Paralisia do sono. É como se nosso corpo estivesse tentando acordar mas essa mensagem não era recebida de forma correta, nossa mente funciona, mas nosso corpo não, nós ouvimos tudo, sentimos tudo. É como sair do corpo e se olhar de fora, você já sentiu isso? Já vou logo avisando, é horrível, mas é ainda pior, quando no fundo, não estamos dormindo.
— não, não, não — Rebekah estava histérica.
— eu sei, é assim mesmo, choca — Lucky pousou sua mão sobre seu ombro.
— não! Não me toque — ela se afastou — você não pode me tocar, você morreu.
— vai por mim, meu bem, estamos no mesmo barco, ou mesmo plano, se preferir.
— não, não é possível, eu não estou morta, e eu não estou falando com o marido morto da minha melhor amiga.
— noivo.
— tanto faz, eu não morri, eu só devo... Eu devo ter batido a cabeça, e agora estou louca. É, essa é a única explicação.
— se é nisso que quer acreditar, não posso fazer nada. Boa sorte com sua loucura. Eu tenho que ir.
— pra onde vai? — perguntou, inocentemente.
— isso aqui tem suas vantagens.
— como assim?
— é como uma câmera, você pode reviver os momentos que já viveu, mas só como espectador. Talvez isso seja o céu, de certa forma.
— parece... Parece legal — Rebekah parecia triste.
— você quer vir? — perguntou sorrindo, estendendo a mão para a garota, que a segurou, meio relutante, encarando a verdade.
[...]
— o que vai fazer com os remédios dessa vez? — perguntou Carlos.
— não quer se livrar deles como da última vez? — Zack sorriu, indo até ele, passando os dedos por seus ombros, quando Carlos o empurrou de volta à cama, e Zack deu outro sorriso, mas agora, com ironia — ótimo, que seja assim, então.
— você só me usou, alguma vez considerou me dar o que prometeu?
— sinceramente? Quase vomitei quando tive que beijar você — admitiu Zack, e Carlos fechou a cara imediatamente — então, desculpe, mas eu nunca transaria com você. Não quero que se sinta mal, eu precisava de um passe livre, e você serviu pra mim, mas não significa que você não tem suas qualidades.
— tipo, qual?
— você é engraçado, e é... Bonito.
— jura?
— é, com certeza.
— bom, eu já vou, me dá isso — ele pegou os comprimidos, guardou no bolso, e saiu do quarto, quando do nada, uma silhueta escura surge atrás da porta, saindo das sombras.
— que porra é essa? — perguntou Zack, assustado.
— você beijou ele? — perguntou.
— Dylan? Como entrou aqui?
— você estava fazendo a confissão perfeita de uma traição, e então eu entrei de fininho, e me agachei atrás da porta, e à propósito; a segurança desse lugar é péssima.
— o que tá fazendo aqui? Eu disse pra não vir.
— quando vai entender que não manda em mim?
— mas você manda em mim, certo?
— como?
— você me jogou nesse muquifo, e nem se importou com o que eu achava.
— eu fiz o que era melhor pra você.
— Dylan, você não sabe o que é melhor pra mim, então para de tentar me concertar.
— eu não quero te concertar, eu quero você comigo, porra! — Zack ficou quieto, sem entender o que Dylan quis dizer — eu quero você aqui pra poder te mandar à merda, eu quero você aqui pra beijar você, e depois dizer que te odeio, e quero você aqui porque nós prometemos. Nós escolhemos um ao outro, então se for preciso colocar você numa camisa de força, eu vou colocar, porque eu te amo, seu merda!
— Dylan... — Zack o encarou, com o arrependimento nos olhos.
Dylan deu um, dois, três, quatro passos até Zack, parando bem a sua frente.
— não sabe o quanto essa semana foi difícil sem você — Dylan segurou o queixo do garoto com os dedos, acariciando sua pele, que estava com pequenos pelos, provavelmente era difícil fazer a barba. Acho que não costumam dar lâminas pra um suposto suicida — devia deixar essa coisinha crescer — Dylan sorriu, e delicadamente, o puxou; ainda pelo queixo, encostando seus lábios. Foi um beijo doce, sem pressa, sem raiva, sem língua, foi perfeito.
Zack estava com os olhos fechados, sentindo os lábios quentes e úmidos de Dylan, e ainda com os olhos fechados, se afastou, escondendo os lábios, como se fosse um idoso.
