como se nunca mais pudessem repeti-lo. Se descobriam pela primeira vez e se completavam perfeitamente como se já tivessem trocado milhares de beijos antes. Por mais que a proximidade entre eles tivesse crescido nos últimos dias de forma inesperada, aqueles beijos ainda pareciam surreais em suas mentes, eram totais reflexos das vontades dos corações que ignoravam a razão que dominava até então.
Não precisavam de exatas razões pra terem aquele desejo, precisavam?
E talvez não tivessem se separado tão cedo (embora isso tenha demorado alguns bons minutos pra acontecer), se uma das cordas que sustentava o balanço não tivesse se rompido e jogado ambos no chão de maneira desastrosa e constrangedora. Xiao caiu sobre Yibo e os dois riram juntos por minutos quase tão longos quanto os que haviam gastado até pouco antes. As gargalhadas saiam sem medo, ecoando pelo jardim e levando todo o clima pesado do começo da tarde.
“É um milagre que tenha durado até agora” – Xiao Zhan ainda ria, enquanto se sentava na grama e encarava o restante do antigo balanço pendurado por um único lado. Algo que fora construído há tanto tempo e pra resistir ao peso de uma criança, sendo usado anos depois por dois homens adultos claramente não teria muitas chances de sobrevivência.
Naquele momento, seu coração estava tão cheio de amor e felicidade que as palavras terríveis e a rejeição de antes eram esquecidas.
“Não se machucou, né?” – Yibo sentou-se ao lado dele, sendo cuidadoso em observar o braço imobilizado de perto, com medo de a queda ter causado algum novo trauma. Zhan negou ainda sorrindo, voltando seu olhar a ele mais uma vez.
Timidez, desconforto, bochechas rosadas, falta de palavras.
Era difícil ter o que dizer depois de um momento de inesperado e surpreendente carinho, depois de uma declaração que saiu sem planejamento. E talvez nem precisassem de palavras. Yibo e Xiao Zhan se encararam em silêncio por um instante, com pequenos e discretos sorrisos. Enquanto o mais velho desviava o olhar na direção do céu estrelado tentando esconder a própria timidez, o mais novo não deixava de encará-lo, deslizando a mão sem pressa pela grama até que seus dedos alcançassem os do outro. Xiao sorriu ao sentir o toque quente em sua mão e não pode deixar de corar assim que os dedos se entrelaçaram. Realmente, palavras seriam insuficientes.
“Minha mãe morreu no ano passado” – Yibo rompeu o silêncio, depois de algum tempo em que apenas ficaram quietos observando as estrelas. Xiao Zhan o encarou, sem receber seu olhar e sem entender sua colocação naquela voz calma que não parecia demonstrar sentimento nenhum – “Eu queria ter me despedido melhor e me desculpado por algumas coisas”
“Estavam brigados quando aconteceu?” – perguntou, sem desviar o olhar, atento ao que o outro dizia e fazia. Sem muito esforço, Yibo assentiu. Sua expressão mudava pouco, mas já era suficiente pra demonstrar certa tristeza – “Foi por isso que me trouxe até aqui?” – Xiao então entendeu bem o que ele queria dizer. Yibo tinha os arrependimentos, ele não queria que mais alguém se sentisse da mesma forma.
“Minha mãe pensava um pouco como seu pai” – suspirou, agora encarando o chão numa expressão mais frágil que qualquer outra. As lembranças invadiam sua mente e era difícil não ser atingido por elas – “Ela nunca me tirou de casa, nem me agrediu por isso, mas não conseguíamos mais ter boas conversas depois que eu contei a ela como me sentia em relação à minha vida” – Xiao podia perceber que aquele era um assunto que Yibo nunca tinha dividido com ninguém e então seu coração batia mais forte por saber que tinha sua confiança – “Se eu soubesse que aquilo ia acontecer...”
