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História Estrela da Tarde - Meias Verdades


Escrita por: AmetistaPurpura

Capítulo 6 - Meias Verdades


Tentei, em vão, impedir meu rosto de ficar rabugento, mas era uma reação espontânea como piscar. Acomodei-me em uma das cadeiras de mogno da grande mesa de jantar dos Cullen – item mais decorativo do que qualquer outra coisa – ao que Edward servia a comida por sobre meu ombro, parecendo satisfeito por dar uma de garçom. Olhei para a banquete deslumbrada; havia pães e brioches, muffins de blueberry, omeletes e panquecas, torta de iogurte com amora, bacon frito, queijo brie, presunto de Parma, peito de peru, saladas e sucos, tudo muito fresco e perfumado.

Certamente eu estaria devorando tudo com a fome de vinte leões, se não fosse a indesejada presença dos lobisomens na mesa. Seth e Quil me ladeavam ao que Embry e Jacob, com Renesmee nos braços, ficaram defronte para mim. Leah, a única que relativamente me agradava, ficou parada sob o batente, ainda desacostumada com a proximidade com a família de vampiros – que, por sinal, se encontrava de pé no extremo oposto da sala, avistando tudo como se fosse incrivelmente interessante.

Assisti os rapazes se servindo com um misto de horror e fascínio; eles comiam até mais do que eu. Porém, isso não alterava o fato de que eles não deviam estar conosco.

— Por que há tanta comida aqui? – perguntei, tentando não falar em um tom birrento. – Ninguém nesta casa além de Renesmee pode comer comida humana, e eu já sei que ela prefere sangue.

Edward deu de ombros.

— Questão de disfarce. Chamaria mais atenção, uma família tão numerosa que não frequenta o supermercado. E, como pode ter notado, recebemos muitas visitas.

Bufei. Chama isso de visita?, pensei e me sobressaltei quando seus olhos lampejaram  para o meu rosto. Escutou isso?, pensei novamente e ele assentiu uma vez. Vistoriei por sua mente e percebi que ele não podia entrar na minha, mas que toda vez que eu queria que ele escutasse ou visse alguma coisa... ele escutava. E via.

Uma evolução do dom de Nessie, talvez?, ele sugeriu, intrigado.

Considerei a ideia por um instante. Possivelmente. Ela ainda é muito jovem para desenvolver seus poderes, então é difícil especular.

Ele fez uma pequena careta, discreta demais para os outros perceberem. Por que tenho a impressão de que suas cópias são mais fortes que os nossos poderes?

Porque o trabalho de vocês é desenvolver isso pela eternidade. O meu é ter que lidar com o fardo de carregar todos de uma vez só.

Ele se encolheu um pouco com a aspereza das palavras. Mas não havia forma de soar diferente; aquela era a verdade mais absoluta de minha existência.

— Anna, não vai comer? – Esme indagou, interrompendo o diálogo mental sem perceber. A névoa de emoções indicava que Esme estava um tanto ansiosa; tanto ela quanto o resto dos Cullen ficaram aliviados de saber que eu tinha preferência por comida humana. Pensavam que se eu fosse a predadora natural sanguinária que deveria ter sido, seu anonimato acabaria indo para o ralo.

— Estou esperando os... – pigarreei, gesticulando para os rapazes – ...senhores se servirem primeiro.

— Não devia – interpelou Edward, colocando um sanduíche perfeito no meu prato. – Não nos importamos com esse tipo de amenidades sociais aqui.

Analisei o sanduíche com um sorriso torto. Peito de peru com ovos e manjericão, o favorito de papai. Talvez ele não fosse tão esquecido sobre a vida humana quanto indicava.

— Um sanduíche... – Encarei-o, cética. – Sério, Eddie? Isso não serve nem para aperitivo.

Ele gargalhou, alisando meus cachos cor de bronze.

— Bem, agora parece você falando. Vamos, coma. Se você não é adepta ao sangue, imagino que deva estar faminta.

— Eu poderia muito bem devorar um boi inteiro agora – concordei, agitando os dedos para a mesa. Uma omelete e três tiras de bacon pousaram no meu prato, a jarra verteu suco de laranja no copo e o guardanapo se abriu suavemente acima de meu colo. – Não vejo a hora de tirar esse gosto repugnante de sangue de cervo da boca.

Reparei que todos os vampiros – com exceção de Edward – observavam eu me servir com assombro; a névoa em torno deles estava cinzenta. Interpretei aqueles olhares em exatos dois terços de segundo.

