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História Estrela da Tarde - Casamento Quileute


Escrita por: AmetistaPurpura

Capítulo 8 - Casamento Quileute


As risadas eram tão altas e escandalosas que eu tinha a impressão de que podiam nos escutar de lá da rodovia. Emmett me deu um carinhoso cascudo enquanto eu tentava esconder o rosto em brasa no abraço de Esme. Estávamos no sofá da sala de estar, meu álbum de fotografias do tamanho da mesa de centro aberto no colo.

— Você só pode estar brincando! – uivou Emmett. – Axl Rose tentou beijar você?

Fiquei impossivelmente mais vermelha ao que Alice e Jasper, de pé nas costas do sofá, se inclinaram acima de nós para olhar a foto do show do Guns N’Roses em Londres em 1987. Na época, eu ainda tinha olhos amarelos, mas a camisetas de bandas e couro já eram itens corriqueiros no meu guarda-roupa. Nessa foto específica, eu apareço de jaqueta jeans e saia de couro preto, abraçada junto a Dave e o resto da banda com aquela velha expressão de “Me tirem daqui”.

Deslizei o indicador na superfície da foto enquanto explicava, me demorando no rosto de Dave:

— Não, é sério. Fomos ao camarim depois do show para pedir um autógrafo, mas ele estava tão drogado que se jogou em cima de mim! Tive que segurar David para impedi-lo de pular no pescoço dele.

Mais risos ecoaram pela casa. Só nós cinco nos encontrávamos ali; era domingo de tarde e Carlisle tinha plantão no hospital até o anoitecer, Rosalie estava enfurnada na garagem com sua BMW e Edward não ainda havia aparecido com Bella e Renesmee. Eu tinha planejado mostrar o álbum todo antes que Edward desse o ar da graça.

Aquele álbum era o tesouro mais precioso da minha caixa de lembranças, no qual o havia registro de cada acontecimento maluco ou idiota daquele último século e, sobretudo, das pessoas que conheci nele. Nas décadas anteriores à era digital, era muito comum eu andar com uma câmera fotográfica – daquelas gigantes que exigiam uma bolsa específica – debaixo do braço e fui recompensada com os mais de mil retratos dos mais peculiares que alguém já viu. A maioria era com músicos e bailarinos que eu admirava, muitos seguidos pela mídia – o que tornava meu passatempo perigoso e eu não queria ouvir os sermões do Reverendo Eddie.

Havia uma no set de filmagem de Ritmo Louco com Ginger Rogers e Fred Astaire – eu simplesmente amava o estilo de dança deles e fingi ser a garota do café só para conseguir aquela foto. Uma com Marilyn Monroe em alguma festa de gala em Hollywood – eu parecia magra e alta demais ao lado dela, ambas fazendo a icônica pose do vestido no duto de ar. Uma na recepção do casamento da Princesa Grace Kelly em Mônaco – a última cópia existente, o restante incendiamos para evitar que saísse no impresso em algum jornal. Uma com Martha Graham, segunda entre minhas bailarinas favoritas, diante da fachada da sua companhia de dança. Uma com Jimi Hendrix em Londres, tirada na mesma semana que fotografei com The Beatles. Uma com a banda Queen— jamais contarei a ninguém que fui figurante do clipe de I want to break free. Olhar para aquelas fotos, em que mais da metade Joseph ou David apareciam comigo, costumava ser difícil e excruciante, mas ali com os Cullen, tudo de repente parecia...saudoso.

— Pelo menos, você conseguiu o autógrafo – murmurou Alice, apontando o rabisco de Axl do lado do de Slash. Eu plastificava todos os autógrafos que conseguia e os emoldurava junto das respectivas fotografias.

— É, a banda toda me deu autógrafos, se desculpando. – Virei a página para os odiáveis anos 1990, onde havia poucas imagens, sendo que as que mais se sobressaíam eram a com Oprah Winfrey no aeroporto de New York, a com o Aerosmith em Paris no show de 1992, e a de David e eu fantasiados de Gomez e Mortícia Addams no Halloween de 1993. Depois disso, um enorme vácuo temporal até a do cemitério em Chicago. Eu tinha razão sobre a minha expressão; parecia que estava levando um choque.

Jasper tocou-a, o dedo branco correndo pela inscrição da lápide:

— Isso é um pouco mórbido, não?

— Prefiro a palavra paradoxal. Como a coleção de chapéus de formatura – indiquei a moldura na parede.

Fechei o álbum e Emmett saltou de pé:

— Achei a ideia um barato. Estou pensando até em voltar à Gatlinburg para procurar o meu túmulo.

— Posso ir com você – ofereci. – Poderíamos fazer um ensaio fotográfico bem gótico. Já somos vampiros, de qualquer forma.

