[HaeSol]
O manequim de YunJi devia pesar uma tonelada. Eu nunca carreguei algo tão pesado em minha vida antes. Quando deixei a peça no chão, respirei aliviado. Ali, no apartamento do hyung, YunJi tinha um quarto para as coisas que possuía atrás de sua cortina verde - devidamente instalada na porta - da sua antiga casa. GDragon era dono de dois andares daquele prédio, três se contasse com o que os pais viviam, um deles era a casa onde ele não recebia ninguém, outro era aquele andar, onde ele dava festas, tinha cozinha, salão de jogos, estúdio de música e aquele quarto que tinha sido reservado outrora para os presentes dos fãs. Eram ursinhos, cartas, faixas, garrafas com bebidas, chocolates. O lugar era grande, ele mandou pôr as coisas dele em caixas plásticas no canto e disse que YunJi poderia usar o restante do espaço. Ela, por sua vez, estava feliz, não comentou nada sobre os presentes dados ou o porque dele guardar coisas que não mexeria.
Era importante que ela tivesse aquele espaço criativo, mesmo que agora que a criatura que ela estava trabalhando se desfez com a mudança. A roupa não tinha sido devidamente costurada, ela tinha feito pontos nos tecidos, apenas para manter a ideia. Um chifre já tinha caído, o outro caiu com o transporte. Apesar disso, ela estava ali no quartinho, organizando seus desenhos. Usava um shorts preto, meias que iam até os joelhos e uma camiseta azul (um achado nas roupas escuras dela) que era dois números maiores que o corpo esguio. YunJi prendeu a franja com dois grampos bem colocados, com enfeites de caveiras. O batom escuro e o lápis no olhos traziam de volta a minha amiga.
YunJi andava esquisita nos últimos dois dias, desde que soubera do site e da fofoca online. Eu sabia que havia algo de errado com ela, mas também sabia que ela não gostava de se abrir, ao menos, não com facilidade. Alguém devia ter falado algo indevido e a deixado nesse estado alerta que eu detestava.
Limpei o suor da testa e ela riu. “Ah, Big Bro, eu nem acredito que vou ter um lugar para as minhas coisas! E tão incrível que isso possa estar acontecendo…” minha amiga disse e limpou o manequim pesado com um pano úmido. Ali estavam todas as suas coisas, os tecidos, a máquina de costura, o compressor de ar, as tintas, a maleta de maquiagem grande e de rodinhas com os produtos da Kryolan, as massas e tudo mais o que ela precisava para fazer as máscaras. Ela ficou de costas e começou a pregar a parede para colocar um quadro. Foi quando notei a marca na coxa dela, roxa, feita por uma boca que eu esperava que fosse humana.
“Julie, você está perdendo o controle com o hyung?” perguntei, fazendo referência a uma fala de Julie Walker em Return Of The Living Dead 3. Coitada que falava isso e morria em seguida. YunJi riu até perder as forças. Eu mesmo ri, ela tinha entendido a referência porque antes de morrer, Julie estava fazendo sexo com seu namorado imbecil.
“Sim, eu sempre perco o controle com ele” ela respondeu, secando as lágrimas e piscou para mim. “Ele disse que não tem namorada, então, não tem problema”.
A ajudei a pregar o quadro quando vi que ela não ia conseguir porque ainda estava rindo. Depois de por o poster de Kika, protagonista de Helldriver, a cena que ela se tornou a rainha zumbi. Aquela decoração dava o ar de pertencimento. YunJi olhou o material da sala e sorriu.
“Parece que você tem tudo o que precisa para continuar… Ainda vai participar do evento de outono do encontro?”. Duas vezes por ano, a organização de zumbis sul-coreanos fazia um festival de fantasias. YunJi e eu já tínhamos participado de duas edições.
“Sim, eu vou. E você ainda é meu modelo” ela informou, depois me empurrou para fora da sala “agora, vamos sair que você vai me dar azar se ficar onde eu crio as coisas”. Fomos até a cozinha daquele andar e ela serviu limonada. Vê-la segurando aquele copo caríssimo, com o ambiente repleto de pôsteres e vasos caros atrás dela, me fazia sentir o deslocamento. Acho que ela também sentia, dava sorrisos tímidos de vez em quando. “Ele disse que eu podia receber você somente aqui, espero que não se incomode. Ele não gosta de gente na casa dele”.