— Não contou para eles que sou telecinética? – questionei Edward, já em tom de repreensão. Fiz o cinza se alterar para o branco; a cor da paz.

— Devo ter me esquecido deste detalhe – condescendeu, comprimindo os lábios.

— Isso não se faz, Eddie. Não aguento mais assustá-los com tão pouca coisa.

Edward revirou os olhos dourados.

— Está mesmo chamando sua capacidade de psicocinese de “pouca coisa”?

Fiz um gesto de desprezo com a mão:

— Hoje em dia, é algo quase trivial, na verdade. – Estalei os dedos e a mesa toda reagiu ao som. Panquecas bateram no prato de Embry e um muffin girou no ar diante do nariz de Renesmee. Um pão de canela se arrastou até Seth e suco de limão se ergueu em bolas até o copo de Quil. Percebi que Leah estava com fome, então mandei uma faca cortar o presunto e o queijo em fatias finas, que voaram para uma baguete junto com pedaços de tomate seco, fechando-se e levitando em direção a ela. – Guardanapo? – ofereci, mas ela negou, pegando apenas o lanche. – Espero ter acertado tudo.

Emmett assobiou:

— Incrível. É como ver um filme da Disney ao vivo e a cores – maravilhou-se. – Sério, o que você não faz?

Sorri.

— Eu ia dizer voar, mas isso eu também posso fazer.

Risos preencheram a sala; por um ínfimo momento senti como se fizesse parte daquele ambiente. Deixei-me distrair por aquele devaneio enquanto comia – era divertido ver a expressão de todos ao se darem conta de que eu era detentora de um buraco negro no estômago. Ao terminar com tudo o que havia na mesa – e ainda sentir um pouco de fome, para falar a verdade – levitei a louça e a direcionei para a cozinha sem esforço algum.

— Com licença – pedi, levantando-me da cadeira. – Vou cuidar da limpeza, se não se importam.

O olhar recriminador que Edward me atirou fez com que eu travasse de pé no lugar:

— Anna, pode parar com isso. Está tentando me ludibriar, eu ainda a conheço bem. Você já comeu e ainda está inventando desculpas para não me dar explicações. Diga, o que aconteceu com você?

— Você também me deve explicações – retruquei por hábito, me encolhendo.

— Não devo, não. Você tem o meu poder agora, pode entrar na minha cabeça sempre que possuir alguma dúvida. Mas eu não posso entrar na sua. Vamos, comece a falar.

Esme veio até mim, pondo as mãos sobre meus ombros protetoramente:

— Edward, pare de pressioná-la. Deixe-a se sentir confortável primeiro e...

— Não, Esme – talhei, pegando uma de suas mãos nas minhas. – Está tudo bem, posso contar tudo agora. Só não entendo por que os lobisomens têm que ouvir também, afinal, minha história de vida não possui absolutamente nenhuma ligação com eles. – Pronto, falei, rosnei para Edward.

— Está enganada – Jacob se manifestou, inclinando sobre a mesa. – Você agora é parte de nossa história da mesma maneira que Nessie é. Sua presença tem influência na tribo.

Inclinei-me também, semicerrando os olhos:

— O diabo que tem. Já estão cientes de que não bebo sangue humano, então vocês não têm nenhuma estúpida missão aqui para resolverem. Fim de papo e tchauzinho.

Edward suspirou:

— Anna...

— Nem comece, Edward. Tenho receio de dizer até na frente de Renesmee. Isso não é o tipo de assunto que se deixa ao ouvido de crianças. – Deus e o mundo poderia ouvir o duplo sentido, e a indireta para os lobisomens.

Leah adiantou-se sobre a mesa de jantar:

— Crianças é o caral...

— Está bem – cortei, fula da vida. – Querem ouvir? Pois muito bem. Vou fazer melhor que isso, vou fazê-los ver.

Fechei minhas mãos com raiva e deixei as lembranças fluírem como a água em um rio; o ambiente entorno tremulou e assumiu a imagem de um antigo quarto de madeira, iluminado por candelabros de prata. Todos eles ofegaram com a ilusão – inclusive Bella, a vampira-escudo – ao que os sons do bebê choroso ecoavam por suas mentes. Edward entendeu o que eu ia fazer e tentou me deter, pegando meu braço com força, mas já era tarde demais. Eu os faria viver na pele o que eu vivi.