Ele jogou a cabeça para trás, gargalhando:

— Você é hilária, garota! Bate aqui! – E ergueu a mão. Retribuí o cumprimento no mesmo tempo em que escutei um carro se aproximando na estrada.

— Quem está chegando? – Esme levantou o olhar para Alice. – Charlie?

Torci para que não. Não gostava de refrear meus talentos dentro de casa só porque o pai da Bella tinha coração fraco. No entanto, Alice negou com a cabeça:

— Charlie está com Sue – respondeu. – E eu prefiro não dizer o que estão fazendo.

A visão lampejou por meus olhos, fazendo-me franzir a testa.

— São Jacob e Seth – afirmei, saindo do sofá em direção à escada.  – Até no domingo? Bem, mes amours, estarei no meu quarto, se precisarem de mim.

— Com medo de não resistir aos encantos do garoto-lobo? – desafiou Emmett.

— Vá à merda, Emmett. – Meus dedos se contraíram sob a capa do álbum, mas não me virei; não queria que ele visse meu rosto corado.

Meiga como um coice de mula, escutei o pensamento risonho, ao longe.

Parei no pé da escada. Eddie? Onde você está?

Bella e eu levamos Renesmee para caçar. Acabamos de trocar de roupa e estamos chegando aí.

Achei estranho; o modo como ele pesou as palavras sugeria que Edward parecia estar se esforçando para esconder algo. Quando investiguei, um rosnado gutural me escapou entredentes.

— Ah, não! – gritei, sobressaltando todos na sala. – Sem essa, Eddie! Eu não vou!

Não levou mais de dez segundos para ele e Bella alcançarem silenciosamente a sala de estar pela entrada dos fundos. Renesmee se dependurava feito uma macaquinha nas costas da mãe, o casaco-vestido cor de rosa com fileira dupla de botões destacando o marfim suave da pele. Flagrei-a coçando a calça de lã preta um pouco acima da bota; ela não estava acostumada a usar peças tão quentes, mas as pessoas reparariam se ela não estivesse com vestimentas correspondentes ao inverno úmido de Washington.

E, aparentemente, Renesmee ia ver inúmeras pessoas naquele dia. No casamento de Sam e Emily, dali a duas horas.

A que Edward queria que eu fosse junto.

Só sobre meus pedaços!

Edward apertou a ponte do nariz, ciente de que eu não ia ceder sem uma boa briga.

— Anna, encare isso como uma missão diplomática. Nós estamos em paz com os quileutes agora e fomos convidados, porém não podemos sair hoje porque está um sol dos infernos em La Push. Tem que haver ao menos um Cullen para demarcar nossa posição, e quem melhor do que a recém-chegada à Forks?

Semicerrei os olhos para ele. Edward decidiu somente de última hora me mandar como emissária para não me dar tempo de escapulir. Filho da mãe.

— Não sou uma Cullen – rebati, porque infelizmente não havia outra contestação para o argumento dele. – Foi sugestão de vocês mesmos que eu continuasse sendo o que sempre fui. Uma Masen.

Emmett riu baixinho. Nenhum deles demorou para especular o que perderam na discussão.

— Sim, mas mora com os Cullen, o que já faz de você um membro da família. Vá com Renesmee. Socialize. Isso ao menos apaziguaria um pouco os rumores a nosso respeito.

— Duvido muito. – Desviei os olhos para a porta com um nervosismo mal disfarçado, ouvindo Jacob estacionar o Volkswagen. – Não acha que é justamente o fato de estar apenas nós duas lá que vai fomentar as fofocas?

Edward deu de ombros, vendo que estava com a vantagem.

— Não exatamente. Todos acham que Emmett, Rosalie, Alice e Jasper estão na faculdade do outro lado do país. Bella e eu estamos na Noruega resolvendo os detalhes da adoção de Renesmee e de sua guarda, já que, teoricamente, você ainda é de menoridade. – Ele sorriu, irônico. – E Esme... bom, ela não iria em uma festa de casamento sem Carlisle.

Esme aquiesceu e caminhou até a porta delicadamente, quase flutuando. Abriu-a no instante em que Jacob adentrou, os braços dentro do traje a rigor negro já abertos em convite para Renesmee, que saltitou de Bella até ele. Seth, usando terno azul-marinho com colete sem gravata, se manteve ligeiramente em seu flanco – os olhos de ônix brilharam quando pousaram em mim, veneradores, feito um devoto diante de um deus, feito um sonhador contemplando a Lua.

Enchi-me de uma ira fulminante, volvendo-me para Edward:

— Trapaceiro – acusei. – Me aguarde. Isso vai lhe custar muito caro.