— Dylan, me desculpa.
— pelo quê?
— eu disse coisas, coisas que não queria dizer.
— tá tudo bem.
— não, não tá, eu disse... Eu disse que...
— que não deveria ter me tirado da frente daquela bala. Eu lembro — Dylan deu um sorrisinho.
— eu sinto tanto. Eu nunca me senti tão mal na vida inteira, é sério, e olha que quando eu tinha nove anos, eu tirei meu peixinho dourado do aquário pra dormir com ele, e quando eu acordei, ele estava morto, então eu coloquei ele perto do gato e disse pro meu pai que ele que tinha matado o meu peixinho. — Dylan riu, e Zack fez uma cara feia — eu tô falando sério.
— e eu também. Tá tudo bem, é claro que me magoou, mas eu sei que você não quis dizer aquilo.
— não quis mesmo.
— tudo bem, você vai me recompensar — Dylan o puxou para mais um beijo, e dessa vez, toda a delicadeza voou pelos ares, e os dois estavam mergulhados no gosto da língua um do outro — fantasiei com isso, sabia?
— caramba, como eu senti sua falta — Zack sorriu, ainda nos braços de Dylan.
— espera, acabei de lembrar que você beijou outro cara.
— ah, para com isso, acha mesmo que eu não tenho auto-controle? Eu só fiz isso pra pegar as chaves dele.
— chaves de quê?
— da sala de registros, foi antes que eu corresse para o banheiro, e ligasse pra vocês. Você sabia que eu dei descarga num iPhone? Me senti tão poderoso.
— falando em poder, a Storme é rica agora, Lucky deixou uma fortuna pra ela.
— fiquei sabendo.
— só um segundo, sala de registros? O que foi fazer lá?
— procurar provas. As marcas nos meus pulsos estão sumindo, porque eu durmo o suficiente durante o dia, para poder ficar acordado durante a noite, e ela tenta entrar pela minha porta, eu sei disso, ouço grunhidos e rangidos, mas nada acontece, porque quando não estou dormindo, ela vai embora.
— que ótimo, mas o que você achou?
— na verdade, eu te pergunto o mesmo — Zack tirou a folha que arrancou de uma das fichas dos pacientes, e deu para Dylan — o que é isso?
— ai meu Deus.
— o que é?
— eu não sei.
— então por que disse "ai meu Deus"?
— porque esse sou eu.
— exato, é você, mas olha o nome e a data.
— Dimitry Rivera, 2014, paciente — Dylan encarou mais um pouco, mas ainda não sabia o que aquilo tudo significava — não faz sentido.
— na verdade, faz sim — Zack se abaixou, e tirou seu sapato, onde tinha mais um arquivo — esse aqui pertence a Martha Stone.
— Martha Stone? Minha... — Dylan não conseguia assimilar.
— sua mãe biológica — Zack o encarou, com pena da situação em que o colocou — aqui diz que ela não morreu na ponte.
— eu sei, meu pai disse que ouviu ela gritar.
— Dylan, ela caiu no rio, no rio Hidden, e teve seu filho lá dentro, e então veio parar aqui, sem ele — Dylan se recusava a acreditar — ela foi internada aqui por um dia, porque no meio da noite, ela enrolou o lençol no pescoço, e se matou, dentro deste quarto aqui, os remédios que ela tomou? Não era pra se matar, era porque estava com dor, ela teve um filho sozinha, mas o bebê não estava com ela, ele ficou no rio.
— não, não, não.
— Dylan, você é o bebê da represa.
— não, não sou, meu pai disse que me encontrou sobre a ponte, eu...
— ele mentiu, seu pai mentiu, Dylan, você nunca esteve em cima daquela ponte, você estava aqui — Zack colocou a foto de Martha com a de Dimitry uma ao lado da outra — não consegue ver a semelhança?
— mas não faz sentido, esse garoto só deve ser parecido comigo.
— eu queria que fosse, mas não. Olha isso — Zack foi para o lado de Dylan, e começou a ler o arquivo — "o paciente Rivera foi encontrado vagando às margens do rio Hidden, seus pais estão mortos, ao que tudo indica. Dois corpos identificados como 'papai e mamãe' foram encontrados em uma pequena cabana, perto de onde o garoto perambulava, causa da morte? Fome, provavelmente."