“Eu tenho certeza que você não fez nada de errado e também não é errado ser quem você é” – Xiao Zhan o interrompeu, percebendo toda a mágoa em sua fala nostálgica e arrependida. Ele se aproximou um pouco, colocando força na mão que o segurava em sinal de segurança – “Não fique se martirizando agora”
“É bom que você tenha conseguido” – Yibo sorriu de leve, deixando de encarar o céu e mirando o mais velho outra vez, enquanto disfarçava os sentimentos trágicos que haviam surgido por conta da conversa
“Eu não teria conseguido sem a sua ajuda” – acariciou de leve os dedos que tinha entre os seus, sorrindo sem mostrar os dentes. Talvez aquela fosse a primeira vez em que ele cumpria o papel de protetor e assim podia demonstrar toda sua gratidão – “Obrigado”
“Meninos?” – uma nova voz os interrompeu, revelando um sorriso singelo assim que notou o susto que ambos levaram. Yibo e Xiao Zhan reagiram rápidos e assustados, mas não se separaram antes de terem sido notados pela mãe do mais velho. Ela, porém, não disse nada, nem mudou sua expressão de ternura – “A comida está esfriando, venham pra dentro”
A mulher sinalizou para a casa e foi caminhando à frente, sendo logo seguida pelos dois garotos que ocupavam seu jardim. Ela mentiria se dissesse que já compreendia por completo como seu filho vivia a vida, como ele não se encaixava naquilo que planejaram desde seu nascimento, mas já havia decidido há tempos que isso não seria mais importante em sua relação. A oportunidade perfeita pra uma reconciliação estava em sua frente e ela não a desperdiçaria.
A verdade era que a mãe de Xiao Zhan já concordou e discordou com a forma como o marido tratava seu filho, mas também nunca teve forças ou coragem pra contrariá-lo. De início, quando descobriram de repente que o menino que criaram tinha um namorado no colégio, ela também se opôs, não só isso, mas também o ofendeu e não foi contra sua expulsão. Foram anos até que ela começasse a se arrepender de ter se afastado do único filho daquela forma.
Hoje, continuava sem entender como as coisas funcionavam, como ele poderia estar e gostar de outro garoto, mas não deixava mais que suas dúvidas e interrogações interferissem no jeito como viveriam. Guardaria as perguntas pra si e aproveitaria o tempo ao lado do menino que nunca deixou de amar.
“Zhan, me ajude aqui, por favor” – a mulher deixou alguns dos pratos sobre a mesa, chamando pela ajuda do filho. Assim que ele foi até a cozinha, no entanto, ela saiu sorrateira pegando Yibo pelo pulso e levando-o até outro cômodo da casa. Ele não entendia nada, mas podia perceber que a mais velha queria conversar sem que o filho escutasse ou visse. Ela o encarou e sorriu, soltando seu pulso em seguida – “Obrigada por ter vindo ate aqui e trazido meu filho”
“Não precisa me agradecer” – sorriu tímido, sem saber bem como reagir ao olhar agradecido e terno que recebia. O sorriso da mulher logo deu lugar a uma expressão de dúvida e incerteza, junto de um suspiro longo que deixou o garoto sem entender muito de sua intenção – “Cuide bem dele, tudo bem? Eu não vou...” – mais uma respiração longa cheia de insegurança – “Eu não vou me meter, nem dizer nada, eu só quero que... Que ele seja feliz”
Yibo sorriu e assentiu, mesmo sem saber exatamente como a relação dos dois seguiria dali pra frente. Cuidar de alguém, fazer uma pessoa feliz, era com certeza uma responsabilidade gigante, mas ele a aceitaria. Antes mesmo que aquela mãe pedisse, seu desejo era o mesmo, dar a felicidade que pudesse a Xiao Zhan. A mulher saiu em seguida, sem mais coragem de continuar a conversa ou fazer mais pedidos, ainda não sabia como reagir frente ao garoto que seu filho gostava agora – e ele não precisava dizer, ela lia em seus olhos. Yibo a seguiu, não precisava ouvir mais, era suficiente saber que aquela mulher aceitaria sua presença e as escolhas de seu filho dali pra frente.
“Zhan” – assim que voltou à cozinha, a mulher disfarçou seu olhar anterior com um sorriso enorme e ignorou o rosto cheio de duvidas do filho que percebeu bem que ela tinha sumido por alguns segundos. Yibo riu de sua expressão confusa, mas não disse nada – “Quero fazer uma pergunta” – parou, dividindo o olhar entre os dois garotos no cômodo – “Como vocês se conheceram?”
Yibo e Xiao Zhan se entreolharam e riram juntos. Seria uma história divertida pra contar.
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