Casa dele, não nossa casa. Casa dele. Entendido, Mo YunJi. Sua fala tratava daquele deslocamento, ela estava se justificando, sem necessidade.
“Está tudo bem, eu só vim uma vez aqui, para uma festa. É estranho pensar que você está aqui”.
YunJi concordou com a cabeça e ficou encarando o copo de cristal, batendo com a ponta dos dedos no vidro fino, as unhas curtas com o esmalte que precisava ser removido. “Você acha que está tudo bem? Ficar aqui? Eu não vou destruir a carreira dele, ou algo do tipo, não é?”.
“Claro que não” cobri a mão dela com a minha. Eu sabia que havia algo errado. “Eu já disse que você não deveria pensar essas coisas, você vai ter seu espaço de criação, deveria se focar nisso e cuidar do bebê. Precisa de portfólio para levar as emissoras. Tem que se concentrar nisso, em criar novas coisas”.
Ela deu um sorriso triste e concordou com a cabeça. Virou a mão e apertou a minha. Nos encaramos, refazendo nossos laços de irmãos. YunJi era tão preciosa para mim que sua tristeza era a minha tristeza. Queria confortá-la, mas não sei o quanto ela permitiria.
Nossa conexão estava acontecendo. Foi até ouvir um pigarro mais alto da minha vida. Eu e ela olhamos para o lado e lá estava o dono do apartamento. E cara, eu podia afirmar que ele não estava feliz.
“Espero não estar interrompendo algo” ele disse e afastei a minha mão de YunJi, voltando a segurar o copo de cristal com o líquido esbranquiçado. Devia ter acabado de voltar de alguma reunião, somente isso justificaria o rosto dele sem maquiagem e aquela roupa simples da coleção exclusiva da Channel (ainda assim, simples). “Todas as suas coisas já estão aqui, YunJi-sshi?” ele perguntou e não conseguiu disfarçar a raiva no tom de voz.
“Sim, HaeSol trouxe o que faltava. Coisas que só ele pode ver”.
“Só ele pode ver? O que tem de tão especial?”.
“São minhas criações… Eu te disse, eu sou maquiadora de monstros” YunJi respondeu e deu um breve sorriso quando olhou para mim. “Eu não gosto que vejam as minhas coisas sem estarem terminadas, mas abri uma exceção já que era necessário o transporte”.
GDragon ergueu a sobrancelha direita e fez um bico com os lábios. Serviu-se de limonada também e sentou-se ao lado de YunJi, me encarando como se eu fosse algum tipo de rival. Então, olhou para a garota, esticando o braço passando por trás da cadeira, num abraço sutil, inclinando-se na direção dela. “Espero que eu possa olhar essas coisas antes de estarem terminadas também”.
“Desculpe, mas não pode”. Meu deus, YunJi, sua franqueza ia causar ainda mais confusão. Mas conhecendo como a conhecia, sabia que ela seria irredutível nisso.
“Eu não vejo enquanto ela não acabar… Como sou o modelo, as vezes eu vejo partes do processo quando ela está montando a máscaras e a maquiagem, mas está concluindo” eu disse, para tentar acalmá-lo. Isso não ajudou.
“Ah por que não estou surpreso que seja você o modelo?” ele apertou tão forte o copo que achei que ia partir em sua mão.
Dei um sorriso curto e YunJi não se incomodou. Hyung pareceu notar nosso mal estar e nos encarou, com uma expressão ciumenta. “Bem, eu tenho novidades. Jennie-yah descobriu quem entrou em contato com o site. Era um funcionário da iluminação, foi demitido hoje”.
Escutei sobre isso na agência. Jennie estava assumindo a investigação, falaram que ela achava um absurdo o que foi dito nas redes sociais e que ia defender a imagem de YunJi. Eu confesso que achei o discurso estranho, todos na agência achavam que minha amiga era uma ladra, todos - talvez não GDragon porque ele sabia da verdade. Não havia porque alguém defender uma ladra.