Ele ignorou minhas ameaças.

— Vista algo bonito. E rápido. Além do mais, o que você tinha programado para hoje? Pizza e filmes ruins na TV?

Subi as escadas, não me dando ao trabalho de confirmar a suposição dele e praguejando palavrões que normalmente fariam Esme esfregar minha boca com água sanitária. Bati a porta com força ao chegar no meu quarto – as dobradiças tremeram com o impacto. Guardei com cuidado o álbum na caixa de lembranças à medida em que pensava em alguma roupa apropriada a um casamento. Se fosse por mim, eu iria do jeitinho que estava, de camiseta do Batman, jeans surrado com spikes e sapatos creepers. Mas como eu não pretendia envergonhar Esme, era melhor me empenhar.

Acabei optando por um vestido preto ombro a ombro, recoberto de renda e pedrarias nas mangas compridas e no decote com formato de coração até a cintura, a saia ligeiramente ampla terminado a um palmo acima do joelho. Era um vestido mais voltado para noite, então peguei um casaco vermelho para criar um contraste e um equilíbrio com ponto de cor. Para complementar, escolhi uma meia-calça com efeito de 7/8, botas curtas de salto baixo e um colar discreto. Enrolei meus cachos castanho-avermelhados no alto com alguns grampos e, como minha pele era perfeita, usei somente lápis e rímel para destacar o olhar. Ficou bem elegante e feminino, nada muito exagerado apesar das meias.

Tive o deleite de ver o queixo de Edward roçar o chão quando surgi na altura da escada quinze minutos mais tarde, descendo com passos lentos e premeditados. Alice piscou para mim, o que significava que minhas escolhas estavam aprovadas. Tentei ignorar a reação de Seth, mas os olhos dele, com as pupilas dilatadas, flamejaram como estrelas no escuro da meia-noite.

— Adequado? – indaguei Edward ao parar, as mãos na cintura.

— Não está um pouco... sombrio e libertino para um casamento?

— É, até parece que está querendo arranjar um namorado – observou Emmett, apertando os olhos para Seth.

Bufei, segurando o impulso de mostrar o dedo do meio para o piadista.

— Eu sou uma pessoa sombria e libertina, Eddie. Se essa for a sua premissa, eu devia ficar em casa. Ou... talvez devesse passar algum tempo de qualidade com Tanya, o que acha? Aprender com a melhor sedutora de homens? – provoquei, o que fez Bella me atirar um olhar mortífero ao que Emmett ria da expressão de Edward, pois se ele pudesse corar, teria corado.

O discurso pudico parecia ter acabado, por isso Esme correu até à cozinha e voltou com uma grande caixa lacrada em papel dourado nos braços – grande o suficiente para eu conseguir me encolher dentro dela.

— Anna, minha querida, poderia aproveitar a oportunidade e levar isto aqui? – pediu, me estendendo a caixa. – Eu pretendia solicitar este favor a Jacob, mas já que você vai ao casamento, pode transmitir meus mais sinceros votos de felicidade à Emily e Sam.

— Com todo o prazer, Esme. – Farejei a caixa. – Porcelana inglesa?

Ela assentiu e eu dei um beijo em seu rosto frio para me despedir. Até mais tarde, mãe, disse mentalmente; ela me abriu um sorriso emocionado cheio de adoráveis covinhas.

— Então, podemos ir, Lady Drácula? – Jacob perguntou sem olhar para mim; estava ocupado demais admirando o rostinho de anjo de Renesmee.

Ignorei o deboche:

— Já podiam ter ido, na verdade. Eu vou sozinha, com meu carro. Assim, posso voltar a hora que quiser.

Edward esfregou a testa, como se sentisse dor de cabeça.

— Fique ao menos até o fim da cerimônia, Anna.

— Farei o possível. E é melhor o meu jantar estar pronto quando eu voltar, Ed. Não vai querer me ver irritada e com fome.

— Não se esqueça de tirar fotos – sugeriu Emmett, zombeteiro. – Precisa de mais momentos cômicos para o álbum.

— Não use seus poderes em público – orientou Alice.

— Não ataque nenhum lobisomem, por mais que ele a irrite – completou Jasper.

— Seja uma boa garota – sintetizou Esme. – Você consegue.

Suspirei pesado, andando rumo à garagem.

— Não se preocupem – falei sobre o ombro. – Serei o ápice da simpatia.

Eu já me encontrava em meio à uma fileira de carros de luxo quando escutei o murmúrio de Edward:

— E é isso o que me preocupa.