— Nasci em 31 de outubro de 1902 – comecei, apontando o bebê no berço. – Morávamos em Chicago e éramos uma família de boa posição social, embora não fôssemos o que se chamaria de ricos.

Parei um pouco, editando, e a imagem bruxuleou para a noite que papai voltou de viagem e eu o recebi no hall de casa, escutando sua tosse profunda antes mesmo de ele alcançar o portão. Aquilo já bastava; havia coisas sobre mim que eles não precisavam saber.

— No começo de agosto de 1918, ao retornar de uma viagem de negócios, meu pai descobriu que estava com gripe espanhola e não demorou para que minha mãe e Edward, meu irmão mais velho, também contraíssem a doença. – Mostrei-lhes Molly, a velha criada da casa, me trancando no quarto para que eu não pudesse chegar perto deles. – Meu pai morreu em duas semanas e não me deixaram ver seu corpo por perigo do contágio. Minha mãe e Edward se foram um mês depois. No pandemônio que foi a epidemia, não consegui achar meu irmão para velar. – Desviei meus olhos para Edward enquanto ele tinha os olhos vidrados na próxima visão, a de eu sepultando nossos pais sem ninguém da família para me acompanhar. – Mas enfim, quando fiquei sozinha, me mudei para a casa da família do meu noivo — inconscientemente olhei para Seth ao murmurar a palavra –, Hans Van der Haar, o que seria um escândalo se não tivesse tanta gente morrendo.

A imagem da confortável casa comum foi substituída por um luxuoso hall dourado e iluminado por lustres de cristal. Logo adiante uma enorme escadaria com tapete persa ascendia até um vitral colorido. O jovem elegante de camisa e suspensórios parado ali se inclinou para me abraçar; por reflexo estendi a mão em sua direção. Hans. Meu coração martelou forte no peito, doendo como se bombeasse farpas, quando vi seu rosto. Os olhos eram azuis como o céu para equilibrar com o Sol de seus cabelos. O sorriso era bondoso o suficiente para reduzir o impacto do tamanho intimidador de seu corpo, mas enigmático o bastante para exigir respeito. As feições do rosto retas e masculinas e a barba loura e rala davam-lhe a imponência daquela tradicional família dinamarquesa. Quis me inclinar também e acariciar aquele rosto. Quis me esconder naqueles braços e beijá-lo como naquela noite em que ele me pediu em casamento. Mas apenas desfrutei da memória, o único lugar onde ainda podia sentir seu cheiro.

 Senti minha musculatura endurecer em ferro puro logo que a lembrança se esvaiu. Ninguém naquela sala respirava direito, nem mesmo a pequena Renesmee, enroscada junto à Jacob. Hesitei, sabendo que a parte mais difícil – e a que também mais interessava a Edward – estava por vir. O rosto de Hans sumiu em um dia de céu nublado em que eu escapulia com um enorme Golden Retriever pela saída dos fundos, onde por normalmente os criados tinham acesso à mansão.

— No dia do meu aniversário de dezesseis anos, eu não estava com humor para comemorações, portanto decidi sair para caminhar com Apolo, o meu cão. A mansão Van der Haar estava toda movimentada com os preparativos do casamento, que adiantaram para dali a duas semanas para calar os mexericos, por isso os criados não me viram sair, ainda mais usando uma calça e um casaco que afanei de Hans. – Sorri um pouco com a memória, vendo a calça larga que prendi com cadarços escorregar à medida em que eu andava, abraçada à cesta coberta com a garrafa de conhaque, cigarros e o isqueiro dentro. – Só desejava achar um lugar onde pudesse fumar e beber sem ser incomodada, então caminhei até a floresta acima do parque. – Assisti as árvores passando pouco a pouco por mim ao que subia o terreno íngreme e montanhoso, parando para sentar em uma pedra, a garrafa de conhaque já pela metade. – Nem percebi que escureceu depressa; eu estava tão absorta nas minhas lamentações que só notei que havia algo errado quando Apolo começou a latir sem parar. Um frio incomum me subiu a coluna, um que pareceu gelar até a alma, e sem pensar, com aquele monte de coisas nos braços, comecei a correr. Mas, bem, como bêbados e corrida não se misturam, estatelei-me com a primeira raiz solta que meu pé encontrou. – Engoli em seco, o mesmo calafrio gélido daquela noite me correndo os membros. Na visão, rolei pela terra ao que a noite engolia a floresta, Apolo uivando junto ao meu flanco. – A coisa me atacou logo em seguida. Não vi seu rosto, apenas senti a criatura fria se afundar na pele do meu pescoço e ter tanta dor me consumindo que nem ao menos consegui gritar. Mas Apolo ainda latia. Latia tão alto que conseguiu irritar a coisa. Ele se afastou de mim para se livrar do cão e foi nesse único segundo que agi. – Na imagem que fazia a todos se retraírem, ergui-me quase sem forças da poça de meu próprio sangue, peguei a garrafa de conhaque e atirei em suas costas, jogando o isqueiro aberto nele quando se virou para ver o que eu estava fazendo. Pude até sentir o calor do fogo outra vez ao vê-lo correr e virar uma pira incandescente diante de meus olhos. – Agi, mas já era tarde demais. O veneno já estava em meu organismo; já o sentia correr minhas veias. Abracei-me no cadáver de meu cachorro e deixei que ele me queimasse, achando que estaria morta no fim do processo. – E eu não estava tão errada, no final das contas, acrescentei mentalmente.