Além do mais, dizia respeito a mim mesmo. Eu entrei com um processo contra o site e estava acalmando meus fãs nas redes sociais, dizendo que tudo se tratava de mentiras. Ainda assim, passado três dias, havia pessoas na porta de YunJi, esperando que ela aparecesse. O pessoal da mudança passou por eles e como foram seguidos, levaram aquelas pessoas para um passeio por Seul. Demorou horas até conseguirem despistar e poder trazer os poucos pertences. Ao menos, isso eu não poderia reclamar, GDragon-hyung era bem cuidado e paciente quando se tratava de sua vida e suas coisas, ele agia com a mesma cautela em relação a YunJi.
Talvez, ele estivesse se apaixonando por ela. Ou talvez fosse porque ela era a mãe do seu filho. Qualquer que fosse a resposta, estava tudo bem por mim, YunJi merecia o cuidado que estava recebendo e estava feliz que ela parecia receptiva a esse tipo de carinho.
“Quem?” YunJi perguntou, me tirando das minhas especulações silenciosas.
“Park JinSun… Você o conhecia?” hyung perguntou dada a expressão de descrença que tomou conta do rosto de YunJi. Eu não sabia quem era, mas se havia um nome, poderia ser o final daquela situação incômoda.
“Ele disse porque fez isso?”.
“Disse que precisava de dinheiro para a família, esposa grávida e essas coisas” hyung comentou, sem dar muita atenção. “Ele assinou um papel confessando o que fez. Kim Jennie devia ser detetive, ela é muito boa em descobrir coisas”.
“Esposa grávida?” YunJi balbuciou. “Eu quero ver a confissão, você pode…?”.
“Não há necessidade, ela está bem aqui” ele puxou o celular do bolso da calça e mostrou algo a ela. Apenas os observei do outro lado da mesa. “Vê? Ele confessou tudo. Essa carta foi entregue ao presidente hoje. Ainda bem que esse homem não está mais na agência, ele causou estragos desnecessários por dinheiro”.
YunJi segurou o celular e notei que ela leu e releu. “Eu não posso acreditar nisso” disse, ao final, e me passou o celular para que eu lesse a foto da carta que foi enviada por Jennie. Precisava de dinheiro, minha esposa está grávida, o salário não é suficiente, vi uma oportunidade de ganhar um dinheiro fácil, me desculpem, eu fui fraco.
Saber que o responsável seria punido, me deixava aliviado. Ou deveria deixar, mas a forma como YunJi estava tensa me indicava que havia algo errado com isso.
“O que está errado, Ju… YunJi-yah?” me corrige a tempo e devolvi o celular ao dono.
“Park JinSun não tem esposa… Ele não pode ter uma esposa” ela disse e olhou para GDragon. “Você tem certeza que isso está certo?”.
“O que está errado nisso?” ele perguntou.
“Ele é… Eu não posso falar… Eu prometi que não falaria” ela abaixou a cabeça e olhou para o outro lado.
“Está guardando um segredo de alguém que te prejudicou?” GDragon perguntou, muito, mais muito aborrecido.
“Isso está errado, não pode ter sido ele!” YunJi insistiu e encarou o hyung enfurecido.
“Você não vai falar, não é? Ótimo! Parece que você prefere manter o segredo de alguém que quis seu mal a compartilhar comigo que somente quero o seu bem” ele se levantou e empurrou a cadeira com força para trás. Me olhou e eu nunca o tinha visto tão bravo em minha vida. Alias, eu pensei que nada poderia aborrecê-lo pois ele tratava tudo como um caso de tédio. “Você, Zion. T, pode agradecer Jennie depois, ela parecia mais comprometida em descobrir a verdade do que você, sendo que, seu nome estava citado. Ela fez isso porque gosta de YunJi e deve ser agradecida”.
Dito isso, o dono da casa bebeu a limonada que ele mesmo se serviu num só gole e caminhou para onde ficava a escada que levava ao andar debaixo. “Ele é gay” YunJi disse alto o suficiente para que ele ouvisse antes de descer. “Ele é gay” ela repetiu e olhou para a mesa. Vi o hyung voltar, meio desacreditado. “Espero que esteja feliz agora” ela murmurou, olhando para ele. “Ele não pode ter esposa porque ele não gosta de mulheres, ele não pode ter uma esposa grávida porque ele nunca dormiria com uma mulher”.