Rosalie não saiu debaixo do chassi do seu chamativo BMW vermelho quando passei por ela – fiquei satisfeita por não precisarmos forçar qualquer interação. Eu não ia com a cara dela e ela menos ainda com a minha – sobretudo ao descobrir que eu era melhor musicista. Tirei as chaves do bolso do casaco e apertei o botão do controle remoto; o Jaguar preto lustroso que eu tinha desde a década de 1960 piscou para mim na última vaga, do lado de um Porsche amarelo. Como não estava chovendo – e nem choveria, de acordo com minhas previsões –, baixei a capota elétrica rígida que mandei instalar recentemente, substituindo a de lona, e acomodei-me no banco de couro antes de jogar o presente para o lado. Consciente que iria passar uma baita raiva pelas próximas horas, estendi a mão para o porta-luvas e puxei um isqueiro e um cigarro do maço escondido ali dentro – eu estava a par da desaprovação de Edward com alguns de meus hábitos, então eu procurava afastá-los dele o máximo possível.

Acendi e dei uma longa tragada para então dar a partida; o motor roncou suavemente enquanto eu o colocava para trabalhar após tanto tempo juntando poeira na mansão em Bergen. Apertei o volante com o cigarro entre os dedos e percorri a pista apertada até os limites da propriedade, onde encontrei Jacob na guia, Seth no lado do carona e Renesmee no banco de trás do Volkswagen, me esperando.

Jacob assobiou em decrescente ao analisar a carroceria do Jaguar:

— Le-gal. – Ele dividiu a palavra. – Jaguar E-Type, um clássico.

— Tinha que ser como a dona – expliquei, soprando uma nuvem de fumaça. E não era mentira, assim feito eu o carro era antigo, solitário e felino. – Não precisa me indicar o caminho, eu sei onde é a casa de Emily.

— Encontro você lá. E não vale fazer desvios. Vou dedurar você para Edward se demorar para aparecer.

— Chegarei lá antes de você. – Meu pé desceu no pedal; o carro rosnou em desafio.

— Isso é uma aposta?

— Quer pagar para ver?

— Não, eu arrego. Há crianças neste veículo.

A pele sedosa de Seth assumiu um vermelho vivo.

— Pare de me constranger na frente dela— sibilou.

Puxei outro trago para esconder um sorriso. Era engraçado vê-lo sem jeito. Mas Seth captou esse sorriso e sorriu de volta, então pisei fundo no acelerador e ultrapassei Jacob, acenando sobre o ombro. Segui na direção do litoral e só parei ao alcançar o início de uma determinada rua – a casa de Emily era a última, mas havia tantos carros estacionados que não sobrou vaga para o meu. Eu estava no fim do terceiro cigarro quando Jacob manobrou o carro atrás de mim; resolvi espera-los porque ninguém na recepção me reconheceria se eu chegasse lá sozinha.

Logo que coloquei o pé para fora do carro, Seth veio ao meu encontro:

— Eu levo isso – murmurou, se curvando para pegar a caixa dourada. – Vai chamar atenção uma garota carregando tanto peso sem esforço.

— Vocês levam esse negócio de aparências bem a sério por aqui, não? – avaliei, guardando as chaves no bolso junto com o celular.

Ele me ofereceu um braço enquanto segurava a caixa com a outra. Como a dama que fui educada para ser, aceitei, mas fiquei me perguntando onde Seth aprendera esse tipo de etiqueta. Era bem antiquada.

— Tentamos. A propósito, você está deslumbrante – elogiou Seth, encabulado. – Fica muito bem de vermelho.

Corei um pouco, puxando-o para andarmos. Era mais fácil me manter focada em não ruborizar quando não o olhava nos olhos. Jacob ficou perto do carro tentando convencer Renesmee a andar e não se agarrar às costelas dele, mas na prática estava dando chances para Seth e eu conversarmos. Eu cooperei por compreender a situação perfeitamente; vi na mente do restante da matilha a tortura que foi aguentar Seth por dias se remoendo sobre o que fizera de errado comigo.

— É realmente uma pena, pois vou ter que tirá-lo.

— Só por que eu disse que fica bem em você? – questionou, os pequenos olhos saltados. Pensara ter me ofendido.

— Não, é porque está quente aqui. Não percebeu?

Ele fez uma careta.

— Na verdade, quase nunca percebo a diferença. Para mim, está sempre quente.

— Humm... Entendo. E obrigada, você também, er... – remexi as palavras na boca, que pareciam ter gosto de serragem – ... está muito bonito.

Seth sorriu largo, um sorriso de dentes brancos perfeitos que contrastava com a pele acobreada.

— Não precisa fingir elogios para mim, Anna.

— O pior é que não é fingimento. Apenas não estou acostumada a... elogiar homens por seus atributos masculinos.

— Percebo. Você está parecendo uma pimenta.

— Obrigada por constatar – resmunguei.