Nenhum dos vampiros além de Renesmee se acuou com a dor da memória – eles já sabiam muito bem qual era a sensação de ter o veneno no corpo. Os lobisomens, entretanto, tremiam, como se estivessem à espera do inimigo.

— Acordei no que me pareceu serem dias depois, debaixo de uma forte tempestade. O céu estava roxo e o vento rugia, a neve quase me enterrando. No entanto, nada daquilo me incomodava; apesar da secura na garganta, eu me sentia saudável e acomodada em um frio que devia estar me causando hipotermia. Então entendi, com horror, no que havia me transformado.

Trinquei os dentes, sentindo o grito da miragem ainda queimar minha garganta e a mão de Edward ficou mais firme no meu braço, dessa vez me restringindo – sem que eu percebesse, a mesa estava balançando desvairadamente.

— Soube de imediato que não poderia retornar. Se eu era como o demônio que me atacou... eu seria um perigo para Hans, a pessoa que eu mais amei na vida. Parti de Chicago sem nem me despedir, sabendo que estava deixando meu coração para trás. Segui para o sul e, bem, como encontrei mais áreas verdes, foi bem mais fácil me alimentar, já que me recusei a ser como o monstro que me atacou. – Dessa vez a ilusão foi mais suave, a de minhas caçadas nas matas inundadas de Sol; sorri maquiavelicamente com a reação dos lobisomens ao me verem morder um lobo. – Vivi escondida em meio as florestas de Indiana por três anos até me considerar controlada o suficiente para retornar a Chicago. Pareceu destino; voltei exatamente na semana em que os boatos acerca de Hans estar no leito de morte se espalharam pela cidade. – Parei de novo, editando mais; a imagem foi direto da minha chegada para o cemitério. – Fiquei para o funeral dele, embora tenha acompanhado de longe. Depois disso, roubei alguns de meus pertences de família que ficaram com os Van der Haar e nunca mais regressei a Chicago.

Somente percebi que estava chorando quando Edward pegou uma lágrima com o indicador, os braços se estreitando à minha volta. Ele sabia bem como era perder a pessoa amada – a diferença era que a dele retornou e a minha não. Sequei o rosto e respirei fundo, fazendo pose de corajosa, alterando a lembrança para um palco que eu conhecia bem.

— Desde então, tentei fazer tudo o que não pude fazer quando era humana; viajei para a Europa e dancei como primeira solista nas melhores companhias de ballet do mundo, como por exemplo The Royal Ballet ou Paris Opera Ballet.

— Você é bailarina? – quis saber Rosalie, o que fez Edward revirar os olhos.

— Anneliese era simplesmente a melhor bailarina de Chicago – respondeu ele por mim, com um orgulho presunçoso na voz. – Foi convidada para dançar na Kirov Academy of Ballet aos quinze anos, mas não pôde ir porque nossos pais não autorizaram. Isso sem mencionar o noivado com Hans.

Fiz uma careta. Não foi bem isso o que aconteceu.