“Como é que você sabe disso?” GDragon perguntou.
YunJi não o olhou mais. Se eu a conhecia bem, e eu a conhecia, ela estava furiosa por ter revelado algo que não lhe pertencia. O segredo não era dela para que ela falasse abertamente sobre ele.
“Julie?” acabei murmurando e ela me encarou. Então, ela ficou de pé e se afastou do hyung.
“Você quer andar um pouco, Big Bro? Eu acho que preciso de ar” perguntou e nem esperou a resposta, saindo andando em direção a porta. Eu me levantei, me curvei rapidamente e sai correndo atrás dela.
“Isso! Vá exibir seu namorado por ai e contar a ele todos os segredos que você esconde de mim” Kwon JiYong disse e eu olhei para trás apenas para ver ele sozinho na cozinha, desfazendo o penteado com fúria. Bem, ele não deveria ter falado essas coisas. Alcancei YunJi no hall usando as sullipos. Ela estava secando uma lágrima do rosto com uma mão e com a outra apertava o botão do elevador sem parar.
A porta espelhada abriu e ela entrou com rapidez. Eu a segui, ainda calçando os tênis. Lá dentro, ela bateu os pés e me encarou “Por que ele faz isso? Eu o odeio tanto por isso… Eu não devia ter vindo morar com ele, não devia!”.
“Você não precisava ter falado”.
“Como não? Ele vai achar que não temos elos suficientes para essa relação, ele pode não querer mais a criança…”.
“Julie, isso não vai acontecer. Eu acho que ele estava com ciúme” murmurei e ajeitei os óculos.
“Ciúme?” ela abriu a boca como se não tivesse cogitado isso. “Por que ele teria ciúme? Ele não gosta de ninguém!” falou e apontou para cima. Secou outra lágrima e cruzou os braços.
“Julie, eu acho que você deveria se acalmar… O bebê…” murmurei.
O elevador abriu no térreo. Ela saiu primeiro “ele está muito enganado se acha que pode controlar minha vida” afirmou, furiosa “eu não dou a mínima para o ciúme dele”. Meu olhar encontrou a outra pessoa que estava no hall e que abriu passagem para Mo YunJi assim que notou que a garota estava fora de si. Ela me reconheceu assim como eu a reconheci. Era a mãe do hyung, Han SiRan. Elegantemente vestida, carregando um maço de rosas vermelhas. Eu a cumprimentei, pedi desculpas e corri atrás de YunJi. A senhora nos observou da porta e novamente, eu me virei e pedi desculpas com as mãos.
YunJi não saiu do prédio. Foi para o jardim e sentou-se num banco. Ela não conseguia parar de chorar e eu fiquei sem jeito. “Eu estou magoada… Eu não devia ter falado nada, me sinto como se tivesse traído JinSun-sshi… Mas você entende, não é? Se você vê uma pessoa se relacionando com alguém do mesmo sexo e essa pessoa conta tudo a você, como é que ela pode ter uma esposa? Isso não faz sentido. Além do mais, não sei porque Jennie está envolvida, ela disse que eu era uma ladra e que iria roubar as coisas dele…” ela despejou tudo, então, escondeu o rosto no meu peito e ficou em silêncio.
“Está tudo bem, Julie… Você ainda está nervosa por causa desses boatos. Eu já disse que deve se concentrar em seu bebê. Ficar brava não será bom para ele”.
“Você tem razão” murmurou e levantou a cabeça “ainda bem que tenho você ou estaria sozinha demais nesse mundo”.
“Você não está mais sozinha… Tem a mim e tem a ele. Não fique tão brava porque ele não te conhece tão bem ainda. Pense somente no bebê e tudo vai dar certo” aconselhei por não saber mais o que falar. Ela sorriu, apesar dos olhos estarem marejados. YunJi voltou a esconder o rosto em meu peito e eu olhei em volta pensando na situação que nos levou até ali.
Talvez fosse melhor investigar tudo e apurar a verdade dessa confissão.
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