Ele mordeu o lábio inferior para conter o riso, na tentativa de me deixar mais confortável, imaginei. Era uma tentativa inútil, pois uma série de elementos me inquietava com a proximidade com Seth Clearwater, o cheiro sendo um. O cheiro dele me confundia. Era muito bom e péssimo ao mesmo tempo. Os humanos em geral cheiravam deliciosamente bem – que nem lasanha ou frango frito –, mas o sangue de lobisomem tinha um odor característico que os deixava muito próximos dos animais selvagens, por isso que para o olfato vampírico eles bloqueavam totalmente o fator comida. Mas Seth, além do cheiro de lobisomem, tinha uma mistura incomum de madeira em brasas, orvalho sobre pinhos e limão, ainda rústico... mas muito agradável. Pelo menos na forma humana.

— Você anda me evitando. – Sabia que, cedo ou tarde, ele chegaria nesse assunto.

— O quê? Não, não, de jeito nenhum – menti. – Concordamos em ser amigos, lembra?

— Eu sei, mas você parece estar tendo mais dificuldade com isso do que eu. Foi algo que fiz?

Pensei em mencionar o imprinting, porém eu tinha consciência de que não era culpa de Seth.

— Não seja bobo. Apenas estou tentando me adaptar com a vida em Forks, afinal, faz apenas cinco dias que me mudei.

Fitei-o de soslaio. Ele não engoliu minhas desculpas esfarrapadas:

— Pelo que eu tinha entendido, a cidade que você morava era muito parecida com Forks.

— E é. Mas eu não tinha esses novos poderes para controlar. Tenho a impressão de que se perder os arreios deles por um só segundo, eu entro em colapso. – Contorci a expressão ao terminar. Não era para eu contar a verdade. Mas falar com Seth era tão fácil.

— Então... é assustador ter tanto poder?

Sorri, pois a curiosidade era sincera. Os olhos dele faiscaram.

— Em parte do tempo, é estimulante. Às vezes me sinto a Mulher-Maravilha. No entanto, quando fecho os olhos... – Estremeci. – É um pesadelo.

Seth se calou por um momento, as memórias de cada vez que ele me viu usar meus poderes fervilhando no cérebro. Duas, em especial, mostraram atraí-lo; a primeira vez que nos vimos, na campina, eu com um campo de força levantando grãos de terra e facetas de minérios à minha volta, a expressão imersa em concentração pura. A outra de quando ele me observara dormir, eu gritando perdões e lamúrias aos quatro ventos, a cama abaixo de mim levitando, alguns objetos do quarto quebrando e se dissolvendo aos poucos. Não era difícil imaginar o que aconteceria se eu perdesse o controle de vez.

Reduzimos o passo, aproximando-nos do quintal da casa de Emily. A entrada estava decorada com um grande arco de flores brancas – rosas, angélicas, flores de laranjeira. Havia um pequeno canteiro de cravos delimitando a calçada e então mesas redondas cobertas com toalhas brancas de renda e flores se estendiam por todo o terreno, exceto no extremo norte, onde havia um altar montado sob um caramanchão de flores brancas silvestres e bancos de madeira enfileirados formando a nave. Um pouco para a esquerda, uma casinha minúscula de um cinza desbotado se erguia muito tímida, com mais cravos na jardineira. O local todo estava abarrotado de pessoas, homens com ternos modestos e mulheres em sua maioria com coloridos vestidos longos se arrastando na grama. Evidentemente, não seria fácil me misturar.

— Quer dizer que, se eu for visita-la amanhã, está tudo bem? – indagou, de repente, com uma alegria infantil no rosto.

— Visitar-me amanhã? – Minha voz subiu duas oitavas. – Para quê?

Ele hesitou, absorvendo com cuidado minha reação.

— É, amigos visitam um ao outro. Conversam. Sei que tem muita coisa que você sabe de mim, mas eu não tenho o mesmo meio de conseguir conhecer você.

De novo, sinceridade transparente.

— O que poderia querer saber de mim? – perguntei, ainda cautelosa.

— Bem, sei que você é bailarina. Ótima musicista, porque já a ouvi tocar de longe. Que adora cães e que consegue comer o suprimento inteiro de um bunker em duas horas. – Rimos ao que ele deu de ombros. – Mas ainda tem tantas coisas... Por exemplo, que tipo de filmes gosta? Os livros que já leu e os que pretende ler, os autores que prefere...