Resolvi desviar o assunto:

— Eu estava dançando no Bolshoi Ballet em Moscou no fim da década de 1920 quando conheci Joseph. A peça era Giselle e percebi desde o primeiro ato que ele e o garoto pálido ao seu lado me analisavam minuciosamente. Assim que as cortinas se fecharam e se acabaram os cumprimentos, eles vieram até mim, sabendo muito bem o que eu era e como vivia. – A imagem de seus rostos vacilou na minha frente; tive que me conter para não virar a cara. – Joseph Dalaker e o filho postiço David, se apresentaram. Ficaram muito curiosos a meu respeito, sobretudo quando meu poder, na época completamente desconhecido para mim, se manifestou sobre eles. Fiquei tão assustada quando comecei a mover objetos com o pensamento, a sentir coisas debaixo do solo... Não levou mais de dois dias para que me oferecessem um lugar a seu lado e eu não hesitei em aceitar; mesmo que estivesse dançando como sempre quis, me sentia tão solitária... – A sequência de recordações acabou e de súbito estávamos todos de volta à sala de jantar dos Cullen. – Em suma, isso é tudo.

De início, todos se mantiveram imóveis, ainda incapacitados pelo que viram. A despeito da comoção comum com meu novo poder, Esme me olhava com pena sob os braços de Carlisle e até para Rosalie eu parecia menos estranha. Entre a maioria esmagadora que não conseguia me olhar nos olhos outra vez – como se eu fosse um filhote ferido definhando até a morte –, duas reações se destacavam, a de Renesmee e a de Seth. Seth estaria me abraçando se Edward não o estivesse fazendo, Renesmee, porém, não se importou em fazê-lo. Saiu do colo de Jacob e veio correndo para nós. Senti seus dedinhos mínimos apertando os meus; a granada que dei a ela ainda entre eles.

— Ah, minha irmãzinha... – Edward me segurou mais forte. – Eu sinto tanto...

— Não sinta. – Limpei o que sobrou das lágrimas; estava cansada de chorar. – Estou aqui agora e é o que importa.

— Espere! – Quil falou pela primeira vez; pelo que entendi, ele também não era muito fã da intimidade com os Cullen. – Eu não entendi uma coisa. Como exatamente você veio parar em Forks?

Fiquei imediatamente na defensiva.

— Já disse, encontrei Nahuel, o meio-vampiro. Sou uma híbrida por causa dele. Foi Nahuel quem... me forneceu informações sobre Edward. E eu precisei vir me certificar de que era verídico.

Jasper deu um passo, Alice ficando atrás dele, protegida da minha repentina mudança de emoções.

— Informações, você disse. Que tipo de informações? Até onde sei, poderia ser qualquer Edward.

Endireitei a postura, procurando uma resposta – que não a verdadeira –, mas Leah me apontou o dedo, acusadora:

— Talvez o tipo de “informação” que ela usou para entrar nos segredos da tribo, quando ela tocou em mim.

Baixei a cabeça. Droga, droga, droga. Mil vezes droga. Leah e sua boca maldita. Eu não precisava mais inventar nada; no ato Edward ligou os pontos e compreendeu o que jamais deveria saber, que eu tinha o dom daquele carrasco desgraçado, Aro Volturi. Edward me largou como se eu tivesse em chamas, encarando-me com a mesma acusação de Leah.

Sem alternativas para protelar aquilo e não querendo dar chances para ele começar de novo o interrogatório, fechei os olhos e deixei vir para a mente deles a lembrança que mais me apavorava, a que mais me feria. Não precisei narrar nada dessa vez; esse era o tipo de lembrança assustadora que falava por si só.

 

A rica e úmida floresta de Bergen se distendeu para uma área circular, iluminada pelos raros raios de Sol do inverno. David e eu paramos, estáticos de choque, ao contar seis vampiros na campina além de Joseph; seis figuras assustadoras vestidas de capas cor de ébano do pescoço aos pés. Como se isso não bastasse, Joe estava ajoelhado entre as ervas daninhas, cada braço segurado firmemente por dois deles, um grande e corpulento e outro mais magro e baixo, porém igualmente letal.

Não precisei de apresentações. Eram os Volturi e sua Guarda de tiranos.

— O que está acontecendo aqui? – rosnou David ao que eu reprimia o ímpeto de correr para ajudar Joseph.

O vampiro no centro do grupo se aproximou com uma pequena garota morena quase pregada ao seu manto, os outros atrás também reagindo ao movimento. Sua pele conseguia ser mais branca que o normal e parecia um pouco porosa, os cabelos negros e compridos nos ombros oferecendo um contraste desorientador. Os leitosos olhos vermelho-carmesim – olhos de quem se alimentava de sangue humano – brilhavam com evidente interesse, deliciados por nos ver. O sorriso despertou cada pedaço do senso de autopreservação que eu tinha no corpo.