— a cabana dos jornais — ele estava sem expressão alguma.
— Dylan, esse é você.
— se isso for verdade, como eu fui parar na casa que eu moro hoje?
— fácil, eu também achei a ficha da sua mãe, Daisy Queen.
— o quê?
— sinto muito, mas é verdade, ela tinha um quadro grave de depressão, depois de perder um bebê, e isso explica muita coisa por si só, e Michael acreditava que se ela conversasse com as crianças, seria a cura, tanto pra ela quanto pra eles, mas o que eles não esperavam era você, com apenas dois anos. Eles começaram a te visitar com frequência, você despertou neles o que não tinham mais; Alegria, e eu pesquisei, essa foto é de 2014, mas não foi tirada aqui, ela foi...
— o jogo de bolfe — disse Dylan, com uma discreta lágrima escorrendo de seu rosto.
— eles mudavam as fotos todos os anos, para que pensassem que você cresceu, e foi embora, e eu sei disso porque tem mais umas dezessete fichas dessas, idênticas, só o que muda é a foto.
— não entendo.
— foi inteligente, eles fizeram isso pra não serem responsabilizados.
— pelo quê?
— sequestro — disse Zack, sério — Michael não mentiu, eles roubaram você, mas não foi da ponte, foi daqui, e depois de um tempo, o caso foi esquecido, porque Dimitry Rivera, não existia mais, pois a cópia verdadeira, agora se chamava Dylan, não mais um Rivera, e sim um Queen — Dylan estava quieto, iria desmoronar a qualquer instante, quando seu celular começou a tocar.
— a-alô? — sua voz falhou — Storme? Fala mais devagar. Como assim? Você ligou pro Justin? Como assim não sabe? Esquece, eu tô indo — Dylan desligou — é a Rebekah.
— o que aconteceu?
— eu não sei.
— vai — Zack ordenou.
— mas e você? Como vai sair daqui?
— eu dou meu jeito, agora vai.
— eu te amo.
— eu sei, e eu também, quer dizer, eu também te amo, ah você entendeu.
— eu venho te visitar.
— não precisa, eu te vejo em alguns dias, agora vai! — Zack ordenou, e Dylan obedeceu.
[...]
— não! — Storme estava em pé, chorando desesperadamente, e seus gritos eram abafados pelos de Justin, sacudindo o corpo molhado de Rebekah, que já estava fora da piscina.
Justin ainda estava de toalha, a ligação de Storme chocou a todos, inclusive Dylan que estava no canto, sentado no chão, ligando pra ambulância, com lágrimas silenciosas escorrendo de seus olhos.
— se você soubesse o quanto é linda até chorando — Lucky passou a mão pelo rosto da garota que se arrepiou com o toque do vento frio, e limpou suas lágrimas que caiam como o céu daquela noite gelada.
— não, Rebekah, por favor, por favor, abre os olhos — Justin tentou de tudo, ele tentou fazer RCP, e várias outras coisas, mas todas tentativas frustradas — por favor, não faz isso comigo, eu preciso de você — Justin nunca chorou tanto na vida, e foi com as luzes e o barulho da ambulância que sua ficha caiu — Rebekah, fica aqui, fica comigo, não me deixa, por favor, e eu prometo... Eu prometo nunca mais largar a sua mão — Justin beijou sua mão, com seu corpo trêmulo.
— eu, eu tenho que fazer alguma coisa, eu preciso — Rebekah estava chorando ao lado do garoto, sentindo a dor estampada em sua face.
— não pode — disse Lucky — acredite, eu tentei — ele estendeu a mão para ela, mais uma vez — por muito tempo eu lutei contra seguir em frente, eu tive medo, porque não se sabe o que tem do outro lado, o céu? O inferno? Purgatório? Não tem como saber, mas agora estamos aqui, juntos, não quer tentar? Seguir em frente — ela o encarou profundamente, quando a última lágrima anunciou seu fim, e com os para-médicos levando ela para a ambulância, e a colocando no oxigênio, Rebekah segurou a mão de Lucky.
Paralisia do sono, não é uma merda? Mas e se a gente nunca mais acordar? Ficando preso em um sono eterno, sem saber como seguir em frente, lutando contra nossos pensamentos, é, minha dica? Só durma, e reze, reze bastante, para que quando acordar, ainda exista um amanhã.
Continua.......
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