Seth continuou tagarelando acerca dos pormenores que o interessaria, porém não consegui escutar. Senti-me horrível; uma dúbia criatura noturna incapaz de compreender a luz, a clareza e a naturalidade da pessoa ao meu lado. Isso porque eu era alguém tão habituada à malícia, à ganância e à mentira que era perturbador descobrir que ainda existia pureza. E isso não era consequência do imprinting. A despeito de ele ser metade-lobo e eu metade-vampira, se fôssemos apenas dois jovenzinhos humanos, ele agiria da mesma forma, porque aquilo era Seth sendo simplesmente Seth.

Sua voz pesarosa me tirou de minhas divagações:

— O que foi que eu fiz, Anna? – quis saber ao ver-me desmoronar.

— Nada, acredite. Você está sendo um perfeito cavalheiro, Seth. – Não quis ter que explicar para ele que, na minha época, visitar uma moça em casa era praticamente um cortejo, dois passos antes do matrimônio. Era algo arcaico que não batia com as pretensões descomplicadas de um rapaz deste século.

Uma garota morena – visivelmente uma das damas de honra, a julgar pelo vestido amarelo repetido – nos recebeu no arco de flores com uma prancheta nas mãos. Os cabelos caíam como cortinas de seda negra junto ao rosto de feições largas, olhos mínimos e boca muito comprida e carnuda – uma beleza bem mediana. Kim, a garota de Jared Cameron. Ela pareceu bem simpática ao cumprimentar Seth, mas seu olhar desceu e subiu por mim duas vezes. Até eu sabia que medir as pessoas nas regras de comportamento atuais era indelicado.

— Oi, Seth. Sua mãe acabou de entrar com Charlie. – E me olhou outra vez, batucando a caneta na lista de convidados. – Não vai me apresentar à sua amiga?

— Se bem conheço Jared, você já deve ter ouvido falar dela. Kim, esta é Anna Masen.

Kim ergueu a sobrancelha, sardônica.

— A nova garota dos Cullen? O que ela faz aqui, debaixo dessa claridade, e com você? Jared me disse que ela o odeia.

Enrijeci-me, incomodada com o tom de voz enojado e com o modo que Kim falava de mim, como se eu estivesse ausente, como se eu fosse um fantasma. Recostei-me mais em Seth, querendo dar exatamente a impressão de que éramos íntimos e inclinei-me para lhe dar um beijo na bochecha. O arrepio que o percorreu do pescoço até as pernas foi algo que eu não esperava.

— Ao que parece, Jared não lhe disse tudo – retruquei, fuzilando-a com o olhar. – Poderia nos dizer onde estão deixando os presentes?

Ela abaixou os olhos de contas para a lista, envergonhada:

— Na mesa da varanda, por ali – direcionou com a caneta.

— Agradecida – cuspi.

Arrastei Seth pelo braço para longe daquela garota através do jardim – os convidados nos encaravam indiscretamente e cochichavam, curiosos, embora eu não tenha dado atenção. Seth colaborou com minha impaciência; esperou nos afastarmos de Kim para rir em soluços baixos.

— Você e Leah vão se dar muito bem – concluiu.

Não respondi, ainda irritada. Ao alcançarmos o cercado da varanda, apanhei a caixa de Seth e o entreguei a uma mulher – também de amarelo – que estava organizando tudo com o maior cuidado para não danificar nada que fosse frágil. Abby, a irmã mais velha de Emily e mãe de Claire. Ela cambaleou com o peso da porcelana e empurrou a caixa para debaixo da mesa, já que não havia mais espaço.

— Olha só... – A voz cínica de Quil me fez girar os calcanhares. – A garota Jedi resolveu agraciar os reles mortais com a sua companhia. Como vai, Anneliese?

Não me surpreendi ao me deparar com Quil segurando uma bebezinha; era quase impossível para os lobos conseguir passar muito tempo afastado de seu objeto de imprinting— Jacob chegando logo atrás de Quil com Renesmee era um lembrete doloroso deste fato. Claire era ainda menor do que eu tinha pressuposto – a costura do vestido amarelo-claro de daminha de alianças ficava folgada na cintura. Ela era adorável; olhos castanhos, bochechas grandes e gordas e cabelo muito negro e muito rebelde.

Nem me dei ao trabalho de corrigir o nome:

— Quil, por favor, hoje não. Meu humor não está dos melhores.

— E quando está? – Embry parou atrás do amigo e o cumprimentou com o aperto por cima do ombro. O terno cinza-grafite caía com perfeição nele.

Bufei.

— Ainda não me viu em um dia verdadeiramente ruim. E reze para que nenhum de vocês tenha que ver.

— Se é assim, por que está aqui? – Os olhos de Quil corriam de Seth para mim.

Tirei o casaco e dei os ombros eloquentemente, dobrando-o nos antebraços.

— Por livre e espontânea pressão. Edward me induziu a vir, quer que eu acredite que está me testando acerca de como reajo com a vida pública. Mas na realidade só quer que eu faça amigos, o que é idiotice. Se eu quiser amigos, não vou vir procurar na reserva.