Aro. O notório líder Volturi que Joseph temia que nos encontrasse. E, no entanto, ali estávamos nós, cara a cara. Retesei-me com o perigo iminente.

— David e Anna, que prazer poder vê-los! – saudou ele, relaxado e gentil como se já nos conhecêssemos. O seu tom de voz praticamente nos endeusava. – Fico feliz que tenham se juntado à nossa pequena reunião!

Meus punhos se apertaram ao lado do corpo, convocando a gravidade – Joseph nos alertara acerca daqueles teatrinhos lamentáveis. À minha volta, gotas d’água brilhavam como pequenos diamantes ao refletirem a luz do Sol.

— Solte-o – ordenei e a onda de dor me invadiu como um punhal. Deixei escapar um grito que não parecia meu e, antes que notasse, estava com a cara enfiada na grama. Contorci-me no chão, em agonia pura, deduzindo entre os espasmos que se tratava de Jane e seu poder demoníaco.

— Pare! – esganiçou Joseph, em pânico. – Pare, deixe-a em paz! O problema é comigo! Deixe meus filhos partirem, eles não têm nada a ver com isso!

Ofeguei ao que a dor cedia, tendo um vislumbre do rosto de Jane me encarando com um sorriso diabólico no rosto infantil – algo inteiramente adequado ao seu poder. Mesmo caída, vi Aro se voltar para Joseph com falsa decepção.

— Ah, mas é nisso que você se engana, meu caro – ronronou. – Você praticou um delito contra a ordem de nosso mundo e o compartilhou com estes jovens, tornando-os cúmplices.

Levantei-me depressa ao ver os braços de David tensionados. Sabia que aquilo estava próximo demais de acabar muito mal.

— Delito? Que delito? Joseph nunca fez nada! – contrariou Dave.

Aro mostrava estar se divertindo:

— Não mesmo? – objetou, como que para uma criança teimosa. – Joseph Dalaker compactuou com a escória romena, passando informações sigilosas do tempo em que serviu na Guarda, para nos tirar do poder usando seus dons, crianças talentosas. Rumores alcançaram nosso lar em Volterra e viemos nos asseverar que se tratavam apenas de boatos desventurados. Infelizmente, estive na mente dele o suficiente para chegar à conclusão de que não é este o caso.

— Do que está falando? – perguntei, a mão agarrada no braço de David para segurá-lo, pois ele estava prestes a explodir a qualquer momento. – Nós nunca...

— Eu sei que não, valiosa Anna – Aro me cortou como uma navalha. – E é apenas por estar convencido de sua inocência que você não está assim como ele. Tenho dúvidas quanto a seu jovem irmão David, entretanto.

David se interpôs entre Aro e eu, fuzilando-o com os olhos:

— Mentiroso – acusou em mais um rosnado. – Você a quer para si. É por isso que está aqui maquinando esses subterfúgios ridículos. Quer Anne nesta sua abominável coleção de peças vivas...!

Quem agora tombou em uma espiral de dor foi David, mas eu não fiquei inerte. Fiz um violento gesto na direção da pequena garota de cabelos castanho-claros e sua cabeça girou acima do pescoço em um movimento nada natural, caindo e quicando pela grama até os pés do seu gêmeo. Levitei a cabeça decapitada até onde estávamos e a segurei entre os dedos – deixando meu poder absorver aquela porcaria de dom – antes de atirar para o lado feito uma fruta podre.

David se recompôs no mesmo instante em que Alec gritou a plenos pulmões, liberando uma névoa branca e densa que se arrastava sobre a grama; o restante deles agachou em posição de ataque e nós corremos contra eles, sabendo que a luta era inevitável. David afastou com a mente a garota no flanco de Aro no exato segundo em que voei no seu pescoço, minhas mãos brilhando ao contato com sua pele estranha antes de torcê-lo. Nem me dei ao trabalho de destruí-lo; apenas o afastei de meu caminho e segui em linha reta até Joseph, tentando desesperadamente salvá-lo.

Mas não fui rápida o bastante. Joseph já estava desmembrado e o grandalhão o carbonizou com um isqueiro antes que pudéssemos impedi-lo.

 

Abri os olhos, interrompendo abruptamente a visão – certamente aquilo já era o suficiente para dar todas as explicações que eles queriam de mim.

— Não vou obriga-los a assistir tudo – grunhi, já marchando rumo à saída mais próxima. – Vocês não precisam ter meus pesadelos também.



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