ISABELA
Parei no posto onde conheci Júlio apenas quatro meses atrás. Aquele tinha sido o início da minha viagem. Era irônico que a orientação de André tivesse me levado justamente para lá. Eu nem sabia se Júlio morava por perto. Ele me levara para uma cidade próxima para jantarmos. Talvez só estivesse de passagem naquele dia. Mas e se eu pudesse vê-lo de novo?
E se ele for casado?
Não, eu não ia pensar nisso. Não iria julgar todos os homens pelo Jeffery. Seria injusto. O André, por exemplo, não tinha nada a ver com o Jeffery. Ele não só me dera a chave de seu apartamento, como me conseguira um emprego.
Olhei para o papel na minha mão. André tinha me dado o número de Alan e me orientado a ligar para ele assim que estivesse instalada. Ele marcaria uma reunião com o Sr. Peña.
Voltei para a estrada e segui as duas últimas indicações antes de parar diante de um condomínio de frente para o mar. Conferi o endereço. Aquele certamente não era o lugar onde ele morava. Aqueles apartamentos deviam custar uma fortuna. Como André podia ser dono de um deles?
Fui tomada por uma forte suspeita de que André não combinava com o trabalho de barman e com a Harley-Davidson que pilotava. Ele era algo mais do que transparecia às pessoas em Dallas.
Tirei o celular da bolsa e liguei para André. Nada. Liguei então para Alan. Depois de tocar três vezes, uma garota atendeu.
– Alô? – perguntou uma voz arrastada do outro lado da linha.
– Desculpe, aqui é a Isabela. Isabela Souza. Sou amiga do...
– Do André! – gritou a garota ao telefone. – Estamos esperando por você. Que bom que chegou bem. Já está instalada no apartamento?
Eu jurava que André tinha dito que Alan era um cara.
– Bem, não exatamente. Acabei de chegar a um lugar legal demais... Acho que estou no condomínio errado.
A garota riu.
– Não, você está no lugar certo. Imagino que não saiba muita coisa sobre o André. Pode acreditar, querida, ele pode pagar por esse apartamento e muito mais. Ah, aliás, eu sou a Agustina, namorada do Alan. Ele acabou de sair.
Gostei dela. Era superamigável.
– Se você tem certeza de que estou no lugar certo, vou entrar e desfazer as malas. Preciso que o Alan entre em contato com o Sr. Peña para falar sobre mim.
– Ah, nem precisa ligar. É só falar com ele assim que estiver pronta. Precisamos de bons funcionários. Tem um papel e uma caneta à mão para anotar o endereço?
• • •
Era o lugar mais incrível em que eu já estivera na vida. André deu a entender que era um apartamento velho, como se precisasse de mim lá para arrumar as coisas. Era evidente que alguém limpava o apartamento regularmente. Estava impecável. Desfiz as malas e fui até a varanda que dava para o Golfo do México. Era lindo lá fora. André tinha razão. Eu precisava dessa experiência. Podia trabalhar e aproveitar a estada no apartamento dele. Seriam as férias na praia que eu nunca tive na infância. Sempre que via na televisão ficava me perguntando se a areia era tão branca e a água tão azul daquele jeito.
E era mesmo.
Sorrindo, me atirei na espreguiçadeira e alonguei as pernas. Aquilo era bom. Tirei o celular do bolso e liguei para Júlia.
– Já era hora! Onde você está? Ainda em Dallas?
A voz alegre de Júlia me fez sentir um pouco de saudade de casa. Talvez eu apenas sentisse saudade dela. Eu não havia deixado muita coisa para trás. A não ser as pessoas que sempre cochichavam pelas minhas costas, imaginando coisas.
– Não. Não estou mais em Dallas. Descobri que o Jeffery é casado.
Ouvi um suspiro enquanto ela processava a informação.
– Ah, não... Isa, que horror. Sinto muito. Onde você está agora? Quer que eu vá buscar você? Está bem, não está? Não está tendo pensamentos estranhos...
A voz dela desapareceu. Eu sabia que ela odiava me perguntar isso, mas, sinceramente, se a Júlia não pudesse me fazer esse tipo de pergunta, quem poderia?
Ela sabia de tudo... ou de quase tudo. Ninguém sabia de tudo. Eu simplesmente não conseguia dividir aquilo com o mundo. Algumas coisas deviam continuar em segredo.
– Estou ótima. Na verdade, voltei para a Flórida. Estou no apartamento do André, o barman dos fins de semana de quem falei para você. Enfim, ele me conseguiu um emprego na cidade dele e me ofereceu um lugar para ficar. É de frente para o golfo. Agora mesmo estou sentada na varanda olhando para uma maravilhosa praia de areia branca.
– Aaaaaaaah! Parece perfeito. Sorte sua! Eu adoraria voltar ao golfo. E esse tal de André parece um cara bem legal. Quem sabe, depois que for picada de novo pelo bichinho viajante, você volte a Dallas para agradecê-lo...
– O André é só um amigo. Isso não vai acontecer. Quero dizer, vou agradecer a ele, mas vai ser mandando um cartão e algum dinheiro ou coisa parecida.
– Você tem razão. Eu a forcei a começar a namorar e olha o que aconteceu. Esta é a sua chance de viver a vida. Não tem por que se prender a um cara. Você tem o mundo para explorar.
– É verdade. E pretendo fazer isso logo depois de aproveitar um pouco o pôr do sol e a areia.
– Como é o novo trabalho?
– Não sei ainda. Preciso conhecer o meu chefe primeiro. Ele está me esperando. É em um country club. Acho que vai ser uma experiência divertida. Muito diferente do bar.
– Muito. Vá ver como é esse emprego e depois me ligue para contar. Mal posso esperar. Nós nos despedimos e desligamos.
Júlia era a minha forma de entrar em contato com as origens. De me lembrar do que era realmente importante e de tudo o que eu havia passado e superado.
A noite em que a conheci mudou a minha vida. A única pessoa que eu havia conhecido antes dela era a minha mãe. Ela nunca me deixava atender a porta para receber entregas ou as nossas compras. Eu precisava me esconder no armário e ficar em silêncio até que a pessoa que estivesse na porta fosse embora. Júlia ficou tão fascinada comigo como eu fiquei com ela. Ela me fazia perguntas que eu não conseguia responder. Eu não podia dizer a ninguém qual era o problema da minha mãe. Mesmo quando criança, eu já sabia disso.
Afastando pensamentos que eu não queria ter, eu me levantei e segui até um dos dois quartos que defini como sendo o meu. Tinha uma cama de dossel king-size e uma banheira incrível. Peguei a minha saia mais nova, uma curta cor-de-rosa com estampa Chevron, e uma blusa de tricô branca que eu havia comprado para combinar. Depois de pentear o cabelo e passar um pouco de maquiagem, vesti as sandálias de salto cor-de-rosa e saí. Tinha um emprego para conseguir.
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