Embry pousou a mão no peito, fingindo estar ultrajado.

— Ai. Afiada com as palavras, não?

— Kim, que o diga – acrescentou Seth.

Os lobisomens da matilha de Sam Uley vieram aos poucos para se apresentar – se desculpar pelo ataque, melhor dizendo – e fiquei chocada por notar que a maioria não passava de crianças. Paul Lahote e Jared Cameron já eram rapazes na casa dos vinte, porém Collin, Brady e Jason não tinham mais que treze ou quatorze anos, mesmo que fossem um tanto altos e corpulentos para a idade.

A dispersão dos convidados teve fim logo que o noivo chegou, nervoso a ponto de suar frio dentro do terno preto-carvão, disfarçando a tensão em uma postura ereta. Seth foi gentil e me guiou até o banco onde Sue e Charlie se encontravam e, por Deus, usei toda a minha força mental para bloquear a imagem do que eles estavam fazendo dentro do carro meia hora antes. Eca. Charlie ficou muito surpreso por me ver em La Push – pois eu não fazia segredo para ninguém da minha aversão aos lobos – e se esqueceu disso assim que Renesmee dançou até seus braços. Já Sue, a despeito de já esperar pela minha desnecessária presença, era um eufemismo medíocre dizer que ela não parecia feliz – soprei um beijo para ela quando Seth fez questão de se sentar entre nós duas e até tirei uma foto.

Uma dupla de moças com violino e violoncelo começaram a tocar a Ária da Quarta Corda, de Bach, e o pastor entrou, seguido por Sam Uley e seus padrinhos. Apesar da violinista não ser o que se chamaria de prodígio, a melodia se estendeu docemente e mudou de forma cadenciada para Ave Maria, de Franz Schubert— Leah, foi a primeira dama de honra a cruzar a nave, linda e gélida, acompanhada de Kim, Abby e Rachel, a irmã de Jacob.

Finalmente a marcha nupcial de Mendelssohn preencheu os ares e a noiva radiante saiu da casa agarrada ao braço do pai, caminhando ritmadamente até nós. Emily estava linda. O vestido tinha gola alta e compridas mangas de renda, a saia levemente volumosa. O véu era curto e delicado e envolvia com graciosidade o cabelo negro ondulado e o rosto maquiado com esmero, embora nem a maquiagem pudesse ter feito muito pelas três grossas cicatrizes na face direita. Mas Sam estava boquiaberto, incapaz de tirar os olhos dela.

A cerimônia foi maravilhosa e emocionante; os votos dos noivos foram tão sinceros e cheios de amor que fizeram até a durona da Sue encher os olhos d’água. Quando o pastor os declarou marido e esposa e Sam se inclinou para tomar os lábios de Emily em um beijo apaixonado, o povo explodiu em palmas e vivas. Eu, contudo, não consegui deixar de observar a reação de Leah. Ela sorriu – um sorriso genuíno – por ver aquele que amava feliz, ainda que não fosse com ela.

Isso me fez pensar em como aquela droga de imprinting era injusta. Criava apenas uma ramificada teia de reféns.

Fiquei na fila para congratular os noivos e vi Sam estreitar os olhos em fendas sanguinárias quando chegou minha vez e puxei Emily para um abraço. Ela não demonstrou assombro com a quentura que emanava de mim – a mão entrelaçada na de Sam dizia que ela já estava habituada a isso.

— Felicidades aos noivos em nome de toda a família Cullen. – Ri e me afastei para presentear Sam com meu famoso sorriso sarcástico. – Tem certeza de que não vai tentar morder minha mão hoje?

Sam agiu como se não tivesse ouvido e passou para as saudações do casal de idosos atrás de mim.

Sue, Charlie, Billy, Jacob, Renesmee, Seth e eu sentamos todos juntos em uma mesa afastada no canto do quintal, a festa avançando em absoluto tédio; havia tradições a serem respeitadas à risca e o garçom – sob ordens de Charlie – nem ao menos me deixou pegar uma taça de champanhe para ir suportando. Como que para acentuar meu aborrecimento, eu tinha que comer de modo controlado para não dar bandeira de que havia uma trituradora no meu estômago – o que era uma pena, porque as trufas de morango estavam divinas.

Mas o pior de tudo foi o imbecil que me chamou para dançar.

Diferentemente dos outros ávidos – que viam em Seth um empecilho e que, a essa altura, já sabiam que eu pertencia à polêmica família do médico pálido de Forks –, este se adiantou sobre nossa mesa durante a valsa e eu, em pânico, tive que aceitar – afinal, nenhuma dama, em hipótese alguma, rejeita o convite de um cavalheiro para uma dança. O rapaz, amigo de longa data da família Young, não fez qualquer esforço para ser educado; tinha os olhos pregados no meu decote enquanto girávamos e os pensamentos eram tão pervertidos e sem-vergonha quanto a expressão faminta.

 Eu estava me preparando para fazê-lo engolir os próprios dentes quando uma mão firme o bateu no ombro:

— Com licença, posso ter o prazer desta dança? – Seth pediu em um tom decidido e possessivo que não abria margem para oposição.

Soltei o ar, aliviada ao vê-lo. O desprezível saco de estrume comigo, nem tanto. Ele se distanciou de cara fechada e as mãos quentes de Seth substituíram delicadamente as dele, como se eu fosse de vidro. Engoli em seco diante de seu toque incomum – ele vinha cheio de faíscas de eletricidade que formigavam na pele de minha mão quase coberta pelos dedos imensos. O mais inusitado foi que essa sensação me pareceu conhecida, um déjà-vu, familiar feito o cheiro de breu na sapatilha de ponta, feito o assobio de meu pai na soleira da porta, feito os doces de maçã com canela que Molly preparava...

Minha nostalgia foi obstruída pelo olhar homicida que Seth lançava por cima de minha cabeça:

— O que foi? – perguntei, confusa. Seth estava furioso; a névoa de emoções que o envolvia estava vermelho-sangue. Isso me surpreendeu, pois não achei que houvesse coisas que pudessem enfurecer dessa maneira alguém sossegado feito Seth.

— Não gosto do jeito como esse sujeitinho olha para você. Não é muito respeitoso.

— Então é melhor você nem saber o que ele está pensando.

Sua expressão se amenizou quando ele encontrou o meu olhar.

— Talvez tenha razão. Pode ser que eu não consiga refrear minha vontade de arrancar os olhos dele.

— Pelo menos isso animaria essa festa caída.

Uma risada rouca escapou de seus lábios cheios e soprou o hálito de hortelã no meu rosto – peguei-me inclinando para sentir o aroma mais de perto. O sangue inflamou por debaixo da minha pele ao ver que Seth percebeu minha aproximação.

— Você dança muito mal, Seth – tentei disfarçar, rindo ao vê-lo se atrapalhar com seus dois pés esquerdos, todo desajeitado.

— Eu sei – suspirou. – Quem sabe a bailarina possa me ajudar.

Tentei ficar brava com ele por apelar para meu ponto fraco, porém meu sorriso se alargou mais, estragando meus planos.

— Posso tentar. Primeiro, endireite a postura. Cotovelos alinhados aos ombros. E ignore os passos quadrados, porque isso só torna a dança mais mecânica. Tente um ir-e-vir circular, mais natural, que flui com a música...

Fechei meus olhos e transferi para seus pensamentos os passos que eu queria dele. Demorou para ele conseguir se harmonizar comigo, mas de súbito estávamos resvalando como uma brisa amena pela pista de dança em impecável sincronia – ao som da Valsa das Flores, de Tchaikovsky. Deixei-me levar pela melodia floreada, me comunicando com a antiga linguagem da música, sentindo apenas ela e o bater palpitante de meu coração enquanto meus pés oscilavam instintivamente. Seth também demonstrou compreender esse idioma sem pátria definida. Ergueu-me no ar quando quis que me erguesse, girou-me no instante que era para girar.

Uma dança perfeita. Outro déjà-vu.

Repentinamente, a dança perfeita foi maculada. Meu coração se descompassou, os batimentos tropeçando um no outro antes de ganharem o dobro da velocidade. Minha respiração se tornou um arquejo fraco e eu me senti mais quente do que devia. Senti o toque das mãos de Seth no meu corpo com mais intensidade, o que me deixou chocada.

Abri os olhos e vi seu rosto a exato um centímetro do meu.

Reagi por impulso:

— Se tentar me beijar, eu quebro a sua cara – ameacei, empurrando-o para longe.

Saí pisando duro sem olhá-lo nos olhos, porque eu sabia que se o fizesse, automaticamente me sentiria culpada – Seth não tinha mais controle sobre as cordas do imprinting do que eu. Ignorando a expressão estupefata do pessoal na mesa, apanhei meu casaco e parti, deixando de sobreaviso para ninguém me seguir. E ninguém seguiu.

Foi somente quando estava dirigindo para casa que entendi o motivo aquilo tudo soar tão familiar.

Hans e eu conversamos pela primeira vez em um baile, no meio de uma valsa.


Notas Finais


Não me odeiem! Essa rispidez dela tem explicação, juro!
(Breu é o pó que bailarinas usam nas sapatilhas para não escorregarem)


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